Guardas prisionais denunciam num ofício ao Ministério da Justiça "tratamento desigual" ao ex-primeiro-ministro. Avisam que a situação está a indignar os restantes reclusos e que poderá colocar em causa segurança na cadeia.
Há cerca de duas semanas que o ex-primeiro-ministro José Sócrates, preso preventivamente, estará a usar o gabinete do director adjunto da cadeia de Évora para efectuar chamadas telefónicas. Isto para contornar a aplicação desde então da restrição da duração dos telefonemas a cinco minutos. O sistema corta a chamada automaticamente. A denúncia é do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) num ofício enviado esta segunda-feira ao Ministério da Justiça e ao qual o PÚBLICO teve acesso.
“Agora que o sistema de telefone está a funcionar de acordo com a lei, o recluso José Sócrates quando pretende ligar desloca-se ao gabinete do adjunto do director, ficando este a aguardar fora do gabinete enquanto o recluso efectua as chamadas telefónicas”, acusam os guardas prisionais. O documento foi ainda enviado ao director da cadeia, José Ribeiro Pereira, e ao director geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes que o PÚBLICO tentou contactar várias vezes sem sucesso.
No ofício, sob o título Situações preocupantes no Estabelecimento Prisional de Évora, os guardas avisam que este “tratamento desigual” está a provocar instabilidade e que a segurança da prisão poderá vir a “estar em causa com uma alteração da ordem por parte dos reclusos em revolta”.
“Não confirmo nem desminto. Não vou falar sobre situações que fazem parte da vida interna da cadeia”, disse o director adjunto da prisão, José Luís Mendes, acusado pelos guardas de estar a beneficiar Sócrates em relação aos outros reclusos. Já o director José Ribeiro Pereira não quis comentar e remeteu para a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).
O Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais estabelece que o recluso pode “efectuar uma chamada telefónica por dia para o exterior, com a duração máxima de cinco minutos” e que essas chamadas são, “exclusivamente efectuadas através das cabinas”.
Questionada sobre se Sócrates está a usar o referido gabinete, sem limitações, a DGRSP desmentiu “que esteja a utilizar telefones que não estejam disponíveis aos restantes reclusos, tanto no quotidiano como em situações urgentes e excepcionais”.
Um dos advogados de Sócrates, Pedro Delille, disse que “o que está a acontecer é o contrário”, considerando que é Sócrates “quem está a ser discriminado negativamente”. “Há cerca de 15 dias que ele tem mais dificuldades em falar, pelo menos, com os advogados. Passou a poder fazer apenas uma chamada por dia”, afirmou Delille que acusa o director da prisão de ter recentemente recusado entregar um fax a Sócrates e de ter violado a sua correspondência.
Confrontado pelo PÚBLICO com as declarações do advogado, o presidente do SNCGP Jorge Alves reafirmou o teor do ofício. “A situação está a acontecer e à vista dos guardas prisionais. Sócrates entra no gabinete e o director adjunto sai enquanto ele faz telefonemas. A tensão está aumentar na cadeia e receamos que os restantes reclusos passem das palavras aos actos”, referiu. A cadeia tem 48 reclusos e 19 guardas prisionais.
No ofício, os guardas elencam ainda outras situações em que Sócrates estará a ter um tratamento de favor. “As visitas são em maior número que as dos restantes reclusos”, apontam, acrescentando ainda que não está a ser cumprido o regulamento no que respeita à acreditação e emissão de cartões-de-visita, ao número de visitas e ao seu tempo de duração. “Os dias determinados para visita são segunda, terça-feira, sábado e domingo e muitas visitas têm ocorrido noutros dias”, referiu Jorge Alves. A DGRSP insiste que as visitas têm obedecido ao “legalmente previsto”.
A alegada permissão para Sócrates usar calçado diferente (botas de cano alto), proibido aos restantes, estará também a indignar os outros reclusos.
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