“Quem se levanta cedo? Quem vai à tonga? Quem traz pela estrada longa a tipóia ou o cacho de dendém? Quem capina e em paga recebe desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares “porrada se refilares”? – Quem? Quem faz o milho crescer e os laranjais florescer? – Quem? Quem dá dinheiro para o MPLA comprar máquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores? Quem faz os dirigentes do MPLA prosperar, ter barriga grande – ter dinheiro?”

Actualmente, a nível mundial, cerca de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos têm um crescimento deficitário por causa da falta de alimentos. Continente que mais sofre é o africano. Angola também dá um importante contributo para esta vergonhosa realidade.
A fome no mundo está a aumentar há três anos consecutivos, tendo afectado 821,6 milhões de pessoas em 2018, contra as 811 milhões registadas no ano anterior, segundo um relatório assinado por várias agências da ONU divulgado esta segunda-feira.
Em termos mais precisos, uma em cada nove pessoas no mundo não tinha o suficiente para comer em 2018, segundo os dados do relatório anual “O estado da segurança alimentar e nutrição no mundo”, documento assinado, entre outras agências, pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Após várias décadas em queda, o flagelo da fome começou novamente a ganhar dimensão a partir de 2015, referiram as agências signatárias do relatório, apontando que a desnutrição continua a persistir em vários continentes: Ásia (513,9 milhões de pessoas, mais de 12% da população afectada), África (256,1 milhões de pessoas, cerca de 20% da população afectada) e América Latina e Caraíbas (42,5 milhões de pessoas, menos de 7% da população afectada).
O relatório, co-assinado também pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) e pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), estimou ainda que, durante 2018, mais de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo, das quais 8% vivem na América do Norte e na Europa, não tiveram um acesso regular a alimentos suficientes, seguros e nutritivos, ou seja, viveram numa situação de insegurança alimentar moderada ou grave.
A perspectiva de ter um mundo sem pessoas desnutridas até 2030, um dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável inscritos na Agenda 2030 da ONU, apresenta-se como “um enorme desafio”, apontou o relatório.
“Para preservar a segurança alimentar e nutricional, é essencial aplicar políticas económicas e sociais que consigam compensar a todo o custo os efeitos de ciclos económicos adversos, evitando a redução de serviços essenciais como os cuidados de saúde e a educação”, frisa o documento.
Apelando a uma “transformação estrutural” que seja verdadeiramente inclusiva ao nível dos mais pobres, as agências da ONU defendem que todas as preocupações relacionadas com a segurança alimentar e a nutrição sejam integradas “nos esforços para a redução da pobreza” no mundo, ao lado de outros assuntos igualmente prioritários como a desigualdade de género ou a exclusão de grupos sociais.
O documento também apontou que os progressos para reduzir para metade o número de crianças com atrasos no crescimento, outras das metas da Agenda 2030, têm sido insuficientes.
Actualmente, a nível mundial, cerca de 149 milhões de crianças com menos de cinco anos têm um crescimento deficitário. E um em cada sete bebés no mundo, cerca de 20,5 milhões, nasceu, em 2018, com baixo peso.
Paradoxalmente, o relatório observou que o excesso de peso e a obesidade também continuam a aumentar em todas as regiões do mundo, especialmente entre os menores em idade escolar e nos adultos.
No ano passado, cerca de 338 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar apresentavam sinais de excesso de peso e um em cada oito adultos no mundo (672 milhões de pessoas) eram obesos.

Nós por cá… sabe Deus (que não é João Lourenço)!

O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, diz que o mundo não está a ganhar a guerra contra a fome a nível global e relativizou os dados que mostram que há menos pessoas na pobreza. África conhece bem esta realidade. Angola também.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indica que, em Angola, 23,9% da população passa fome. No relatório de 2018, a FAO refere que cerca de 821 milhões de pessoas no mundo passam fome, o que se traduz num aumento quando comparado com os dados de há dez anos. Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
“Não nos podemos deixar levar; não estamos a ganhar a luta contra a fome global”, disse Akinwumi Adesina durante a sua intervenção numa conferência sobre agricultura na Universidade Purdue, em Indianapolis.
As declarações de Akinwumi Adesina surgiram poucos dias depois da divulgação de dados sobre a descida do número de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia, mas o presidente do BAD vincou que os números das Nações Unidas, que mostra uma subida das pessoas com fome, de 777 milhões em 2015 para mais de 820 milhões no ano passado.
Perante uma plateia de investigadores, líderes empresariais, decisores políticos e doadores, o banqueiro defendeu mais ajuda desta comunidade e lembrou o compromisso de investir 24 mil milhões de dólares na agricultura africana nos próximos 10 anos, o maior esforço de sempre.
A situação na África subsariana, apontou, precisa de “intervenção particularmente urgente devido às mudanças climatéricas”, disse Akinwumi Adesina, segundo um comunicado do banco, que dá conta de um aumento de 38 milhões de pessoas com fome em África em 2050 só devido a estas alterações.
Cerca de 821 milhões de pessoas no mundo passam fome, revelou a ONU, traduzindo um aumento para níveis de há dez anos que se sente mais na América do Sul e na maior parte de África, disse a FAO no relatório sobre o estado da segurança alimentar e nutrição de 2018, em que se confirma a tendência para o aumento da fome no mundo pelo terceiro ano consecutivo, passando de 804 milhões em 2016 para 821 milhões em 2017.
Angola, Moçambique e Guiné-Bissau estão entre os países africanos onde os choques climáticos – mas não só – foram uma das causas de crises alimentares em 2017, segundo a avaliação global sobre segurança alimentar e nutricional (SOFI 2018), elaborada por cinco agências da ONU, incluindo a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A avaliação é pessimista, realçando que os objectivos de erradicação da fome em 2030 estão em risco, face ao crescimento da situação de fome, que atingiu 821 milhões de pessoas em 2017, ou seja, um em cada nove habitantes do mundo.

Importar comida e exportar milionários

As importações angolanas de alimentos ascenderam em 2017 ao equivalente a mais de 7,5 milhões de euros por dia, pressionando as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) do país.
De acordo com dados tornados públicos pelo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), só no primeiro trimestre de 2018, o país importou 560 milhões de dólares (480 milhões de euros) em alimentos.
“Apesar de representar uma queda de 30% comparativamente ao mesmo período de 2017, se guiados pela procura, que se mantém alta, no final do presente ano poderemos não estar muito longe dos cerca de 3,3 mil milhões de dólares [2.800 milhões de euros] de importação de alimentos verificada em 2017”, alertou José de Lima Massano.
“A consciencialização das nossas limitações deve ser geral para que, em conjunto, as possamos superar. Temos ainda uma procura por divisas elevada para cobertura de importação de bens que o país tem condições de produzir”, disse o governador.
O Governo angolano (aquele que está no Poder há… 44 anos) prometeu investir 24.000 milhões de kwanzas (87,6 milhões de euros) na Reserva Estratégica Alimentar do Estado, aprovada pelo Conselho de Ministros para garantir o abastecimento de alguns alimentos essenciais durante determinados períodos.
De acordo com informação governamental, a concretização desta reserva estava prevista para finais de 2018 e deveria ser constituída fundamentalmente por produtos nacionais, incluindo 20.000 toneladas de arroz, 10.000 toneladas de farinha de milho, 21.000 toneladas de farinha de trigo e 15.000 toneladas de feijão.
“Em situações de crise, calamidade ou situação de falta de produtos da cesta básica, o Estado deve intervir no mercado para manter o equilíbrio de preços e assegurar a segurança alimentar”, explicou o ministro do Comércio, Jofre Van-Dúnem Júnior, no final da quarta sessão ordinária da Comissão Económica do Conselho de Ministros, orientada em Luanda pelo Presidente da República, João Lourenço.
Farinha de trigo e de milho, arroz, feijão, açúcar ou sal são alguns dos produtos que integram a cesta básica angolana.
Tudo isto parece, ou é mesmo, uma anedota de muito mau gosto, típica de um regime feudal, mas é uma realidade protagonizada primeiro pela equipa de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos, e agora pelo seu sucessor João Lourenço.
Até aqui nada de novo, ou não fosse conhecido que Angola é um dos países mais corruptos do mundo, é um dos países com piores práticas democráticas, é um país com enormes assimetrias sociais e é igualmente um dos países com o maior índice de mortalidade infantil do mundo.
No caso de Angola, segundo as previsões dos mais eloquentes e assertivos peritos do regime, para que a fome seja completamente erradica do pais é necessário que o MPLA junte aos 44 anos que já leva de poder aí mais uns 56 anos.
Lead adaptado do poema Monangambé de António Jacinto
Folha 8 com Lusa
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