sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O garrote


22.10.2015
NUNO MELO
Em quantos milhões de euros e sacrifícios futuros de um povo se poderá medir a ambição de um só homem que sonha ser primeiro-ministro não importa o quê? Em democracia quem vence vence e quem perde perde. Não se vence, tendo perdido. Destruir quatro anos de superação de dificuldades apenas porque alguém, na sua escala equivocada de prioridades, coloca a sobrevivência política à frente de tudo o resto, manifesta o egoísmo supremo. E não merece perdão.
António Costa pode romancear dizendo que "é como se estivéssemos a deitar abaixo o resto do Muro de Berlim". Só afirma o equívoco histórico de quem esquece que a queda do muro serviu, precisamente, para assegurar que o comunismo não voltaria ao poder sem ganhar nas urnas. Em Portugal, PCP e BE perderam. E o PS também, pelo que nessa medida não altera o facto.
Pode também ficcionar a promessa de estabilidade, à conta da junção de opostos inconciliáveis. Ninguém de bom senso acreditará que, a par do PS, trotskistas, marxistas e leninistas, aprovarão o que tenha que ver com a União Europeia, o euro, a NATO, o tratado orçamental, ou a manutenção da propriedade privada em setores como a banca, a energia ou a saúde. Significaria a anulação de si mesmos. Acontece que a legislatura será feita disso tudo.
Acrescem exemplos referenciais (pensava-se), que António Costa, sequestrado na sua fraqueza pelos setores radicais à esquerda, simplesmente recusa.
Quando em 1987 o PSD venceu sem maioria as eleições legislativas, o presidente da República Mário Soares rejeitou a possibilidade de um Governo do PS e do PRD, com o apoio parlamentar do PCP, empossando primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Mais tarde esclareceu:
"Fui colocado diante de uma hipotética coligação que sempre considerei contranatura, puramente artificial, e, por isso mesmo, repetidamente avisei que jamais favoreceria um acordo político desse tipo, que, na minha opinião, seria nefasto para o país".
Por seu lado, quando em 1996 o PS venceu sem maioria as eleições regionais nos Açores, o presidente da República Jorge Sampaio rejeitou a possibilidade de um Governo formado pelo PSD e CDS, empossando presidente do Governo Regional Carlos César. A este propósito, o ex-chefe da Casa Civil, João Serra, revelou:
Jorge Sampaio "(...) não dava governo a quem não tivesse ganhado nas urnas".
Em 2015 nada disso importa. Ferido de morte nessas mesmas urnas, António Costa deixou-se garrotar pelo PCP e BE, adversários de uma vida.
Sangrará ao ritmo que Jerónimo Sousa e Catarina Martins quiserem. E consigo o PS inteiro.

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