Saturday, February 25, 2017

Nem às quintas-feiras nem aos outros dias

Diário de 
Vasco Pulido Valente
ANÍBAL CAVACO SILVA


260
21
… hopes expire of a low dishonest decade… W. H. Auden

Cavaco é um homem exemplar: bom filho, trabalhador, responsável, óptimo marido (em 50 anos de casado só não dormiu na mesma cama da mulher 1 por cento das noites, uma façanha pela qual a nação inteira o admira), perfeito pai, honesto, imparcial e dedicado. Não admira que os portugueses tenham feito dele ministro, primeiro-ministro e Presidente da República, embora seja um “intruso” na política, sem qualquer ambição pessoal e, sobretudo, odeie o ruído à volta do seu nome e a curiosidade à volta da sua pessoa. Não enriqueceu com as posições a que foi elevado. Quando está em Lisboa, vive num apartamento modesto (suponho que alugado) e, no Algarve, na “Casa da Gaivota Azul”, assim poeticamente chamada em homenagem a uma espécie de poema que Vasco Graça Moura lhe fez, não sei com que intenções, e que também tem, benefício da arte, um painel de azulejos do imortal Cargaleiro.
Sendo um bom católico e um homem de paz, Cavaco não odeia ninguém, excepto, claro, a gente que não o acha tão admirável como ele se acha, que lhe atrapalhou a vida, que não lhe obedeceu ou por puro desvario disse mal dele. Essa longa lista começa com Mário Soares (a grande força de “bloqueio”) que em Belém intrigava contra ele, que assistia sonolentamente às reuniões de quinta-feira e que no fundo (coisa que não escapou a Cavaco) o desprezava. Mas Vítor Constâncio (governador do Banco de Portugal) vem a seguir com a maioria dos dirigentes socialistas – e com Sócrates, um aldrabão, um ignorante e um obstinado, dado a cenas de hipocrisia e a fúrias contra tudo e contra todos. De qualquer maneira, e tirando estes parceiros da cena política, o inimigo principal de Cavaco eram os “media”, que merecem um parágrafo à parte.
Tanto como primeiro-ministro, como Presidente da República, ele execrou visceralmente “os media”. A concepção de política que o guiava era uma concepção de director-geral: o chefe bem informado e ajudado por especialistas, despachava no seu gabinete, longe do ruído da rua, a bem “do superior interesse da nação”; o governo e o parlamento aprovavam e a populaça fazia o que lhe mandassem. Tal qual como o Prof. Salazar gostava de fazer as coisas, com alguns ornamentos democráticos para disfarçar. Ora, os “media” criticavam, acusavam, distorciam. Um ou outro, como “O Independente”, até nem se coibiam de inventar notícias ou conspirações. Mais do que isso faziam dele uma figura do contínuo espectáculo da política indígena e ele não gosta de escândalos como o escândalo das “escutas”, que vários peritos dizem que ele próprio inventou. Fosse como fosse, apesar de alguns percalços, Cavaco conseguiu ficar no seu casulo, sem um acto decisivo que impedisse ou moderasse a crise em que o país caiu.
O que ele gostava naquele lugar do Estado era da proeminência que a situação lhe dava e da sensação de pertencer aos regentes do mundo. Com todo o cuidado apresenta no livro a prova fotográfica dos seus encontros com as celebridades que viu e ele julga que lhe dão lustre e por reflexo provam a sua importância pessoal: presidentes, primeiros-ministros, papas e similares. A vaidade paroquial do homem não tem medida; com os seus três papas, em particular, quase que se baba. Em contrapartida, o que mais lhe custava eram as reuniões com Sócrates (118 contou ele com o zelo com que contava a sua assiduidade ao leito conjugal). Em primeiro lugar, ele achava que Sócrates não passava de um mentiroso sempre pronto para o enganar. E, depois, Sócrates não percebia o que lhe diziam, se o que lhe diziam não concordava com os seus planos. Cavaco tomava notas numa estenografia secreta (que ele inventara na Faculdade) para se precaver de Sócrates e tentou até ao fim meter naquela cabeça irascível meia dúzia de noções elementares de economia e de finanças. Sem resultado.
A conclusão deste melodrama foi que os portugueses acabaram por sofrer uma crise, que o Presidente e o primeiro-ministro podiam adiar e com certeza atenuar. Cavaco previu o que ia acontecer desde pelo menos 2008. Mas não achou necessário prevenir os portugueses ou dissolver a Assembleia, porque a Constituição não lhe permitia interferir na política do governo. E, em matéria de lei, ele como qualquer director-geral era um devoto.
A comparação é fácil, mas ao ler estas 500 e tal páginas sem uma ideia, sem um pensamento sobre a situação e o futuro de Portugal, sem uma crítica ao sistema político, mas saturadas de uma satisfação incompreensível , não consegui esquecer Eça e os seus políticos: o conde de Abranhos, o conde de Gouvarinho, o genial Pacheco e o conselheiro Acácio. Reconheço, repito, a banalidade. Só que esta banalidade tem a vantagem de ser verdadeira.

António Magarreiro
António Magarreiro Para utilizar uma palavra que agora está na moda, Cavaco Silva foi a maior fake da história da democracia portuguesa. E, perante os políticos que durante estes anos tivemos, não era fácil ganhar o primeiro lugar. Parabéns pela crónica.
Gosto · Responder · 3 · 3 h
Teresa Silva
Teresa Silva È de lamentar que percamos o nosso (TEMPO) em votar ! deixamos o País nas mãos de certos políticos que são de confiança de alguns e, desconfiança de outros ...........FUTURO.
Gosto · Responder · 1 h
António Rosa
António Rosa Excelente! Como diria o outro; eu não escreveria melhor! eh.eh.eh.
Gosto · Responder · 2 · 4 h
Mário Miranda
Mário Miranda Vou ler o livro embora já saiba do que trata. Os seus críticos são a melhor publicidade.
Gosto · Responder · 4 h
Rui Santos
Rui Santos Só alguns podem ser Humanos que também erram, os tais que convivem nos salões da elite lusa.
Gosto · Responder · 4 h
Lino Santos
Lino Santos Texto execrável, nojento, bafiento. Sinta-se lá orgulhoso por dar uma alegria à esquerda da moda e contribuir para o desporto caviar de bater no Cavaco. Viva dez vezes que nem assim lhe roçará sequer os calcanhares. E faça-nos um favor: pouse o copo, vá dormir e pense em voltar a escrever no Público (ou no DN), parece-me bem mais o seu estilo.
PS vá bardamerda.
Gosto · Responder · 1 · 2 h
Fausto Marques
Fausto Marques Vou com certeza ter uma boa oportunidade de continuar com a mente mais ou menos sa! Nao vou ler esse livro pronto! Porque? Porque tenho gracas a Deus uma boa coleccao de livros sobre todos os assuntos e politicos da estrema esquerda a direita ao nazismo todas as religioes e suas origens mas sobre politicos ou politicas do mundo....adoro o Triunfo dos Porcos ! Pois e .....todos iguais....mas uns mais que outros!
Gosto · Responder · 1 · 3 h
Gastao Taveira
Gastao Taveira Brilhante, VPV.
Gosto · Responder · 1 · 2 h
Rui Alves
Rui Alves Atraz de mim vira , quem bom de mim fara !!!
Gosto · Responder · 1 · 4 h
Luís Magalhães
Luís Magalhães EXCELENTE!!!!
Gosto · Responder · 1 · 4 h
Abel Santos
Abel Santos E as cruzinhas nas urnas? Vai lá "Valente"!
Gosto · Responder · 3 h
Abel Carrondo
Abel Carrondo E que mesquinho diretor geral
Gosto · Responder · 2 h
Alda Bento
Alda Bento VPV , muito bom!
Vitor Manuel Cardia
8 m
"Ora os "média" criticavam, acusavam e distorciam". O que era de facto uma análise infundada acerca de instituições que sempre se pautaram pela maior imparcialidade, como todos recordamos dos acontecimentos da ponte sobre o Tejo em Lisboa. Gostaria de recordar a V.P.V., uma pessoa que desde à muitos anos leio com atenção,  que esses "média" transformaram um criminoso traficante de droga, num herói nacional com direito a holofotes e microfones diários nesses escabrosos acontecimentos que tiveram como justificação oficial um "miserável aumento das portagens". Não lhe deve passar pela cabeça os meios e as cumplicidades dos indignados pelo tal "desmesurado roubo" aos utentes da ponte construída no dia 25 de Abril.  Se não percebe o que foi essa tal força de bloqueio, considerada por V.P.V. uma invenção, devia saber o que foram essas tais presidências abertas acompanhado por legiões de jornalistas que seguramente seriam muitíssimo bem tratados.    
Manuel Lisboa XII
8 m
Não li o livro do Doutor Cavaco Silva. Todavia, reconheço, Vasco Pulido Valente no seu melhor, zurzindo mordazmente no ex-Presidente da República e ex-Primeiro Ministro. A crónica está, como habitualmente, muito bem escrita e com sarcasmo evidente. Acerca do autor da obra comentada sempre projectou uma a imagem cinzenta, tanto à frente do governo como na presidência. Dele, de facto, ninguém se deve lembrar de uma ideia ou projecto que servisse para empolgar o país, ao longo dos vinte anos em que desempenhou aqueles cargos. Mas, diga-se em verdade, nem ele nem os outros, talvez com a excepção de Mário Soares nos finais dos anos setenta e início dos oitenta do século passado...   
Manuel Antunes
33 m
O Vasco também tem o direito de ter os seus odiozinhos de estimação. Cavaco é um homem que veio do povo mais humilde. O pai explorava uma bomba de gasolina. Não era, portanto, um príncipe da política oriundo de famílias ilustres como Soares, Sampaio ou o atual Presidente, e isso  a política culta e pretensiosa deste País nunca lhe perdoou. À própria esposa, não obstante tratar-se  duma professora universitária, nunca lhe foi reconhecido um estatuto muito acima de sopeira. Há um grande fosso entre o povo e as elites ditas cultas, que acharam sempre que Cavaco não era um deles  nem devia morar em Belém. Pena que o povo tenha achado o contrário.
João Coutinho
38 m
Só tenho uma coisa a apontar ao autor: era mesmo necessário usar esse termo de desprezo, "populaça"? Por que não escreveu "população"? Vontade de provocar, é isso?

Antonio Sousa Branco
44 m
É fácil, é politicamente correcto e melhora o "pedigree intelectual" e a autoestima, dizer mal de Cavaco Silva,  rejeitado, com toda a razão,  pelo muito restrito clube da "inteligência" caseira. Imagine-se a desfaçatez de um simplório, talvez mesmo um saloio algarvio, que nunca deveria ter abandonado as bombas de gasolina, obter 4 maiorias absolutas ?  Alguém, como diz, "... mais preocupado em não perder uma noite com a Maria?   
Nema Godinho
51 m
VPV procura com o seu trabalho mostrar quem foi o homem que nos governou no século passado como PM e já neste século como PR. Ele podia ter alguns defeitos mas sabia muito bem o que esperava para o país que o elegeu em ambos os momentos! Sempre o admirei, só houve, a meu ver, um erro crasso que ele cometeu após o segundo mandato que o fez cair, pena porque a maioria continuava a apostar no seu trabalho, e que fez surgir o partido da oposição que estava nas cinzas, valendo-se desse seu erro! Muitos de nós portugueses sofremos na pele o seu lapso,  pois ele entendeu fazer desaparecer a classe média,  foi esse o seu maior erro que o fez cair! Se assim não fosse, quem desapareceria da cena política foi quem ganhou. Em desespero o  slogan interno era "ou temos de ganhar ou desaparecemos da cena política e muito se fez para isso, utilizando como sempre os mesmos meios de hoje!" Coisas que o tempo não apaga da memória da juventude da época.  
Maria Mascarenhas
1 h
Se é isso que ele diz de Sócrates no livro, é o retrato perfeito do aldrabão que já todo o País agora conhece!
Luís Casanova
1 h
Caro VPV,
Embora me vá repetir, o facto é que quando falamos de Cavaco Silva falamos de nós, Portugueses, pela simples razão que ele detem o record de maiorias absolutas; votando os portugueses em liberdade. Só por isso ficará na História. Na mesma 'história' que invoca quando relembra as personagens de Eça.

Existe, no entanto, um aspecto que, pelo nosso luso pudor, nunca abordamos : a origem social de Cavaco Silva. Na nossa memória colectiva perduram três primeiro-ministros : Pombal, Salazar e, acrescentarei, Cavaco. Apesar das diferenças históricas, todos subiram ao mais alto poder em momentos difíceis para Portugal (apesar da prosperidade, não foi fácil Cavaco modernizar-nos e preparar-nos para o Euro), mas não vieram das classes dominantes.  A incapacidade das nossas oligarquias gerarem um escol nunca é perdoada a homens como Cavaco Silva ou Salazar. Ambos sentiram-no e no caso de Cavaco inibia-o. Só Pombal 'corriguiu' esse desequilibrio.

Com estas memórias, não descarto que Cavaco tenha aproveitado a oportunidade para chamuscar os 'távoras'. Afinal, se ele não foi político, quem o foi? Ganhou quatro eleições por maioria.
Vasco Abreu
1 h
Hoje não posso acompanhar Vasco Pulido Valente porque ele esquece um dado fundamental: Cavaco não podia fazer nada então, como Marcelo não pode fazer nada neste momento... As sondagens foram sempre favoráveis a Sócrates, como são agora para Costa... Portanto, desfazer a Assembleia e convocar eleições era simplesmente aumentar o poder de Sócrates e prolongá-lo no tempo... Cavaco só tinha uma solução, a mesma que nos resta: aguardar que o governo apodreça...

PS.: Não esqueça, Vasco, que Sócrates ainda ganhou as segundas eleições, com minoria mas ganhou, o que significa que Cavaco sabia que se o demitisse ele voltaria com maioria absoluta... Restou-lhe, portanto, sem entrar em conflito aberto com o governo de Sócrates,  o que só o favoreceria, avisar o país dos perigos ... Ninguém valorizou as suas palavras no passado, como ainda hoje faz Vasco Pulido Valente... Portanto, aproveitando a lição do passado, tenho de concluir que Cavaco continua a ter razão e Vasco Pulido Valente não!
Amon Rá
2 h
Já que se trata de um livro de memórias, Cavaco devia ter-se lembrado que, por pura caturrice e preconceito ideológico, nunca chegou a condecorar o nosso Prémio Nobel de Literatura, José Saramago. Contrariamente, no estrangeiro, nomeadamente a vizinha Espanha, era enaltecido e admirado. Como cidadão, Cavaco tinha - e tem - todo o direito de se incompatibilizar com quem quisesse. Já como Presidente da República, não.
88dabulota .Amon Rá
1 h
CAVACO podia ter muitos defeitos mas não admirava DITADORES NEM CANALHA DESSA estirpe.Saramago não deixa de ser um monte de ranho num pasquim chamado  Diário de Noticias depois do Avantge que , enquanto la esteve nem para limpar o anus serviam.
Manuel RBAmon Rá
1 h
Recorda-se do que Saramago disse sobre a possibilidade de ser condecorado por Cavaco? Pois, convinha lembrar-se para não escrever o que escreveu. É que de "heróis" comunistas, que acreditam nos amanhãs que cantam como quem acredita no euromilhões, andamos todos (ou quase todos) um bocado fartos.
victor guerra
3 h
Banalidade a que VPV não foge ,é falar da "inutilidade" dos sucessivos AVISOS de 
Cavaco,que o rebanho da imprensa e "colunistas" ignorou.Ele sabia e sabe e sabemos que tudo isto vai dar asneira e desastre.Mas,VPV não tem sequer a coragem de J Manuel Fernandes.Não sabe se ainda precisa de perorar noutro jornal



Joaquim Moreira
3 h
Com todos os defeitos, alguns que descreveu e outros que poderia ter descrito, o facto é que, mesmo que não tenha “uma ideia”, nem “um pensamento sobre a situação e o futuro de Portugal” – afinal trata-se de um livro de memórias - há uma diferença enorme entre este “director-geral” e um qualquer “mestre da encrenca”. Mesmo que este livro, como diz e bem, seja uma “banalidade tem a vantagem de ser verdadeira”. Algo que nunca poderia ser escrito por quem não tem verdades para contar.
Falta mencionar o rancor. Este livro é um destilar de rancor e despeito . Primeiro sobre Sócrates e depois sobre Costa e a solução à esquerda que ele não conseguiu evitar. 
Carlos Quartel
3 h
Bem caracterizado o perfil de Cavaco.Auto-suficiência paroquial, horizontes limitados, viveu à sombra do seu doutoramento. Falta-lhe a "patine" universitária, o contacto com as letras e as artes, o seu universo é preto ou branco.
O mérito está na convicção, coisa rara na política nacional.Acreditou no que fez e acreditou que só ele o podia ter feito. Está um degrau acima do oportunismo e  da falta de vergonha que definem o meio.
Tiago Aires MateusCarlos Quartel
2 h
Todos os comentários tivessem a elevação e objetividade do seu e provavelmente não teríamos o País que temos. Digo-o sem hipocrisia -  por cá até à língua é traiçoeira. 
Aónio Lourenço
3 h
"Reconheço, repito, a banalidade. Só que esta banalidade tem a vantagem de ser verdadeira." 

O prezado Vasco tem de perceber que na era da pós-verdade a populaça prefere a mentira emotiva à banalidade verdadeira.
Antonio M Sa
4 h
Bravo!
Manuel Barroso
4 h
Vacuidade. Do comentário, não do que é comentado. Fui.
No To BrainwashingManuel Barroso
3 h
não volte... e se puder imigrar...

No comments: