A DUMBANENGUIZAÇÃO DA ACADEMIA MOÇAMBICANA
Estive a ver a secção de comentário político do Jornal da Noite da STV, na edição do dia 3 de Julho do corrente ano, moderado pelo jornalista Boaventura Mucipo e tendo como convidados o político Venâncio Mondlane e o académico Gulamo Taju. “Perspectivas para as Eleições Gerais 2019” foi o tema em debate. Não vou conseguir fazer aqui um resumo do que lá foi discutido, uma vez que já está massivamente a circular pela nossa esfera pública não só o vídeo como também algumas reacções ao debate. Tudo está lá dito. Cristalino. A brilhar naturalmente por si só. Um tentava (e conseguiu, felizmente) tirar o debate do dumba-nengue. O outro, esse, tentava (sem vergonha na barba; aliás, na cara) meter o debate no dumba-nengue. Não conseguiu. Como disse, não conseguiria repetir taxativamente o que lá se testemunhou. Vou apenas levantar algumas achegas de análise que lá vi para ajudar os meus amigos a perceberem um pouco mais sobre duas coisas:
1. Como figuras como o Venâncio Mondlane estão a consolidar uma nova escola na forma de se fazer política oposicionista em Moçambique; e
2. Como funciona a cabeça daqueles que vão até ao inferno para defender mentiras, acobertar batotas, distorcer factos e “inutilizar” evidências sobre a gestão putrificada dos nossos assuntos políticos no país.
2. Como funciona a cabeça daqueles que vão até ao inferno para defender mentiras, acobertar batotas, distorcer factos e “inutilizar” evidências sobre a gestão putrificada dos nossos assuntos políticos no país.
Ponto 1: Resistir com factos
Venâncio Mondlane é um fenómeno político. Muito por fora da decadente tradição de se fazer política exclusiva e recorrentemente com chavões do tipo “você é tribalista”, “você é apriorista (?)”, “você é bota-abaixista” e quejandos, ele arrolou eloquentemente factos e deixou que eles fizessem sozinhos o devido barulho na consciência não só do representante das falcatruas no debate como também na do cidadão eleitor que ávida e atentamente os assistia. Por conseguinte, e mesmo diante de um académico que se diz prezado, a sua argumentação foi coloquialmente desproporcional. Não deu para esconder as gargalhadas sempre que o Gulamo Taju repetia ad infinitum, várias vezes até a gaguejar, o argumento do apriorismo (?) para explicar patavina daquilo que era para si bombardeado até pelo jornalista em serviço.
O argumento central trazido por Venâncio Mondlane, no debate supracitado, foi o seguinte:
i. O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) cometeu um ultraje em fixar a previsão da taxa de recenseamento em Gaza em 80% do universo da população da província e, ironica e tragicamente, fixar a projecção média de 45% da população para Zambézia e para Nampula, que têm quase 4 vezes mais a população gazense.
i. O Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) cometeu um ultraje em fixar a previsão da taxa de recenseamento em Gaza em 80% do universo da população da província e, ironica e tragicamente, fixar a projecção média de 45% da população para Zambézia e para Nampula, que têm quase 4 vezes mais a população gazense.
ii. Os dados do STAE e da Comissão Nacional de Eleições (CNE) levam à dedução de que, dos cerca de 1.4 Milhões de habitantes de Gaza, retirando os adultos não recenseados, pouco mais de 200.000 são crianças e adolescentes.
iii. A idade média da população moçambicana vem decrescendo nos últimos censos populacionais (1997, 2007 e 2018), estando actualmente próxima dos 16 anos de idade em toda a extensão territorial do nosso país. Os dados de recenseamento de Gaza, paradoxalmente, mostram um padrão duma província atípica de Moçambique, única sabe-se lá porquê e equiparada, miraculosamente, a uma estrutura demográfica de países desenvolvidos como a Noruega.
iv. Os dados de recenseamento de Gaza mostram que se suplantou uma questão política, atravessando-se para uma questão anticientífica e antiética que desembocou numa questão de natureza criminal. Por conseguinte, e para Venâncio Mondlane, tal e qual os autores das dívidas ocultas estão a contas com a justiça, a Procuradoria Geral da Republica deve infalivelmente aferir a dimensão criminal das instituições de administração eleitoral em Moçambique. Tudo muito simples, claro, objectivo e fundamentado.
Ponto 2: Mentir sem vergonha na cara
A notória insegurança (e surpreendente despreparo) na contra-argumentação de Gulamo Taju é apenas mais um reflexo do efémero prazo de validade que as explanações generalistas, superficiais e simplistas dos “guardas do sistema” têm quando inesperadamente expostas ao crivo do debate competente. Só para elucidar aos que, por qualquer razão, não conseguiram esmiuçar devidamente os argumentos (?) de Gulamo Taju (ou aos que se fingem de distraídos em relação à fragilidade da sua fundamentação, ou aos traficantes da desinformação que atribuíram uma fantasmagórica vitória dele a 5-2), recapitulando:
i. Em relação ao ponto i apresentado por Venâncio Mondlane – e que constitui o cerne da sua tese – Gulamo Taju não conseguiu dizer uma frase sequer que justificasse a máfia nas proporções entre, por exemplo, Gaza e Zambézia nas metas para o recenseamento. Repetiu estupidamente a balela de que existem outras províncias que também atingiram 100% ou mais do previsto, agredindo jocosa e vergonhosamente o princípio elementar da análise proporcional.
ii. O ponto em debate era, objectivamente, a relação entre o universo populacional e a taxa de recenseamento. No entanto, Taju preferia recorrentemente se esgueirar e buscar refúgio em matéria distante e diversa: os dados históricos dos mandatos da Frelimo nas últimas eleições. Uma tentativa de colocar uma cortina de fumo para a sua inépcia argumentativa mas, paradoxalmente, a sua acinesia cerebral ficava cada vez mais descoberta.
iii. Gulamo Taju, desesperadamente, ainda procurou exemplos sem fundamento. Por exemplo, quando defendeu que em Niassa "a população não se foi recensear" e, não obstante ter maior população do que Gaza, acabou por ter menos mandatos. Venâncio Mondlane esfumou tal antítese trazendo à ribalta dados concretos da estratégia de obstrução que foi feita nesta província para uma taxa de recenseamento baixa.
iv. Em essência, ao invés de discutir os factos e a relevância dos argumentos de Venâncio Mondlane, Taju foi exímio propagandista de fífias como o apriorismo, o tribalismo, a "feudalização ideológica" e a clássica teoria da conspiração da "mão externa". Trouxe improvisos infelizes alicerçados desgraçadamente num discurso descontextualizado. Em suma, procurava insistentemente aliviar as dores do chamboco do Venâncio Mondlane, buscando aflictamente dar um tom intelectualmente sociólogico a um KO técnico irreversível. Nesse desiderato, Taju praticamente assemelhava-se a um lutador de MMA (luta livre) que apanhou na luta de pé (Estatística), procurou lutar deitado (Sociologia) e, já com o nariz quebrado, por fim procurou lutar junto às cordas (Política), mas um gancho finalizador de Venâncio Mondlane levou-o a perder os sentidos e a alojar-se natural e desgraçadamente no chão como um caju podre rendido aos ditames incombatíveis da lei da verdade; dizia, da lei da gravidade.
Concluindo…
A postura íntegra, séria, responsável e informada que Venâncio Mondlane emprestou ao debate coloca em aguda crise a legitimidade do discurso dos que defendem, patrocinam, acobertam e reiteradamente fomentam ilegalidades na gestão dos nossos processos políticos. Pior ainda, quando o fazem em nome da academia. Aliás, é preciso começar a olhar com a devida suspeição a reacção atordoada que determinados académicos consagrados deixam emergir quando competentemente questionados. Se, há alguns anos, fazer política em Moçambique limitava-se só a debater o que os donos do país colocavam ao dispor da esfera pública, hoje iconoclastas como Venancio Mondlane trazem também para escrutínio geral aquilo que o sistema vigilantemente escondia dos cidadãos: informação de interesse público, devidamente tratada, processável e massivamente partilhável. Exactamente aquilo que era de conhecimento de uns poucos privilegiados num passado não muito longíquo, secretamente partilhada entre eles e que faziam disso fonte de legitimidade e de credibilidade para os seus títulos de académicos consagrados.
Deixo ficar reiterados parabéns ao Venâncio Mondlane por reforçar a percepção de que o jogo político em Moçambique também pode ser exercido de forma didáctica, com efeito positivo na forma de ver e de pensar o nosso debate político de modo objectivo também para o cidadão comum (como os tantos que estavam a acompanhar o programa e ficaram profundamente agradecidos pelo seu inusual serviço público). Se não fosse por ele (e por académicos a sério como o Prof. António Francisco, que fez uma estrondosa denúncia do escândalo), ninguém estaria a debater hoje a vergonha dos mandatos-fantasma da província de Gaza. Se fosse da vontade burguesa do Gulamo Taju, estaríamos hoje ainda submersos no imenso mar da ignorância que permite que só indivíduos como ele sejam consagrados académicos: o monopólio da informação e a instrumentalização organizada da desinformação para o prejuízo da consciência crítica das massas. Dá-lhes tremendo gozo, a estes tipos de consagrados académicos, ver os seus compatriotas em estado de permanente ignorância para que continuem exclusivamente sonantes e proeminentes, imagine-se…
Expondo os podres do nosso sistema de administração eleitoral com a descomunal contundência informativa que o fez, Venâncio Mondlane estava a debater sozinho, na STV. O outro estava a vender o peixe podre que tem despudoradamente infestado o dumba-nengue em que se tem estado a transformar, infelizmente, a academia moçambicana contemporânea.
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