Tsai Ing-wen gosta de se comparar a Angela Merkel. Terá duas missões difíceis de conciliar: responder às exigências do seu eleitorado e manter o statu quo com a China.
A promessa tinha sido feita há quatro anos: “Ao querido povo de Taiwan: um dia vamos voltar, não vamos desistir”. Tsai Ing-wen cumpriu o que disse quando assumiu a derrota das presidenciais de 2012. Agora, não só o seu Partido Democrata Progressista (PDP) ganhou o controlo da Assembleia, como Tsai se tornou a primeira mulher Presidente da ilha. E a China não está contente.
Era previsível: o PDP é mais favorável à independência da China e por isso uma vitória sua nas presidenciais suscita sempre reacções mais acesas por parte de Pequim. Apesar de Tsai Ing-wen ter vincado a necessidade de paz com o país vizinho, os media oficiais chineses aconselharam Taiwan a desistir das suas “alucinações” independentistas (expressão do anglófono Global Times), que seriam “um veneno” perigoso para o próprio território e o seu povo (ameaça da agência Xinhua).
“A questão de Taiwan é um assunto interno da China”, tinha avisado já no sábado, ainda antes das eleições, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. “Só há uma China no mundo …” Pequim tem centenas de mísseis apontados para a antiga Formosa, cujo território reclama desde que foi ocupado pelos nacionalistas do Kuomintang (KMT) na sequência da derrota face aos comunistas de Mao Tsetung, em 1949.
Saber como negociar com o Governo chinês é uma das missões difíceis que Tsai terá pela frente. “Ela vai lidar com um líder muito persistente em Pequim”, o Presidente Xi Jinping, comentou à Reuters Chu Yun-han, professor da National Taiwan University. Mas ao mesmo tempo, não pode defraudar os seus eleitores, especialmente os mais jovens, que são também os mais radicais e pró-independentistas, adianta Chu. “Isso não lhe dá muito espaço de manobra”.
Por outro lado, Tsai Ing-wen “foi desenvolvendo uma forma complexa e velada de falar sobre as relações entre os dois lados do estreito”, comentou aoNew York Times Shelley Rigger, professora de política asiática do Davidson College, na Carolina do Norte. “É uma posição muito mais subtil que permite, e incentiva até, interpretações.”
A esmagadora vitória, com 56% dos votos, face a Eric Chu, do KMT, pode ser vista como uma prova de que os taiwaneses recusaram a política de aproximação sem precedentes à China dos últimos anos, marcada por vários acordos comerciais e um boom no turismo. Mas sobretudo, defende o China Daily, castiga o anterior Governo pelos “problemas internos, como as falhas na administração, a subida do desemprego e das desigualdades sociais”.
Com um crescimento do PIB de 1% no ano passado, a situação económica da ilha ocupará seguramente a grande parte do tempo de Tsai. O seu antecessor apostava nos acordos com a China, principal parceiro comercial da ilha, para dar fôlego à economia; Tsai quer virar-se mais para o Sudeste Asiático, Japão e Estados Unidos – ontem, foi anunciado o envio do secretário-geral do partido, Joseph Wu, a Washington. E com 68 dos 131 assentos da Assembleia, terá apoio para avançar com as suas orientações.
Uma política discreta
Gerrit van der Wees, um especialista em assuntos taiwaneses que esteve várias vezes com Tsai nos EUA, diz que a nova Presidente gosta de se comparar à chanceler alemã - “também é uma pessoa decidida, uma pessoa que tem um governo aberto, que é favorável a uma sociedade aberta”, cita o britânico The Guardian. “Tsai comentou que o facto de Angela Merkel ter aberto as fronteiras aos refugiados sírios foi muito corajoso e um passo que ela também daria”.
Vários perfis que lhe foram dedicados apontam para o facto de Tsai, com 59 anos e sem filhos, ser uma política discreta, que gosta de ficar em casa a apreciar um copo de vinho e a dar atenção aos seus dois gatos.
Nasceu em Fenggang, uma aldeia no Sul da ilha, mas cresceu em Taipé onde, como a mais nova de nove irmãos, teve de tomar conta do pai. “Não era vista como uma criança que um dia teria sucesso”, disse à Time em 2015. Formou-se em Direito em Taipé, seguiu-se um mestrado na Cornell University (em Nova Iorque, cidade perfeita para “uma vida revolucionária”, acrescentou); depois um doutoramento na London School of Economics. Quando voltou foi dar aulas nas universidades da capital.
É apelidada de “Hsiao Ing”, a “pequena Ing”, mas nos últimos tempos tem sido referida mais como “Professora”. “Assenta-lhe. Ela é mais uma pensadora académica do que uma política a berrar slogans”, lê-se no Taiwan Today, que adianta que Tsai nunca gostou de ter as atenções viradas para si. Mas o seu percurso tornou-as inevitáveis.
Foi assessora do Governo para a entrada de Taiwan na Organização Mundial do Comércio (OMC), e em seguida conselheira para a segurança nacional do Presidente Lee Teng-hui (do KMT). Quando em 2000 Lee foi substituído pelo PDP de Chen Shui-bian – que pela primeira vez em meio século conseguiu afastar os nacionalistas do poder – Tsai ficou com o dossier das negociações com Pequim.
Mas quando, em 2008, tomou a liderança do PDP, as expectativas de que o conseguisse levantar novamente eram baixas. A derrota nas legislativas e presidenciais desse ano foi dura para o partido. Para além do desaire eleitoral, e do estado de endividamento do PDP, Chen Shui-bian viria ainda a ser acusado por corrupção.
Olhava-se para Tsai Ing-wen como alguém que possivelmente seria apenas uma figura de transição. Em 2012, ao desafiar o lugar de Ma Ying-jeou, ficou evidente que era bem mais do que isso. Foi por pouco que não venceu.
Assumiu a derrota e durante dois anos afastou-se da liderança partidária. Tsin continuava a ser a melhor hipótese ao alcance do PDP. “Apesar de ela ter perdido em 2012, a sua campanha tinha recebido muito mais apoio do que tivemos em 2008”, comentou Joseph Wu, o secretário-geral do PDP, ao New York Times. “O partido e os seus apoiantes pareciam reconhecer que ela era a mais popular dos políticos e a mais capaz de levar o partido à vitória”.
E assim foi. Tsai Ing-wen derrotou implacavelmente o KMT. Eric Chu admitiu a derrota, pediu perdão aos seus apoiantes e demitiu-se da liderança partidária. “Felicito Tsai e o PDP pela sua vitória, que é também uma responsabilidade nos seus ombros e espero que levem a República da China e Taiwan a um futuro melhor.”
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