segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Cabrito na unidade nacional

 
Essa coisa de frequentar restaurantes, sobretudo aqueles famosos, supostamente devido aos seus deliciosos pratos que, inclusive, além dos clientes residentes e outros assíduos, atraem qualquer visitante, provocando atitudes de inveja a outros estabelecimentos vizinhos, me fez entender que, além dos meus concidadãos, parte do nosso gado luta também pela consolidação da unidade nacional.
Não está para menos. Basta compreender que muitas cabeças dos cabritos diariamente sacrificados nos matadouros da província central de Tete são posteriormente vendidas nos mercados de Xai-Xai, sendo que as respectivas orelhas constituem deliciosos petiscos algures em Niassa, Sofala e Manica.
Aliás, o “camarada” Egas Viegas já sublinhou, neste espaço, edição de 20 de Outubro de 2011, que os “pratos saborosos da tia Suzana (Suzy), naquela tasca domiciliária, mais conhecida por ‘tasca dos arrependidos’, ali ao lado daquela frondosa maçaniqueira, na vila nortenha de Guro, província de Manica”, onde muitos cidadãos frequentam para se deliciarem do petisco preparado com base em orelhas de cabrito. E contou (Egas Viegas) outro episódio, revelando como a tia Suzy satisfaz a clientela assim que se esgota o stock de orelhas de cabrito. Interessante reler o referido texto.
Voltando aos cabritos degolados em Tete, importa esclarecer que o resto da carne abastece os principais mercados da província cuja hidroeléctrica constitui uma das três maiores do planeta Terra e ilumina, além das províncias moçambicanas, países como Malawi, África do Sul e Reino da Suazilândia. É caso para escrever que, de facto Tete, está a tomar conta tanto da unidade nacional como da integração regional.
Na cidade de Xai-Xai existe um restaurante designado “Nkanhine”, nome atribuído devido à existência, no local, de uma árvore frondosa chamada canhoeiro, espécie que entre os princípios de Fevereiro e meados de Março tem deliciado a população com uma bebida (tradicional) muito apreciada na província de Gaza.
Naquele restaurante, “cabeça de cabrito” é o único prato sempre disponível em grande quantidade, já temperado e cozido, pronto para se devorar, bastando o cliente dispensar, no máximo, cinco minutos para se descongelar e aquecer.
Tenho, inclusive, um amigo e colega de profissão, a quem carinhosamente trato por “meu mestre” e ele me chama de “pequeno Muvale” (assim combinamos), que de todas as vezes que viaja de Maputo para visitar a família no município de Chibuto, nunca se esquece de observar uma pequena paragem na cidade de Xai-Xai e me convidar para, debaixo da sombra daquela árvore frondosa, nos deliciarmos da apetitosa cabeça de cabrito, cuidadosamente preparada ao estilo “água e sal”.
Curiosamente, tal prato é também composto por pedacinhos de tripas, “saco sujo” (é a dobrada do cabrito) e algumas patadas, todas encomendadas em Tete, segundo me segredou um dos serventes daquele restaurante.
“A senhora pode me explicar sobre o sumiço das orelhas constituintes desta cabeça? Afinal de contas não se trata de cabeça inteira?”, questionou à servente, um dos clientes de “Nkanhine”, visivelmente indignado pelo facto de não ter encontrado no prato servido todos os órgãos constituintes da cabeça de cabrito. Passam poucos dias que presenciei aquele episódio.
Tal freguês, na altura, estava na mesa ao meu lado direito e defronte do meu compadre Mandlate, jogador do Ferroviário de Gaza, que também se deliciava daquele saboroso manjar. E eu não podia perder a oportunidade de lhe fazer companhia, na mesa e no devorar, naturalmente.
— “Muvale, a cabeça (de cabrito) que nos serviram também não tem orelhas, mas não vamos reclamar, pois o prato está...excelente”, disse o meu companheiro que tanto se esforçou para pronunciar o adjectivo “excelente”, visto que a “linguada” daquele quadrúpede, mamífero e ruminante havia lhe “entupido” a garganta.
— “Aqui dá para visitarmos mais vezes, não achas Muvale?” – sugeriu Mandlate, ao que prontamente retorqui: “Tenho vindo na companhia da família”. E expliquei ainda que o paladar que Mandlate sentiu daquele prato é quase o mesmo testemunhado pelos clientes da tia Suzy, lá no distrito de Guro, em Manica. E deixei-lhe o seguinte exemplo de silogismo: “Cabeça de cabrito vendida em Xai-Xai é apetitosa; orelhas servidas em Guro pertencem às cabeças de cabrito vendidas em Xai-Xai, logo, orelhas de cabrito servidas (pela tia Suzy) em Guro são apetitosas”. Juntos pela unidade nacional, até à próxima.

1 comentário:

Anónimo disse...

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