segunda-feira, 8 de julho de 2019

A grande entrevista (1)

A grande entrevista (1)
A Grande Entrevista desapontou-me muito. O País preocupa-me tanto quanto preocupa a todos os outros moçambicanos. Se ele não está em boas mãos é preciso dizeê-lo de forma frontal. Não sou de opinião que servimos melhor o País abstendo-nos de interpelar criticamente para não atrapalhar aqueles que fazem. Isso não é patriótico, é imbecil e, no limite, uma traição ao País. Vou republicar alguns textos que escrevi logo após a investidura do Presidente a tratar de vários assuntos. A ideia é mostrar a razão da minha decepção na esperança de que aqueles que se preocupam com o futuro do País e querem discutir melhor se juntem a nós que só falamos para reflectir o País.
O primeiro texto é sobre o discurso inaugural.
"Dor de cotovelo?
Deve ser isso. Da minha parte. Como todo o analista que se preza considero-me muito mais apto do que qualquer político da praça. Por isso mesmo, do alto da minha erudição não consigo perceber porque está (quase) todo o mundo a elogiar o discurso inaugural do novo presidente. Não foi um mau discurso. Mas também não sei que aspecto desse discurso merece o tipo de encómios que ele está a receber no “Facebook”. Ele disse coisas previsíveis. Que vai formar governo competente, que estará ao serviço do povo, que vai procurar unir, abordar os problemas, etc. Teria surpreendido se não tivesse dito nenhuma destas coisas. Ou será que a nossa opinião sobre ele era assim tão má ao ponto de termos esperado que ele viesse a público, no dia da sua investidura, dizer que se está nas tintas para o povo, que a corrupção se lixe, que quem não é da Frelimo o problema é dele, que ele é mais si próprio do que qualquer ninguém? Não entendo os meus compatriotas. Tento, mas está difícil.
Ou se calhar não. Acho isto sintomático de algo muito bom, no fundo. É sintomático de algo que pensei que tivéssemos perdido: a esperança. Quando o discurso de alguém que pertence a uma malta que está constantemente a ser apedrejada é recebido desta maneira, isso quer dizer que Moçambique ainda tem gente que quer ser convencida, que quer alguém que lhes diga coisas boas, coisas que criam alento, coisas que galvanizam. É muito bom ser dum país onde as pessoas ainda querem ser enganadas. E tudo isto numa altura em que alguns, por inépcia, andam a dizer o tipo de coisas que mais ninguém quer ouvir. A estrela do discurso de investidura não foi quem o proferiu. Foram os ouvintes que pegaram nos bocados que nos dão esperança. Afinal nem tudo está perdido na Pérola do Índico. Já tenho uma ideia para a minha figura do ano. Não vai ser nem furacão, nem tempestade. Vai ser um raio de luz.
Mas só para estragar um bocado. Há duas coisas que ele não disse, mas que em minha opinião devia ter dito. Sei que é uma questão de apreciação política diferente. Primeiro, eu acho que ele devia ter falado das irregularidades durante as eleições. Ele é para mim, e para todo o moçambicano sensato, um presidente legítimo. Mas as eleições foram manchadas. Ele devia ter dito algo nesse sentido porque isso teria criado espaço para ele estender uma mão aos que estão a caminhar perigosamente para o mato político. Naquela passagem onde ele diz que é presidente de todos os moçambicanos, ali mesmo, ele devia ter dito “eu tenho consciência de que nem todos se revêm em mim; tenho consciência de que restam dúvidas em alguns compatriotas sobre a legitimidade do processo; eu tenho consciência disso; espero que todos os que estão desapontados me deem a sua mão patriótica e se juntem a todos nós na nossa aposta de trabalharmos com afinco na consolidação de instituições e procedimentos que nos ajudem a gerar maiores níveis de confiança; as tarefas que temos pela frente precisam de todos nós, nem que seja para nos ajudarem a melhorar através da crítica construtiva dentro da ordem constitucional; Moçambique é uno e indivisível; não é cada qual seguindo o seu caminho que vamos criar as instituições que queremos; é trabalhando juntos, de mãos dadas entoando com o nosso hino, que vamos construir este país pedra a pedra”. E por aí fora…
Devia também ter falado de Chitima e das cheias doutra maneira. Não devia ter apenas mostrado solidariedade e prometido trabalhar. Isso é o mínimo que esperamos dele. Devia ter aproveitado esta oportunidade ímpar para dizer como é que ele pensa interpretar o acto governamental. Ele devia ter dado uma ideia do que vai ser a sua governação, isto é como é que ela vai abordar este tipo de problemas (recorrentes, pelo menos as cheias). Vai reforçar a autonomia local para que seja ela a dar a resposta? Vai insistir na centralização? Vai pedir mais ajuda? Vai integrar mais o sector privado? Eu pelo menos não vi muito “Nyussi” naquele discurso. Vi alguém que leu um discurso. Bom, indiquei mais acima que não quero estragar a festa. O momento não é para isso. Só que estas coisas também são importantes. E como sei que não será com ele que Gaza vai estar no papo, estou-me nas tintas. Até desliguei um dos meus telefones de propósito. Espero que alguém tenha o número do outro".
Comentários
  • Lencastre Airone Obrigado Professor Elisio Macamo. Com o devido respeito, acho que o problema em Moz e no partidao é muito mais profundo e sutil. Após aceder a um audio referente a intervencao do ex presidente A. Guebuza ficou claro que está cada vez mais a evidenciar-se o problema do tribalismo. Noto com alguma preocupação uma tendência quase que generalizada de intolerância dos pares do partidao em apoiar o actual presidente na busca de soluçoes aos problemas mais "picantes" que o País atravessa.
    Penso que o problema nao pode ser colocada desta forma, gravitando a volta da figura do president. Precisamos de alargar a perspectiva buscar um angulo holístico e apontar como Professor sabe muito bem fazer, algumas linhas concretas de apoio para reversao do barco que é papel de todos nós.
    As assemetrias regionais propositadamente criada pelas policas nacionais, tendem a agudizar de maneira exponencial o sentimento do localismo e nao de nacionalismo.
    2
    • Elisio Macamo continue a pensar assim se lhe faz bem. comigo está a perder o seu tempo. apoiei a sua candidatura para o primeiro mandato, mas assim que assumiu à presidência passou, como todos eles, a ser objecto da minha interpelação crítica. consigo separar as minhas emoções do assunto que trato. ou melhor, tento e, para isso, exponho o mais claramente possível o que acho ser o problema. não vou deixar de criticar o que me incomoda com medo de ser chamado de tribalista e todo aquele que tem esse argumento na ponta da língua pode desde já ficar ciente de que me é completamente indiferente. agora, factualmente, você está equivocado porque o comité central da frelimo endossou a sua re-candidatura com unanimidade. tente outra coisa.
      2
    • Lencastre Airone Imagino o quanto seja difícil discutir um problema que eventualmente nos caracteriza.
      Gostaria de lembrar que ha sempre ganhos quando fazemos exercicios incomuns ao nosso estilo de vida. No caso pensando fora de caixa seria um bom exercicio.
      Apontei um
       problema de forma impessoal que na minha opiniao deve ser alvo de analise e provavelmente algumas estrategias para conte-la, possam emergir.
      Caso concorde, que seja problema social gostaria de lhe convidar a ver o fenomeno de perto.
      Tive oportunidade de morar por periodo relativamente longo em quatro cidades nomeadamente: Beira, Maputo, Quelimane e Nampula. 
      Desta experiencia pude sentir o pulsar do problema de perto. Nao basta ser da Zambezia, ha gente do litoral, gente de interior de alta e baixa Zambézia que nao comungam aspectos culturais.
      Nao basta ser de sofala, ha senas Ndaus de interior da costa de norteste e sudeste. Nao basta ser de Nampula, existem de litoral interior etc..... assim vive o povo de Moçambique. Enquanto academico, julgo que seria razoavel mergulhar sobre este problema e trazer propostas productivas ao inves de investir energias em questoes colaterais. 
      A unanimidade nem sempre representa a soma de vontades individuais, pode ser como o sistema funciona. 
      Vamos construir nacao saudavel onde cada um usa o que tem de melhor tem para apoiar.
      Se lhe faz bem criticar, so posso lhe desejar boa sorte.
    • Elisio Macamo Lencastre Airone, nāo sei do que está a falar. se está a insinuar que a minha crítica tem motivação “tribal” esse não é meu problema. o que eu critico nestes posts não muda com ou sem tribalismo, por isso está a perder o seu tempo. mas se esse assunto interessa-lhe, nada o impede de o estudar e trazer as suas respostas para serem discutidas. o que me parece completamente despropositado é trazer esse assunto para um post que aborda um problema bem claro, claramente exposto e que em nenhum momento se refere à questão “tribal”. a não ser que fique incomodado por eu ser donde sou, mais uma vez, algo que seria seu problema, não meu.
      1
    • Lencastre Airone Elisio Macamo Fiquemos por aqui prefiro acreditar que nao ha condicoes para prosseguir.....ate breve
    • Elisio Macamo obrigado pela sua compreensão. peço-lhe, no futuro, para se concentrar naquilo que escrevi se quiser ter uma discussão produtiva. se tiver outras ideias, desenvolva o assunto no seu mural e convide para o debate.
      2
  • Antonio Gundana Jr. Na verdade, acho que o pr disse aquilo que queríamos ouvir. Se dissesse nos moldes que o professor sugeriu, talvez não podíamos lhe entender. Ser bom pastor implica falar a linguagem das ovelhas!
    1

Sem comentários: