sexta-feira, 12 de julho de 2019

EUREKA por Laurindos Macuácua Cartas ao Presidente da República (159)

"O senhor fica feliz quando todos aqueles conhecidos carreiristas e bajuladores de ocasião lhe dizem que está a governar bem? Devia desconfiar, sobretudo dos elogios frequentes da Comissão Política em seus comunicados vazios."

EUREKA por Laurindos Macuácua
Cartas ao Presidente da República (159) 
Bom dia, Presidente. Não sei de quem tirou isso, mas o senhor é da opinião de que só os fracos é que reconhecem os seus erros. Chego a esta conclusão por via daquela entrevista que o senhor deu em Lisboa. O senhor tem aversão à crítica. Logo concluo que recusa a aprender. Estas duas coisas andam de mãos dadas. 
Como é que o Presidente recusa-se a responder, contra-ataca, quando é questionado se as famílias de mais de 600 mortes que ocorreram com os últimos dois ciclones, nomeadamente o Idai e o Kenneth, não merecem uma resposta e se vai haver um inquérito ao que falhou em torno de todo este processo. O senhor diz que isso não é preocupação dos moçambicanos. É preocupação das duas jornalistas que lhe entrevistavam. O Presidente até vai mais longe: diz que ao invés de se concentrarem em coisas sérias, procuram especular. 
Sinceramente, eu não sei o que é mais sério, para o Presidente, do que esta tragédia. E depois o Presidente divagou, dizendo que a primeira coisa que o seu Governo fez foi salvar vidas. Ora, desculpa Presidente: não devia prevenir mortes a primeira coisa a ser feita? Com este tipo de mentalidade, obviamente, vamos sucumbir à próxima adversidade climática. 
Por que o Presidente tem de se chatear quando é questionado sobre se have - ria ou não algum inquérito para apurar responsabilidades no caso do ciclone? Isto, Presidente, é o mesmo que alguém lhe perguntar se procura aprender dos erros. Como é que é, afinal, avaliado o desempenho de cada um no seu Governo? O sensato, nesta questão de ciclone, era avaliar o que foi feito. Os passos seguintes dependem muito disso. Deixa essa coisa de procurar motivações quando as pessoas lhe interpelam de forma crítica. O que querem, no fundo, é o seu crescimento, a sua mudança de atitude para o melhor. 
O senhor fica feliz quando todos aqueles conhecidos carreiristas e bajuladores de ocasião lhe dizem que está a governar bem? Devia desconfiar, sobretudo dos elogios frequentes da Comissão Política em seus comunicados vazios. Vou lhe dar um exemplo, Presidente. Tenho um amigo, hoje é um escritor notável, mas o seu primeiro livro não foi lá grande coisa. O livro foi lançado na e pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) há mais de duas décadas. Todos os seus confrades elogiaram a ele e a sua obra. Rejubilou. Disseram exactamente o que queria ouvir. Todavia, houve algo que mais tarde iria se recordar para toda a vida e quiçá para toda a sua carreira de escritor. Outro confrade seu, na mesma ocasião, o puxou de lado e disse-lhe sem rodeios: o seu livro é uma merda!

Na altura pode não ter gostado, mas não havia outra forma crua, incisiva, de dizer a verdade. Porém, hoje é agradecido ao único indivíduo que soube dizer a verdade. Esse, sim, revelou-se um amigo desinteressado, verdadeiro. 
Em suma: a hostilidade à interpelação crítica só lhe faz mal, Presidente. Sei que não começou consigo, mas o senhor e o seu partido investem muito nisso. Sempre quando não recebem os costumeiros afagos querem saber que motivações tem essa pessoa. Vocês, no fundo, são inimigos da melhoria! 
DN – 12.07.2019

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