28/09/2012
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Portuguesa, Mário Crespo Jornalista — ABM @ 6:18 pm
Mário
Crespo. Uma das suas mais memoráveis posturas é a forma magistral e suave como
ele sabe dizer “fuck you very much”. Tem algumas sérias ligações com aquele
outro Moçambique.
Reproduzido com vénia do JN, entrevista de Carla
Bernardino e Filomena Araújo. Setembro de 2012.
Adora vela, feiras de velharias e uma boa polémica.
Toca viola, sabe de cor os êxitos dos anos 60, é romântico e tem a língua
afiada. Conheça o homem por detrás do polémico pivô da SIC Notícias que
despertou a ira na RTP. Para onde quis voltar há meses.
É tudo menos um homem consensual. Os quase 40 anos de
jornalismo que já leva tornaram-no um dos mais conhecidos profissionais
televisivos. Mas também um dos mais polémicos. Dois anos depois de ter mostrado
uma T-shirt na Assembleia da República a gozar com José Sócrates, Mário Crespo
mostrou um quadro em excel no Jornal das 9. Tudo para provar a teoria
com que se tem despedido dos seus espectadores: “Passou mais um dia e a RTP
custou mais um milhão de euros.”
A sua cruzada contra a televisão pública não é de
hoje. Já em 1995, no extinto vespertino A Capital, defendeu a privatização da
empresa pública e o encerramento de um canal. Há quem lhe elogie a coerência,
mas os seus antigos colegas na RTP não lhe perdoam o que dizem ser uma campanha
contra uma casa que o acolheu e para onde Crespo quis voltar… ainda há oito
meses.
É que em janeiro deste ano escreveu uma carta ao então
presidente da RTP, assinada pelo seu próprio punho, a candidatar-se ao lugar de
correspondente em Washington, nos Estados Unidos, local onde sempre desejou
terminar a carreira como jornalista.
O caso provocou a ira na estação pública e o silêncio
na SIC. E também o de Mário Crespo que, apesar de várias tentativas na última
semana, não quis colaborar neste trabalho. Ele e muitos outros. É que entre as
cinco dezenas de antigos colegas, amigos, ex-amigos e políticos contactados
para este perfil, metade não quis falar em on.
Não foi o caso de Henrique Monteiro, administrador da
Impresa Publisher (do mesmo grupo da SIC). O antigo diretor do Expresso
declinou inicialmente falar sobre a sua relação com o jornalista de quem já foi
amigo, mas acabou por fazer uma única declaração. Arrasadora, por sinal: “Não
compreendo o nível de impunidade a que ele chegou, ele está para lá do nirvana,
acima de qualquer crítica que se possa fazer”, disse à Notícias TV.
Mas quem é o homem por detrás do pivô do Jornal das
9? O primeiro choro de Mário Crespo ecoou nas redondezas da Rua da Sofia,
uma das principais vias comerciais de Coimbra, no dia 13 de abril de 1947,
filho de Eduardo Ribeiro Crespo, bancário, e de Carmen de Assunção Rodrigues de
Sousa, professora.
Foi ainda em pequeno para Moçambique e os primeiros
relatos que chegam vêm precisamente do repórter. “Lembro-me de ir em 2.ª
[classe] e havia uma zona do barco, em 1.ª, que tinha ar condicionado.
Lembro-me do impacto de sentir muito calor, sobretudo quando chegávamos a São
Tomé e Príncipe, era quentíssimo, e eu com 6 ou 7 anos pensar: ‘Que fresquinho!
E cheira bem!’”, relatou numa entrevista ao semanário Sol, em 2010.
A geração da Coca-cola
As primeiras memórias de Mário Crespo chegam do tempo
da adolescência. “Ele era um companheiraço das festas em Lourenço Marques”,
recorda a fadista Maria João Quadros, que nunca lhe conheceu “nenhum irmão”.
Ligeiramente mais nova do que o pivô da SIC Notícias, lembra-se bem dele. Uma
geração que, relata, ficou conhecida por ser a da Coca-Cola, por ser finalmente
possível bebê-las livremente. “Tínhamos todos 15, 16, 18 anos e andávamos nas
nossas brincadeiras. Para além da Escola Comercial ou do Liceu Salazar – que o
Mário frequentou – havia a praia, a piscina e as festas à noite. Aos fins de
semana íamos para Inhambane, para a praia do Bilene, todos juntos, eram dois
dias a rir”, recorda.
Maria João não consegue enumerar um momento
particular, mas lembra-se de Mário ser, à data, “um apaixonado por vela”. Na
altura, desfia a fadista, “era pacato, tinha um senso de humor bestial, na sua
pacatez e no seu jeito sonsinho, ele tinha sempre umas tiradas geniais.” Se era
ou não namoradeiro, Maria João Quadros simplifica: “Éramos todos muito
namoradeiros, éramos muito felizes. A vida era muito diferente, nós éramos
cabeças ao léu, almas ao léu, bem criados, bem nascidos e a família era o pilar
de tudo isto.”
Tony de Freitas, um antigo amigo de Moçambique,
reparou, porém, em características bem diferentes quando se cruzou com Crespo
pela primeira vez. “Ele era ainda estudante e conheci-o no âmbito de uma
excursão que a escola fez em Inhaca”, numa visita de estudo à estação biológica
da ilha. As datas são difíceis de precisar, mas não o olhar. “Eu tinha à volta
de 30 anos e ele era um garoto. Era um rapaz de quem era fácil ser amigo, era
uma pessoa que saltava logo à vista, extrovertido”, conta este investigador de
zoologia que ainda hoje permanece em Durban, África do Sul.
Por essa altura, já Mário viveria apenas só com a mãe,
Carmen, que entretanto se divorciara do pai. Processo judicial que terá sido,
afiançam à Notícias TV, tratado por Almeida Santos. O histórico
presidente do Partido Socialista não se recorda: “Foram tantos processos.
Cheguei a Moçambique em 1953, cruzámo-nos lá, mas não tenho memória disso. O
Mário deveria ser um jovem. Mas conheci-o melhor em Nova Iorque e gostei muito
dele”, conta à nossa revista.
Lisboa- Lourenço Marques
Veio para a metrópole e ingressou depois no Instituto
Superior Técnico, em Engenharia. Desistiria um ano depois. Na entrevista ao
Sol, Crespo revelou como desistiu. “Disse à minha mãe: ‘Isto não é para mim’.”
E não foi.
Mário regressou a Moçambique para cumprir serviço
militar obrigatório (SMO), em 1970. Terá sido um ano decisivo na vida do futuro
jornalista. Não só aos 22 anos se via colocado, referira na conversa com o
semanário, “na primeira unidade (…) para o controlo das cargas de cimento que
vinham da Beira para Cahora Bassa, o comando de cargas críticas”, como
ingressava na Faculdade de Medicina, em Lourenço Marques, como terá, garantem
os registos civis de Coimbra, casado com Helen de Souza em finais desse ano.
Tony de Freitas foi um dos convidados para a cerimónia e recorda-se do momento.
“Ela era muito bonita. Foi educada na África do Sul, mas era ao mesmo tempo
muito portuguesa. Foi com bastante surpresa que eu e a minha mulher fomos ao
casamento em Joanesburgo. Depois de se casar, veio viver com o Mário para
Moçambique”, conta este investigador. Maria João Quadros ainda se lembra de
Helen. “Ele era solteiríssimo no tempo das festas, mas depois esteve sempre
muito apaixonado por ela”, diz a fadista.
Uma vez casados, ela trabalhou em investigação no
Instituto de Pescas junto de Tony de Freitas. Crespo seguiu para o SMO, mas só
começou a dar nas vistas por volta de 1973. Antes dessa data, é difícil
“mapear” Mário no circuito das operações da Guerra Colonial.
Whiskies no Bar Bagdad, em Nampula
“Mário Crespo era alferes miliciano e esteve no
gabinete do Kaúlza de Arriaga. Como falava muito bem inglês e fazia de
tradutor, acompanhava as reuniões e fazia as traduções nos encontros com
responsáveis da África do Sul e com a Rodésia”, relata o coronel Carlos Matos
Gomes. Corria o ano de 1973.
Foi, contudo, com o major Mário Tomé que o atual pivô
do Jornal das 9 viria a estreitar laços, proximidade que ainda hoje se
materializa em almoços para debater ideias. “O Mário estava a cumprir o serviço
militar, ele trabalhava no gabinete de Informação do comando e foi
contemporâneo de Carlos Pinto Coelho”, conta o major. “Quando nos deslocávamos
com o comandante-chefe Kaúlza de Arriaga, Mário fazia a ligação com os
jornalistas ingleses e os órgãos de comunicação”, recorda.
Mas o melhor ficava para depois do trabalho.
“Encontrávamo-nos por vezes num bar semiobscuro em Nampula, a beber um whisky
depois do serviço. Era o Bar Bagdad”. Tanto em setentas como na atualidade,
major Mário Tomé recorda “as conversas sempre muito íntimas”, onde não faltava
“a crítica acesa à situação”. “Eram debates sobre o estado das coisas,
falava-se sobre o mundo e das condições da guerra”, recorda. “Ainda hoje nos
encontramos para almoçar, somos bastante amigos, mantivemos uma relação para
além de algumas divergências em determinadas temáticas”, prossegue, sem
especificar.
Os contos da África do Sul
Em vésperas da Revolução de Abril, Mário Crespo, que
sai da tropa em fevereiro de 74, e a mulher mudaram-se para Joanesburgo. É aí
que Eduarda Lacueva se cruza com Mário Crespo, no serviço de língua portuguesa
no South Africa Broadcasting Coorpoation (SABC). “Eu comecei a trabalhar em
fevereiro de 1974 e o Mário chegou pouco depois de mim. Curiosamente, saímos de
Moçambique antes da Revolução. A função dele era receber telexes e lembro-me de
que ele costumava escrever uns contos imaginados por ele na máquina de escrever
que tínhamos no SABC”, recorda Eduarda Lacueva.
Sobre a veia literária de Mário Crespo, nada adianta.
Mas lembra-se do “sentido de humor apurado” e do “talento para a escrita”. Mas
não só: “Ele sempre foi muito polémico, sempre adorou uma bela guerra.” Mesmo
tendo sido próxima do pivô, havia contudo um jornalista de quem Mário era mesmo
muito chegado: “Ele andava sempre com o Ricardo Branco, até lhes chamávamos as manas”,
diz Eduarda. Apesar das insistentes tentativas, não foi possível chegar à fala
com este colega de longa data de Crespo.
Na SABC, relatou Mário em entrevista, conciliou a
faculdade, Witwaterstrand [o meio académico frequentado por Helen] e a ascensão
fulgurante na rádio. “Cheguei a chefe de redação na central da rádio, não na
parte portuguesa. Digo isto com toda a arrogância, pesporrência e orgulho: fui
chefe de redação da SABC e não era qualquer gajo que era”, disse ao Sol. Local
onde se manteve, relata, até 1981. Nessa data, Mário faz as malas e regressa a
Portugal, mas sem Helen. “Ele saiu daqui, creio, um pouco para se curar desse
amor. Foi para Portugal, depois para a América e perdi o contacto”, afirma
Lacueva.
Tony de Freitas soube do divórcio pela voz de Helen e
teve dificuldade em refazer-se da surpresa. “Foi um desgosto muito grande para
mim. Eles costumavam passar férias comigo em Durban e nada dava a entender tal
coisa”, conta este investigador que ainda hoje agradece a Mário ter-lhe “salvo
os filhos” por altura da revolta em novembro de 1974, em Moçambique. “Ele veio
buscar a mãe a Joanesburgo e conseguiu vaga no comboio. Cheguei à plataforma
com a minha mulher e os meus filhos e aquilo era a balbúrdia total. De repente,
ouço alguém chamar-me e era o Mário. Pedi-lhe para levar os filhos e a minha
mulher e ele ajudou-me. Foi a mão de Deus que o colocou ali.”
“Primeira notícia foi sobre África”
Chegou à RTP em 1982 e recorda-se de que a primeira
notícia que escreveu “foi sobre África”, relembrou Crespo em tempos. Mário
Zambujal tem outro tipo de memórias. “Costumo ver o Jornal das 9 [na SIC
Notícias] e recordo-me da equipa da RTP que fazia o programa Fim de Semana.
Era uma equipa forte, onde estavam também, entre outros, o Alcides Vieira, o
Carlos Fino, o Joaquim Furtado, o Cesário Borga e o Jorge Simões.”
O jornalista e escritor diz à NTV que já na
época em que iniciava carreira na RTP Mário Crespo era “muito sóbrio,
tranquilo, mas com sentido de humor, e trabalhava impecavelmente”. Zambujal
conta que “nunca houve qualquer conflito” na equipa que coordenava. “Apesar de
haver pessoas de várias cores políticas, isso nunca afetou o relacionamento
entre nós”, garante. O mesmo grupo trabalhou depois com Mário Zambujal no
programa Semana Que Vem e a “boa relação” mantém-se até hoje. “Já me
cruzei com ele na SIC umas duas ou três vezes e cumprimentamo-nos com alegria”.
João de Sousa foi convidado pelo próprio Crespo a
integrar a equipa da RTP como correspondente de Moçambique. “Ele era muito
exigente com os trabalhos e queria sempre que eu olhasse para a notícia não
apenas de forma noticiosa, mas também pelo lado do comentário”, recorda este
jornalista aposentado que chegou a receber “telexes dele a dizer que não tinha
gostado deste ou daquele ponto na forma de abordagem e dava sugestões”.
Em 1986, Mário Crespo foi recrutado por indicação de
Joaquim Letria para alternar com este a apresentação do Jornal das 9, na
RTP2. “Curiosamente, é como se chama o jornal dele na SIC Notícias, mas já nada
me espanta”, brinca o jornalista. “Comecei por apresentar o jornal sozinho, mas
ao fim de algumas semanas tornou-se cansativo. Foi então que indiquei o Mário
Crespo. Eu apresentava uma semana, ele outra”, recorda. Joaquim Letria
acrescenta que a relação com Crespo “foi boa”, ainda que não mantenham o
contacto. “Ocasionalmente, quando nos encontramos falamo-nos.”
Foi numa dessas conversas que Letria, mais tarde,
ficou a saber que Crespo estava na prateleira da RTP. E arranjou-lhe trabalho
na universidade onde lecionava.
Mário Fino e Carlos Crespo
Carlos Fino, que sucedeu a Crespo em Washington, não
teve oportunidade de falar sobre o amigo com quem, nos anos 80, ia de férias
para o Algarve com a família. Mas José Manuel Barata-Feyo lembra-se do tempo em
que ambos, estando em polos opostos no mundo, não passavam um sem o outro. “Até
diziam que era o Mário Fino e o Carlos Crespo”, recorda o jornalista, havendo
quem se confundisse com os apelidos dos dois correspondentes, como no episódio
que Barata-Feyo conta: “Eles eram muito amigos e uma vez em que coincidiram em
Lisboa, viajaram até ao Algarve. A meio da viagem, foram mandados parar pela BT
e foi uma confusão, porque a carta de condução do Carlos Fino era soviética e o
carro do Mário Crespo tinha matricula sul-africana, além de que os polícias
também não sabiam bem quem era um e outro. Já não sei se apanharam uma multa ou
não”.
Amizades à parte, sucedem-se os relatos de relações
difíceis na RTP. “Ele não é uma pessoa fácil”, conta à Notícias TV um
funcionário da empresa pública. Este trabalhador, que pede para não ser
identificado, justifica isso com “algumas cenas complicadas” protagonizadas por
Crespo. “É conflituoso e tem uma relação difícil com algumas pessoas.
Especialmente quando as mesmas estão abaixo dele, já que aos superiores tem
respeito”. Uma outra fonte, também da RTP, recorda que Crespo “também passou
por um mau bocado” quando regressou dos Estados Unidos. “Foram tempos muito
complicados. Os correspondentes da RTP não são apenas isso, mas têm de gerir a
delegação”.
Uma nova paixão
No plano pessoal, entretanto, Mário Crespo partilhava
já a vida com a jurista Maria Leonor Alfaro, que sempre conhecera da sociedade
de Lourenço Marques. “Ela tem menos dez anos do que eu. Conhecia muito bem a
família dela. Frequentávamos o mesmo clube de vela de Lourenço Marques.
Lembro-me de a ver no grupo”, recordou o jornalista ao Sol. Nestes anos 80, os
Crespo viviam na Av. António Augusto de Aguiar, no centro de capital, e o
jornalista tornava-se pai pela primeira vez de Ricardo, em abril de 1985. Hoje,
Maria Leonor Alfaro e Mário Crespo vivem numa moradia, na Ajuda, mas a mulher
também se escusou a prestar declarações para este trabalho.
Por essa altura, o pivô já teria um barco atracado em
Belém. O jornalista Carlos Narciso conhece bem a paixão do pivô pela vela, que
domina desde os 10 anos. “Velejei com ele duas ou três vezes. A vela é um
escape fantástico”. Gosto que Mário tem partilhado com Garcia Pereira, seu
advogado na batalha contra a RTP em finais de 90.
“A Capital” não era o seu aquário
Outubro de 1988 corria ao sabor do outono quando Mário
Crespo foi pai pela segunda vez, de Eduardo, e entrou no jornal A Capital, pela
mão de Francisco Pinto Balsemão, tendo dirigido o então vespertino até outubro
do ano seguinte. “Quando o Balsemão comprou A Capital convidou o Mário Crespo
para diretor”, recorda Áppio Sottomayor, que à época era chefe de redação,
demitindo-se depois do cargo. “Ele apenas ficou um ano. A linguagem não era a
mesma, já que ele era da televisão e não se sentia como peixe na água”.
Áppio Sottomayor recorda-se de Mário Crespo como “um
diretor que vibrava muito com os acontecimentos e queria escrever cobras e
lagartos”. A chefia de redação tinha de intervir “para pôr água na fervura”.
Crespo tinha o seu gabinete, mas “passeava pela redação e tratava bem toda a
gente. Ele era muito popular”. Só que ao fim de um ano, abandonou A Capital
para retomar a carreira na RTP. “Não era o seu aquário e mudou de águas,
regressando às lides televisivas”.
Washington: Louco por feiras de garagem
Televisão, sim. Mas fora de Portugal. Após um mês em
Telavive e Jerusalém, Israel, Mário segue para a capital norte-americana.
Primeiro sozinho, depois com a mulher, Leonor [tratada por Nora], a enteada
Denise e os filhos Ricardo e Eduardo.
É nesses seis anos de trabalho para a RTP e conflitos
com a estação pública que conhece Susan Henderson. Hoje, ela é chefe de
operações da Associated Press, mas à data era responsável pelo gabinete da
Eurovisão que albergava a delegação pública. “Começámos por ter algumas discussões
por causa do tempo que ele dispunha para o satélite. Ele puxava sempre tudo até
à última, por vezes era complicado”, recorda Susan à NTV.
Com o tempo, porém, foram acertando agulhas. “Ele
sempre foi muito trabalhador, muito dedicado. Ao mesmo tempo, tinha um grande
sentido de humor”, conta. Foi visita de casa em Cabin John, zona do estado de
Maryland, perto do rio Potomac, e elogia Mário como um “homem muito apaixonado
pela mulher e muito romântico”. Tinha, contudo, uma grande perdição: “Ele era
doido pelas vendas de garagem que se faziam aos sábados, não parava de comprar
tralha.”
Enquanto esteve nos Estados Unidos privou com o antigo
correspondente da RTP Luís Pires – consta que “mesmo tendo revelado ser ateu”,
Mário foi padrinho de batismo do filho daquele jornalista. Uma informação que o
próprio Luís Pires não quis confirmar, por não ter querido falar sobre o seu
antigo amigo. Luís Costa Ribas, antigo correspondente da SIC nos Estados
Unidos, onde permanece agora como colaborador eventual da estação, também não
quer recordar os tempos que conviveu com Crespo. “A nossa relação era
profissional e estávamos aqui apenas para competir”, explica.
Susan Henderson tem saudades de Mário e lamenta a
maneira como ele saiu de Washington, por altura de 1997 e a pedido da RTP. “Ele
não estava seguramente preparado para ir embora, não foi uma fase fácil”,
garante.
Grande desaire: não ter sido diretor na RTP
Mário nunca escondeu que foram os três piores anos da
sua vida – até ir para a SIC – e ainda hoje é recorrente falar do caso. Foram
anos em que lamentou não ter trabalho, ter sido isolado num local à margem da
sede da RTP. Isto depois de ter apontado o dedo à estação pública de, por
várias vezes, não ter exibido peças que chegara a enviar dos Estados Unidos e de
ter havido confusões com dinheiros públicos.
Esta é a fase sobre a qual quem está do outro lado, na
RTP, se recusa a falar. Sob anonimato, há quem descreva um Crespo que “mudou
completamente depois de Washington. Assim que os chefes deixavam de lhe dar as coisas
para ele fazer, ele anotava em papéis tudo o que as pessoas lhe diziam, até o
bom dia’”, conta quem o acompanhou de perto.
Em 1999 chegou a ser suspenso por oito dias, sem
auferir salário, por ter vindo a público denunciar gastos e relações privilegiadas
entre um programa de Mário Soares e a fundação. “A administração chamava-o à
atenção e ele considerava uma deslealdade”, responde uma das fontes
contactadas.
Dois anos depois de ter começado a trabalhar na SIC
Notícias, Mário Crespo surpreendeu tudo e todos ao declarar à TV Guia: “Adorava
ter sido diretor da RTP”, considerando “uma das mágoas” não ter ocupado esse
lugar. “A televisão pública prejudicou-se a si própria no processo do meu
afastamento”, afirmou, reiterando que “não há perdão possível”.
Rangel deu-lhe emprego
Foi o próprio jornalista que pediu emprego a Emídio
Rangel quando soube que este preparava um novo canal de notícias. Cansado de
não fazer nada, Crespo pediu-lhe trabalho na SIC Notícias. Um pormenor que
Emídio Rangel, diretor-geral em Carnaxide à data do caso, descarta, não
minimizando o drama. “O Mário Crespo era jornalista na RTP, não tinha qualquer
proximidade com ele, mas sempre me causou grande aflição ver um jornalista com
bastante experiência e capacidade desempregado. Na altura, houve várias pessoas
que me alertaram que ele estava a ficar doente por estar desempregado”, recorda
Rangel, lembrando que não foi “nada difícil convencer a estrutura da SIC a
aceitar Crespo” nas suas fileiras.
Os tempos na SIC correram de feição segundo uns, “não
foi pacífica” segundo outros. Várias fontes contactadas pela Notícias TV
afirmam que Mário Crespo “tem humor por vezes variável” e “ideias muito
vincadas sobre o que considera ser importante”. “Mas muitas vezes basta uma
conversa”, contemporiza quem o conhece, sendo muito afável com os “mais novos”.
A relação com o diretor do canal à época, Nuno Santos,
era cordata. “Não se conheciam pessoalmente mas desenvolveram uma boa relação.
O Nuno, que estava a criar a equipa da SIC Notícias, esteve com ele algumas
vezes. Lembro-me de o Rangel ter dito ao Nuno que uma figura com o peso do
Mário seria importante para uma redação tão jovem”, conta quem testemunhou.
Contactado, Nuno Santos, hoje diretor de Informação da
RTP, e que nas últimas semanas não escondeu o seu desagrado pelas afirmações
que Mário Crespo fez sobre a sua antiga empresa, não quer falar. Também Ricardo
Costa, antigo diretor da SIC Notícias e agora no Expresso – palco de desavenças
entre Crespo e Costa já durante este ano, levando à suspenção da crónica -, se
reserva ao silêncio. Já o atual responsável do canal noticioso, António José
Teixeira, descreve-o como “uma pessoa agradável, sempre com um sorriso”. “Ele
inquieta-se com o seu tempo, procura encontrar boas razões para as coisas. É um
homem exigente, culto, com ideias próprias e que também sabe ouvir.” Quanto a
defeitos, “todos temos”, responde António José Teixeira, prosseguindo: “Não há
um que sobressaia.”
Toca viola e canta êxitos dos anos 60
O responsável pela Informação do canal da Impresa,
Alcides Vieira, também lhe elogia “o sentido de humor, uma grande bagagem
cultural e grande paixão por livros e música”. Alcides é das poucas pessoas que
conhecem uma das facetas do pivô da SIC. “Não gosto de falar da vida íntima das
pessoas. Mas lembro–me de que fazia umas festas quando vivia na Parede, onde
tocava viola e cantava”. O repertório musical do jornalista tinha por base os
êxitos dos anos 60. “Lembro-me de o ouvir cantar Beach Boys, por exemplo. Toca
bem viola e tem uma boa voz”, afiança.
Uma fonte da SIC que conhece bem Mário Crespo
reconhece que este “deve ser o pivô mais pressionado em Portugal”. E esclarece:
“O espaço dele é diferente do Telejornal e dos restantes jornais das
generalistas. O Jornal das 9 é um espaço de cruzamento de opiniões, além
de ter o seu cunho. Por isso é que o jornal se confunde com ele e o Crespo está
sempre sob os holofotes da crítica.”
Política à mesa com Luís Marques
O diretor-geral da SIC não esconde a admiração que tem
pelo pivô do Jornal das 9. “Temos uma excelente relação profissional
porque ele tem qualidades que admiro numa pessoa. O Mário Crespo é um homem
frontal, um bom jornalista e um jornalista com convicções. Há quem goste e quem
não goste”.
Ainda assim, foi Luís Marques quem, na semana passada,
falou com o pivô para que o episódio dos milhões da RTP “ficasse por aqui”.
Marques conta que a relação que tem com o pivô não se
restringe à SIC. “Às vezes vamos almoçar e confesso que é alguém que me dá
prazer”. Um dos temas que não falta à mesa “é a política, quer nacional quer
internacional”. A relação entre o diretor-geral da estação privada e Mário
Crespo começou na 5 de outubro.
“Quando fui para a RTP como administrador acabei por
ser eu a resolver com o Mário Crespo e com o seu advogado o diferendo entre ele
e a estação”, recorda. Agora, voltou a ser ele a “pôr água na fervura”,
sobretudo depois das vozes críticas que se ouviram na RTP. Carlos Daniel e
António Esteves lideraram o processo de indignação.
Para Luís Marques, as polémicas “nunca beliscaram” as
relação do jornalista com a direção da estação de Carnaxide. “Umas são mais
confortáveis para nós do que outras. Nunca foram uma dor de cabeça. O Mário
Crespo é uma mais-valia para a SIC”, diz o responsável, apesar de, à boca
cheia, pelos corredores de Carnaxide, haver quem comente os frequentes atritos
entre Mário Crespo e outros jornalistas seniores. Confrontado pela Notícias
TV com esses episódios, Rodrigo Guedes de Carvalho, subdiretor de
Informação e pivô do Jornal da Noite, remete-se ao silêncio lapidar.
“Sobre o Mário Crespo não falo”.
11/09/2012
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under: A
grande crise de 2012, As medidas adicionais set 2012, Politica
Portuguesa — ABM @ 9:16 pm
“Plus ça change, plus c’est la même merde”. Ou
coisa parecida. Às 21:59 horas, sentei-me em frente à televisão para ver os
jornalistas da SIC Notícias tentar explicar as novas “medidas adicionais”, o
novo eufemismo para a crescente miséria comunizante curiosamente imposta por
uma alegada coligação de centro-direita, quando precisamente nove minutos
depois de iniciado o noticiário, às 22:09 horas, soube-se que a equipa de
futebol portuguesa havia vencido a dubiamente capaz selecção do Azerbeijão por
3 a 0. Imediatamente a crise e as “medidas adicionais” foram largadas e até à
meia noite só se falou ad nauseum sobre a vitória azerbeijã. É para se ver
quais são as verdadeiras prioridades nos média portugueses: futebol primeiro,
crise para mais tarde. Nunca hei-de entender este país. Ou talvez entenda.
15/08/2012
Filed
under: Frank
Sinatra, Sinatra
em Moçambique — ABM @ 9:48 pm
A
Voz.
Do meu ponto de vista, este foi o mais memorável
concerto de Sinatra. Foi no Madison Square Garden em Nova Iorque, na noite de
domingo, dia 13 de Outubro de 1974. Dois meses antes, nos EUA, Richard Nixon
demitiu-se de presidente dos EUA em desgraça, na sequência do escândalo de
Watergate. Um mês antes, os mandantes do golpe de estado militar em Portugal
entregaram o governo do então Estado de Moçambique, onde eu nascera e vivia em
infantil e iludida felicidade, aos comissários da Frelimo, depois de um acordo
assinado num país ao Norte e que foi celebrado em Lourenço Marques de forma
digamos que politicamente menos correcta. E uma semana e um dia depois deste
concerto em Nova Iorque, uma qualquer altercação entre militares na baixa de
Lourenço Marques descambou em mais um incidente grave, acelerando o êxodo
maciço dos brancos de Moçambique, de súbito tornados personnas non gratas.
Na Ásia, os norte-americanos perdiam o pulso ao Vietname do Sul, que deixariam
precisamente no dia 25 de Abril de 1975, o mesmo dia em que, já eu em Coimbra a
estudar num liceu e a nadar, os portugueses elegiam uma Assembleia
Constituinte, desferindo a primeira machadada no plano comunista de
simplesmente tomar o poder. Ainda assim tentaram. Até ao fim do outono de 1975,
o país estaria a ferro e fogo, a seguir viria a República Socialista, uma
palhaçada medíocre, tépida e demagoga que só entraria em falência técnica em meados
de 2010 com José Sócrates. Ao lado do Vietname, no Laos, ainda em 75, um
obscuro general comunista, Pol Pot, iniciou um dos grandes e mais insanes
massacres do Comunismo no Século XX, que em dois anos chegou a um total
estimado de dois milhões de pessoas deliberadamente mortas.
Estes foram tempos não menos memoráveis para um jovem
com 14 anos de idade, o sétimo de oito filhos dum casal açoriano com um marcado
sentido de aventura “imperial”, que despertava cedo para o mundo e para os
verdadeiros desafios da vida.
Mas Frank Sinatra, que aprendi a gostar de ouvir com o
meu pai no seu modesto gira-discos em Lourenço Marques, é Sinatra.
Inconfundível, inimitável, genial, o seu repertório o luxo de uma geração. Em
1975, em Coimbra, com 15 anos de idade, matei-me em poupanças e nem sei bem
como, comprei um disco da Voz, que ouvi vezes sem conta e com o qual de olhos
fechados celebrava a vida e o futuro enquanto tudo se parecia estar
literalmente a desmoronar em meu redor. Não desisti. Nada disso. Ainda o tenho.
O disco de Sinatra resume o concerto que, graças a um simpático senhor no Youtube,
se pode ver e ouvir em baixo.
E cujo hino, My Way, dedico, um tanto parola
mas genuína e sentidamente a algumas pessoas:
Ao Manuel Petrakakis, que partilha o meu apreço sinatriano
e me fazia o favor de o tocar quando eu ia para a Costa do Sol comer os
camarões no restaurante dele nas noites quentes da agora Maputo.
Ao grande Kok Nam, um grande homem que fazia grande
fotografia, relação do meu pai que também foi minha, que esta semana foi cedo
demais e cuja vida pretendo celebrar mais uma vez.
Ao Luis Nhachote, que mantém acesa a chama do grande
jornalismo em Moçambique quando parece que há gente que se prostitui por duas
moedas.
Ao meu pai Melo, que me ensinou uns truques para
encarar a vida.
Ao meu irmão Chico.
12/08/2012
Filed
under: O massacre alemão dos Herero — ABM @ 10:17 pm
Cerca
de dois terços dos Herero da actual Namibia foram deliberadamente mortos pelos
alemães nos tempos da sua colonização daquele território, entre 1904 e 1910.
Veja como foi neste documentário da BBC e ainda as surpreendentes ligações com
o que mais tarde sucedeu na Alemanha nazi. Ainda hoje, membros da etnia Herero
vivem no Sul de Angola.
veja através desta ligação:
01/08/2012
Filed
under: Cão que ladra não Morde, Economia
de Moçambique — ABM @ 11:12 am
“Eu
não estou a roubar o Barclays Bank, minha senhora, eu trabalho aqui”.
Faisal Mkize, o recentemente nomeado operacional
número um do antigo BPD/Banco Austral, redenominado Barclays, perdeu esta
semana uma excelentíssima oportunidade de estar calado, ao sugerir, algo
subrrepticiamente, que o banco onde trabalha em Moçambique poderá reluzir mais
que a sua concorrência de capitais maioritariamente portugueses, pois os seus
accionistas (se me recordo, uma curiosa mistura entre o Barclays e o ABSA, este
último maioritariamente detido pelo Barclays, de qualquer maneira) vegetam fora
da problemática área euro, entre a libra estrelina e o rand.
Isto a propósito do anúncio, em Londres, de que o
Barclays casa-mãe reduzira a exposição do seu balanço em 22% em relação a
países do euro, entre os quais se encontra Portugal, cujos bancos e outros
investidores (como o Sr. Américo Amorim no caso do nascente e rapidamente
crescente Banco Único) detêm e operam uma parte crítica do negócio financeiro
moçambicano.
A Agência Lusa cita exactamente o que Faisal terá
dito: “qualquer companhia que opera em Moçambique detida por capitais da zona
euro sofrerá o impacto de alguma forma”. E a seguir, num timing de chico-esperto:
“a economia moçambicana tem crescido sete por cento ao ano e nos próximos será
oito por cento de Produto Interno Bruto (PIB)”, pelo que “é claro que esta
economia merece uma aposta do Barclays”.
Ai sim, Faisal?
Pois então, claro, a solução para o “risco de
redenominação” será sair do BIM, do BCI, do Único, do Moza etc e tal e passar
tudo para o Barclays.
É isso?
Passando tudo para o Redenominado e repintado BPD
evita-se o risco da redenominação do euro português para o Escudo (vade retro).
Pois sabe-se lá o que é que esses bancos portugueses ou aportuguesados irão
fazer em Moçambique – ou a Moçambique.
Sobre o assunto, apenas referiria algumas coisas
curtas, para além do que já disse no primeiro parágrafo.
1. Neste momento tenho imensas dúvidas que o tal
“impacto” sugerido por Faisal tenha qualquer substância. Dadas as
circunstâncias actuais das respectivas economias e negócios, quando muito os
bancos e accionistas portugueses estão mais motivados para investir e focar nas
suas operações em Moçambique e em Angola, não menos.
2. É curioso que Faisal escolha esta altura para, a
propósito de uma medida contabilística precaucionária da sua casa-mãe, fazer
esta afirmação, quando ainda há poucas semanas o mesmíssimo Barclays se viu
envolvido no maior escândalo na história da banca britânica desde a II Guerra
Mundial, o chamado escândalo da manipulação das taxas Libor, o qual ainda não
foi sequer abordado cabalmente mas o qual já motivou o banco central britânico
a anunciar multas de centenas de milhões de libras e levou os seus dois
executivos de topo, entre eles o mercurial Bob Diamond (que ainda assim tentou
o truque de dizer que não iria receber o seu bónus de vários milhões para
tentar salvar o emprego) a demitirem-se. Seguem-se as investigações criminais,
que ainda estão no segredo dos deuses.
Hum, seria, então igualmente oportuno questionar o que
quer dizer isto tudo para o Barclays em Moçambique.
Ou ainda o risco, não descurável, da dívida soberana
britânica e de a libra ir para o inferno. Ou de a África do Sul seguir por
caminhos sinuosos.
3. O mais curioso é Faisal andar a enviar petardos
contra os seus concorrentes em Maputo quando o segredo mais mal guardado da
banca moçambicana é o seu próprio banco, que, dez anos depois da venda mais
sensacional da história da banca desde a Independência (por um dólar ao ABSA,
que descarregou a maior parte do crédito mal-parado para cima dos contribuintes
moçambicanos e prontamente impôs uma tirania lá dentro com um boer por
andar a vigiar os locais, que quase tinham que pedir licença por escrito para
ir fazer chi-chi à casa de banho) e apesar de uma rede de balcões interessante
e de ter gente muito capaz, continua a render substancialmente menos que o pior
dos seus concorrentes agora rotulados pela sua casa-mãe de “em risco de
redenominação do euro”. Faisal, que foi contratado basicamente para resolver
isso (boa sorte) devia-se preocupar em aumentar a rentabilidade e eficiência do
seu negócio e ganhar quota de mercado honestamente, em vez de vir a público com
estes comentários. A Dra. Luisa Diogo não cometeria um erro destes.
4. Algo, aliás, que duvido aconteça. Para efectivar um
turnaround são necessários skills e uma cultura que simplesmente
inexistem na casa. De facto, antecipo que, dentro de menos que cinco anos, um
seu concorrente surgido há pouco praticamente do nada, o Banco Único, suportado
significativamente pelos tais capitais portugueses “redenomináveis”, terá um
balanço maior e será cinco vezes mais rentável que o Barclays é hoje.
É que para se ser bom não basta ter dinheiro e
balcões. Tem que se conhecer bem o país, as pessoas, e se saber do negócio e da
sua cultura.
E Faisal ao pé de João Figueiredo (para não falar das
equipas do BIM, do BCI, etc) é ajudante de aprendiz de feiticeiro.
28/06/2012
Filed
under: A cultura da irresponsabilidade 2012, A
grande crise de 2012 — ABM @ 10:19 am
900
anos de pára e arranca, entre o infame e o sublime. Em 2012, está-se numa fase
do infame.
O Zé Pedro Cobra achou por bem fazer o comentário no vídeo
em baixo, batendo numa cultura nacional de (total) irresponsabilidade e do
implícito no termo “faça-se” como corolário da mesma.
Mais profundamente, creio que se vive ainda os
resquícios da ausência de um contrato social exequível entre uma classe dominante
predadora e por vezes parasita que domina o sistema político e económico
português desde meados do Século XIX, e uma multidão vasta, beata, miserável e
despossessa, que sobrevive e que cada vez mais foi mais explorada pela
primeira.
Momentaneamente, no delírio revolucionário e infantil
logo após 1974, pensou-se que seria o contrário (os comunistas certamente o
pensaram, e os socialistas tentaram, mas falharam redondamente) mas não. Nem
pensar. Apenas saíram uns ladrões profissionais (Salazar, que apenas roubava as
almas e a liberdade, estava fora de cena há seis anos) e entraram outros, mais
amadores.
Mas aprenderam depressa.
A culpa é de todos, pois a prática, fartamente
sancionada por leis que não funcionam, por tribunais que não funcionam, por
pessoas que, num relativismo moral perfeitamente negociado, não consideram a
irresponsabilidade criticável, é sancionada, tornando-se a norma social numa
espécie de gangsterismo à escala industrial, em que o pequenino aldraba
um pouco, e o grande aldraba correspondentemente mais.
E o país que têm no fim é resultado disso mesmo: uma
incongruência venenosa, sempre irreconciliável a prazo e economicamente
inviável, embrulhada numa bandeira verde e encarnada. Pois os ricos e os que
mandam sempre acabam por beneficiar, lavando depois as mãos como Pôncio Pilatos
da xafurdice nojenta que conseguem criar para extorquir o seu quinhão e os
despossessos (ou a um minguante subsídio do desemprego para o serem) mesmo
sendo conservadores e votarem PSD e CDS e irem à missa, acabam por ser
enrabados, ficando com a farta conta por pagar, na forma de impostos e taxas
acrescidos e um padrão de vida muito mais baixo.
Exceptuando os ricos que meteram o dinheiro em bancos
situados em praças financeiras inauditáveis, através de entidades offshore
imprescrutáveis, ser-se português no início do Século XXI é sinónimo de se ser
pobre, de não se ter oportunidades na vida, com a novidade de agora isso
abranger todas as gerações (pois não vai haver dinheiro para pagar reformas e a
despesa médica, não como até agora).
“Faça-se, pague-se”.
O resultado que se vê estes dias ameaça tornar o
regime numa espécie de socialismo conservador de chacha duma pseudo-direita
fabricada, mais uma vez buscando mais um créditozinho externo para tapar o
buraco e mais uma onda de emigração por parte daqueles (agora pobres mas
supostamente educados) que ainda têm a vida pela frente e que querem ganhar
algum, confirmando a impenitente incapacidade do país de se reformar e de
responsabilizar as pessoas e as instituições apesar de tudo o que já se sabe.
Salazar e Cunhal lá em cima devem estar a rebolar-se
no chão a rir, desta vez os dois juntos e pela mesma razão, para variar.
Mas eles são apenas o outro lado, quiçá mais
quixotesco, da mesma moeda.
E essa moeda é esta cultura e mentalidade do sucesso
através do favor, da cunha, do amigo que coça as costas do amigo, do algo em
troca de nada, do querer ter e não querer pagar, da mediocridade encapotada em
graus académicos inventados, das leis feitas à medida, com buracos também
feitos à medida, da burocracia sufocante que emascula.
E, acima de tudo, da impunidade, a social e a formal.
O excentrismo português em relação à Europa não é só
geográfico: é também mental, cultural e moral. E, infelizmente para os
portugueses, os centro-europeus não querem pagar os custos inerentes à
irresponsabilidade. Em parte porque, na medida do possível, não têm que o
fazer.
Por isso o Zé bem pode fazer estes vídeos. E fez bem
em fazer este. Mas na minha opinião, e por enquanto, ele está apenas a mijar
contra o vento.
15/05/2012
Filed
under: Corrupção e a justiça portuguesa 2012 — ABM @
8:37 am
Desta
vez, uma nota do político Dr. Ricardo Sá Fernandes.
NÃO ME CALO
por Ricardo Sá Fernandes
1.Vale a pena combater a corrupção? Para dois juízes
do Tribunal da Relação de Lisboa, não.
Como deverá uma pessoa agir para não ser perseguida
nem pelo corruptor nem pela justiça? Ou foge e fica calada, ou aceita o suborno
ou, se achar que isso é insuportável, denuncia anonimamente, de preferência
através da internet.
Mas há uma coisa que nunca deverá fazer: assumir que
denuncia a corrupção, precaver-se contra os ataques do corruptor e colaborar
com as autoridades. A não ser que seja tolo e queira ser perseguido e
enxovalhado.
2.Em 2006, fui contactado por um indivíduo que,
telefonando sob uma identidade dissimulada, pediu um encontro particular num
bar de um hotel, para tratar de assunto do interesse de ambos.
Desconfiado de uma abordagem criminosa, fui, mas
gravei a conversa, para me poder defender, se o sujeito pretendesse “virar” a
conversa contra mim e tentasse passar de criminoso a vítima. O que veio a
acontecer e é um “clássico” nas máfias da corrupção.
A conversa era para tentar corromper o meu irmão,
vereador em Lisboa. No dia seguinte, depositei a única cópia da gravação no
Ministério Público. E denunciei a corrupção.
O MP pediu-me para ir a novo encontro e obter nova
gravação, agora com autorização judicial. E assim foi. Tive mais duas conversas
que foram prova decisiva na acusação e condenação do corruptor, a qual,
finalmente, foi garantida em Janeiro passado, por um acórdão do Supremo
Tribunal.
3.Esta história devia ter tido um desfecho rápido e
útil – exemplar – para a prevenção da corrupção.
Todavia, a condenação do corruptor percorreu um
sinuoso caminho e eu acabei a enfrentar vários processos, de natureza criminal,
civil e disciplinar, contra um exército de juristas por ele contratados para
proteger o seu objectivo ilícito de ficar dono do maior e mais bem situado
terreno disponível para construção, em Lisboa (na ex-Feira Popular).
4.Depois de absolvido na 1ª instância e de o MP ter
sustentado a justeza da decisão, fui agora condenado por dois juízes da Relação
num acórdão com assinaturas ilegíveis (mas um deles já veio a público gabar-se
da sua autoria), pelo crime de gravação ilícita: a que eu próprio fiz, para
evitar que o corruptor pudesse convencer alguém, como tentou, de que eu é que o
teria aliciado – e que imediatamente entreguei ao Ministério Público.
5.O acórdão utiliza dois argumentos. Diz que, tendo eu
optado por ir ao encontro, fui eu que criei o perigo! Por outro lado, numa
extraordinária ponderação de valores, não vislumbra qualquer supremacia do meu
direito à honra e à defesa da verdade sobre o direito à palavra do corruptor.
Duvidam que um tribunal superior do vosso país
sustente tais propósitos insultuosos para qualquer consciência cívica? Leiam o
acórdão e julguem por vós.
6.Mas o mais grave é que o tribunal, para legitimar a
condenação, sem pedido de ninguém e sem consultar nenhuma das provas do
julgamento, decidiu alterar a matéria de facto dada como assente, invertendo o
seu sentido.
Onde se lia que não fora provado que eu actuara
sabendo da natureza criminosa da minha conduta – como de facto não sabia, com
uma convicção partilhada por juízes, procuradores, advogados e jurisconsultos
de todo o mundo (também em Portugal) –, passou a constar que eu bem sabia que
estava a cometer um crime, numa decisão eivada da mais repulsiva
arbitrariedade.
Nem pediram à 1ª instância a fundamentação que
alegaram que faltava, nem determinaram novo julgamento, nem sequer aplicaram
uma pena (remetendo tal escolha para a 1ª instância, numa singular
originalidade). Parece que aquilo que importava era assegurar que o denunciante
da corrupção não se ia “safar”.
7.Este acórdão alcança objectivamente dois fins
fundamentais: a) intimidar quem quiser denunciar a corrupção; b) humilhar o
denunciante concreto deste caso, voz demasiado incómoda.
8.Mas eu não me rendo. Poderão os juízes ameaçar-me
com novos processos, como um deles já fez. Poderão prender-me. Mas não me
calarão.
A justiça é o mais precioso dos valores da vida em
comunidade. Não pode estar nas mãos de gente desta. Por isso, continuarei este
combate. Pela minha dignidade e por quem confia em mim. Pela justiça
portuguesa, incluindo pela grande maioria dos juízes portugueses. Pela decência
na sociedade portuguesa.
Notas: 1. este texto foi publicado no jornal lisboeta
Público de 14 de Mao de 2012, 2. O juiz aludido no texto é Rui Rangel.
14/05/2012
Alírio
Chiziane. Auto-retrato, colorido por mim.
Alocução de Fernando Lima, amigo e colega de
Alírio, falando em representação do Conselho de Administração da Mediacoop, SA
[holding do Savana e de outros media moçambicanos] no funeral do fotógrafo
moçambicano, que se realizou hoje em Maputo:
Queridos amigos e familiares do Alírio Chiziane,
Caros colegas,
Querida Bela,
Querida Nídia,
Nestes rituais a que cada vez com mais frequência nos fazemos
presentes, é habitual fazer o elogio, no caso vertente da imagem, fazer também
o retoque, de laboratório ou de computador, para que a fotografia
saia bonita.
Porém, nestes dias algo amargurados por que passa o
jornalismo moçambicano, podemos tratar este “shot” a corpo inteiro, porque os
factos falam mais alto que os truques de luz e sombra.
Estamos a falar de um homem com um legado
determinação, coragem e de um enorme talento.
O seu portfolio profissional fala por si. Quando a
fome e a seca eram sobretudo palavras e propaganda para atrair ajuda alimentar
para o país, as imagens do Alírio foram o murro violento no estômago que nos
colocaram, infelizmente, no mesmo patamar das fomes do Biafra e da Etiópia.
O seu percurso profissional começou na AIM do Carlos
Cardoso. Ao contrário da maioria dos jovens que na altura metia requerimento
para arranjar um emprego nas instituições do Estado, a Alírio chegou
porque queria ser fotógrafo. Aceitou acertar o passo com outros jovens e menos
jovens que faziam a sua iniciação pela mão do nosso companheiro solidário
Anders Nilsson.
A sua determinação, tenacidade e facilidade de
assimilação depressa o tornaram uma “pequena estrela” no universo do que
podemos considerar o primeiro lote de continuadores da escola de Ricardo Rangel
e Kok Nam formados a partir da Agência: o António Muchave, o Lázaro Alfredo e o
Sérgio Santimano. Provavelmente os herdeiros da novíssima fotografia
moçambicana, o Mauro Pinto, a Solange Santos e o Filipe Branquinho se revejam
actualmente no trabalho talentoso e profissional deste grupo do pós-independência.
E como os desafios não eram apenas as emoções do
“click” por detrás da máquina, o Alírio foi também dos primeiros a assinar a
demanda pela liberdade de imprensa em Moçambique, um documento que em 1990
levava o título de “O Direito do Povo à Informação”. Sempre com a mesma
determinação, em 1992, abandonou o conforto do Estado para formar um novo
espaço de liberdade em Moçambique, uma cooperativa de jornalistas que queriam
ver na prática o que a Constituição do país garantia.
O Alírio e os seus companheiros de aventura pagaram
caro o atrevimento. As perseguições e as expulsões compulsivas que marcaram a
criação da mediacoop, mais que um acto administrativo, são
um vergão político que permanece até hoje. Como o “oito”, a famosa fotografia
do Ricardo Rangel.
Graças ao esforço do Alírio e de muitos dos seus
companheiros de percurso, a mediacoop, a imprensa independente estão vivas e
são uma conquista inalienável da cidadania moçambicana na luta para criar novas
fronteiras entre liberdade e opressão, entre democracia e autoritarismo.
Como muitos moçambicanos, o Alírio cresceu no campo e
sempre quis que a sua cooperativa de jornalistas tivesse uma manada de bois. No
espaço democrático que era a cooperativa, chumbámos os bois do Alírio, mas
mantemos ainda hoje uma quinta no Infulene onde crescem hortícolas, galinhas,
patos e coelhos.
Por força das circunstâncias e das dificuldades por
que passámos na década de 90, o Alírio pendurou a máquina fotográfica por uns
tempos para tocar para a frente a administração executiva da empresa. Aceitando
os novos desafios, ajudou a liquidar a cooperativa para criar a sociedade
comercial que é hoje o nosso pequeno complexo de comunicação social.
A empresa e nós outros accionistas devemos muito, mais
uma vez, à sua determinação, à sua coragem em manter o nosso projecto vivo,
quando o cofre e os nossos detractores nos queriam fazer a sepultura.
A nossa história de vinte anos mostra-nos que foi
sempre nos tempos de crise e nos tempos difíceis que o núcleo duro do nosso
projecto se manteve firme e unido. Foi assim e assim vai ser.
Na nossa cultura, feita de muitas heranças, temos
alguma dificuldade em lidar com a cessação de um ciclo biológico.
No que se convencionou em chamar de luto, o melhor
luto é fazer o Alírio parte de nós.
Para sempre e naquilo que ele tinha de melhor.
Tenacidade, capacidade de aceitar riscos, capacidade crítica mesmo em tom
desafinado, sentido de grupo mesmo quando o coração partia para a amargura.
Queridos amigos,
Queridas companheiras e companheiros de percurso,
Querida Bela,
Querida Nídia,
O Alírio vai continuar bem pertinho de nós !
(fim)
Filed
under: Graça Gonçalves Pereira em 2012, Malangatana
— ABM @ 9:40 am
Graça
com Malangatana. Foto rapinada do sítio da Academia do Bacalhau, descolorizada
e recolorizada.
Após aproximadamente quatro anos no cargo de
Cônsul-Geral portuguesa e Maputo, o desempenho de Graça Gonçalves Pereira
continua a suscitar respeito e admiração, ao ponto de alguém ter tido a
simpática ideia de criar uma petição
online pedindo que ela permaneça mais algum tempo em Maputo.
Que, claro, já assinei (sou o nº38 lá na lista dos
cerca de 60 que a esta hora já assinaram).
Já por mais que uma vez referi as qualidades desta senhora,
especialmente se se contrastar o seu desempenho e especialmente a sua presença,
na sociedade moçambicana (e no caso especial dos portugueses que vivem e
trabalham em Maputo e arredores) com a tépida, ineficaz, arrogante e
essencialmente invisível presença de quase todos os seus antecessores,
embaixadores incluídos.
Já o referi antes: esta senhora já devia ser
embaixadora há muito tempo. Basta olhar para o seu CV e o trabalho feito. Mas
há muito tempo que me convenci que o ministério português dos Negócios
Estrangeiros não é um ministério. É um mistério, no todo e nas partes. A
definição de mérito ali não vem de fora, vem de dentro, das suas incestuosas
células político-familiares. Neste caso é quase hilariante.
O
CV de Graça Gonçalves Pereira. Ela nasceu em 10 de Maio de 1952.
Que mais não seja, fica esta nota, e a petição que
refiro acima (que peço a quem estiver dentro do assunto assine) a assinalar o
seu trabalho e presença desde Setembro de 2008.
É muito raro aparecer alguém cujo trabalho e
personalidade impressionem. E, claramente, quem está em Maputo não quer, com a
sua eventual saída, passar novamente de cavalo para burro.
O que, conhecendo a casa, será quase uma
inevitabilidade. Mas, de certa forma, ainda bem. A qualidade, ou a sua falta,
afere-se mais facilmente quando comparando o que se faz com padrões elevados.
03/05/2012
Filed
under: Cem anos de economia Portuguesa, Sobre a ascensão da burguesia e o controlo da economia
1890-2012 — ABM @ 5:13 pm
Um
leitor casual da realidade portuguesa não tem habitualmente uma cápsula
histórica e temporal como a dos 48 minutos e 6 segundos que dura esta
explicação do que foi e é Portugal: um belo país, especialmente, ou só, para
alguns. O documentário, com uma mão pesada do Fernando Rosas, é no entanto
eminentemente interessante. Após vê-lo, o Leitor poderá aferir se o curioso
título aqui em cima faz sentido ou não. Me parece que sim.
Donos de Portugal
from Donos de Portugal on Vimeo.
27/03/2012
Filed
under: Concessões e Contratos de Exploração de gás e carvão,
Economia
de Moçambique — ABM @ 12:08 pm
Os
blocos para a exploração de gás concessionados no offshore moçambicano, Julho
de 2011.Em oito meses as estimativas multiplicaram-se várias vezes. Para ver
este mapa em tamanho gigante, prima na imagem duas vezes com o rato do seu
computador.
Com vénia para o Ricardo Santos* e o Canalmoz,
que se publica em Maputo, está crónica na edição de hoje.
A reter. Editei minimamente o texto e refiz a divisão
dos parágrafos.
Título: Tigres de Papel
Ver o que está certo
E não fazê-lo
É cobardia – Máximas dos Anacletos II
Esta semana ficou marcada por dois acontecimentos
insólitos.
O primeiro, foi a oração de sapiência salomónica sobre
a prevenção do HIV/SIDA dada pelo nosso incontornável ministro Aiúba Cuereneia
à sociedade civil reunida com o Governo.
O segundo, foi a divulgação dos resultados de um
inquérito realizado pela Ernst & Young, demonstrando que quase
nenhum dos 31 grandes projectos instalados em Moçambique estaria interessado em
partilhar publicamente os detalhes dos contractos de concessão assinados com o
Estado moçambicano.
Somente três deles admitiram a possibilidade de
estudarem o assunto um dia. Ou seja, quando lhes apetecer…
E tudo isto quase passava despercebido, enquanto a
sociedade civil concentrava as suas baterias nas últimas gaffes ministeriais,
as quais – caso andemos distraídos – até são o aspecto mais normal da nossa
governação nos últimos cinco anos. Por detrás do triunfalismo da realização das
metas que por aí vamos ouvindo dos porta-vozes e até na Assembleia da
República, escondem-se os nossos tigres de papel.
Prometem ao povo alcançar 10 objectivos, quando o
normal seria realizar 50 no mesmo período de tempo. E ainda por cima,
conseguidos os 10, devemos retirar 2 ou 3 dos nossos cálculos finais como parte
da divida pública do Estado.
Ou seja, ganhos que nunca se reflectem como receita,
mas sim como despesa permanente no nosso OGE. Nao é por acaso que os gabinetes
de comunicacao e imagem se tornaram no activo mais importante das nossas
empresas estatais e públicas nos últimos tempos. Com este andar, ainda os
veremos rateados na nossa Bolsa de Valores a par dos demais bens tangíveis e
intangíveis.
Mas, o que cada moçambicano deveria compreender bem, é
que só não somos um estado falido como a Grécia, porque os nossos recursos
naturais ainda são imensos, o que nos permite negociar promissórias de dívida
com base nas concessões leoninas que os nossos políticos vão assinando à porta
de cavalo com as multinacionais. Mas um dia este modelo esgota-se.
Espanto-me por isso, ouvir figuras públicas de proa a
dizerem que Mocambique deveria USUFRUIR JÁ das mais-valias que resultam das
operações bolsistas da venda de concessões pelos accionistas maioritários dos
grandes projectos.
Por exemplo, lendo a última edição do semanário SAVANA
no seu “Hora de Fecho”, diz-se que o ministro das Finanças anda altamente
nervoso (sic) com a exploração conjunta da Anadarko e a Shell Oil do
Bloco 1 na Bacia do Rovuma. Nervosismo que, a maioria dos juristas locais, até
acham que não tem fundamento jurídico (sic).
E isso, é algo que até eu, que não sou jurista,
consigo perfeitamente perceber.
Trocando por miúdos, quando se assina um contrato de
concessão de exploração de recursos naturais com alguém, está-se a declarar que
os recursos a explorar passam a ser activos ao dispor do locatário e não do
locador, na condição de ele te pagar a renda acordada pontualmente, ainda que
isso seja um mero subterfúgio feito por estados desconhecedores da história
universal para “privatizar” o recurso terra e assegurar ao investidor que os
seus activos estarão sempre protegidos por ele.
Só que, tecnicamente, o recurso é sempre de quem
explora a concessão. Esta é a essência do obsoleto modelo de Contrato de
Concessão que faz hoje de Moçambique um inusitado El Dorado mundial.
Sucede porém que, estados soberanos que fazem uma
gestão competente dos seus recursos naturais, à muito anos que adoptaram um
outro modelo.
O do Contrato Partilha de Produção.
E é aqui – exactamente aquí – que eu entro em rota de
colisão com muitos dos economistas da nossa praça. É que quase todos eles
defendem o aumento da carga fiscal nos mega-projectos, não questionando porém o
modelo jurídico em si.
Eu defendo uma solução radical, que é o fim imediato
das concessões e o início da partilha de produção em Moçambique.
O contrato de partilha de produção foi adoptado em
resposta ao relativo desequilíbrio entre países produtores do Médio Oriente e
as companhias petrolíferas multinacionais – as famigeradas sete irmãs. O
contrato de partilha de produção inverteu a lógica da propriedade do
hidrocarboneto explorado, que antes era de titularidade exclusiva da companhia
petrolífera, passando-a para o Estado.
Assim, o Estado não mais foi remunerado por meio de royalties
e tributos fiscais pelo direito outorgado a elas na exploração exclusiva da
riqueza mineral.
O hidrocarboneto extraído tornou-se propriedade do
Estado, sendo parte do mesmo sendo entregue à companhia petrolífera como
remuneração pelas suas actividades e pelo risco da exploração e produção.
Tal definição conceptual do contrato de partilha de
produção é hoje unânime no entendimento da doutrina e dos marcos regulatórios quid
juris, uma vez que as variações nesses modelos não atingem o que se refere
à propriedade do hidrocarboneto. Por meio dos contratos de partilha de
produção, o Estado detentor dos recursos minerais contribui primordialmente com
a área territorial a ser explorada (accreage), outorgando à companhia
multinacional, que é a parte privada no contrato partilha de produção e que
pode ser uma só pessoa jurídica, ou um grupo de multinacionais por meio de
consórcio, o direito exclusivo de conduzir actividades de exploração e produção
sem, no entanto, acarretar qualquer forma de arrendamento ou transferência de
propriedade.
A multinacional explora a área por seu próprio risco e
custos e recebe parte dos recursos minerais produzidos como compensação pelo
risco.
Assim, caso os recursos minerais não sejam descobertos
ou as reservas não sejam comercializáveis, o contrato termina sem qualquer
direito concedido a multinacional de recuperar seus custos.
A contrapartida para a multinacional ocorre apenas no
caso de sucesso das operações, possibilitando a recuperação dos custos
incorridos e investimentos realizados nas fases de exploração e
desenvolvimento, através do recebimento de uma percentagem fixa da produção,
normalmente denominada “petróleo de custo” (cost oil). O petróleo
remanescente, denominado “petróleo de lucro” (profit oil), corresponde à
parcela da produção que será partilhada entre o país produtor e a
multinacional, de acordo com os termos previamente estabelecidos no contrato de
partilha de produção. Esta partilha do resultado (produção) dos trabalhos
realizados pela multinacional é que justifica o nome “contrato de partilha de
produção”.
Ainda como resposta aos contratos de concessão, que
não possuíam quaisquer obrigações, parâmetros ou prazos para realização das
actividades, os contratos partilha de produção passam a incluir programas
previamente estabelecidos de exploração e de produção que devem ser cumpridos
pela multinacional.
Em suma, um dos principais objectivos dos contratos
partilha de produção é atrair empresas multinacionais dos sectores do petróleo
e gás dispostas a arriscar capital e a servirem-se da sua expertise
tecnológica para rentabilizar as reservas do Estado detentor das riquezas
naturais.
Na maioria dos países que adoptaram o regime de
contrato partilha de produção, a companhia petrolífera nacional figura como
parceira nos empreendimentos, compartilhando também a gestão das actividades de
exploração e produção, com vista a adquirir conhecimento (know-how) da
multinacional, de modo que a exploração destas reservas venha a ser-lhe
transferida no futuro (vide Smith, Ernest E. et al: International Petroleum
Transactions”. Editado pela Rocky Mountain
Mineral Law Foundation, 2ª Edição, 2000; p. 448.).
O contrato de partilha de produção foi elaborado pela
primeira vez na Indonésia durante a década de sessenta, como alternativa
patriótica ao antigo modelo de concessão, e popularizou-se por diversos outros
países, sendo adoptado actualmente em Angola, Egipto, Líbia (com a queda de
Kadhaffi regressou-se às concessões), Filipinas, Malásia, Peru, Guatemala,
Trinidad-Tobago, Quénia, Costa do Marfim e Guiné Equatorial, entre outros.
Não tenhamos portanto dúvidas de que se trata de um
modelo jurídico consolidado, embora muito mais complexo que o concessional, e
com quase cinquenta anos de maturação.
A característica marcante dos contratos de partilha de
produção consiste na propriedade dos hidrocarbonetos produzidos. Considerando a
posição estratégica e a força económica das actividades de exploração e
produção de hidrocarbonetos na maioria dos países produtores, ao se garantir ao
Estado a propriedade do crude e do gás produzidos, evidenciam-se os
aspectos políticos ligados a estas actividades, tais como nacionalismo, o maior
controlo estatal sobre as actividades económicas etc.
Analisando historicamente, percebe-se que os primeiros
contratos de partilha de produção surgiram exactamente por um anseio político,
especialmente nos países em desenvolvimento, no sentido de se contrapor às
concessões, que sempre foram vistas pela população dos países produtores como
juridicamente permissivas e economicamente desequilibradas em favor das
multinacionais.
Considerando a preocupação dos países produtores em
garantir a sua soberania sobre os recursos minerais (ler Fernando Fernandes da
Silva: Direito do Petróleo e Gás – Aspectos Ambientais e Internacionais.
Artigo: “As Concessões Internacionais e a Concessão de Exploração de Petróleo
no Direito Brasileiro”; 1ª Ed, p. 15., pág 443) especialmente após a Segunda
Guerra Mundial, todas as nações, com excepção dos Estados Unidos da América
(Muttit, Greg. : Crude Designs: The rip-off of Iraq’s oil wealth,
publicado por Platform e disponível em www.carbonweb.com (acesso de
05/11/2008); pág. 10) passaram a assegurar expressamente, nas suas respectivas
legislações, a propriedade das reservas antes da sua extracção.
Portanto, independentemente do regime político ou do
país (ressalvada a situação da exploração onshore nos EUA), os
hidrocarbonetos, antes de realizada a sua extracção, são propriedade do Estado
detentor das riquezas naturais.
No contrato clássico de Concessão, a primeira forma de
exploração comercial de hidrocarbonetos que se conheceu, outorgavam-se extensos
territórios por longos períodos de tempo, prevendo-se, ainda, a transferência
da propriedade do crude produzido às multinacionais que haviam adquirido a
concessão. Em contrapartida, estas deviam pagar tributos fiscais ou outras
formas de compensação financeira pelo crude produzido ao Estado, mas os valores
repassados eram relativamente de pequena monta, conduzindo-o a um beco sem
saída fiscal.
O contrato de partilha de produção, por sua vez,
inverteu a lógica do fluxo petróleo-moeda nos países que o adoptaram, dado que,
neste sistema, os países produtores transferem para as multinacionais tão
somente o direito exclusivo de conduzir as actividades de exploração e produção
dos minerais do subsolo, sem, no entanto, conceder às multinacionais quaisquer
direitos de propriedade sobre o subsolo. Os hidrocarbonetos produzidos
permanecem, portanto, sob propriedade do Estado detentor das riquezas minerais
(ou da companhia petrolífera nacional, conforme o caso) que contrata uma
multinacional para efectuar a exploração de hidrocarbonetos sob sua conta e
risco (Irina Paliashvili, Presidente do “Comité Jurídico Rússia-Ucrânia, The
Concept of Production Sharing, transcrição do Seminário sobre Legislação de
Contrato Partilha de Produção, Setembro de 2008).
Como referido anteriormente, no caso de viabilidade
comercial da descoberta feita pela multinacional, o Estado, como proprietário
dos hidrocarbonetos produzidos por esta, deverá ressarci-la pelos seus custos
na exploração das reservas (cost oil), e partilhar entre o próprio
Estado (ou a companhia petrolífera nacional) e a multinacional, o petróleo
restante (profit oil), conforme proporções previamente acordadas no
instrumento contratual.
Outra característica dos contractos partilha de
produção nas actividades de exploração e produção de hidrocarbonetos, foi a
maior participação e controlo do Estado nesse segmento. Directamente, ou por
meio da companhia petrolífera nacional, o Estado detentor da riqueza passou,
nos contratos partilha de produção, a ter voz activa na administração e na
negociação das actividades petrolíferas, assumindo, assim, maior controlo e
fiscalização sobre estas actividades.
Portanto, a nova “filosofia” de contratação aplicada
ao mercado de exploração e produção com o contrato de partilha de produção, alinha-se
perfeitamente aos anseios nacionalistas do pós-guerra, ao garantir a manutenção
da propriedade dos hidrocarbonetos produzidos pelo Estado, inserindo-o na
esfera de tomada de decisões sobre exploração e produção, em contraponto à
posição totalmente passiva e não-reguladora assumida pelos Estados nas
concessões clássicas que datam do início do século XX.
Importante conclusão esta, num momento em que a UE, os
EUA e o Japão unem esforços no sentido do aumento da sobretaxa nas importações
de produtos alimentares e manufacturados oriundos dos países do Terceiro Mundo
filiados na OMC. É o tudo-por-tudo da velha Troika capitalista revivendo a
solução pré-colonial “ouro por missangas”, subvalorizando os recursos naturais
de que precisa, para assim reestabelecer o equilíbrio da sua balança comercial
que perdeu para os BRICS.
E Moçambique não ficará imune neste jogo.
Por isso, mais do que elucubrações sobre o que
Cuereneia pensa sobre o HIV, talvez fosse importante invertermos a nossa
objectiva e tentar decifrar outras subliminares entrelinhas neste nosso
Moçambique. O resto é paisagem…
(fim)
*Ricardo Santos é analista de sistemas.
19/03/2012
Filed
under: História
Moçambique, Os
Arquivos da PIDE, Os Simango
— ABM @ 7:41 am
Eduardo
Mondlane posa com Uria Simango, à direita, respectivamente Presidente e
Vice-Presidente da Frelimo. No espaço de um ano, ambos foram eliminados da
liderança do movimento.
Achei curioso outro dia ter reparado na quantidade de
documentos da PIDE/DGS que ainda existem e que referem factos interessantes e
lúdicos da Frelimo, dos seus elementos, dos seus movimentos dentro e fora de
Moçambique. Possivelmente um maná para quem gosta de estudar estas coisas, até
porque desconheço o que existe em Moçambique sobre o tópico. Em Portugal
existe, uma parte está catalogada e pode ser livremente consultada.
Um
ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros português para a PIDE, datado de
7 de Março de 1966, dando conta da visita do Rev. Uria Simango a Estocolmo.
Este documento está nos arquivos da Torre do Tombo em Lisboa
18/03/2012
Filed
under: A
Geração de 2014, Citações,
Política
Moçambique, Vítor
Guerra — ABM @ 5:42 am
Cartaz
anunciando uma festa recente numa discoteca de Maputo a realizar na noite antes
do feriado de 25 de Junho, da Guyzelh Productions.
Quer-me parecer que quem manda neste país se está a
esquecer dum pormenor de extrema importancia: uma grande maioria dos eleitores
de 2014 (o que se nota já nestas eleições intercalares) só ouviu falar do
colonialismo em terceira mão (mesmos os seus pais souberam o que era o xibalo
através dos livros escolares), Kaunda, Nyerere, Mondlane, Samora, são nomes de
ruas (esburacadas muitas delas) ou de histórias que ouvem os avós contarem.
Os jovens que irão voltar pela primeira vez em 2014,
não fazem ideia do que quer dizer ONUMOZ ou de quem foi Aldo Ajello, e não têm
qualquer interesse em saber.
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014,
nasceram depois de 1992, não sabem o que foi a Guia de Marcha, o cartão de
residente ou a autorização do Grupo Dinamizador para poder viajar; não imaginam
o que é ter que esperar a formação da coluna militar para ir até à Manhiça, e
não estão dispostos a entender que alguém, seja porque motivo for, agora os
queira impedir de se deslocarem dentro do seu País.
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014,
sabem que não estão a conseguir estudar por falta de vagas ou de condições
financeiras, que não têm acesso a empregos formais e que o desenrascanço é o
seu dia-a-dia; não querem que ninguém lhes explique que a culpa é do colonialismo
ou da guerra de desestabilização que terminou antes deles nascerem!
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014,
agradecem imenso os sacrifícios que os “libertadores” fizeram na sua juventude,
mas agora que estes já usufruiram dessa liberdade querem também o seu lugar ao
Sol, querem escolas, estradas, hospitais, fábricas, empregos…
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014,
cresceram a ouvir retóricas fáceis, promessas eleitorais (coisa que os seus
pais nem sabiam o que era) e já não se deixam levar com camisetes e capulanas.
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, não
se contentam com um “futuro melhor”, eles exigem, dia-a-dia, um “presente
melhor”.
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014,
estão cansados de ouvir sempre o mesmo discurso de quem diz poder “incendiar o
país” como forma de colher mais uns “trust funds” para o seu bolso, nunca
mostrando qualquer alternativa viável de futuro.
Os jovens que vão votar pela primeira vez em 2014, já
não acreditam nesta democracia partidária e aguardam expectantes que os que
conseguiram lá chegar não sejam engolidos pelo sistema, estão de olhos em
Galiza Matos Jr, Ivone Soares, Basilio Muhate, etc.
Para bem do nosso futuro colectivo, Frelimo, Renamo,
MDM e todos os outros que aparecem em periodo de eleições à espera do Orçamento
do Estado, é bom que comecem a olhar com outros olhos para os jovens que vão
votar pela primeira vez em 2014 e se lembrem que, embora alguns o tenham
tantado vender e outros tantos o tenham vindo a comprar aos pedaços… este país
não é nosso…é sempre da geração seguinte!
(Vitor Guerra, nota no Facebook, 12 de Março de 2012
às 02:08 horas)
16/03/2012
Filed
under: Corrida ao carvão em Tete, Economia
de Moçambique, Efeito dos mega-projectos 2012, Fernando
Lima, Imprensa
Moçambique, Marcelo
Mosse, Mozal
— ABM @ 5:25 am
O
ouro de Moçambique, no subsolo da zona de Tete. A seguir vem o gás do mar em
frente a Cabo Delgado. Foto copiada do sítio da Mozambicoal, uma empresa com
sede em Perth, Austrália, que iniciou operações mineiras em Tete há uns dois
anos.
Texto assinado por Andrew England e publicado esta
semana no jornal londrino The Financial Times:
Mozambique poised for coal
boom
Race against time: drilling at
a project near Tete, where coal mines
are being developed
are being developed
All along the short drive from
Tete’s tiny airport to the mushrooming
town centre lie numerous examples of the rapid development taking
place in one of Mozambique’s remote corners.
town centre lie numerous examples of the rapid development taking
place in one of Mozambique’s remote corners.
There are new bank branches,
service stations and a supermarket, while
a large customs office and one of several new hotels are under
construction. The catalyst for change in the once sleepy town are
symbolised by a billboard advertising mining trucks, a sign offering
mine and plant equipment hire and a Rio Tinto training centre.
a large customs office and one of several new hotels are under
construction. The catalyst for change in the once sleepy town are
symbolised by a billboard advertising mining trucks, a sign offering
mine and plant equipment hire and a Rio Tinto training centre.
Tete is at the heart of
Mozambique’s nascent coal rush, with the
region endowed with one of the world’s richest undeveloped coal
reserves. Prices of coking coal – used for steel production – may have
fallen back from the record high of two years ago but they remain well
above the level of the early 2000s. Coal is just the first chapter of
a resource story that also includes gas, with ENI of Italy and the
US’s Anadarko recently claiming huge discoveries off the nation’s
northern coast. It is estimated the gas projects could bring in $70bn
in investment and known coal projects another $10bn over the next
several years, the World Bank says. Billions of dollars more will be
spent on infrastructure in a country with a gross domestic product of
just $10bn.
region endowed with one of the world’s richest undeveloped coal
reserves. Prices of coking coal – used for steel production – may have
fallen back from the record high of two years ago but they remain well
above the level of the early 2000s. Coal is just the first chapter of
a resource story that also includes gas, with ENI of Italy and the
US’s Anadarko recently claiming huge discoveries off the nation’s
northern coast. It is estimated the gas projects could bring in $70bn
in investment and known coal projects another $10bn over the next
several years, the World Bank says. Billions of dollars more will be
spent on infrastructure in a country with a gross domestic product of
just $10bn.
The result is one of the
world’s poorest countries has found itself at
the centre of unprecedented international investor attention –
illustrated by a bidding war to acquire Cove, a London-listed company
that holds an 8.5 per cent share in a gas field. These industries
offer the potential to transform radically the financial fortunes of a
state that depends on international donors for between 40 per cent and
45 per cent of its budget.
the centre of unprecedented international investor attention –
illustrated by a bidding war to acquire Cove, a London-listed company
that holds an 8.5 per cent share in a gas field. These industries
offer the potential to transform radically the financial fortunes of a
state that depends on international donors for between 40 per cent and
45 per cent of its budget.
The question on the minds of
Mozambicans and donors, however, is
whether the country can harness the benefits to lift the nation out of
poverty and in doing so avoid the resource curse that has blighted so
many before it. “It’s a race against time – is the big money that
corrupts going to come before stronger checks and balances?” says a
senior donor official.
whether the country can harness the benefits to lift the nation out of
poverty and in doing so avoid the resource curse that has blighted so
many before it. “It’s a race against time – is the big money that
corrupts going to come before stronger checks and balances?” says a
senior donor official.
So far, Brazil’s Vale is the
only miner exporting coal – it started
last year – but the country could be producing 20m-50m tonnes per mine
annually within the next decade. Gas could start being pumped as early
as 2018, with the former Portuguese colony set to join the ranks of
liquefied natural gas exporters as a scramble for east African
hydrocarbons hots up.
last year – but the country could be producing 20m-50m tonnes per mine
annually within the next decade. Gas could start being pumped as early
as 2018, with the former Portuguese colony set to join the ranks of
liquefied natural gas exporters as a scramble for east African
hydrocarbons hots up.
Mozambique growth
Donors estimate that gas could
generate revenue equal to two or three
times the current $3.6bn budget. Yet concerns remain that the
government has been caught out by the speed and scale of the foreign
interest and lacks the technical capacity to cope with the rush of
attention.
times the current $3.6bn budget. Yet concerns remain that the
government has been caught out by the speed and scale of the foreign
interest and lacks the technical capacity to cope with the rush of
attention.
“They very much know their
weaknesses and they are terrified . . . in
a good way,” the donor official says. “Terrified they will get it
wrong . . . worried expectations have run way ahead of what they can
deliver.”
a good way,” the donor official says. “Terrified they will get it
wrong . . . worried expectations have run way ahead of what they can
deliver.”
Still, Armando Inroga,
the trade minister, confidently talks of
Mozambicans being trained for new industries; local companies
providing services to multinationals; and investment zones popping up
around the country. “Mozambique is different,” he says. “Other
countries look to the energy sector, for us even now everybody wants
coal, everybody wants gas [but] we still maintain agriculture as the
main sector.”
Mozambicans being trained for new industries; local companies
providing services to multinationals; and investment zones popping up
around the country. “Mozambique is different,” he says. “Other
countries look to the energy sector, for us even now everybody wants
coal, everybody wants gas [but] we still maintain agriculture as the
main sector.”
Yet the nation’s experiences
since the end of a 15-year civil war in
1992 highlight how hard eradicating poverty is.
1992 highlight how hard eradicating poverty is.
Project limitations
Mozambique was the fastest
growing non-oil economy in sub-Saharan
Africa over the past 15 years. GDP growth averaged 8 per cent between
1996 and 2008 – driven by reconstruction and development after the war
– and is forecast to be 7.5 per cent this year. But while there was
initial success in reducing poverty, progress stagnated with just over
half of Mozambicans still living below a poverty line of $0.50 a day.
Africa over the past 15 years. GDP growth averaged 8 per cent between
1996 and 2008 – driven by reconstruction and development after the war
– and is forecast to be 7.5 per cent this year. But while there was
initial success in reducing poverty, progress stagnated with just over
half of Mozambicans still living below a poverty line of $0.50 a day.
Much will depend on the
governing Frelimo party, which has ruled since
independence in 1975. It faces no credible political opposition and
Mozambicans describe a blurring of the lines between party, state and
business.
independence in 1975. It faces no credible political opposition and
Mozambicans describe a blurring of the lines between party, state and
business.
Civil society groups, which argue
the nation could be benefiting more
from its resources, have called for changes to the fiscal regimes
around extractive industries and greater transparency with contracts.
Partly in a response to that, the government, with support from the
International Monetary Fund and donors, is reviewing mining and
petroleum laws. It is also working to comply with the extractive
industries transparency initiative.
from its resources, have called for changes to the fiscal regimes
around extractive industries and greater transparency with contracts.
Partly in a response to that, the government, with support from the
International Monetary Fund and donors, is reviewing mining and
petroleum laws. It is also working to comply with the extractive
industries transparency initiative.
“There’s now a strong
sentiment, even within the elite, that not
everybody is benefiting from the current development,” says Fernando
Lima, head of Mediacoop, an independent media company.
everybody is benefiting from the current development,” says Fernando
Lima, head of Mediacoop, an independent media company.
There are at least two groups
within Frelimo, with one leaning
leftward and pushing for more equitable distribution of the resource
wealth, Mr. Lima and others say. “The second group wants a part of the
cake,” he says. “My sense is that group is growing.”
leftward and pushing for more equitable distribution of the resource
wealth, Mr. Lima and others say. “The second group wants a part of the
cake,” he says. “My sense is that group is growing.”
Civil society groups and the
media in effect act as the opposition,
says Marcelo Mosse, executive director of the Centre for Public
Integrity, an anti-corruption organisation. But he adds: “We are not
strong enough.”
says Marcelo Mosse, executive director of the Centre for Public
Integrity, an anti-corruption organisation. But he adds: “We are not
strong enough.”
Tete provides a microcosm of
the opportunities and potential pitfalls.
“It’s better now because it’s
created jobs,” says Simba Maphaia, a
mining company driver. “There were plenty of guys just drinking, doing
nothing.” But he also gripes about outsiders benefiting from much of
the employment – partly because of Tete’s dearth of skills – and
worries that the construction of a second bridge over the Zambezi
river could force him from his home.
mining company driver. “There were plenty of guys just drinking, doing
nothing.” But he also gripes about outsiders benefiting from much of
the employment – partly because of Tete’s dearth of skills – and
worries that the construction of a second bridge over the Zambezi
river could force him from his home.
In January, hundreds of
families protested outside Vale complaining
about their conditions after being resettled away from a mine. And the
level of poverty is conspicuous, with mud-brick houses and wooden huts
dotting the countryside.
about their conditions after being resettled away from a mine. And the
level of poverty is conspicuous, with mud-brick houses and wooden huts
dotting the countryside.
Indeed, managing expectations
will be crucial.
“The rhetoric is always
there’s huge opportunity for Mozambique but
you look around at other places where there are resources being
exploited and you wonder why the development is not happening . . .
Can we do it differently?” says Aldo Salomão, at Centro Terra Viva, an
advocacy group. “We are rushing ourselves and what is happening in
Tete is an example of what should not be done.”
you look around at other places where there are resources being
exploited and you wonder why the development is not happening . . .
Can we do it differently?” says Aldo Salomão, at Centro Terra Viva, an
advocacy group. “We are rushing ourselves and what is happening in
Tete is an example of what should not be done.”
When Mozambique sought to
rebuild after more than a decade of civil
war, it wanted a showcase project to tell the world it was open for
investment, writes Andrew England . The desired scheme came in the
form of an aluminium smelter, operated by BHP Billiton and
commissioned in December 2000 at a cost of $1bn. The Mozal investment
– much like the coal and gas projects – was initially hailed as a
welcome boost for a poor country. But a decade on, the International
Monetary Fund is among those to have raised questions about the
long-term growth benefits offered by such projects.
war, it wanted a showcase project to tell the world it was open for
investment, writes Andrew England . The desired scheme came in the
form of an aluminium smelter, operated by BHP Billiton and
commissioned in December 2000 at a cost of $1bn. The Mozal investment
– much like the coal and gas projects – was initially hailed as a
welcome boost for a poor country. But a decade on, the International
Monetary Fund is among those to have raised questions about the
long-term growth benefits offered by such projects.
Mozal’s launch contributed close
to 2 and 4 percentage points of gross
domestic product growth in 2000 and 2001 respectively, an IMF report,
released in December, suggests. But while such projects may boost the
economy during construction phases, their contribution then wanes, it
said. “Once a mega-project reaches its capacity, its output does not
grow any more,” the IMF says. “Thus, the ability of mega-projects to
be a continuous growth engine depends on the launch of new projects
and on the expansion of their capacity.”
domestic product growth in 2000 and 2001 respectively, an IMF report,
released in December, suggests. But while such projects may boost the
economy during construction phases, their contribution then wanes, it
said. “Once a mega-project reaches its capacity, its output does not
grow any more,” the IMF says. “Thus, the ability of mega-projects to
be a continuous growth engine depends on the launch of new projects
and on the expansion of their capacity.”
15/03/2012
Filed
under: A energia dos lobbies da energia, A
grande crise de 2012, Politica
Portuguesa — ABM @ 1:59 am
O
próximo secretário de Estado da Energia português. O outro já foi. Veja em
baixo porquê.
Não é interessante para mim que Henriques Gomes, se
tenha demitido há dois dias do à primeira vista pouco interessante cargo de
Secretário de Estado da Energia do governo de Pedro Passos Coelho.
Isto apesar de os portugueses, por razões que não
estão directamente relacionadas com o mercado (que está em alta) estão neste
momento a pagar, quase em termos absolutos mas certamente relativas ao seu
poder de compra, a energia mais cara da Europa. Falo de gás, electricidade e
combustível automóvel, que se aproxima dos dois euros o litro nalguns casos. Ao
ponto de, nas fronteiras com Hespanha, já ninguém se abastece de gás e
combustíel deste lado da fronteira.
O que me chamou a atenção para s sua demissão foram
duas coisas: 1) as razões que o levaram a demitir-se, e 2) que se tenha sabido
tão depressa.
Deixo o jornalista José Gomes Ferreira, da estação de
televisão portuguesa Sic, que tem andado dentro destas coisas, explicar curto e
grosso e depressa.
Filed
under: A
grande crise de 2012, Depósitos
em Portugal, Economia
Portuguesa, fev 2012,
Politica
Portuguesa — ABM @ 1:32 am
2012
promete ser um ano muito mais interessante que 2011.
Já outro dia falei sobre isto: mas afinal o que é que
os portugueses sabem que os outros não sabem?
Ou, alternativamente: o que é que os outros sabem que
os portugueses não sabem?
Segundo os dados destes
senhores, que citam estes
senhores (Crédit Suisse Economic Research), está em curso e à
velocidade máxima, o que aparenta ser a fuga maciça de depósitos bancários dos
cinco países que compõem a linha da frente da Desgraça Europeia (Itália,
Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda), enquanto que olhando apenas para dois,
que são a França e a Alemanha (por enquanto, e cuidado que os dados são de há
dois ou três meses atrás) o volume de depósitos está a subir
significativamente. (ver TABELA 1).
No entanto, e só por piada, fui ver os dados mais
recentes do Banco de Portugal para os depósitos bancários nacionais, e os dados
até final de Dezembro de 2011 indicam uma subida significativa (ver TABELA 2),
maior que nos tais outros países para os depósitos estão a subir.
Isto sugere que, enquanto que os depositantes da
Espanha, Itália, Grécia e Irlanda estão a tirar ou a transferir o seu dinheiro
dos bancos locais a toda a velocidade, os portugueses depositam mais do seu
dinheiro nos seus bancos do que nos últimos anos, bancos cujas actuais notações
de risco estão piores que um Fiat Panda em segunda mão com 150 mil
quilómetros.
É fantástico.
Das duas umas: ou os portugueses lá sabem o que estão
a fazer.
Ou quando o martelo bater, o estoiro vai ser de
proporções épicas.
O mais provável é que a maioria não sabe como é que se
abre uma conta lá fora.
Ou não entende o que se está a passar.
Qual será?
Vamos esperar para ver.
TABELA
1. Enquanto os depósitos dos Euro Area Pig 5 caem abruptamente, na
França/Alemanha sobem. Ajudava se estivessem aqui a Suíça e o Reino Unido e as
suas praças offshore, para onde muito do dinheiro deve estar a ir.
TABELA
2. No meio da desgraça, parece que os Heróis do Mar Nobre Povo Uno & São
Valente & Imortal, não só poupam muito mais mas metem-no todo no seu banco
da esquina. De notar que a tabela mede, em percentagem, a velocidade do
crescimento/decréscimo dos depósitos, mês a mês, anualizado. Em Novembro e em
Dezembro, as figuras são 9.4% e 9.4% (Fonte: Estatísticas do Banco de Portugal,
20 Fevereiro de 2012)
13/03/2012
Filed
under: Arquitectura Moçambique, História da Ponte Dona Ana — ABM @ 7:30 pm
A
Ponte Dona Ana, vista de Sena. Liga a Beira ao Malawi.
A história de como se fizeram as linhas de caminho de
ferro desde pontos na costa moçambicana para o interior é fascinante, quase tão
fascinante como foi a criação de Moçambique como país.
Neste caso, debruço-me sobre um caso particular – a
linha de caminho de ferro que liga a cidade da Beira ao Malawi, e especialmente
sobre a ponte com cerca de 3.6 quilómetros que passa de uma margem para a outra
do Rio Zambeze, nas localidades de Sena e Mutarara.
E isto em parte porque, depois de ter sido convidado
pelo Exmo. Senhor Dr. José Meque para integrar um grupo de amigos de Mutarara
(apesar de conhecer o nome da localidade, tive que ir ver no mapa onde ficava)
li e reli na internet, a mesma informação invariavelmente reproduzida,
referindo que foram os portugueses que fizeram a linha e a ponte, que a mesma
fora concebida por Edgar Cardoso, um lendário arquitecto que de facto concebeu
e construiu várias pontes em Moçambique (Tete, Xai-Xai, por exemplo), que a
ponte e a linha de caminho de ferro fazia parte integrante do “colonialismo
explorador” português a entrar pela já martirizada e depauperada região do
grande povo Sena, etc e tal.
Do que fui descobrindo, a verdade é um pouco diferente
e mais complexa do que à primeira vez parecia.
Nesta breve crónica, abundantemente ilustrada graças
principalmente aos arquivos da Torre do Tombo em Lisboa, tentarei fazer um
breve esboço historial de como foi aquilo tudo, que dedico com muito gosto ao
Dr. José Meque e ao povo de Sena e Mutarara.
Sena, os Sena e Dona Ana
Para quem não sabe, a Wikipédia explica que “Sena” não
é só o nome de uma localidade junto ao Rio Zambeze na qual os antigos
portugueses desde o Séc. XVI tentaram fazer negócio com os locais. É o nome de
um grupo étnico distinto e que a partir do Século XVI viveu “encaixado” entre
as então duas grandes potências na região, o reino do Monomotapa a Sudoeste
(onde fica o Zimbabué hoje), de extracção Shona, e os Maravi a Norte (onde fica
o Malawi), de extracção Nyanha-Chewa.
Sena é ainda uma língua, falada em Moçambique ainda
hoje por cerca de um milhão de pessoas, em pelo menos dois dialectos
diferentes.
A chamada experiência colonial com os Sena foi ainda
mais típica que o costume: durante quase quinhentos anos de essencialmente
contactos esporádicos (salvo a partir da primeira metade do Século XX, e mesmo
aí) os portugueses fizeram aquilo que melhor sabiam fazer nas suas colónias:
pouco, quase nada, ou rigorosamente nada. No caso da terra dos Sena, fizeram
quase rigorosamente nada a não ser chateá-los a partir dos anos 20-30 para
cultivarem algodão obrigatoriamente, o que não caíu lá muito com os agora
“colonizados”. Eventualmente apareceram uns senhores da recentemente criada
Frelimo a prometer correr com os portugueses dali para fora, o que foi mais ou
menos bem recebido, e hoje os Sena fazem parte do rico mosaico moçambicano, não
sem antes levarem em cima com os efeitos das guerras de Samora contra Ian Smith
e logo a seguir da guerra civil. Em 2012, continuam a reclamar que ninguém faz
nada por eles.
A linha de caminho de ferro
Mas se o exmo. Leitor for ver num mapa, a modernidade
do Século XX, como aconteceu em muitas regiões do mundo, chegou junto dos Sena,
principalmente através de uma linha de caminho de ferro. Desde meados dos anos
1930 que existe uma linha de caminho de ferro que liga a cidade (e o porto) da
Beira, em Moçambique, com Blantyre, uma cidade situada ao Sul do Malawi.
A linha não foi construída de uma só vez. Recorro aqui
à cábula feita por um filatelista
brasileiro (veja-se só) para ilustrar mais ou menos o que foi.
Locais
no mapa: 1 Metangula, 2 Vila Cabral, 3 Metónia, 4 Salima, 5 Mandimba, 6 Fort
Johnston, 7 Nova Freixo, 8 Entre-Lagos, 9 Zomba, 10 Blantyre, 11 Chiromo, 12
Port Herald, 13 Chindio, 14 Murraça, 15 Sena, 16 Dona Ana/Mutarara, 17 Chinde,
18 Dondo e 19 Beira.
C.F.N. – CAMINHO DE FERRO DE NACALA
(integrava-se no “Sistema Norte”, dos Caminhos de Ferro de Moçambique).
N.E./S.H.R. – NYASALAND RAILWAYS – NORTHERN EXTENSION (Extensão
Norte da Nyasaland Railways); com a inauguração deste troço de linha, a norte,
de Blantyre (10) a Salima (4), com término junto à margem ocidental do Lago
Niassa ficou finalmente estabelecida a ligação direta do grande Lago com o mar,
inteiramente por caminho de ferro.
S.H.R. – SHIRE HIGHLANDS RAILWAYS
(transformou-se depois na Nyasaland Railways – Malawi Railways). O primeiro
troço desta linha foi aberto ao tráfego, entre Blantyre (10) e Chiromo (11), em
1907. Reconhecidas as dificuldades de navegabilidade no Rio Chire ou Shire,
logo no ano seguinte foi construído novo troço de linha, entre Chiromo (11) e
Port Herald (12). Estes dois troços somaram 113 milhas, tendo sido considerada
a data oficial da inauguração deste Caminho de ferro, na sua totalidade, 29 de
Março de 1908.
C.A.R. – CENTRAL AFRICA RAILWAYS
(que foi foi comprada, tal como a ponte do Zambeze, pelo governo de Portugal,
em 1968). Em 1915, agravando-se as dificuldades de navegação nos rios Zambeze e
Chire, tornou-se necessário prolongar o S.H.R para sul, tendo-se formado uma
nova Companhia, a C.A.R., que começou a operar em 1915, com a maior parte do
percurso em território de Moçambique; assim: troço Port Herald (12) à fronteira
(16 milhas); troço fronteira à Chindio (13) 45 milhas. A ponte foi aberta à
circulação ferroviária em Julho de 1935, com seus 3.677 metros de comprimento,
estabeleceu a ligação directa da Niassalândia com o mar. Construída entre Sena
(15) e Dona Ana-Mutarara (16), a ponte obrigou a algumas alterações nos traçados
ferroviários de aproximação, da T.Z.R. e C.A.R. Então, a T.Z.R., do Dondo a
Sena, ficou a ter 291km de comprimento, integrando-se a ponte na C.A.R.
T.Z.R. – TRANS-ZAMBEZI RAILWAYS
(nacionalizada pelo governo de Moçambique em 1976). Caminho de Ferro inaugurado
em 1 de Julho de 1922, inteiramente em território moçambicano, corria de
Murraça (14) ao Dondo (18). Murraça situava-se na margem sul do Rio Zambeze em
frente do Chindio (13, na margem norte), efetuando-se o transbordo de malas
postais, passageiros e mercadorias por um sistema de “ferries”, que era
difícil, moroso e dispendioso. Estava assim completa a ligação da Niassalândia
com o mar, através do porto da Beira (19), trazendo a linha, também,
apreciáveis benefícios para Moçambique. A ligação do Dondo (18) com a Beira
(19) fazia-se pela Beira Railway.
B.R. – BEIRA RAILWAY / CAMINHO DE FERRO DA BEIRA
(ao longo dos anos teve várias outras designações).
Saliente-se que, devido às dificuldades de transbordo
Murraça-Chindio (14-13), não se considerava que o Caminho de Ferro trabalhasse
com a máxima eficiência e há muito que se pensava na ligação das duas margens
do Zambeze com uma ponte. Mesmo assim, devido às más condições de
operacionalidade do porto do Chinde (17), em progressivo assoreamento, a T.Z.R.
constituiu um importante impulso para o melhoramento das comunicações na
região, dadas as enormes potencialidades do porto da Beira. Estes factos
levaram ao abandono da Concessão Britânica do Chinde, o que ocorreu logo em
1923.
A Construção da Ponte Dona Ana
Ao contrário do que parece que alguns pensam, os
portugueses praticamente não tiveram nada que ver com a concepção, a construção
e o pagamento da ponte, muito menos o grande Eng. Edgar Cardoso, que mais tarde
fez, entre outras obras, as pontes de Tete e do Xai-Xai, mas que na altura
ainda era um miúdo a estudar na faculdade no Porto). A ponte Dona Ana (nome
de uma localidade adjacente ao local onde foi edificada) foi uma obra britânica,
mandada fazer por duas empresas britânicas, executada por uma empresa britânica
(a mesma que, vinte anos antes, construiu a ponte junto às Quedas de Victória,
ligando as então Rodésias do Norte e do Sul) e paga também com capitais
britânicos. Só em 1968 é que interesses portugueses adquiririam a ponte e o
caminho de ferro, mais ou menos a preço de saldo.
O
anúncio da adjudicação da construção da Ponte Dona Ana pela Central African
Railway e pela Tranz Zambezia Railways à Cleveland Bridge and Engineering
Company, publicado na página 2 do The Glasgow Herald, 5ª feira, 20 de Novembro
de 1930.
Copio
um texto inglês da época sobre a Ponte Dona Ana, que quando foi concluída
era a mais longa ponte ferroviária do mundo:
RECENT years have shown that
the railway engineer is still as unafraid of the might of great rivers as in
the days when he launched the Forth Bridge and first spanned the Falls of
Niagara. His latest achievement in steel is the Lower Zambesi Bridge. This, the
longest railway bridge in the world—though not the longest viaduct—measures
nearly two miles from end to end, without counting approaches.
To do full justice to this
great triumph in Africa demands in the writer an impossible combination of
faculties—the rapturous admiration of youth, the awed wonder of a native, the
knowledge and experience of a geographer, doctor, town planner, and many kinds
of engineer, and the capacity for expression of a talented author.
Calling for a remarkable
co-ordination of human industry, the task of building the Lower Zambesi Bridge
was undertaken to provide something more than a mere spectacular addition to
railway engineering. The great feat was accomplished as part of a comprehensive
plan which will provide for the proper development of British Nyasaland, and
for the simplification of its whole system of communication with the sea.
The best river transport can
never handle such large quantities of merchandise as the railway, and the lower
reaches of the Zambesi are unfavourable for shipping. From December to March in
each year the flooded river inundates the country for miles around. From August
to November, on the other hand, it shrinks until it is so shallow that only
flat-bottomed barges can get across, and teams of native boys wade through the
water pulling the barges with ropes. The two-mile crossing takes up to two
hours to make, and a regular landing base cannot be maintained owing to the
changes of the river.
At one time this river ferry
provided the only link between the railway which ran south from Nyasaland to
Chindio, on the north bank of the river, and the line which ran north from
Beira to Murraca on the opposite bank. These two villages, Chindio and Murraca,
are situated about ninety miles from the mouths of the Zambesi, and 160 miles
from the Portuguese port of Beira, which lies to the south.
Since Beira is the only port
which can conveniently handle the overseas trade of British Nyasaland, itself
an inland territory, it will readily be seen how vital was the necessity for
overcoming the break in the railway at the Zambesi River.
The building of the two-mile
bridge was not undertaken without some trepidation, and much forethought had to
be expended before the scheme got properly under way. British enterprise was
responsible for the project, although the site of the bridge lay in Portuguese
East Africa, some forty miles south of the Nyasaland boundary. After
preliminary surveys, it was decided to bridge the river at Sena, twenty-five
miles upstream from Murraca, where the primitive barges and stern-wheel
steamers carried on the ferry service.
The preparations for the
erection of the bridge included the construction of approach railway lines
along new embankments, and the clearing of the bush to build a camp. The
Cleveland Bridge and Engineering Co., Ltd., of Darlington. England, who secured
the contract, placed orders for materials with nearly a hundred British firms.
The necessary equipment included steel cranes, excavating gear, thousands of
tons of steelwork, timber, cement, concrete mixers, diving apparatus,
lubricating oil, electric light fittings, paint, machine tools, portable
forges, scientific instruments, millions of bolts and nuts, medical equipment,
water purification plant, portable offices, office furniture (specially treated
to withstand the hot, damp climate), eight pontoons, twenty barges, and two
light-draught stern-wheel steamers.
Some of the larger items,
including the river barges, were dispatched in parts and reassembled on the
banks of the Zambesi. Stone had to be obtained for concrete making ; two
quarries were opened for this purpose on either side of the river. To fit out
the 2-ft. gauge railways installed for running the quarries, further supplies
of equipment were transhipped from England to Beira, and thence by the
Trans-Zambesia Railway to the site of the proposed bridge.
These supplies included
twenty-eight sets of switches and crossings, sixteen ball-bearing turntables,
130 tipping wagons, sixteen platform wagons, twenty rubble skips, twenty
tipping buckets, and a number of petrol locomotives. Three 0-6-0 outside-framed
Peckett steam, locomotives were also supplied from England for service on the 3
ft. 6 in. gauge main line approaching and crossing the bridge.
Not only did the engineers
clear the bush to build a camp; they also changed the whole geography of the
district and planted two small towns on opposing banks of the river. The
European supervisors had four thousand native workers under their charge, at
times even six thousand, and the task of housing, feeding—though scarcely
clothing—this enormous number of natives called for skilled social
organization. Particular attention was paid to the question of hygiene, and two
hospitals, each with excellent surgery, dispensary, and specially trained
staff, were erected near the Zambesi River.
Exhaustive precautions were
taken, with encouraging results, against the malaria peril. The perfection of
the drainage system helped very largely in this direction, while a permanent
gang of boys was employed to wage an anti-malarial war. Their duties included
the capturing of a number of mosquitoes at frequent intervals for examination
by the medical officer, who was able to ascertain what percentage of them was
of the malaria-carrying species.
Since the engineers and other
Europeans had to spend four years in residence by the Zambesi, it was only
reasonable that certain social amenities should be provided for their
recreation during leisure hours. The indoor attractions comprised a recreation
room, a squash-rackets court, a billiards table, and a reading-room. Out of
doors there were tennis courts, a football ground, a cricket pitch, as well as
a nine-hole golf course.
The remarkable preliminaries
to the Lower Zambesi Bridge being completed, the year 1931 saw the beginning of
constructional work. Perhaps of minor interest to the onlooker, but of
surpassing importance to the engineer, are the foundations and piers of a
bridge. Anyone giving the matter a passing thought must be impressed by the
apparent impossibility of laying satisfactory foundations for piers which have
to stand in water.
There are several methods of
achieving this difficult feat. The usual procedure is to erect a cofferdam,
this being an arrangement for laying dry a space below water-level. Cofferdams
may be constructed of earth, timber, steel, or concrete, or of a combination of
these items.
The earth cofferdam is the
simplest kind, and is often used in shallow rivers with currents of low
velocity. It consists of a bank of earth, containing a good deal of clay,
placed round the pier foundation site to be enclosed, and of a thickness
sufficient to furnish the required stability. The bank projects two or three
feet above water, with a width of at least 3 ft. at the top, though this width
will probably be a good deal larger unless one or two strengthening rows of
wood or steel sheet-piling are inserted in the circular bank. When the bank has
been built, it remains only to pump out the water from the interior, and
excavation for the foundations may begin on the dry bed of the river.
A more elaborate cofferdam is
formed by driving into the river-bed one or more concentric rings of contiguous
wooden piles, braced internally with timber, to withstand the pressure of the
surrounding water. If two or more circles of piling are used, the space of a
foot or two between them is filled with concrete or clay-puddle. Steel sheeting
is often substituted for wooden piles, and used with success.
The engineers do not attempt
to make coffer-dams absolutely watertight ; this would be an expensive task. So
long as the bed of the river can be kept dry with a reasonable amount of
pumping, the conditions are considered satisfactory.
The nature of the Zambesi
River permitted some of the pier foundations to be dredged without preliminary
removal of the water, though cofferdams were usually adopted where rock
replaced sand and mud at a distance not too great from the surface. Pontoons
and barges, carrying concrete mixers, forges, cranes, and other impedimenta,
were drawn round the site of each pier, forming suitable islands from which the
constructional work could be conducted. During the dry season, as it happens,
no water flows over the south side of the river-bed, so that railway lines here
took the place of the pontoons and barges.
The laying of the foundations
began with the lowering of an oval steel curb, shaped like a steamer funnel,
and with cross-section measuring 36 ft. by 20 ft., into the bed of the river at
the site of each pier. Within this structural shield the proper foundation well
was next forced into the ground. This enormously strong steel-sided well,
containing suitable dredge shafts leading to the bottom, was in most instances
120 ft. deep. Steam cranes lowered mechanical grabs, having a capacity up to 38
cu. ft., down the dredge shafts, the work of excavation proceeding
simultaneously with the lowering of the well.
The well was built up in
sections as the excavations deepened. At the same time it was filled with
concrete, reinforced with vertical and horizontal steel rods. The two
excavation shafts were, of course, not filled in till the sinking of the wells had
been completed. The thirty-two wells were sunk to a minimum depth of 80 ft.,
and some of them to a depth of no ft., below low-water level. These figures,
owing to the shallowness of low-water, practically represent the depth of the
foundations below ground.
The wells were surmounted by
imposing concrete piers, likewise reinforced. Two additional main piers,
bringing the total up to thirty-four, were founded directly on rock on the left
bank of the river.
The thirty-three main
steelwork spans connecting the piers, and carrying a single line of 3 ft. 6 in.
gauge track, each measures 262 ft. 6 in. in length Nineteen of the spans were
set on a slight incline, mainly at 1 in 216, the permanent way being higher on
the left bank of the river than on the right. The highest spans stand 27 ft.
above high-water level.
From the right bank, or the
Sena side of the river, the bridge is approached by a steel trestle viaduct,
founded on ferro-concrete piles, with a total length of 1,805 ft. 8 in. There
follow seven small spans, forming part of the main bridge, and then the
thirty-three main spans already mentioned. The forty spans together measure
8,662 ft. 6 in. The six plate-girder spans constituting the left-bank approach
together contribute 399 ft. to the total length. The overall length of the
whole structure is 12,064 ft. 4 in. The last span was erected on October 12,
1934.
This, then, is the measure of
the world’s longest railway bridge, built at a cost of over £1,400,000. The
provision of a footpath on the up-stream side of the bridge will also
facilitate communication between the localities of Sena and Dona Anna.
The account which has been
given of this engineering achievement will convey some idea of the
complications and difficulties involved in the construction of major railway
bridges in uncivilized territories.
It is a curious fact that the
Lower Zambesi Bridge stands on a railway system which has a route mileage of
only forty-two and a half, from Port Herald, in Nyasaland, to the southern end
of the bridge. The old twenty-four miles stretch from Bawe to Chindio has been
abandoned.
The Central Africa Railway, as
it is called, is now operated by Nyasaland Railways Ltd., the company floated
specially to finance the construction of the bridge. This company was empowered
to purchase the Shire Highlands Railway, which ran from Port Herald to
Blantyre, a distance of 113 miles, and to build an extension 160 miles long to
Chipoka and Salima, at the foot of Lake Nyasa. An improved shipping service is
being set up on this lake, which is 360 miles long. and a large part of
Nyasaland will thus be brought within easy reach of the ocean port of Beira. (fim)
A Ponte Dona Ana foi construída entre 1931 e 1935,
tendo iniciado a actividade em Julho de 1935.
À data da sua inauguração, esta era a mais longa ponte
ferroviária no Mundo.
Detalhes do processo que levou à construção podem ser
encontrados nos arquivos britânicos, por exemplo AQUI.
Uns anos mais tarde, em 1956, a revista portuguesa Gazeta
dos Caminhos de Ferro, publicou o seguinte artigo, alusivo à ponte e ao uso
da linha de caminho de ferro entre a Beira e o então Protectorado da
Nyasalândia:
Página
1 de 2.
Página
2 de 2.
Junto dos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa,
obtive a excelente colecção de fotografias que ilustram a construção da ponte,
entre meados dos anos 1920 e meados dos anos 1930.
Aqui vão, em ordem cronológica.
1925.
Fim da Linha do comboio em Sena. Não havia ponte ainda.
1925.
Grupo de oficiais e visitantes no fim da linha do comboio em Sena.
1931.
A ponte começa a ser feita.
1931.
Duas crianças posam junto à placa que assinala o ponto onde o acesso à futura
ponte começará.
1931.
Um dos futuros acessos ferroviários à ponte.
1931.
Junto dos futuros acessos à ponte.
1931.
A Vila de Dona Ana, no outro lado do Zambeze. Acho que hoje dá pelo nome de
Mutarara.
1931.
Início do trabalho. Aqui, a testa da futura ponte.
1931.
A margem esquerda do Zambeze. Dona Ana.
1931.
O término da linha de caminho de ferro junto ao rio Zambeze.
1931.
O rio Zambeze no local onde vai ser construída a ponte.
1933.
Aspecto da construção dos pilares da ponte.
1933.
Outra imagem dos pilares em construção.
1933.
Um dos acessos da ponte, já praticamente concluído.
1933.
Uma parte da ponte já mais ou menos concluída.
1933.
A plataforma já com aspecto final, os acessos ainda por fazer.
1933.
Um dos pilares a ser feito.
1933.
Outra imagem de um dos pilares a ser construído.
1933.
A obra de um dos lados da ponte avança.
1933.
Um dos lados da ponte, já concluída, os carris a serem instalados.
1933.
Os tramos da ponte do lado de Sena já instalados.
1933.
Viadutos e tramos concluídos.
1934.
A passagem pedestre, num dos lados da Ponte Dona Ana.
1934.
A ponte, já mais ou menos concluída.
A
Ponte Dona Ana, em 1936. Começou a prestar o seu serviço em Julho de 1935.
1936.
A ponte, então recém-inaugurada.
1936.
Mais uma imagem da ponte acabada de inaugurar.
Uma
última imagem da Ponte Dona Ana em 1936. Para ver esta fotografia em tamanho
gigante, prima na imagem duas vezes com o rato do seu computador.
12/03/2012
Filed
under: A
grande crise de 2012, A
presidência em 2012, Aníbal
Cavaco Silva, António
Costa, António
Vitorino (PS), Marcelo
R de Sousa, Paulo
Portas, Pedro
Passos Coelho, Politica
Portuguesa — ABM @ 11:22 pm
Aníbal
Cavaco Silva, numa re-interpretação fotogáfica minha. Na verdade, estive a
testar um programa que é suposto pintar fotografias a preto e branco e o
resultado foi este. Serve para ilustrar o que tenho para dizer em baixo.
Os norte-americanos têm um nome para os presidentes
durante o final do seu segundo mandato: lame duck .
Que em português quer dizer qualquer coisa como “pato mole”. O termo é suposto
traduzir a incapacidade do presidente, a partir de certo ponto do seu segundo e
último mandato de quatro anos (em Portugal é cinco) de conseguir, ou até de ter
legitimidade para, tentar tomar certas iniciativas, legislativas ou outras,
especialmente após o seu sucessor ter sido escolhido.
Portugal não segue bem estes rituais, em parte porque
os seus presidentes, dada a natureza parlamentar dos sucessivos regimes
republicanos e o seu incestuoso alinhamento com os poderes “moderadores” da
monarquia a partir da segunda metade do Século XIX, não mandam: “presidem”.
E presidir vale o que vale, dependendo muito de quem
desempenha o cargo, das circunstâncias e, até certo ponto, do que diz aquela
obra de rendilhados socialisto-democráticos que é a actual constituição.
Em princípio, formalmente, um presidente português
pode fazer pouco em relação a um governo que não lhe presta vassalagem. Pode
vetar as leis mas logo a seguir é fintado numa segunda votação. Pode mandar
fazer algo eufemisticamente chamado “fiscalização preventiva da legislação”,
que é uma forma muito portuga de mostrar que não acha piada ao que lhe é metido
à frente para assinar mas que, à falta de melhor, manda para os senhores do
Tribunal Constitucional dizerem de sua justiça. O resultado disso vai depender
de se o douto tribunal está cheio de amigos, povoado de constitucionalistas
convictos, ou se de facto o governo do dia é tão idiota que elabora leis
inconstitucionais. A realidade tende a ser uma mistura das três.
Uma das formas muito populares de um presidente
português tentar influenciar a agenda política nacional é ir à televisão e
mandar papos. Os mandatos de Mário Soares só são memoráveis por isso e por ele
agir como se fosse um monarca, fazendo “presidências abertas”. A imprensa, sem
mais que fazer, ia a reboque.
Sendo que os portugueses actualmente seguem a política
com base nos primeiros doze minutos e meio dos telejornais das televisões, que
habitualmente ajem como se estivessem quase sincronizadas naquilo que sai
nesses preciosos minutos. As máquinas partidárias e a entourage
presidencial já sabem o suficiente para manipularem as coisas de forma a que a
declaraçãozinha com a bombinha seja feita a tempo do vídeo voltar para a
estação de televisão, ser tratado, editado, analisado e comentado, para sair
como um acto político de significado “presidencial” às 20 horas, a hora tardia
em que parece que a maioria dos portugueses assiste impávida aos noticiários,
presume-se que sentada na mesa de jantar e com a colher de sopa na boca.
Nestas questões da comunicação política, os
portugueses são ajudantes de ajudantes de amadores se comparados com o que se
passa nos Estados Unidos, realidade que conheci e acompanho. Mas o PS de José
Sócrates, ainda que duma forma mafiosa e aparolada, chegou perto de um grau
elevado na arte da feitiçaria comunicacional. Houve dias em que eu pensava que
os alinhamentos das notícias eram feitos num gabinete em São Bento pelos seus
assessores (continuo a achar que foram). Por mais que uma vez, despediram
jornalistas, puseram jornais e televisões em alvoroço, encostaram a
Procuradoria Geral da República e a Polícia Judiciária à parede, numa curiosa
versão berlusconorrasca da democracia.
Tudo isto nos traz ao Prof. Aníbal Cavaco Silva e a
esta semana.
Aníbal Cavaco Silva é um pequeno puzzle
comunicacional. Tem zero de charme e ainda menos presença. Não tem quase jeito
nenhum para comunicar. Mas eu suspeito que, paradoxalmente, a sua índole, tal
como a do actual ministro português das finanças, faz o gosto de muitos
portugueses precisamente por causa disso: tirando Mário Soares, que se
desenvolve muito bem em frente e atrás das câmaras e à sua maneira engana
gregos e troianos enquanto faz o que lhe apetece, praticamente todos os líderes
portugueses de renome eram de uma ineficácia comunicacional absolutamente
atroz, a começar por António de Oliveira Salazar, que falava sentado a olhar
com os óculos para os papéis, que governava por decreto pessoal fechado no seu
gabinete à tarde (com algum apoio de Pides, GNR e companhia) e que tinha uma
voz que mais parecia o Pato Donaldo. Sintomático é que este ditador durante
quatro décadas e que mal aparecia na rua é por muitos admirado e considerado o
Português do Milénio.
Têm em comum terem sido estudantes com boas notas de
famílias rurais sem grandes recursos, tornados professores universitários com
cátedra e falsos modestos – “anti-políticos” – assunto que por si só dava para
escrever mais um artigo.
Ramalho Eanes era mais ou menos a mesma coisa, mas uma
versão militarizada e não académica. Rígido, militarista, formal,
anal-retentivo, distante, usando fatos baratos, falava com um tom de voz que
parecia sempre que estava a pregar um ralhete a quem o estivesse a ouvir. Foi
um herói subestimado que em 1975 afastou Portugal do caos comunista da troika
Cunhal-Costa Gomes-Vasco Gonçalves, presidiu a tempos muitos difíceis e fez um
bom trabalho dadas as circunstâncias, mas em termos comunicacionais parecia que
ele, e o seu país, estavam noutro planeta.
Jorge Sampaio parecia-se um pouco mais com Mário
Soares mas sem o mesmo talento e aparentando estar sempre à beira de um ataque
de nervos. Socialista, presidiu ao gradual e inexorável afundamento do seu país
sem parecer dar minimamente por isso, usando uma vez uma raramente utilizada
prerrogativa presidencial para expelir Pedro Santana Lopes (e o PSD) do cargo
de primeiro-ministro e no seu lugar instalar, por puro acaso da oportunidade
(na altura rolaram mais do que uma cabeça nas chefias dos partidos) um então
obscuro ex-ministro socialista do Ambiente do qual não se sabia ao certo se
tinha ou não um curso, se tinha ou não recebido luvas por causa de um centro
comercial na outra margem do Tejo, se sabia o que ia fazer ou não, se sabia
falar inglês técnico ou não (não sabia).
O seu nome era José Sócrates.
Quando foi eleito presidente, em parte pela habitual
falha no grau de abertura do regime actual (eleger-se um Obama em Portugal é
uma impossibilidade matemática), em parte resultado de uma doentia propensidade
para se apostar nos habituais profissionais políticos senatoriais, bem oleados
e conectados, Aníbal Cavaco Silva era suposto ajudar, de alguma forma, a
contrariar, ou pelo menos atenuar, os efeitos da então “avalanche socialista”.
As alternativas na eleição de então eram más demais
para contemplar, o que facilitou a sua escolha.
Havia em muita gente a impressão que, depois do
assassínio de Sá Carneiro, Cavaco encaminhara o PSD e Portugal. Hoje sabe-se
que não foi nada disto, mas enfim.
Na altura, o Partido Socialista detinha uma maioria
absoluta, que bisou em 2009, aumentando vergonhosa, imoral e fraudulentamente
os salários dos funcionários públicos e criminosamente gastando o que já se
sabia era totalmente incomportável para os contribuintes. A maioria do
eleitorado, estupidificado, seguiu-o.
Mas o que Cavaco fez após ter sido eleito não foi
equilibrar coisa nenhuma. Erradamente, foi à televisão e disse que iria
cooperar piosa, discreta e pacificamente com o governo de José Sócrates,
sabendo-se que pretendia exercer a sua putativa influência (que era, como se
pode aferir, zero) nos bastidores, a partir da velha residência de D. Carlos e
Dona Amélia na Freguesia de Santa Maria de Belém.
Sorrateiro, José Sócrates fez os habituais gestos
conciliatórios em prime time mas de facto marimbou-se completamente no
presidente, que, complexado por natureza, nem sequer sabia bem como reagir, e
literalmente fez o que lhe apetecia e com quem lhe apetecia.
E, em jogos de bastidores, e na comunicação social,
Sócrates batia Belém dez a zero.
A oportunidade para a vingança de Cavaco Silva surgiu
imprevisível e veio de fora, quando, resultado de um acto de loucura
premeditada, as autoridades nos EUA deixaram o banco norte-americano Lehman
Brothers falir no início do Outono de 2008. No espaço de um ano, Sócrates, idiota
como sempre foi (o qualificativo é retrospectivo, na altura apenas se
suspeitava) apressou a falência da República e o fim do Estado Socialista, pois
não se pode ir gastando cada vez mais e ir aumentando os impostos com nomes
pomposos, se orwellianos (lembram-se dos “Planos de Estabilidade e
Crescimento”? “Novas Oportunidades”? “Rendimento Social Garantido”? “Plano
Tecnológico”? please…) e não esperar que a bomba não exploda.
A bomba explodiu, e de que maneira, em Abril-Maio de
2011, quando uns telefonemas urgentes de Londres e Bruxelas avisavam que a
falência do estado português estava por semanas, ou mesmo dias. Os chefes dos
bancos privados até foram às televisões, suando e piscando o olho aflito para
quem percebesse, que a coisa estava por dias. Concretamente, se os bancos não
conseguissem assegurar a sua liquidez, faliriam em dias, precipitando uma crise
económica e financeira de proporções inimagináveis. Já então, como desde então,
Portugal vivia de balões de oxigénio concedidos avulsamente pelo Banco Central
Europeu. Nessa altura, a pouca vergonha que foi, e é, a fraude criminosa do BPN
e a falência inexplicada do BPP, já decorriam alegremente, com milhares de
milhões de euros dos contribuintes a fluir sabe-se lá para onde, para quê e
porquê. Burros, os jornalistas não conseguiam, ou não queriam, explicar.
Pedro Passos Coelho, então um obscuro produto da
máquina do PSD, sem qualquer experiência de governação e com o mesmo tipo de CV
extremamente duvidável que José Sócrates, mas com mais juízo e mais bem
assessorado, fez a sua jogada.
Como lhe competia, escondendo o seu alívio na pompa
presidencial e no seu feitio professorial introspectivo, Cavaco Silva convocou
novas eleições. O PSD venceu com uma maioria absoluta cozinhada com Paulo
Portas (que se tornou na Hillary Clinton portuguesa, salvo seja) e Sócrates
exilou-se em Paris, mantendo os telemóveis de Portugal em roaming.
E aqui estamos nós, nove meses depois disso, em que,
pela primeira vez em cento e vinte anos o país está falido (e a piorar em cada
dia que passa) e pela primeira vez na Terceira República há uma maioria
idologicamente alinhada em termos de governo, parlamento e presidente e
expeditamente já se assinou um termo de dívida inexequível e se começou, em vez
de cobrar impostos, a extorqui-los alegremente.
Neste contexto, qual tem sido o desempenho do Prof.
Cavaco Silva?
Numa curta palavra: medíocre.
Ele bem tenta fazer alguma coisa. Mas não consegue.
Não se consegue perceber o que é que ele anda a fazer e a dizer, nem porque é
que ele diz o que diz quando o diz.
Diz que quer consolar e encorajar os portugueses a
enfrentar os demónios soltos por José Sócrates e o Estado Socialista (que em
boa parte ele, Cavaco, criou) mas depois faz afirmações desconexas e
estupidificantes sobre a sua reforma milionária, as suas mais valias
milionárias no BPN, as explicações mais obtusas sobre como comprou um palacete
de mais que um milhão de euros no Algarve via uma troca da sua prévia, muito
mais modesta casota, a sua dificuldade, vivendo ofuscadamente num palácio à
custa do erário público e com nada menos que três reformas milionárias, em
pagar as suas contas pessoais. Numa ocasião referiu que devemos estar
caladinhos e não comentar as agências (americanas, ainda por cima!) de rating,
uns meses depois diz precisamente o contrário.
Ele, que é um retrato fiel e acabado do que significa
ser um político profissional no Portugal moderno, passa a vida a querer sugerir
que não o é. Diz que não: que foi técnico no Banco de Portugal e Professor
universitário (pois, tem as reformas milionárias para o demonstrar). E que só
está na política para servir os portugueses. Claro Aníbal, we believe
you. Pior, tenta ir mais longe ao querer protagonizar-se como um anti-político,
sabendo que as sondagens indicam que o eleitorado está farto deles todos até à
ponta dos cabelos.
Ele, que agora é suposto estar alinhado
ideologicamente com quem manda, não se importa de enviar repetidos sinais no
sinal contrário, colocando em cheque as medidas draconianas que estão sendo
postas em vigor para evitar a todo o custo o percurso grego (e para tal, não
basta dizê-lo repetidamente). Passos Coelho e os seus correligionários mais do
que uma vez devem ter ficado a meditar se este presidente está do lado deles ou
contra eles.
Ele, que aparenta não ter equipa de comunicação a
assessorá-lo, pelo menos uma capaz, não dá conferências de imprensa ou comunica
eficazmente o que tem para dizer, limitando-se a fazer o que parecem
declarações de improviso, à porta de um sítio qualquer que vai inaugurar ou visitar,
invariavelmente dizendo coisas em que não batem a bota com a perdigota, em vez
do que se presume ser o que devia estar a dizer e fazer estes dias: apoiar os
esforços do governo e principalmente dos portugueses nesta fase infame das suas
vidas.
A semana passada, intestinalmente, a propósito de uma
obscura publicação qualquer que praticamente ninguém lê, tudo indica que fez o
que comentadores referem como um ajuste de contas a posteriori
com o politicamente defunto José Sócrates. Diz-se traído por este – até
institucionalmente! Touché. Só foi relevante por ter saído agora e por
ter sido basicamente um disparate – mais um. Se não se dava com ele, tivesse-o
dito na altura, despedisse-o, não é agora que se aceita que venha registar as
suas incapacidades publicamente. Pior, dá um ar infeliz de tó-tó
presidencial, ter-se submetido às sevícias de Sócrates sem nada fazer e nada
dizer quando podia e devia tê-lo feito.
Ou isto fazia parte da gestão discreta da sua
influência?
A passada semana assinalou também o fim do primeiro
dos cinco anos deste segundo mandato do Prof. Cavaco Silva.
O lugar dele, prerrogativas e dispensações
constitucionais aparte, é em boa parte aquilo que ele fizer dele (do lugar). Do
que se viu do primeiro ano, os receios inerentes quanto ao que ele possa dizer
e fazer nos próximos quatro anos, não deixam muita margem para conforto, sendo
que o caminho a seguir é relativamente claro: o imperativo económico
manter-se-á, e reza-se que do súbito empobrecimento nacional, da venda a
retalho do que resta de uma soberania que levou mil anos a construir, não
resulte o caos social.
Neste contexto, o que pode fazer um presidente
português?
Muita coisa, mas nada do que Cavaco tem andado a fazer
há um ano seguido.
Portugal já vive uma emergência, não precisa de ter
alguém no cargo presidencial que parece não saber quando usar o fósforo para
atear o fogo, ou um balde para o apagar.
Entretanto, num outro registo, Marcelo Rebelo de
Sousa, António Costa e António Vitorino pré-posicionam-se para o sucederem. O mero
facto de já andarem a contar espingardas assinala o próximo estatuto de Cavaco
Silva como pato mole.
Filed
under: Sociedade
moçambicana, Turismo em Portugal 2012 — ABM @ 6:33 pm
Assinalando com apreço o crescente intercâmbio entre
portugueses que vão visitando Moçambique (alguns para tentar ficar- boa sorte)
e de moçambicanos que visitam Portugal, deixo a estes últimos um mapa turístico
do rectângulo luso ibérico ocidental que encontrei na internet.
Portugal tem a vantagem de ter mais coisas para ver
que Moçambique e de estar tudo contido no equivalente entre a Ponta do Ouro e o
Xai-Xai.
A comida e a hospitalidade não têm rival, e aqui ficam
as sedes do Benfica, do FC Porto e do Sporting.
Roteiro
de Portugal para visitantes de Moçambique, 2012.
Filed
under: Armando
Guebuza, Economia
de Moçambique, Lucro do Corredor de Nacala, Os lucros do Corredor de Nacala, Política
Moçambique — ABM @ 6:19 pm
Nacala,
uma das baías mais surpreendentes de Moçambique.
Cito com vénia uma notinha publicada no semanário Savana
deste passado fim de semana.
A
nota do semanário Savana, publicado em Maputo a 9 de Março de 2012. A Factura
da Libertação.
12 comentários:
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