Sunday, January 24, 2016

“NÃO HAVIA CONDIÇÕES PARA CHISSANO CONTINUAR!

30-06-2005

“NÃO HAVIA CONDIÇÕES PARA CHISSANO CONTINUAR!”

Marcelino_opaisMARCELINO DOS SANTOS REVELA QUE A FRELIMO JÁ TINHA DECIDIDO APOSTAR NUMA NOVA LIDERANÇA
Numa entrevista inusitada, Marcelino dos Santos abriu o repositório da memória colec­tiva da história deste país que é, afinal, a sua trajectória política. Porque a história deste homem é a História de Moçambique pela simples razão de que não se pode falar nem de uma nem de outra sem uma alusão mú­tua. Dir-se-ia que estamos em presença do Sr. História de Moçambique.
Marcelino dos Santos fala de si, dos seus companheiros, do passado, do presente, mas so­bretudo do que espera que seja o futuro de um pais que "ajudou a nascer e a criar". Eis as partes significativas de uma entrevista de hora e meia, que pode ser in­tegralmente acompanhada, na próxima terça-feira, na STV.
As razões para nunca ter sido Presidente
- Quando Samora morreu, o senhor era o número dois do país, mas foi Chissano que passou a Presidente. Foi por opção pessoal ou do partido?
- Eu compreendo essa pergunta. Muita gente já me questionou porque é que não fui presidente da Frelimo. Não tenham pro­blemas, não há conflito nenhum entre eu e Chissano, entre eu e qualquer outro membro da Fre­limo. Foi uma necessidade que nós sentimos de pôr o Presidente Chissano. Se vocês querem sa­ber mais, aí terão que esperar um pouco mais. Mas acreditem, estávamos e permanecemos unidos. O povo moçambicano dá-me uma certa liberdade para eu não falar tudo sobre este assunto.
- Coloquei essa questão porque durante muito tem­po o senhor foi o número dois da Frelimo, mas não avançou após a morte de Mondlane e voltou a não avançar após a morte de Machel... 
- Eu falo para dizer ao povo moçambicano que não se preo­cupe com isso. Não há nada de grave nisso. Um dia, quando chegar o momento, vão saber porquê.      
- Esse esclarecimento será feito por si ou após a sua morte?    
- Sei lá, nunca por mim sozinho mesmo se for pela minha boca, terá sempre a voz do partido.
Negociar com "bandidos armados"
- Joaquim Chissano ence­tou negociações com a Renamo para o fim da guerra, sobretudo por via da igre­ja. Havia consenso, dentro da Frelimo, para se nego­ciar com os "bandidos ar­mados" como chamavam à Renamo?
- Consenso havia, talvez hou­vesse alguma relutância por ambas as partes, porque muitos de nós pensávamos o seguinte: a Renamo é uma construção da segurança rodesiana, É muito importante que nós sublinhemos este facto: a Renamo era e é um instrumento criado pela Rodésia do Sul e que de­pois passou para as mãos do Apartheid.
- Mas mesmo assim, foram sentar-se à mesma mesa com esta gente...
- Pois, mas mesmo entre nós perguntávamo-nos porque é que a gente não vai falar com o criador, o apartheid, em vez da Renamo, se o patrão é o apar­theid. Naturalmente que ao ní­vel do mundo era muito difícil, já que o apartheid era o Estado da África do Sul. Era difícil as Nações Unidas aceitarem que o apartheid é que era o dono da Renamo, sendo por isso que houve consenso em aceitar-se que sim, façamos negociações com a Renamo, mas sabendo muito bem que os patrões não são eles, o dono era o apar­theid.
- O senhor disse em Malehice, na homenagem a Joaquim Chissano, que não teria tido a paciência de Chissano para negociar durante 27 meses...
- Isso é verdade... (risos), porque cada um é como é. Um partido tem a responsabilidade de escolher os seus quadros em função das exigências do tempo e não há dúvida nenhu­ma que o camarada Presidente Joaquim Chissano tem uma paciência enorme. Nós discu­timos coisas fortes no Comité Central e houve momentos em que começamos a gritar, elevando a voz sempre respeitosa­mente, mas Chissano sempre falava calmamente. Então, não há dúvida nenhuma que para esse período, Chissano foi, real­mente, a pessoa indicada.
- Se tivesse sido Marcelino dos Santos teria roído a corda...
- Se o partido me tivesse indigi­tado para ir lá negociar, creio que teria feito o papel de mem­bro do partido, mas era preciso uma luta interna muito grande para eu conseguir ser disciplinado, confesso muito franca­mente.
- O senhor disse também que nunca iria apertar a mão a Afonso Dhlakama. Mantém a ideia?
- Naturalmente.
- Mas porquê?
- Um indivíduo que foi criado pelo apartheid, um instrumen­to do apartheid, que nem per­sonalidade moçambicana tem, com que base eu vou aceitá-lo na nossa comunidade?  Nor­malmente,   nós   pensamos   o seguinte: eu fiz muitos erros, traí, etc, mas pelo menos eu devo ser capaz de chegar diante do povo moçambicano e pedir desculpas por ter feito isso, pedir para ser perdoado e ser reintegrado na família moçam­bicana.
Os erros da Frelimo e da Renamo
- A Frelimo também come­teu erros...
- Enquanto na Frelimo cinco por cento são maus, na Renamo cinco por cento são bons e 95 são criminosos. Como é que você pode fazer uma compara­ção dessas?
- Eu coloco esta pergunta porque há situações de er­ros que a Frelimo também, se fosse por uma questão de lógica, ia pedir descul­pas ao povo.
- Não, não.
- Por exemplo a Operação Produção. A Frelimo não deve pedir desculpas ao povo?
- Não, antes pelo contrário, há muitas pessoas que estão a pedir Operação Produção. Você vai a muitas províncias e encontra o povo que foi orga­nizado no tempo da Operação Produção.
- Mas nos moldes em que ela foi conduzida, raptando pessoas nas ruas e à noite em casa das pessoas?
- Fizemos muitos erros des­ses, mas não para negar o princípio.
- Mas colocava na lógica de pedir desculpas.
- Na Renamo é preciso negar, é preciso recusar o princípio e a prática, mas na Frelimo não.
- Chissano saiu e entrou Guebuza. Estava-se à es­pera, provavelmente, de uma liderança nova. A Frelimo não é capaz de avan­çar para uma liderança nova no sentido de gente toda nova, completamente descomprometida com o passado do partido?
- Você tem medo do seu passa­do? Que gente é você? (risos), Não é por ser gente nova que se é revolucionário! Há gente jovem reaccionária. Há ou não há? É capaz de dizer o con­trário? Não se pode pôr do lado dos reaccionários, mas o pro­blema é esse, companheiro. É errado pensar que o processo de desenvolvimento de um país passa por, num momento, re­jeitar os que são antigos. Há que sempre fazer a ligação en­tre as gerações.
- E essa ligação está sendo feita?
- Está sendo feita, sim. Mesmo que a gente a esteja a fazer com muitos erros, o princípio é este, camarada, não pode ser gente nova... gente nova... chamar qualquer reaccionário, assim? Vejamos, por exemplo, o que aconteceu com o Conselho Na- cional da Juventude. Viram de perto a evolução do Con­selho Nacional da Juventude, o trabalho que foi feito pela direcção anterior. Vocês viram o trabalho que foi necessário fazer para recompor a situa­ção no CNJ?
Nova postura para o governo
- Quando Armando Guebuza tomou posse, o Sr. Marcelino dos Santos disse que tinha entrado o governo do povo, O que quis dizer com isso?
- Porque é um governo para fazer trabalho do povo, para respeitar os interesses das massas populares.
- Chissano não estava a fazer isso?
- Chissano estava, mas ele en­trou num momento muito difícil em que nós tivemos que negociar com toda essa gente, incluindo o Banco Mundial. Ora, sabe muito bem que a aceitação das relações com o Banco Mundial foi o abrir as portas à invasão do capi­talismo e do imperialismo no nosso país, quer dizer, abri­mos a porta para aquilo que se chama capitalismo liberal para as economias de mer­cado.
- Acha que foi isso que desgastou Chissano?
- Não. Foi o momento difícil que nós tivemos que supor­tar e, naturalmente, há coisas que eu considero que real­mente não foram das mel­hores. Nós temos agora essa questão que se está a pôr so­bre as areias pesadas em que se diz que não há espaço para os empresários moçambica­nos. Como é que é possível uma coisa dessas, nem para carregar areia? De modo que é isso que nós temos que ver. É preciso criar condições para que os moçambicanos pos­sam participar em todos os projectos que tenham lugar neste país.
- Acha que Chissano foi muito condescendente com o poder financeiro?
- Eu acho que sim, mas eram daquelas coisas… você entra num sistema e não é fácil sair de lá e realmente, nós na Frelimo, tivemos essa capacidade de que podemos transformar a situação pondo Guebuza lá para ser um homem da recu­peração.
- Havia condições para Chissano avançar para um terceiro mandato?
- Eu creio que não havia condições para Chissano con­tinuar. Precisamente porque era exigida uma nova pos­tura do Governo. Não estou a condenar Chissano... você sabe que Chissano granjeou um prestígio imenso no pla­neta, Marcelino nunca seria capaz de fazer isso, daquela maneira. Todo e qualquer moçambicano deve ter orgu­lho disso, isso nós temos que preservar.
- Foi uma decisão pessoal de Chissano ou também do próprio partido que ele não avançasse para um terceiro mandato?
- Bom, segundo aquilo que sei, foi por vontade própria dele, porque quando o camarada Presidente Chissano apresenta ao Comité Central a sua vontade, ou melhor quando a Comissão Política informa o camarada Presidente desta mesma situação, porque foi preciso a Comissão política pedir para ser ele próprio a apresentar a coisa nasceu até ele próprio consagrar que era tempo de deixar.
- Ou seja...
- Era também sentimento nosso que para se efectivar uma real mudança, para permitir que o país passasse para a recuperação de muitos degraus perdidos, era preciso que mudássemos a direcção.
- Objectivamente, o que espera de Armando Guebuza?
- Espero que nós assumamos finalmente o poder. Que a Frelimo retome a linha que consagrou nos seus estatutos, no seu número dois: a Frelimo congrega no seu seio todos os moçambicanos de todas as classes e camadas sociais que aprovam os estatutos e programas do partido Frelimo"
- Parte significativa da classe política actual está aburguesada ou para lá caminha e, em contrapar­tida, o povo vegeta. Não acha que isto distorce o discurso que apregoam, em público, de combate à pobreza?
- Não, não, agora há neces­sidade de nos fazermos com­preender a toda classe social moçambicana que todos te­mos interesses em estarmos juntos porque todos somos oprimidos pela mesma força, que é trazida através dum Banco Mundial e dum fundo monetário que são instru­mentos do grande capital mundial.
SEMANÁRIO “O PAÍS”(Maputo) – Junho de 2005

29-06-2005

É tempo de dizer a verdade sobre Mbuzini!

Passam 19 anos após a morte trágica do primeiro Presidente de Moçambique, o Marechal Samora Moisés Machel, vítima de um acidente aéreo ainda não esclarecido ocorrido na região de Mbuzini na cordilheira dos Libombos, a noroeste de Maputo.
Vários foram os palpites publicamente lançados sobre as verdadeiras causas da morte de Samora, avultando a versão, ainda não comprovada, do governo moçambicano, segundo a qual, Samora Machel foi assassinado pelo então regime do “Apartheid” da África do Sul.
Essa vaga acusação nunca chegou a ser substanciada em instâncias apropriadas, isto é, Moçambique nunca fundamentou as suas acusações contra o regime do “Apartheid” e nunca se queixou desse regime em nenhum tribunal internacional apropriado. Apenas acusou na imprensa nacional e internacional.
Por seu turno, a União Soviética, proprietária do avião e da tripulação, fez coro às acusações vagas contra o regime do “Apartheid”sem, no entanto, ajudar Moçambique a consubstanciar tais acusações em foros apropriados.

O ponto principal é que existem três versões fundamentais sobre as prováveis causas do acidente fatídico de Mbuzini:

• “O terrorismo de Estado” perpetrado pelo regime do “apartheid”, insistentemente alegado pelo governo de Moçambique;
• “alguém em Moçambique que facilitou tal acto”, como publicamente o declarou Graça Machel, em várias ocasiões;
. ou tudo foi “consequência de erros e negligência da tripulação”, como parece ser a conclusão principal da Comissão internacional de inquérito, que investigou o acidente e publicou o seu relatório.

Depois de longos meses de trabalho da Comissão de Inquérito sobre o acidente, o governo de Moçambique declinou aceitar as suas conclusões recomendando a continuação das investigações, o que, na prática, não tem acontecido, uma vez que o próprio governo de Moçambique pouco ou nada tem feito para que algo de novo viesse à superfície sobre a morte de Samora Machel.
Quanto à senhora Graça Machel, que acusara publicamente “alguém” de Moçambhique de ter facilitado a morte de seu esposo, a mesma Graça Machel veio, mais tarde, declarar que não tinha provas do que dizia.
A questão de possíveis erros técnicos da tripulação na origem do acidente de Mbuzini está, razoavelmente, documentada em relatórios e pareceres da comissão investigadora e dos governos participantes.
O livro de João Cabrita, “A morte de Samora Machel”, lançado esta semana em Maputo, proporciona muito útil informação para se tirar as conclusões sobre o que, realmente, se terá passado na fatídica noite do dia 19 de Outubro de 1986.
Os defensores da teoria de “terrorismo de Estado” sustentam a sua tese, baseando-se num hipotético VOR (Rádio-ajuda à navegação aérea) falso, instalado algures nas montanhas, que teria desviado o Tupolev presidencial da sua rota com destino a Maputo.
“Os que defendem a versão de que o desastre de Mbuzini se tratou de um crime premetidado alegam que teria existido uma rádio-ajuda – o chamado VOR – transmitindo na mesma frequência que a do VOR do aeroporto de Maputo, e que fez com que o Tupolev presidencial se desviasse da sua rota, acabando por provocar a colisão do mesmo”, escreve Cabrita no seu livro, acrescentando que “os argumentos apresentados por Moçambique e pela União Soviética para provar não apenas a existência mas também o recurso a um VOR falso como forma de se provocar o acidente, simplesmente, não convenceram.
Ambos os países, aliás, defenderam pontos de vista de tal modo contraditórios que acabariam por tornar inconsistente a tese do VOR falso.
Sintomático da insustentabilidade dessa tese é o facto de ainda hoje, passados que foram 19 anos desde a data em que ocorreu o desastre, as autoridades moçambicanas continuarem a admitir ser difícil provar a existência do VOR falso”.
Presume o livro de Cabrita que ao insistir na teoria do VOR falso, Moçambique pretendia fazer um aproveitamento político da morte de Samora Machel com um duplo propósito em mente.
Por um lado, utilizar a morte de Samora Machel no âmbito da luta contra o “apartheid”, apresentando o desaparecimento físico como mais um exemplo de agressividade de Pretória em relação aos seus vizinhos.
Por outro lado, ajudar a União Soviética a encontrar uma forma airosa de se desenvencilhar do embaraço de ter que admitir publicamente que, por negligência, uma tripulação sua causara a morte do chefe do Estado de um país aliado.
Ainda os investigadores não haviam concluido a fase da recolha de dados, já o vice-ministro soviético de aviação civil dizia que o acidente de Mbuzini só poderia ter sido consequência de uma das três causas por ele enumeradas, nomeadamente o abate da aeronave por fogo disparado a partir do solo; uma explosão a bordo do avião; ou ainda interferência provocada por aparelhos radiotransmissores situados em território sul-africano. Excluida estava, pois, a hipótese de erro da tripulação”.
O livro de Cabrita sublinha que Moçambique viria a dar o seu aval à teoria soviética sobre o VOR falso, “não obstante o facto de contrariar flagrantemente o parecer emitido por peritos moçambicanos”.
A dado passo, o livro sobre a morte de Samora Machel elucida que “tanto Moçambique como a União Soviética nunca acusaram formalmente a África do Sul de ter utilizado o VOR falso, se bem que, para o consumo público, se alegasse o contrário.
Inexplicavelmente, o governo de Moçambique, apesar de ter rejeitado as conclusões da Comissão de Inquérito, nunca contestou, junto da Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), o teor do respectivo relatório, com a agravante de um jurista moçambicano representar o país no Conselho de Administração daquele organismo das Nações Unidas.
E não obstante o facto de as autoridades moçambicanas publicamente declararem que Samora Machel foi vítima de um crime de terrorismo de Estado, elas nunca recorreram às instâncias jurídicas internacionais para fazerem valer a sua tese, especialmente quando os acusados de presumíveis autores ainda detinham o poder em Pretória e que facilmente poderiam ter sido levados à barra dos tribunais pois representavam um regime que havia atraído contra si a antipatia quase generalizada da comunidade internacional”.
Chegados aqui, ocorre-nos indagar o por quê de o governo moçambicano, sendo sério no que diz sobre a sua convicção em relação aos presumíveis autores da morte de Samora Machel, não fez mais do que falar para demonstrar sua indignação em relação à morte e sua convicção em relação aos presumíveis autores?
Quando o governo de Moçambique afirma que, do lado moçambicano, as investigações sobre a morte de Samora prosseguem o que é que, exactamente, pretende comunicar? Pretende comunicar que o governo ainda está a investigar ou que o governo, de facto, nunca fez o necessário para demonstrar a sua vontade em esclarecer a morte de Samora?
Por que é que a senhora Graça Machel abandonou a sua tese da conspiração interna na morte de Samora? Terá deixado ela de estar convencida de que alguém de dentro tinha interesse em matar Samora ou, pura e simplesmente, abandonou essa tese em troca de sua acomodação no seio da família Frelimo?
Assim, e por ocasião de 19 de Outubro de 2005 exigimos que as autoridades moçambicanas mostrem a sua coerência e seriedade em relação à morte de Samora Machel. Basta de evasivas e de acusações vagas não consubstanciadas em actos jurídicos pertinentes.
É tempo de o governo de Moçambique, por sinal chefiado pelo ainda chefe da Comissão Nacional de Inquérito sobre o Acidente de Mbuzini, Armando Guebuza, encontrar uma forma de explicar ao povo moçambicano quem matou Samora Machel e por que é que o mataram. Trata-se de um imperativo histórico que jamais caduca.
É tempo de ouvirmos a verdade sobre as partes nebulosas da nossa História!

Salomão Moyana - ZAMBEZE - 20.10.2005

Ainda a entrevista de Almeida Santos ao DN

Em continuação da nota de rodapé colocada após a entrevista de Almeida Santos ao Diário de Notícias e que encontra em
acrescento, pensando nos menos informados e para os que se fazem de esquecidos, a transcrição de dois parágrafos do livro de Ruy Miguel ( ao tempo jornalista do Diário de Notícias)  no seu livro "25 de Abril, O Marxismo na Revolução":
"No seu livro "Tempo de Subversão", o conhecido dirigente comunista Carlos Brito, deu preciosas achegas para a nossa tese de que o Movimento dos Capitães primeiro, o Movimento das Forças Armadas depois, foram controlados pelo Partido Comunista Português. E, curiosamente, "lendo nas entrelinhas", o panorama torna-se suficientemente claro para não ter dúvidas.
Recordando um encontro entre as direcções do PCP e do PS recém criado, escreve que: "Foi deste último(encontro Cunhal-Soares) que saiu o importante comunicado conjunto reclamando o fim da guerra colonial e a relização de negociações com vista à independência imediata de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique." e recorda que isso "representava um grande progresso" pois em 1970, em Roma, o representante da ASP recusara "subscrever a defesa do direito à independência imediata dos povos das colónias"."
Estas considerações de Carlos Brito(PCP), só vêm confirmar a notícia seguinte, aliás nunca desmentida:
"REPORTAGEM ESPECIAL
Por John C. Wahnon
Os Secretários-Gerais do Partido Comunista Português (PCP) e Partido Socialista (PS, juntamente com outros membros dos Partidos, reuniram-se em Paris em Maio de 1973 para estudarem as possibilidades de canalizarem o descontentamento então evidente em certos sectores das Forças Armadas Portuguesas no sentido de estruturarem um movimento militar capaz de derrubar o Governo Português. Desde o inicio, o PCP provou ser tão altamente organizado e conhecedor da situação que maravilhou e convenceu o PS a juntar-se ao movimento.
0 PCP tinha fichas detalhadas de todos os oficiais portugueses e contava com um número surpreendente de membros e simpatizantes nas Forças Armadas e nos sectores de Serviço Público. 0 Secretário-Geral do PCP decidiu, contudo, par razões óbvias, que não se aventuraria em certas actividades para evitar que riscasse a posição que tinha adquirido. Portanto, delegou no PS, então praticamente desconhecido e por consequência menos susceptível de causar suspeita, a responsabilidade de fazer o trabalho sujo. 0 PS atacou as medidas do Governo Português enquanto o PCP generosamente financiou as operações. Moscovo, a fonte desses fundos, só impôs uma condição:
- Independência imediata a todas as colónias portuguesas e transferência das respectivas soberanias, sem eleições, aos movimentos pró-russos.
0 Acordo final, respeitante às condições impostas pela Rússia, foi assinado numa reunião a que compareceram cinco comunistas e quatro socialistas, no primeiro andar de um restaurante de Paris adjacente a Farmácia da Ópera. Há quem afirme que o PCP ou o PS, mas não ambos, assinou o acordo final com a Rússia. Seja como for, o acordo tinha duas cláusulas:
1- Entrega de dinheiro: a Rússia contribuiria inicialmente com dois milhões de dólares para financiar a organização do golpe de Estado que derrubaria o Governo Português.
2 - Compromisso: 0 PCP e o PS comprometiam-se a dar Independência imediata às Colónias Portuguesas representadas na Reunião, para a ocasião, pelo PAIGC, MPLA e FRELIMO.
0 que sucedeu em Moçambique, Guiné, Cabo Verde e Angola, foi de tal forma vergonhoso, que os responsáveis pela concessão da independência, só se atreveram a cobrir a sua traição a Portugal, e às populações locais, com loucas generalidades de óbvio cultivo soviético. Os partidos opostos à FRELIMO em Moçambique, ao PAIGC na Guiné e Cabo Verde e ao MPLA em Angola, foram perseguidos e por decisões totalitárias e fascizantes, proibidos de defender os ideais que sustentavam.
In Newsletter Boston, MASS-USA - Agosto de 1976 Volume I- N.º 2."
Voltando ao livro atrás referido, de Ruy Miguel, aproveito para transcrever mais o seguinte:
"O 25 de Abril foi um autêntico "jogo de guerra". Jogou-se com o factor psicológico, com a falta de comando (por vontade de Marcello) e, portanto, com a falta de reacção das tropas que, disciplinadamente aguardaram ordens para sair dos quartéis.
Vem a propósito recordar que, o Comandante da Região Militar de Tomar apenas se rendeu ao fim da manhã do dia 26 de Abril.
Tanto os carros de combate como os soldados que participaram no "golpe" não dispunham de munições reais. Só ao fim da tarde, já depois da saída de Marcello do Carmo, andaram camionetas a distribuir munições.
Salgueiro Maia, o falecido capitão de Cavalaria, que avançou de Santarém, com carros de combate, infelizmente já não pode responder à pergunta: quem lhe terá dito que não encontraria oposição de fogo, em Lisboa, à qual não poderia responder com as suas granadas de instrução?
Quem o teria informado? O comando do MFA, o PCP, ou tratou-se apenas de "um espírito santo de orelha"? Estou firmemente convencido que Salgueiro Maia tinha a certeza que as forças leais ao Governo não abririam fogo sobre si e os seus soldados."
Será que Almeida Santos se lembrou destes factos para o seu livro? Ou Mário Soares o lembrará? Ou serão irrelevantes?
Fernando Gil

20-10-2005

Livro critica falhas da segurança na morte de Samora Machel

Maputo, 19 Out (Lusa) - Os serviços de segurança moçambicanos cometeram diversos erros durante a viagem aérea de Samora Machel, denuncia um livro publicado em Maputo sobre o desastre que vitimou o presidente moçambicano, passam hoje 19 anos.
João M. Cabrita, autor de "A morte de Samora Machel", hoje lançado em Maputo, sobre o desastre aéreo de 1986 que vitimou Machel e mais 33 passageiros e tripulantes do voo presidencial, critica o comportamento do Ministério da Segurança - SNASP, na época dirigido por Sérgio Vieira.
"Terá forçosamente de explicar para a história da nação moçambicana as razões das graves lacunas observadas no sistema de segurança nacional no dia em que ocorreu o desastre", escreve Cabrita, sobre Sérgio Vieira, um dos defensores da tese de que o presidente moçambicano foi vítima de terrorismo de Estado, possivelmente do então regime de "apartheid" sul-africano.
A queda do Tupolev-134A, com tripulação soviética, ocorreu ao princípio da noite de 19 de Outubro de 1986, quando o aparelho regressava a Maputo, vindo da Zâmbia, onde Machel participara numa cimeira com os seus homólogos zambiano, Kenneth Kaunda, angolano, José Eduardo dos Santos, e zairense, Mobutu Sese Seko.
Por razões que continuam a gerar polémica, o aparelho embateu numa montanha na África do Sul, já bastante perto da fronteira com Moçambique, quando deveria estar a aterrar no aeroporto de Maputo.
De acordo com o autor do livro a "secreta" moçambicana falhou ao não garantir que o voo se mantivesse afastado do espaço aéreo sul- africano, "demais a mais estando aquele Ministério na posse de informações de que (a África do Sul) preparava um ataque directo contra Maputo e o derrube do regime de Samora Machel".
Falhas em "todas as estações de radar situadas na região sul de Moçambique", que não informaram do desvio de rota, inexistência de protecção eficaz à estação VOR (Rádio VHF Omnidireccional), na cabeceira da pista principal do aeroporto de Maputo, e o lançamento de operações de busca apenas quatro horas depois da perda de contacto da torre com o aparelho presidencial são outras situações denunciadas por Cabrita.
"Este livro é mais uma tentativa que tenho feito para apresentar uma versão diferente dos acontecimentos daquela que é hoje tida como a única", disse à Agência Lusa João Cabrita, em declarações por telefone a partir da Suazilândia, onde vive.
No livro, o autor denuncia igualmente o comportamento da tripulação soviética que acusa de estar "distraída com questões estranhas ao voo".
"O comandante procurava por uma caneta para anotar o número de cervejas e coca-colas a encomendar do bar da aeronave para a tripulação levar para casa após a aterragem em Maputo (Ó) o co-piloto escutava uma estação de rádio da União Soviética, que transmitia um boletim de notícias, seguido de um programa musical", refere Cabrita sobre o ambiente no +cockpit+, numa altura em que já havia sinais contraditórios sobre a rota seguida.
O lançamento de "A morte de Samora Machel" (edição Nováfrica, Maputo, 2005) realizou-se à margem das poucas iniciativas oficiais que hoje assinalam o 19º aniversário da morte do carismático primeiro presidente de Moçambique.
As cerimónias evocativas, dirigidas por Maria da Luz Guebuza, mulher do actual presidente de Moçambique, Armando Guebuza, decorrem no local do acidente, Mbuzini, nelas participando cerca de 600 pessoas, a maioria jovens do movimento "Continuadores".
Também hoje, o Centro de Documentação Samora Machel, dirigido pela sua viúva, Graça Machel, inicia um programa de comemorações culturais e recreativas que decorrerá durante um ano.
LAS.

19-10-2005

Almeida Santos em entrevista à RDP Africa e publicada no Diário de Notícias

Almeida_santos10Traz, hoje, o Diário de Notícias a transcrição da entrevista de Almeida Santos ontem dada à RDP África.
Devido à importância que a acção de Almeida Santos teve para com Portugal e os ex-territórios portugueses em África, transcrevo a mesma, seguida de comentários e chamadas de atenção minhas, que poderão encontrar em
E não deixe de colocar aqui o seu comentário.

Acordo militar continua no “segredo dos deuses”

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Revela Mariano Matsinha

O Acordo de Lusaka ainda não é do domínio público, sobretudo a parte militar que continua secreta. Ela existe, está guardada a sete chaves pelo Governo da Frelimo, de acordo com o veterano Mariano Matsinha, um dos seus negociadores. 

ZAMBEZE - 9/8/2005
Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande, Óscar Monteiro, Bonifácio Gruveta, Sebastião Mabote, Jacinto Veloso, Mariano Matsinha, Xavier Sulila, Joaquim Munhepe, Mateus Malichocho, João Phelembe, Joaquim de Carvalho, José Mosane e Graça Simbine, são os filhos da pátria moçambicana que há 31 anos, num frente a frente na “State House” em Lusaka, na Zambia, confrontaram-se com a delegação portuguesa liderada por Mário Soares para a assinatura do memorando que ficou conhecido nos anais da história por “Acordos de Lusaka”.

Volvidas três décadas da assinatura dos Acordos de Lusaka, um memorando de entendimento que pôs fim à guerra travada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a dominação colonial, o povo moçambicano ainda continua refém desse acordo assinado há 31 anos, em seu nome. Não obstante a data ser comemorada anualmente com pompa e circunstância, os que comandam os destinos da nação moçambicana, nunca lograram sequer pronunciarem de forma clara e ampla sobre as cláusulas deste acordo, até hoje, mergulhado naquilo que se chama de “segredo de Estado”. Estamos a falar do “acordo militar”, ainda não tornado público, mas que no decurso das negociações em Lusaka, constituiu o prato forte.

De acordo com o veterano da Frelimo Mariano Matsinha, um dos que constituiu a delegação moçambicana em Lusaka, “o Acordo de Lusaka é de domínio público, contrariamente ao Acordo Militar que se encontra nas mãos do governo do dia, e, sem ainda data para a sua publicação, de acordo com as parcas informações que diz ter.

A não publicação do referido documento até à data, é de acordo com palavras de Mariano Matsinha, é fruto de compromissos assumidos entre as duas delegações que estiveram reunidas na “State House”.

“Realmente trata-se de um documento importante para se compreender o processo em si, dos Acordos de Lusaka, mas o importante naquela altura era o reconhecimento por parte de Portugal que nós tínhamos direito à independência. Infelizmente não participei na discussão do “Acordo Militar”, e nem sei quais são as cláusulas plasmadas, mas acredito que os portugueses tinham as suas razões em pedir para que não fosse publicado, face à situação em que se encontravam.

O documento está guardado a sete chave pelo governo. Não conheço o seu prazo, mas acredito que a breve trecho será tornado público”, explicou o veterano da Frelimo.

A uma pergunta do ZAMBEZE sobre o cumprimento ou não das cláusulas dos Acordos de Lusaka, Matsinha garantiu que tudo até aqui corre (u) de feição e não há nada ainda por cumprir, tendo acrescentado que tudo quanto está plasmado no acordo de Lusaka, excepto o Acordo Militar é do domínio público e não sofreu alterações e nem omissões.

Hoje, passados 31 anos da assinatura dos “Acordos de Lusaka”, Mariano Matsinha, ora reformado da vida política activa, faz um balanço positivo sobre os mesmos acordos, sobretudo ao período em que o governo de transição tomou os destinos da nação moçambicana.

“Faço balanço positivo do governo de transição, pela coragem e determinação. É de louvar a coragem dos nossos homens que depois do cessar-fogo tiveram coragem de cair no quartel-general dos portugueses. É óbvio que os portugueses já não tinham muitas alternativas, porque o grosso já não queria continuar com a guerra. Mas nesse período, assistiu-se a distúrbios e sabotagens por parte dos portugueses e nós agimos com muita paciência, refere o veterano da Frelimo.

Recuado no tempo, como que a fazer o rescaldo dos acontecimentos, o nosso interlocutor referiu que a assinatura dos Acordos de Lusaka foi o culminar de um processo que iniciou com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974.

Foi assim no dizer de Matsinha que dois meses antes da assinatura dos Acordos de Lusaka, em Junho de 1974, as delegações moçambicana e portuguesa, chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, respectivamente se encontraram pela primeira vez em Lusaka, mas sem no entanto se atingir os seus objectivos.

O interlocutor explica da seguinte forma: “A Frelimo ia com um poder máximo para negociar tudo, enquanto os portugueses apenas pretendiam assinar o acordo sobre o cessar-fogo, deixando tudo em suspenso. Estas foram algumas das dificuldades que tivemos em Junho, dai termos em conjunto elaborado um documento no qual informamos a Portugal que tínhamos negociado mas que ainda não se tinha chegado a um acordo definitivo. Eles por exemplo não sabiam qual era o destino a dar às colónias. A delegação Portuguesa de Junho não tinha poder. O poder político e militar estava nas mãos das forças armadas daí que mais tarde a Frelimo teve que encetar negociações secretas com o movimento militar, na Bélgica, Argélia, Tanzânia, entre outros países. Em linhas gerais, nós educamos os portugueses que era preciso resolver o problema das colónias. Enfrentamos outros percalços porque o general António Spinola continuava amarrado a ideias de federalismo porque tinha esperança que as suas ideias iam vingar.

Ainda sobre os acordos, nós já tínhamos comunicado aos nossos camaradas sobre a data e a hora da entrada em vigor do cessar- fogo e nessa altura os nossos homens já estavam nos quartéis portugueses, e enviamos Alberto Chipande para o quartel general Português em Nampula e depois para Lourenço Marques para restabelecer o processo de paz e evacuar as tropas portuguesas”, explicou.

O nosso interlocutor acrescentou que depois das manifestações havidas depois do 7 de Setembro de 1974, houve uma pressão em Portugal para se parar porque caso os reaccionários portugueses continuassem com os desmandos a guerra iria continuar.

A rematar, Matsinha que manteve dois dedinhos de conversa com a equipa de reportagem disse sentir-se lisonjeado por ter feito parte da delegação das negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Lusaka e explica porquê: “Moçambique hoje tem um grande prestígio a nível mundial, contrariamente ao tempo colonial em que eram vistos como deslocados de guerra. Por outro lado, sinto-me prestigiado por ter vivido e sentido o peso do período colonial (o racismo, a humilhação, entre várias dificuldades) dai ter uma experiência especial”, salientou.
Celso Ricardo
Nota: Por lapso, só agora aqui publico este texto tão importante para portugueses e moçambicanos. As minhas desculpas. Fernando Gil

16-10-2005

António Guterres responde (1974)

Ant_guterres 
Perguntas:
-Há quem diga que se perdermos as colónias estamos destinados a ser uma província espanhola.
-Acha que Portugal pode manter a sua independência política, viver e desenvolver-se, sem as colónias?
António Guterres
Antes de mais importa referir que, bem acima dos eventuais problemas económicos que daí pos­sam decorrer, está o direito indiscutível dos povos das colónias à sua emancipação.
Emancipação que, para além do estatuto de in­dependência política, deve compreender a libertação das sujeições económicas de tipo neocolonial. Mesmo que isto criasse a Portugal graves dificuldades eco­nómicas, estas em nada poderiam afectar o reconhe­cimento e a aplicação prática desse direito.
Não me parece, porém, que o povo português tenha muito a temer com a separação dos territó­rios africanos. A exploração a que estes têm vindo a estar sujeitos nunca foi conduzida em termos de beneficiar generalizadamente a população, mas foi sim utilizada sistematicamente como instrumento ao serviço da riqueza e do poder dos grupos econó­micos dominantes, em perfeito paralelismo aliás com a própria exploração das classes trabalhadoras do continente. A estratégia desses grupos, no entanto, apontava cada vez mais para a sua inserção numa lógica europeia, em detrimento da dependência de relações coloniais.
Poderemos talvez analisar com um pouco mais de cuidado os dois elementos económicos que con­sidero mais importantes nas relações de Portugal com as colónias. Em primeiro lugar a exploração de matérias-primas, em segundo lugar as possibili­dades de exportação em condições preferenciais para os mercados africanos.
Quanto ao primeiro, há que referir que essa ex­ploração sempre foi feita de forma incipiente e na maioria das vezes ao serviço puro e simples de in­teresses estrangeiros. Nunca foi empreendida a va­lorização sistemática dos recursos naturais ultra­marinos, e o aproveitamento destes, quando feito directamente por portugueses, sempre se revelou deficiente. E se é indiscutível que foi possível às empresas portuguesas a importação a baixo custo de algumas matérias-primas, como o algodão ou o sisal e mais recentemente o acesso a fontes seguras de minério de ferro e petróleo bruto, não é menos verdade que a mesma política colonial impedia a Portugal a compra desses mesmos produtos, em condições por vezes concorrenciais, noutros merca­dos que se fechavam.
Quanto às exportações para a África, cujos dois principais elementos têm sido os têxteis e o vinho, há que reconhecer que os próprios grupos econó­micos autóctones vinham protestando já há algum tempo com a forma como decorriam, e com a sujei­ção que em nome dos exportadores europeus era imposta às possibilidades de desenvolvimento das indústrias locais. Manter este tipo de relação, aliás cada vez mais difícil mesmo antes do 25 de Abril, só servia a subsistência de algumas empresas mais re­trógradas, menos capazes de reconverter e moder­nizar as suas instalações industriais e de conseguir condições de competitividade nos mercados europeus que, pela sua dimensão, se afiguram bem mais pro­missores. Se é verdade que o principal estrangula­mento ao desenvolvimento industrial português está na exiguidade do mercado interno, então há que saber reconhecer que é no contexto europeu que pode encontrar-se solução para esse problema. An­gola e Moçambique, no seu conjunto, não represen­tam mais, em termos de consumo, que escassos dois milhões de consumidores europeus.
Apesar de tudo nada impedirá, mesmo com a independência, a importação de bens portugueses, sobretudo de equipamento, se estes forem os que corresponderem às necessidades de desenvolvimento dos novos países e se a indústria portuguesa souber encontrar uma competitividade que, mais uma vez, só lhe é possível com a inserção simultânea nos mercados europeus. Assinale-se ainda que se abrirão a Portugal novos mercados, quer os dos países socialistas, quer os do Terceiro Mundo, cujo acesso estava vedado por razões políticas e que, no
seu conjunto, mais do que compensam aquilo que eventualmente se perca.
Finalmente e talvez mais importante que tudo o resto, está o impacte que pode causar na economia portuguesa a canalização pelo Estado para in­vestimentos produtivos e de alcance social das verbas até agora consignadas às defesas militares. Se o Governo tiver o carácter e a força política capazes de as pôr ao serviço de todo o povo portu­guês e não do simples benefício e expansão dos grupos económicos privados e da classe dominante em geral, creio ser possível o início de um período acelerado do desenvolvimento. Desenvolvimento para o qual espero possa concorrer também o estancamento da emigração, e mesmo o seu retrocesso, e o próximo regresso do contingente militar em ser­viço nas colónias.
Não é hoje possível no Mundo, a um país como o nosso, uma situação de total independência. Penso no entanto que, desse ponto de vista e pelas ra­zões apontadas, Portugal só tem a ganhar com o fim da actual situação de exploração colonial. O que comprometia a independência nacional era sim o caminhar obstinado para um beco sem saída, en­quanto cada vez mais os trabalhadores mais válidos do país iam emigrando, na luta por condições míni­mas de vida e de trabalho.
In Portugal pode viver sem as colónias? - 1974

Dhlakama escala Gorongosa e Marínguè

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Para celebrar 26 anos da morte de Matsangaíssa
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O presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, desloca-se no próximo dia 17 de Outubro ao distrito de Marínguè, província de Sofala, para celebrar o vigésimo aniversário da morte de André Matsangaíssa, primeiro líder daquele antigo movimento rebelde.
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Soube o Zambeze on-line de fontes da perdiz que as cerimónias comemorativas dos 26 anos da morte de Matsangaíssa começam no próximo dia 16 de Outubro, na vila de Gorongosa e serão liderado por Dhlakama.
“A vila de Gorongosa e um local histórico para Renamo, pois foi nesse local que André Matsangaíssa iniciou a luta pela democracia e liberdade para Moçambique, e, foi na mesma zona onde perdeu a vida”. Indica a fonte. Acrescenta que no dia 17, data da efeméride, na vila de Marínguè, serão realizadas as cerimonias centrais que incluirão um comício popular orientando pelo presidente da Renamo Afonso Dhlakama.
De referir que os distritos de Gorongosa e Marínguè foram bastiões do então movimento rebelde. Ė nas mesmas zonas onde até hoje se propala a existência de homens armados e esconderijos de armas.
Raul Senda - ZAMBEZE - 14.10.2005

15-10-2005

A MORTE DE SAMORA MACHEL (2)

"A Morte de Samora Machel"
© João M. Cabrita 2005
Edições Novafrica - Maputo – Moçambique
Introdução
Cerca de duas décadas após a morte do Presidente Samora Machel, persistem dúvidas quanto às circunstâncias do desastre ocorrido em território sul-africano, envolvendo a aeronave que o transportava. E não é para menos: antes de se ter nomeado a Comissão de Inquérito que investigaria as causas do desastre, já corria célere a versão de que o mesmo resultara de um acto de sabotagem. Posteriormente, os factos apurados pela referida comissão e as conclusões a que chegou viriam as ser considerados, unilateralmente, como tendo sido "cozinhados" pelo então regime da África do Sul de modo a se apresentar a ocorrência como um mero acidente.
Leia em:
Veja:
Recorde:

14-10-2005

A Morte de Samora Machel

Livro_capa_w20019 anos após o desastre de Mbuzini persistem dúvidas sobre o que terá realmente acontecido na fatídica noite de 19 de Outubro de 1986 quando uma aeronave do tipo Tupolev-134A, sob os comandos de uma tripulação cedida ao governo de Moçambique pela então União Soviética, embateu contra a região montanhosa dosLibombos, em território sul-africano, causando a morte de Samora Machel e de outras 33 pessoas.

Será que de facto se tratou de um "acto de terrorismo de Estado" como insistentemente alegam as autoridades moçambicanas?

Terá havido alguém em Moçambique que facilitou tal acto, como publicamente o declarou a viúva do primeiro chefe de Estado moçambicano?

Ou foi tudo consequência de erros da tripulação?

Estas e outras questões pertinentes são tratadas em A Morte de Samora Machel. O autor reconstrói com rigor os momentos que antecederam o desastre, e desmistifica tudo quanto de fantasioso se tem propalado a respeito do sucedido há 19 anos, apoiando-se para tal num minucioso relatório da comissão de inquérito que investigou o acidente de Mbuzini, mas que em Moçambique continua a não ser do domínio público.
Para encomendar

13-10-2005

Bispo da Beira apela para maior divulgação acordo de paz

O bispo da Beira, Jaime Gonçalves, apelou quarta-feira para maior divulgação do texto do acordo geral de paz assinado em Roma há 13 anos entre a FRELIMO e a RENAMO, como implementação do diálogo em Moçambique.
Jaime Gonçalves, que participou nas conversações de 1992 na capital italiana que puseram termo a 16 anos de guerra civil em Moçambique, ilustrou o seu apelo com o facto de existirem poucas edições em língua portuguesa do acordo geral de paz.
"As casas editoriais a todos os níveis não fizeram uma publicação do acordo. Eu mesmo, que participei nas negociações, o texto que tenho está em inglês que foi publicado numa revista inglesa em Roma, apesar do acordo ter sido escrito em português", queixou-se o prelado. Jaime Gonçalves, que falava numa conferência evocativa dos acordos de Roma, considerou que o ambiente de paz se encontra "degradado" no país e apelou ao diálogo entre o governo e a RENAMO na questão dos homens armados que a oposição mantém no centro de Moçambique.
"Não posso dizer que temos que voltar a Roma para se ultrapassar o caso dos homens armados da RENAMO. É preciso que o governo e a RENAMO, tal como foi em Roma, dialoguem", exortou o bispo católico da Beira, capital da província de Sofala.
No mesmo dia em que Jaime Gonçalves fez estas declarações, o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, condicionava a resolução do caso dos homens armados do seu partido à sua integração na Polícia da República de Moçambique (PRM).
Afonso Dhlakama, afirmando interpretar correctamente o acordo de Roma, exigiu que aqueles homens continuem a providenciar a segurança a dirigentes e quadros da RENAMO embora fardados e pagos pelo Estado moçambicano. 

NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 13.10.2005

12-10-2005

Professora em Palma, nos anos 20 de 1900

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Sobre a minha Avó, posso dizer-te que se chamava Alice dos Santos Carreira, nascida em Bragança no dia 29 de Outubro 1901. Mãe de quatro filhos, António Carreira hoje com 80 anos, Natália Carreira., falecida com 76 anos em 1990 no hospital Curry Cabral, Telmo Carreira (meu Pai) já falecido com 72 anos em 2000 em casa, chegou a Moçambique e depois seguiu para Palma em 1923/25 não sei precisar.
Esteve um ou dois anos a dar aulas numa escola, e depois desse tempo seguiu para Mossuril, e depois para Porto Amélia onde esteve a leccionar também.
Aqui em Porto Amélia nasceu o seu 4º  filho o mais novo, meu tio Bebé Carreira, conhecido jogador de Basquetebol do Sporting de Lourenço Marques, hoje com 73 anos.
Mais tarde seguiu para Lourenço Marques onde esteve muitos anos a dar aulas na escola ??? Sepulveda  (João Belo), na Malhangalene , onde chegou a Directora da Escola.
Em 1976 veio para Portugal contrariadíssima, foi para Valença do Minho viver, depois veio para Cascais, Mem Martins , onde adoeceu gravemente,  vindo a falecer em Lisboa no Hospital de S. José em 1986...
Já agora o meu avô, seu marido, chamava-se Humberto Anastácio Carreira e morreu bastante novo em Lourenço Marques, em 1940, quando meu pai tinha 13 anos.
Esta é uma pequena história da minha avó contada pelo seu neto mais velho.
Rogério Carreira hoje com 50 anos.
Nota: O meu obrigado ao Rogério Carreira, por mais este exemplo de amor a Moçambique.

11-10-2005

Afinal o que é Madina do Boé?

Do livro de Manuel Domingues UMA CAMPANHA NA GUINÉ 1965/67 - HISTÓRIA DE UMA GUERRA, retiro este depoimento e as fotos que apresento, donde poderei concluir que a Inde pendência da Guiné-Bissau ão foi proclamada em zona libertada, mas antes "abandonada" e sem ninguém residente:
2.2 - Afinal o que é Madina do Boé?
Por Jorge Monteiro Capitão Mil0 da CCaç 1416
Nota: Este documento foi-me entregue por Jorge Monteiro e reproduz uma entrevista que concedeu ao Semanário de Luanda " A. Palavra", em 1 de Fevereiro de 1974. motivo próximo, conforme é referido pelo entrevistador, cujos comentários aparecem no texto em itálico, tem a ver com o facto de o PAIGC, em 24 de Setembro de 1973, ter proclamado a unilateralmente a Independência, exactamente em Madina do Boé.
significado político deste acto era muito mais importante do que o valor que Madina do Boé militarmente pudesse representar para o Exército Português, o que na altura parece ter passado despercebido aos estrategas militares. Mantivemos o texto integral da entrevista de quem viveu onze meses, naquele que em 1966/67 era considerado o pior local da Guiné. MD
Leia em
Campanha_guine_capaMadina__bo_1966                         Mapa_guine

Assessora de Agostinho Neto foi informadora do KGB

ACÇÃO DO KGB JUNTO DA FRELIMO
11-Oct-2005 

Uma "assistente política" do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, foi durante anos informadora dos serviços secretos da antiga União Soviética, KGB, segundo documentos incluídos num livro agora publicado nos Estados Unidos.
Por José Pestana
da Agência Lusa
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O livro "The World Was Going Our Way - The KGB and the Battle for the Third World" é de autoria do historiador britânico Christophher Andrew e do antigo agente e arquivista do KGB Vasili Mitrokhin, que em 1992 fugiu da União Soviética com o auxílio dos serviços secretos britânicos, levando consigo milhares de documentos que havia desviado ou copiado durante anos.

Mitrokhin, com a ajuda de Andrew, publicou em 1999 um primeiro volume baseado nesses documentos e intitulado " The Sword and the Shield", que confirma alegações anteriormente feitas pelo antigo agente do KGB Oleg Kalugin de que o Partido Comunista Português entregou aos serviços secretos soviéticos centenas de quilos de documentos dos arquivos da antiga PIDE/DGS e documentos de identidade portugueses para fabricar falsas identidades.

Mitrokhin morreu no ano passado, antes da publicação deste novo volume de mais de 600 páginas que visa essencialmente as actividades do KGB no Terceiro Mundo, com um capítulo dedicado a África.

No prefácio, Andrew faz notar que devido ao facto dos documentos trazidos para a Grã-Bretanha por Mitrokhin serem ainda considerados secretos o livro foi submetido a análise das autoridades britânicas que aprovaram a nível ministerial a sua publicação "após longos atrasos".

O livro revela que na hierarquia soviética havia grandes diferenças de opinião sobre Agostinho Neto, que não contava com a confiança do Ministério dos Negócios Estrangeiros soviético, nem do Departamento Internacional do Partido Comunista Soviético.

O livro afirma que embora os representantes do KGB em Luanda (designados por "residência") tivessem "contactos privados" com Neto "a mais importante fonte para conhecer as intenções de Neto, em 1976, era uma assessora politica (do presidente)".

"Com o nome de código VOMUS dado pela KGB, (a assessora) tornou-se um contacto confidencial da residência de Luanda, segundo a qual ela exerceu uma +influência+ favorável sobre Neto e outros elementos da liderança do MPLA, no combate à ideologia maoísta", lê-se no livro.

Sem identificar VOMUS, o livro afirma que esta informadora do KGB foi detida em Junho de 1977 na sequência da tentativa de golpe de Estado de Nito Alves.

No prefácio, Andrews sublinha que era prática do KGB dar nomes de código não só aos agentes da organização, mas também a quem quer que fosse alvo de acções de aliciamento ou mesmo apenas personalidades em governos estrangeiros.

"Nomes de código não são só por si prova de que os indivíduos a quem se referem eram conscientemente ou por vontade própria agentes ou fontes do KGB," diz o historiador britânico. Por escolha própria, o livro não revela os nomes dos agentes do KGB mencionados com nomes de código.

O livro afirma que "tal como Moscovo, a embaixada soviética em Luanda tinha a maior fé em Nito Alves e lamentou que o golpe tivesse falhado".

Um dos elementos do KGB que sempre apoiou Agostinho Neto foi Oleg Nazhestkin, director da divisão em Angola do directório do KGB no exterior, que pela primeira vez contactou Neto pouco antes da independência, em Novembro de 1975, para informar o dirigente angolano que a URSS estava pronta a reconhecer um governo do MPLA.

Esse primeiro encontro começou de forma fria, pois Neto estava convencido que Nazhestkin vinha pressioná-lo a formar um governo de coligação com a FNLA e a UNITA, como Moscovo afirmara pretender até então.

Moscovo mudou de atitude depois do KGB ter avisado o bureau político do Partido Comunista que, sem apoio externo, o MPLA não seria capaz de continuar a controlar Luanda. Esse documento foi assinado por Viktor Chebrikov, vice-director do KGB.

O livro afirma que já depois da independência e por altura do golpe de Nito Alves, Neto queixou-se a Nazhestkin que o KGB estava a passar em revista a "roupa suja" para tentar encontrar "material comprometedor para o usar contra ele".

Anteriormente, Nazhestkin tinha defendido Neto junto do "Centro" (a direcção do KGB) de acusações provenientes de "fontes de confiança", segundo as quais o dirigente do MPLA estaria a desviar fundos soviéticos para uma conta bancária na Suíça.

Num documento enviado ao "Centro", Nazhestkin fez notar que como condição para esse apoio foi exigido que apenas um ou dois indivíduos no MPLA estivesse ao corrente e que só ele deveria decidir sobre questões ligadas à referida ajuda.

"Onde é que ele deve manter os fundos em moeda forte? Na sua gaveta ou numa mochila quando se desloca às zonas libertadas?", escreveu Nazhestkin.

O livro não avança pormenores sobre esta questão, mas revela a vasta rede de informadores e agentes que o KGB infiltrou em movimentos de libertação através de África.
MOÇAMBIQUE: A acção do KGB junto da FRELIMO
Assim, por exemplo, o livro refere que nos anos 60 o "Centro" não ficou bem impressionado com o primeiro presidente da FRELIMO, Eduardo Mondlane, "tendo mais confiança num membro mais jovem da liderança da FRELIMO com o nome de código TSOM, que até há pouco tempo tinha sido estudante em Paris".

"Em 1970, uma proposta do Centro para o recrutar como agente foi vetada pelo Departamento Internacional (do partido), mas TSOM permaneceu um contacto confidencial do KGB que forneceu informações sobre a FRELIMO e Moçambique," diz-se no livro também sem identificar TSOM.

O KGB teve também, nos anos 60, profundas dúvidas sobre a capacidade da FRELIMO de levar a cabo uma campanha com sucesso contra Portugal.

"O Centro ficou inicialmente abismado com a qualidade dos guerrilheiros da FRELIMO," lê-se no livro.

"Entre 1966 e 1970, o KGB forneceu treino a 21 especialistas da FRELIMO em sabotagem, mas considerou-os todos ideologicamente +primitivos+ e ignorantes da União Soviética, excepto como fonte de armas e dinheiro," afirmam os autores.

A KGB manteve igualmente, durante anos, um agente no conselho de guerra da ZAPU, um dos movimentos de libertação do Zimbabué. Esse agente tinha o nome de código NED e passou mais tarde para o controlo dos serviços de informações militares da URSS, o GRU.

Em 1976, o KGB recrutou dois agentes dentro da SWAPO o movimento de libertação da Namíbia então com sede em Angola.

Um deles era uma "familiar" do presidente da SWAPO, Sam Nujoma, que recebeu o nome de código KASYTONO e que "mais tarde passou a operar como agente dos cubanos".

O outro, com o nome de código GRANT, era membro do comité central da SWAPO e "recebeu pagamentos para fornecer informações sobre os movimentos de libertação na África Austral e sobre as actividades dos chineses e de países ocidentais na região".

O livro revela que o agente do KGB em Londres Oleg Gordievsky entregou, em 1982, ao secretário-geral do Partido Comunista sul- africano, Yusuf Dadoo, 118 mil libras para o ANC e 54 mil para o próprio PC sul-africano, durante um período de seis meses, dinheiro esse que Dadoo em vez de colocar numa mala levou da embaixada "nos bolsos do seu fato e sobretudo".

10-10-2005

Estátua causa discórdia

O presidente de Moçambique, Armando Guebuza, afirmou que a RENAMO tem de respeitar a lei se quiser construir uma estátua em memória do seu fundador, André Matsangaíssa, na Gorongosa, centro do país.
«Para a RENAMO fazer qualquer coisa tem que seguir as normas legais e não acredito que possa contrariar a lei, sobretudo depois de o líder da RENAMO (Afonso Dhlakama) ter declarado publicamente que se conforma com a lei vigente», disse o chefe do Estado moçambicano, durante o fim-de-semana, sobre a polémica em torno da estátua a Matsangaíssa. O principal partido da oposição moçambicana anunciou na semana passada que vai erguer, no dia 16 de Outubro, uma estátua do seu fundador numa das suas sedes na Gorongosa, província de Sofala, centro. Este anúncio foi recebido com irritação por sectores dos governos provincial e central que alertaram para a necessidade de uma autorização oficial para a colocação de estátuas em espaços públicos. «Não vamos permitir a estátua a Matsangaísse», declarou no fim-de-semana Arssalão Chabala, administrador do distrito de Maringué, onde a RENAMO pretende homenagear o seu fundador.
Hoje, o porta-voz da RENAMO, Fernando Mazanga, revelou que a estátua será erguida no pátio da sede do partido naquele distrito, considerando que tal não viola a lei moçambicana. «A estátua será erguida dentro do quintal da nossa sede» na Gorongosa, e isso «não fere a Constituição» moçambicana, disse Fernando Mazanga. «É o mesmo que as pessoas fazem para os seus entes queridos, só que isso incomoda a FRELIMO porque foi este jovem que uniu os militantes da RENAMO para lutar contra o comunismo», acrescentou Mazanga. «Se o senhor Armando Guebuza não quer o multi-partidarismo no país, que o diga. Mas não nos venha com atitudes belicistas de incitação à violação», acusou Mazanga. Matsangaíssa foi morto em combate a 17 de Outubro de 1979, na Gorongosa, durante a guerra civil (entre 1977 e 1992), que opôs a FRELIMO e a RENAMO, antigo movimento rebelde.
Evocando a efeméride, a RENAMO agendou igualmente a realização de diversas actividades em Maringué, para as quais convidou 800 pessoas, incluindo representantes do corpo diplomático em Moçambique. A propósito, Armando Guebuza disse acreditar que a cerimónia da RENAMO estará em «consonância com a lei» moçambicana e descreveu a iniciativa como bem vinda se a mesma for para aquele partido da oposição se tornar mais democrática. «Não conheço quais são as intenções da RENAMO, mas acho que é sempre benvindo quando a RENAMO se reúne para se tornar mais democrática», sublinhou o chefe de Estado moçambicano.
EXPRESSO AFRICA - 10.10.2005

Radio Moçambique Livre

Emissão, do então proclamado "Movimento Moçambique Livre", no dia 8 de Setembro de 1974, nas instalações do Rádio Clube de Moçambique.
Ouça em

04-10-2005

QUO VADIS ÁFRICA?

Rafael Shikhani
HOJE, passados quarenta e tais anos desde as independências africanas, que leitura se pode fazer do período pós-independência? No contexto da Bipolarização, sem entrar ne­cessariamente na Guerra Fria, o panorama po­lítico africano era dominado pelo sentimento e ideologia, vamos assim considerar, do Não-Alinhamento. Este, associado a outras corren­tes, tornou-se um importante catalisador da fundação da OUA. Em termos cronológicos e de uma forma bastante resumida podemos estabelecer dois grandes momentos na histó­ria recente do continente africano.
O primeiro vai das independências ao fim da Guerra Fria (1989, Queda do Muro de Berlim) e nele temos uma África recém in­dependente e com alguma normalidade po­lítica, económica e social, mercê da herança das estruturas económicas coloniais, e algu­ma condescendência nos termos de trocas comerciais a nível mundial e, politicamente, progressista. Este período caracteriza-se so­bretudo pela bipolarização que determina a vida ideológica, política, económica e social do mundo de então. No final desaparecem os movimentos progressistas e o continente fica à deriva.
O segundo vai do pós Guerra Fria aos dias de hoje, onde os antigos regimes são postos em causa e em alguns casos contestados de forma extremamente violenta, Neste período caem alguns ícones das elites libertadoras de África e são introduzidos novos elementos políticos (democracia, multipartidarismo) e económicos (ajuda e programas de reajusta­mento estrutural).
Se tivermos em conta o ideário das in­dependências e analisarmos os períodos referidos, havemos de convir que muitos elementos concorreram para desvirtuar esse ideário. Ora vejamos: em muitos casos o processo não passou de uma mudança cosmética do opressor. Muito rapidamen­te foram-se desenvolvendo elites políticas cujo objectivo principal era única e exclu­sivamente a conquista do poder político. Será difícil esquecermo-nos de pessoas como Jean Bedel Bokassa, Idi Amin Dada, Mobutu Sesse Seko, Éden Kodjo, Sekou Touré, Mohamed Siad Barre, numa lista interminável na qual perfilam ainda alguns vivos. As independências não foram sufi­cientes, ainda, para criar nos africanos (a nível nacional e continental) uma persona­lidade nacional, um espírito de igualdade, unidade e pertença a um país (primeiro) e a um continente (segundo).
Muito embora existam dois conceitos que mudaram a vida do continente e do mundo, Independência e Democratização, muitas nações africanas são hoje uma péssima e lastimosa sombra do que foram outrora. As classes políticas não estão comprometidas com o desenvolvimento, preocupando-se mais com o enriquecimento pessoal. E o (pseudo) sistema democrático que se usa no continente (com algumas excepções) não passa de um modelo que permite uma ro­tação periódica de dirigentes corruptos e o agravamento da situação do continente.
REVISTA MAIS(Maputo) – JUNHO2005

A descolonização da Faixa de Gaza, e a dos Soares e Cunhais

a.santos martins*
TRINTA anos depois do abando­no das antigas províncias ultra­marinas portuguesas de África, pelos políticos e político-militares que tomaram o Poder depois da Abrilada de 1974, veja-se como foi diferente a descolonização da Faixa de Gaza, empreendi­da pelo governo israelita de Ariel Sharon — um governo «de direita», escla­recido, firme e corajoso.
António Almeida Santos, que foi o ministro da Coordenação Interterrito­rial no período da nossa «descolonização exemplar» e, depois, presidente da As­sembleia da República, escreveu já as suas «memórias» daquele período, mais de duas mil páginas que o ministro dos Negócios Estrangeiros da altura, Mário Soares, disse há dias (na SIC) que está a rever...
Espero ansiosamente a publicação, para ver se Almeida Santos vai habilitar, finalmente, os jovens portugueses, com a verdade verdadeira. E não «aquela» com que tantos trampolineiros, desde há trinta anos, vêm manipulando os «parolos». Que, segundo eles, só «têm direito» às versões (fraudulentas) que dão cobertura a criminosos que por aí se pavoneiam como «pais da democracia» e alimentam (também com «jobs» na «acção cultural») os seus filhotes políticos.
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Leia o texto completo em
Veja igualmente
O DIABO - 04.10.2005

O «revivalismo colonialista» de Fernando Rosas

brandão ferreira(*)
    Dr. Fernando Rosas (FR) i está preocupado. Assim o afirma em artigo saído no «Público» do passado dia 27 de Abril.
E está preocupado porque o autarca-mor de Coimbra, Dr. Car­los Encarnação, segundo diz, re­solveu inaugurar um monumento de homenagem aos «Combatentes do Ultramar», numa praça apelida­da - ela também! —, «Dos Heróis do Ultramar».
O escrito é todo ele uma aleivosia pegada, cheio de rancor e into­lerância. E se tal fica mal a qual­quer cidadão, acresce o ónus face às responsabilidades do Dr. Ro­sas, como político e como deputa­do. E como, ainda por cima, se assina como «historiador», as coi­sas ficam piores dadas as inverdades propaladas e a falta de hones­tidade intelectual (e crassa igno­rância!), evidenciadas, de todo in­compatíveis com aquele título.
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Veja o texto completo em
O DIABO - 04.10.2005

Estariam Amílcar Cabral e o PAIGC, ainda no início dos anos 70, abertos a uma solução negociada para a guerra na Guiné?

Estariam Amílcar Cabral e o PAIGC, ainda no início dos anos 70, abertos a uma solução negociada para a guerra na Guiné, na base de uma solução comunitária, ou mesmo federal, que envolvesse Portugal, a Guiné e Cabo Verde? Declarações nesse sentido, praticamente desconhecidas até à data, e a que o «DN» teve acesso, parecem confirmar claramente esta hipótese.
Em Outubro de 1971, Amílcar Cabral, dirigente máximo do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), está em Londres, na sequência de um périplo europeu de sedução ao Ocidente (pouco depois de ter sido recebido, no Vaticano, pelo papa Paulo VI, com outros dirigentes independentistas da África portuguesa).
Na capital britânica, o secretário-geral do PAIGC concede uma entrevista a duas publicações de exilados portugueses -Polémica e Anticolonialismo, representadas, respectivamente, por José Manuel Medeiros Ferreira e por Pedro George -, no decurso da qual fala da independência da Guiné e de Cabo Verde, num quadro de uma comunidade lusófona. Que disse Amílcar Cabral, dois anos antes da declaração unilateral de independência (24 de Setembro de 1973), quando interrogado sobre «o futuro das relações entre a Guiné e Portugal»?
Disse o seguinte: «Se porventura em Portugal houvesse um regime que estivesse disposto a construir, não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal, mas também o nosso, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência. Mas em pé de absoluta igualdade. Quer dizer, se o presidente da República pudesse ser, quer de Cabo Verde, da Guiné, como de Portugal; se todas as funções estatais, administrativas, etc., fossem igualmente possíveis para toda a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência, porque já seríamos independentes, num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da História».
Publicada em Dezembro de 1971 na revista Polémica (Genebra, Suíça), a entrevista de Amílcar Cabral poderia representar um passo táctico, propagandístico mesmo, de um chefe que desejava afirmar a luta do seu movimento independentista, nomeadamente no Ocidente. Interrogado sobre a interpretação das declarações de Amílcar Cabral, o ex-presidente de Cabo Verde, Aristides Pereira (e sucessor de Amílcar Cabral na liderança do PAIGC, após o assassínio deste dirigente), disse ao DN: «Não se tratava de uma declaração táctica ou meramente propagandística, correspondia ao nosso pensamento».
A entrevista de Amílcar Cabral contém outros passos de interesse, no sentido do precisar do «pensamento» dos dirigentes principais do PAIGC. Disse Amílcar: «Como sabe, nós temos uma longa caminhada com o povo de Portugal. Eu estou aqui falando português, como qualquer outro português, e infelizmente melhor do que centenas de milhares de portugueses que o Estado português tem deixado na ignorância e na miséria».
E, depois da afinidade linguística, o líder guineense refere outras, históricas e culturais: «Nós marchamos juntos; e, além disso, no nosso povo, seja em Cabo Verde, seja na Guiné, existe toda uma ligação de sangue - não só histórica, mas também de sangue - e fundamentalmente de cultura com o povo de Portugal».
Depois de referir a possibilidade de «uma independência num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da História» (sublinhado nosso), Amílcar aborda a questão mais profundamente ideológica das condições da construção desse quadro ideal, regressando ao refrão comum a todos os dirigentes independentistas.
«Nós somos povos africanos, ou um povo africano», sublinha Amílcar, «lutando contra o colonialismo português, contra a dominação colonial portuguesa. Nós estamos absolutamente convencidos de que, se em Portugal se instalasse amanhã um Governo que não fosse fascista - mas fosse democrático, progressita, reconhecedor do direito dos povos à autodeterminação e à independência -, a nossa luta não teria razão de ser.»
Quinta-feira, 24 de Setembro de 1998 - José Manuel Barroso, in «Diário de Notícias»

26-09-2005

Presidente pede envolvimento das forças armadas no combate no pobreza

O presidente moçambicano apelou às forças armadas para que se envolvam em acções de combate à pobreza absoluta no país, em discurso proferido hoje por ocasião do 41º aniversário do início da luta armada contra o colonialismo português.
O 25 de Setembro é também conhecido como o Dia das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).
"Tal como ontem - disse Armando Guebuza -, hoje, os moçambicanos são, uma vez mais, chamados a libertar a sua pátria de um novo inimigo, a pobreza. O sector da defesa nacional tem um papel preponderante neste combate".
Actividades culturais, comícios e homenagens aos heróis nacionais assinalaram hoje em Moçambique a passagem do 41º aniversário do início da luta contra a dominação colonial portuguesa.
Segundo a história oficial moçambicana, foi a 25 de Setembro de 1964 que o general Alberto Chipande, à frente de uma unidade militar da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), disparou o primeiro tiro contra a administração colonial portuguesa, em Chai, província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, dando início à guerra de libertação do país.
A FRELIMO, sob a direcção do seu primeiro presidente, Eduardo Mondlane, morto em 1969 num atentado à bomba atribuído à PIDE, viu-se forçada a pegar em armas, perante a recusa do regime colonial português de António Oliveira Salazar de aceitar a independência de Moçambique.
O conflito só terminou a 07 de Setembro de 1974, depois de o governo português saído do golpe de Estado de Abril de 1974 ter aceite o histórico "Acordo de Lusaca", que lançou as bases para a independência de Moçambique, proclamada a 25 de Junho de 1975 pelo primeiro Presidente de Moçambique pós-independência, Samora Machel.
Contudo, um ano depois, o país mergulhou numa devastadora guerra civil de 16 anos, opondo as tropas governamentais da FRELIMO e a antiga guerrilha da RENAMO, primeiro apoiada pelo regime colonialista da Rodésia, hoje Zimbabué, e mais tarde pelo antigo regime do "apartheid" da África do Sul.
A guerra civil terminou a 4 de Outubro de 1992, por força do Acordo de Roma. 

NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 25.09.2005

24-09-2005

CHAI - 25 DE SETEMBRO DE 1964

Cumprem-se amanhã 41 anos sobre a data oficial do início da luta armada em Moçambique.
Já é altura de se escrever a verdadeira história, não se continuando a propagar fantasias sobre o que, naquele dia, se passou no Chai, em Cabo Delgado.
Será que Alberto Chipande continua a manter o relatório apresentado na altura? Ou será que finalmente dirá a verdade?
Para recordar vejam:
MANU disparou primeiro tiro e não a FRELIMO (em Agosto de 1964)
25 DE SETEMBRO DE 1964
CHAI – CABO DELGADO - MOÇAMBIQUE

21-09-2005

CAHORA BASSA - Antes e depois de 1975

Como é do conhecimento geral a FRELIMO, durante a denominada "luta de libertação nacional" tudo fez para evitar a construção da Barragem de Cahora-Bassa, a quinta maior do mundo, obra que deveria ser orgulho dos portugueses, não só quanto à sua dimensão, como às circunstâncias que rodearam a sua construção.
Hoje, Cahora Bassa produz e transporta electricidade para  Moçambique, República da África do Sul, Zimbabué, Botsuana e, em breve, para o Malwi.
Na sua albufeira, com 270 km de comprimento e até 30 km de largura, são pescadas, diariamente,  toneladas de peixe.
Mais tarde, em 1986, em visita ao local, é descerrada por Samora Machel a placa cuja imagem apresentamos:
Cabora_bassa12a_1
                                                                                                   A inscrição:
"Esta maravilhora obra humana do género humano constitui um verdadeiro hino à inteligência, um promotor do progresso, um orgulho para os empreiteiros, construtores e trabalhadores desta fantástica realização.
Cahora Bassa é a matriz do desenvolvimento do Moçambique independente. Os trabalhadores moçambicanos e portugueses, fratrenalmente, juntando o suor do seu trabalho e dedicação, garantem que este empreendimento sirva os interesses mais altos do desenvolvimento e prosperidade da R.P.M.
Moçambicanos e Portugueses consolidam aqui a unidade, a amizade e solidariedade cimentadas pelo aço e betão armado que produziu Cahora Bassa.
Que Cahora Bassa seja o símbolo do progresso, do entendimento entre os povos e da paz no mundo."
Samora Machel - Songo 17 de Setembro de 1986
P.S.: Como as opiniões mudam...
Veja:

19-09-2005

A FUGA DOS ESTUDANTES EM 1961 (1)

  TESTEMUNHOS DA MEMÓRIA
Sérgio Vieira
O Partido pediu-me que iniciasse uma crónica regular. Sempre recusei escrever memórias, porque de um modo ou doutro o autor só possui uma parte limitada do todo e, igualmente, há que o reconhecer, tendemos por razões justas ou injustas a calar certos factos e a enaltecer outros.
Lamento, porém, que muitos escritos que surgem sobre a nossa História mais recente estejam repletos de inverdades, quantas vezes deliberadas e com o intuito de nos impor uma revisão adulterada do acontecido.
Muitos camaradas estão ainda e felizmente vivos, bibliotecas verdadeiras. Naquilo que de errado ou incompleto, involuntariamente, escreverei, eles poderão sempre contribuir, corrigindo, acrescentando. Para isso também serve esta publicação do nosso Partido. Optei, assim, por escrever o que chamo “Testemunhos da Memória”. Bosquejos daquilo que vivi, sem dispor nem da documentação, nem do tempo necessário para uma verdadeira investigação escolhi a solução mais fácil e porque não, preguiçosa.
Começo pelo ano da minha fuga.
Antes, no seio da Casa dos Estudantes do Império – CEI —, ali na Duque de Ávila em Lisboa, eu e muitos outros nos iniciámos numa actividade política mais orientada, onde com confiança, dialogávamos e aprendíamos dos mais experimentados.
Marcello Caetano, quando ainda Ministro das Colónias, nos anos 40, criara a instituição, no intuito de enquadrar e apoiar, essencialmente, os filhos dos colonos. Aconteceu, porém, que uma primeira geração, digamos assim, de angolanos, cabo verdianos, guineenses (B), moçambicanos e s.tomenses se apossaram, progressivamente da CEI. Entre eles, e que me perdoem por omitir outros, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Mário António, Gualter Soares, Eduardo Mondlane, Francisco José Tenreiro, Tomás Medeiros, João Mendes, os irmãos Dáskalos.
Quando entrei na CEI o Fernando Vaz a presidia. Quando o Governo a mandou dissolver, o Óscar Monteiro a dirigia.
Pelo percurso numerosas comissões administrativas nos foram impostas no intuito de nos quebrar.
A sessão de 1960 da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovara a célebre Resolução 1514 (XV), que os nossos alunos deviam conhecer, marcara um novo impulso na luta contra o colonialismo. A independência do Congo (K), a conspiração para destruir o país e salvaguardar os interesses sórdidos das grandes companhias mineiras, o assassinato de Lumumba tocara-nos profundamente. Antes, a capitulação francesa em Dien Bien Phu, o começo da insurreição argelina, a nacionalização do canal do Suez por Nasser, a independência do Ghana e da Guiné haviam-nos estimulado profundamente.
A minha geração situa-se neste contexto.
O ano de 1961 assinala uma viragem maior na história do colonial-fascismo português e no avanço da causa da libertação.
Sob a direcção do Capitão Henrique Galvão, opositor ferrenho de Salazar, o ano iniciou-se com o sequestro do paquete Santa Maria, baptizado durante a operação de Santa Liberdade. Galvão e os seus companheiros são acolhidos em triunfo, no Brasil de Jânio Quadros.
Curiosamente, a PIDE escolhe um seu informador, grumete ou moço de limpeza a bordo, oriundo da Beira, Janeiro da Fonseca, para içar o pavilhão português no barco, quando o Governo retoma o seu controlo.
Este Artur Janeiro da Fonseca fingiu fugir de Portugal para o Marrocos em 1963. Em Rabat foi recebido na CONCP e contou várias histórias bem mal contadas. O camarada Amílcar Cabral decidiu ouvi-lo na minha presença. Contou, de novo, as diversas historietas e, mencionou diversos nomes para corroborar o que narrava. Ignorando com quem estava a falar, citou os nomes de Amílcar Cabral e o meu.
No final da conversa o camarada Amílcar apresentou-se e apresentou-me, imagine-se comoficou o senhor. Vários anos depois instalou-se na RFA onde veio a representar a RENAMO, parece que até hoje está ligado a essa organização.
A 4 de Fevereiro militantes do MPLA atacam, em Luanda, prisões e outros objectivos de natureza militar. A 15 de Março a UPA desencadeia acções armadas contra variados alvos, sobretudo empresas agrícolas coloniais dedicadas ao café, no Norte de Angola.
Pouco depois os Altos Comandos militares portugueses tentam forçar a saída de Salazar do Governo, de modo a prepararem uma solução negociada e pacífica do fim do colonialismo. (Cont. na próxima Edição)
In Boletim Informativo do Partido FRELIMO – 16.09.2005

14-09-2005

Fora da lei

Joao_sabadino_portugalMASCOTE ILEGAL
Nasceu em 1962. O dia e o mês ninguém sabe. Nem o nome original. Aos cinco anos roubaram-lhe o colo materno. Dois anos depois veio para Portugal com um grupo de Fuzileiros de quem era mascote. Anos mais tarde descobriu que estava ilegal.
MOÇAMBIQUE, JUNHO DE 1967

Um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses veste o camuflado e arranca para a primeira operação na zona de Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Devidamente artilhados, os soldados entranham-se mato adentro à procura de presença inimiga.

Alguns passos adiante deparam-se com um grupo de mulheres indígenas. Seguem-lhes o rasto, discretamente, até à aldeia mais próxima. Logo que se apercebem da chegada de militares, os locais começam a fugir, apavorados. Procuram por um abrigo, arranjam uma forma de escapar à chacina.

Enquanto isso, um dos fuzileiros tenta impedir a sua fuga com disparos contínuos e ensurdecedores de metralhadora. Findo o carregador faz-se silêncio, e um manto de capim ruma ao céu, deixando a descoberto uma aldeia sem vivalma. Deserta. Por instantes, pensou-se que todos estivessem mortos. Puro engano. Um buraco estrategicamente cavado na terra serviu-lhes de escudo.

Escapam à morte, mas não de serem capturados e, posteriormente, entregues ao cuidado dos serviços competentes, em Porto Amélia (Pemba). Durante o regresso, os militares aproveitam uma curta paragem para se refrescarem no mar. Os indígenas, que nunca tinham vislumbrado tamanha imensidão de água ficam perplexos. Eufóricos. Durante breves momentos a aflição cede lugar à descompressão. A uma felicidade que parece não ter fim. O brilho espelhado no olhar de uma das crianças, que corre despreocupadamente pelo areal, desperta a atenção do grupo de fuzileiros. E como naquela época era comum os Destacamentos terem uma mascote, um dos militares , por impulso, coloca a hipótese de o adoptar. Assim foi.

João Sabadino Portugal. Foi desta forma que se passou a chamar o petiz. João, porque era dia 24, o mesmo em que se comemora o S. João – passando a ser também esse o dia em que comemora o seu aniversário. Sabadino, porque era sábado. Portugal, porque, afinal, tratava-se de um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses. Com a autorização da mãe, o rapaz foi viver para o quartel dos soldados.

O petiz tinha a própria camarata, o próprio armário e uma farda igual à dos seus novos compinchas. Durante dois anos foi a coqueluche dos militares. Em 1969, quando a Comissão chegou ao fim, aos 70 oficiais que se preparavam para regressar a Portugal, juntou-se o pequeno João, à responsabilidade de um Oficial Imediato. Tinha sete anos. E uma vida pela frente. Agora, em Portugal.

João guarda poucas recordações desses tempos. "Lembro-me do quartel, de um macaco, de quem tinha muito medo, mas que estava sempre a atiçar, recordo-me de andar vestido com uma farda que me fazia sentir muito importante, e de ser bem tratado por todos eles", confidencia. "Os maus tratos vieram depois ", deixa escapar acompanhando as palavras com um ligeiro abanar de cabeça. Prenúncio de um sentimento mal resolvido.

CASCAIS, JUNHO DE 1969

Meia dúzia de dias após a chegada a Portugal, João foi entregue aos cuidados da mãe do Oficial Imediato que o adoptou: "Foi ela que me criou e educou, a ele só via ao fim-de-semana", começa por contar. "Mas ela era muito mazinha comigo", acrescenta, sem disfarçar um nervoso miudinho, que se acentua quando recorda a dura vida que levou ainda muito novo. "Sabem o que é ter que aspirar, lavar loiça, coisas que não me competiam Era como se eu lhes tivesse que dar algo em troca da educação, da comida Era um escravo", conclui, inconformado.

A gota de água foi quando, já após a morte da senhora, João levou uma violenta tareia de mangueira do pai adoptivo que lhe deixou marcas que ficarão para sempre gravadas na cabeça. E no corpo. Sempre que se vê ao espelho, a antiga mascote tem de enfrentar duas enormes cicatrizes nas costas que lhe trazem à memória lembranças que luta para esquecer. "É verdade que fiz uma coisa estúpida na escola, algo que agora não posso estar aqui a dizer, mas ", começa por revelar. " Só sei que foi a primeira e a última vez que me bateram assim".

Revoltado, João fugiu de casa. Mas logo que o encontrou, e para que o episódio não se repetisse, o Oficial decidiu mandá-lo para casa de familiares, nos Açores. "Fui para lá estudar e trabalhar na pesca. Mas se nós saíamos para o trabalho à noite, como é que eu ia conseguir acordar de manhã para ir para a escola!?", interroga.

Com a ajuda dos companheiros de pesca conseguiu arranjar dinheiro para comprar um bilhete de regresso ao Continente. Apanhou o primeiro avião e mal desembarcou em Lisboa foi bater a casa do pai adoptivo. Este, sem dó nem piedade, virou-lhe as costas.

João fez-se à estrada, sozinho, com vinte escudos no bolso. "Estava com uma raiva tão grande dele que comecei a andar, a andar. Fui de Carcavelos até Lisboa, precisava de gastar toda a energia que tinha no corpo. Cheguei à Rua das Flores e parei porque estava cansado. Depois, passei a viver ali. Batia à porta de casa das pessoas para pedir comida. Dormia perto dos bombeiros, no jardim ou em carros abandonados", recorda sobre os sete anos como sem-abrigo.

LISBOA, DE 1979 EM DIANTE

Durante esses tempos, João Sabadino Portugal fez amizades de ocasião, outras que, apesar das curvas e contracurvas da vida, mantém. Tentou o amor. "Éramos amigos, depois apaixonámo-nos, mas aquilo deu azar." Arranjou biscates em troca de comida. E, como a vida não lhe corria de feição, deixou-se enveredar por caminhos mais sinuosos. Meteu-se na droga. "Fumei uns charros, mais nada." Esteve preso. "Eu não sabia para o que é que ia, fui com eles, e olha, assaltámos um café." Conseguiu sobreviver a tudo.

No meio do turbilhão de emoções, certo dia, para piorar as coisas, João perdeu o Bilhete de Identidade. Naturalmente, tratou rapidamente de obter a segunda via. "Fui a Alvaiázere, onde estava registado, buscar a minha certidão de nascimento, preenchi a papelada, meti lá o dedo para impressão digital e disseram-me para ir levantá-lo dali a uma semana."

Quando lá voltou disseram-lhe que tinha de se dirigir aos registos centrais. Foi o que fez. Preencheu mais uma série de papéis, sem perceber muito bem para o que é que rabiscava, e ficou a saber que para receber o novo B.I. tinha que arranjar comprovativos dos locais onde tinha vivido e trabalhado nos últimos anos. Uma missão quase impossível para alguém com uma vida desregrada. "Tentei explicar-lhes, mas parece que ninguém me ouviu".

Entretanto, passaram-se vinte e sete anos. João Sabadino Portugal continua fora da lei.

Todos estes anos, trabalhou esporadicamente através de empresas de cedência de pessoal, fez os devidos descontos para a Segurança Social, uma vez que tem cartão de contribuinte. No que respeita a saúde, nunca necessitou de cuidados médicos que justificassem a apresentação de um cartão de identificação. E a polícia nunca o abordou. É caso para dizer que, no meio de tanto azar, tem tido alguma sorte.

Mas esta não é uma situação confortável. "Preocupa-me muito, se um dia quero ir a algum lado, dar uma volta maior, não posso. Se eu tenho registo, para quê tudo isto!? Estou baralhado, estou baralhado", diz repetidamente, em alto e bom som, como quem se esforça por se fazer ouvir. Mas a burocracia tem orelhas moucas.

No seu caso, a dificuldade na obtenção de um novo B.I. prende-se com o Decreto Lei 308-A/75 de 24 o Junho, que regulamenta a legalização dos oriundos das ex-colónias. Ou seja: se o João Sabadino tivesse chegado a Lisboa antes de 25 de Abril de 1969 não haveria problema, mas como só chegou em Junho não pode ser considerado português, sendo que também não é moçambicano. O problema só foi detectado porque, entretanto, perdeu o Bilhete de Identidade. “Parece que antes de sair a dita lei davam B.I. a todos, mas depois, para se nacionalizarem, teriam que preencher determinados requisitos, como casar com um portuguêsa, estar cá há mais de cinco anos...”, explica.

SEIXAL, JULHO DE 2005

Quis o destino que em Maio deste ano João Sabadino Portugal se cruzasse com um dos fuzileiros que o trouxeram para a então Metrópole. Há trinta anos que João Serra o procurava. "Após o regresso de Moçambique, ainda mantivemos o contacto. Tinha uma banda de música, os 'The Tigers', e costumava ir buscá-lo aos fins-de-semana para participar nos espectáculos."

Mas a determinada altura, a coisa mudou de figura. "Um dia liguei para casa da senhora que tomava conta dele e ela disse que eu só estava a prejudicá-lo, a desencaminhá-lo. Então deixei de o fazer", revela João Serra, que, a partir daí, perdeu o rasto ao pequeno João. Nunca o esqueceu.

Anos depois, o ex-fuzileiro iniciou uma busca incansável pelo menino traquina que fez as delícias do Destacamento de Fuzileiros. "É incrível ter sido tão difícil dar com ele. Afinal, andou todo este tempo por Lisboa", reflecte João Serra que não descansou enquanto não soube do paradeiro da 'pequena mascote'. "Abordei pessoas na rua, procurei em circos, andei por conservatórias. Ele era como se fosse um filho para mim. Nunca perdi a esperança."

Esperança é a palavra que melhor descreve aquilo que João Sabadino Portugal voltou a sentir depois de reencontrar João Serra. Já não se recordava dele, mas assim que soube de quem se tratava foi incapaz de conter as lágrimas. "Era como se estivesse em frente a alguém da minha família", explica. Após o encontro com o velho militar, a vida de João Sabadino Portugal deu uma volta de 180 graus. Foi viver para a outra margem do rio Tejo, arranjou um novo trabalho e até fez novas amizades. "Estava cansado. Queria um futuro melhor. Tinha lá pessoas de quem gostava, mas nem sequer pensei duas vezes quando ele me fez o convite. Precisava de sair dali, tinha que fazer alguma coisa para fugir daquele ambiente", explica a antiga mascote.

Agora, a prioridade máxima de João Serra é ver a situação deste homem legalizada – a última tentativa para resolver esta “novela de difícil solução”, como lhe chama, foi redigir uma carta ao cuidado do Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Até à data, ainda não obteve qualquer resposta.

Por seu lado, João Sabadino Portugal vive a aguardar por dias mais felizes. Para contrariar os ponteiros do relógio, quando não está a trabalhar – e para não pensar muito –, este homem, pouco sociável, fechado, aproveita o difícil passar das horas para ler e ver televisão. "Leio tudo o que me passam para a mão. Na televisão, gosto de ver documentários, filmes e futebol, pelo menos quando é o meu Benfica", conta, folheando nervosamente o 'Baudolino' de Umberto Eco. "Já o li duas vezes, foi o meu afilhado – filho da mulher com quem vivi – que me ofereceu", diz, cabisbaixo.

Para João Sabadino Portugal – assim como para muitos de nós, a ficção é a melhor forma de fugir a uma triste realidade.

HÁ VIDA DEPOIS DO SOFRIMENTO

João Sabadino Portugal está a viver uma segunda vida. Passado o pesadelo reaprende a sorrir. E o culpado por esta metamorfose é João Serra. O antigo soldado do Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses em Mocimboa da Praia deu-lhe a mão que precisava para tentar dar um novo rumo à sua vida. É um esforço desmedido, uma luta de todos os dias. Mas ele não desiste, apesar de saber que a caminhada não será fácil.

João Serra tem feito tudo o que está ao seu alcance para que este homem consiga reencontrar a felicidade. Desde casa, a trabalho, o ex-fuzileiro tem-lhe proporcionado momentos únicos em família. Momentos que nunca teve, uma família que nunca teve. Aos fins-de-semana, João Serra leva a antiga mascote para sua casa, junto da mulher, filhos e amigos. Juntos passam agradáveis momentos de convívio. “Acho que lhe devemos isso, quando o trouxemos de Moçambique, ele era como um filho para todos nós”,sublinha. Dito isto conclui: ”Ao longo de todos estes anos, nunca o esqueci, apesar do afastamento. Agora, sinto que tenho que fazer algo por ele, e faço-o de boa vontade.”

EM BUSCA DA FAMÍLIA PERDIDA

O reencontro com João Serra trouxe a João Sabadino Portugal nova luz. A antiga mascote descobriu que, ao contrário do que sempre lhe foi dito, afinal a mãe pode estar viva. "Achei que era impossível. Sempre me disseram que a minha família tinha morrido", conta,emocionado. E confidencia que apesar de ter acreditado nessa realidade, nem sempre a aceitou. “Houve alturas em que chorava pelos cantos, sentia-me sozinho, sentia a falta de uma mãe", acrescenta.

Encontrá-la é agora a sua prioridade.

O seu grande sonho. "Tirava-me este peso todo que tenho cá dentro, esta mágoa. Seria uma alegria." Com o auxílio de João Serra, até já enviou um email para a televisão de Nampula a expor a situação. Enquanto não há novidades, contempla a mãe, com saudade, através da fotografia que registou o momento da despedida em Moçambique. A imagem foi-lhe oferecida por João Serra e agora vive numa moldura pregada na parede do seu novo quarto.

E-MAIL PARA A TV DE NAMPULA

Data: Quinta-feira, 30 de Junho de 2005

Para: tvmnampula@teledata.mz

Assunto: PROCURA-SE FAMILIARES

Ex.mos Senhores,

Peço a vossa ajuda com o objectivo de João Sabadino Portugal, hoje com 43 anos, saber se tem família em Moçambique. Em 1968, foi adoptado por uma unidade militar portuguesa, que o trouxe para Portugal em Junho de 1969. Até ao momento, desconhecia a possibilidade de existência de familiares, devido a informações deturpadas que lhe foram transmitidas. Agora, foi confrontado com fotografias que lhe foram mostradas por um antigo militar da unidade. A sua família vivia na zona de Mocimboa da Praia e pensa-se que mais tarde se deslocaram para Porto Amélia.

Agradecendo a atenção dispensada para esta acção humanitária, apresento os meus melhores cumprimentos, João Serra.

MOÇAMBIQUE - DATAS COM HISTÓRIA

- 25 de Setembro de 64 Início, em Mueda, da luta de libertação nacional.

- 25 de Abril de 74 golpe militar em Portugal abre caminho para a independência do território.

- 25 de Junho de 75 é proclamada a independência. Samora Machel torna-se no primeiro presidente do país.

Se tiver informações que possam ajudar este cidadão contacte:

João Serra, antigo fuzileiro

Telemóvel: 93 51 00 952

E-mail: joaoserra@iol.pt
Janete Frazão
CORREIO DA MANHÃ - 11.09.2005

11-09-2005

1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(4)

Vozcombatente_87_2005
Alferes_monteiro_2005         OMAR - 1 DE AGOSTO DE 1974
Em 5 de Março de 2005, os prisioneiros de Ornar, alguns acompanhados de suas esposas filhos, pela primeira vez reuniram em convívio, em Leiria.
Compareceu uma delegação da nossa associação, presididapelo Vice-Presidente Eng.° Neto, que em comissão imediatamenteanterior serviu como furriel em Ornar.
       Combinámosentrevistar o antigo alferes miliciano JoséCarlos Monteiro quecomandavainterinamente a Companhia no dia 1 deAgosto de 1974.
O entrevistado, depois do serviço militar, fez a sua carreira Profissional nos correios, onde é hoje responsável de zona.
VC- Qual a denominação local de estacionamento Batalhão e tempo de permanência da sua Companhia em Omar? Caracterize operacionalmente a zona nessa época?
AM- 1a Companhia de Cavalaria Batalhão 8421 Base de Omar Província de Cabo Delgado.
Estacionada nesta Unidade de 18.08.1973 a1.08.1974.
Zona 100% operacional, cuja missão era impedir a entrada e saída da Frelimo para a Tanzânia e impedir os reabastecimentos que eram efectuados via Rio Rovuma.
VC – Quais as bases de guerrilha da Frelimo que existiam na
área de actuação da Companhia?
AM - Havia a base Limpopo e outras pequenas bases avançadas que serviam de passagem para esta base.
        VC – Como foi acolhida a notícia da ocorrência do 25 de Abril em Portugal? A vossa actividade operacional continuou ou houve alterações?
          AM - A guerra entre o Exército Português e a Frelimo é apresentada como a principal premissa no contexto do Movimento das Forças Armadas. Iniciam-se conversações no sentido de acabar com um confronto entre dois povos. Trabalha-se para um cessar fogo em Moçambique, objectivo para o qual o Exército Português imediatamente caminhou, deixando de efectuar operações decarácter ofensivo acordando em restabelecer diálogos a nível local, com elementos da Frelimo. Asemissoras de rádio, de Moçambique, frequentemente anunciavam ostensivamente esses contactos. Houve inicialmente urna fase em que o cepticismo e a vontade de alcançar objectivos mais complexos levaram a Frelimo a não compreender claramente a boa vontade e o espírito colaborador do Exército Português. Passados algumas semanas, porém, o endurecimento iluminouas forças emancipalistas moçambicanas, altura a partir da qual se começou definitivamente a caminhar para a paz.
          V C  -  Recebeu algumas instruções para entabular negociações de cessar fogo com a Frelimo? De quem?
AM - A mensagem 2008/OI/74 do Comando Sector transcreve mensagem 71 65/P da 5aRepartição: «... Devem todos os comandos tentar criar condições locais passíveis de conduzir aocessar fogo na sua ZA. Para o efeito lançarão campanha de panfletos, cartas deixadas no mato, e acima de tudo servir-se como intermediários, bem como todos os meios achados convenientes. Sódeve ser prometido respeito e confiançmútuos e desejo para a paz. Todos os militares serão esclarecidos destes acontecimentos finalidades, tendo em vista evitar quaisquer incidentes ouatitudes inconvenientes e todos os resultados alcançados serãcomunicados a este Comando...»
Dentro do mesmo espírito e baseado nesta mensagem, o Comando Militar de Mocímboa do Rovuma elaborou um comunicado, com o fim de ser distribuído durante os patrulhamentosefectuados por forças do BCAV 8421:
«Governo Provisório Português está seguindo uma política ditada pelo Movimento das ForçasArmadas que visa o seguinte: a paz entre os portugueses de todas as raças e credos em Moçambique e restantes províncias ultramarinas; Conceder a independência a Moçambique a curto prazo, bem como nas restantes províncias ultramarinas... Todos sabemos que a Frelimo e as Forças Armadas Portuguesas têm forças para continuar a lutar por muitos anos, porém, agora é imoral e desumano continuar a fazer mais mortos e feridos de ambas os partes. Os nossos Presidentes já começaram o diálogo franco e aberto, que vai continuar, e só este poderá conduzir a paz que todos desejamos. AsForças Armadas estãdispostas a nãatacar o povo da Frelimo, se esta nãatacar as picadas e quartéis portugueses. Vamos cessar fogo em conjunto, aguardando que na mesa das negociações seja negociada a paz com vista à independência de Moçambique. Enquanto não houver paz, as Forças Armadas continuam em Moçambique para segurança de todas as populações, raças e credos. Só em paz será possível construir um Moçambique melhor.
Aguardamos a vossa resposta por escrito ou emissário que será bem recebido».
VC - Descreva-nos os acontecimentos de Ornar a 1 de Agosto de  1974 e todos os posteriores até à data da vossa libertação em 19.09.1974.
AM - Na madrugada do dia 1 de Agosto de 1974, na orla da mata do estacionamento ouviram-se vozes de megafone, dizendo: « Atençãaquartelamento de Omar, nós nãestamos contra vocês, lutamos contra o fascismo e o colonialismo, e esses terminaram no dia 25 de Abril. Queremosfalar com vocês. Mandem um mensageiro à pista, pois nós estamos sem armas. Queremos apenas falar convosco, nãqueremos mais derramamento de sangue».
        Perante estas palavras o soldado Joaquim da Silva Piedade ofereceu-se voluntário para ir àpista como mensageiro. Todo o restante pessoal continuou nas valas e em diversas posições de fogo. Quando o referido mensageiro ia a chegar à pista, novas vozes de megafone se ouviram, pedindo para que o Comandante viesse tambéà pista. Perante isto, o comandante doaquartelamento, alferes miliciano José Carlos da Silva e Costa Monteiro, acedeu em ir tambéàpista juntamente com o referido soldado Piedade.
Surgiram então cerca de 8 a 10 indivíduos desarmados, munidos com gravadores portáteis, máquinas de filmar e máquinas fotográficas. Quando o alferes Monteiro se encontrava a falarcom o comandante deste pequena forçele repetiu as palavras já ditas pelo megafone e pedia para falar com os soldados da Companhia na pista. Perante esta insistência o comandante do aquartelamento de Omar alvitrou que poderia entrar e falar com a Companhia dentro do aquartelamento, o que lhe foi contestado, alegando medo de qualquer reacção das nossas tropas ou da força aérea.
Perante isto, e como não se notava qualquer presença de indivíduos armados, foi aceite que parte Companhia fosse para a pista. Ficaram nas posições as secções de obuses 8,8 morteiros e postos de sentinela.
Quando se encontravam na pista, houve uma força de cerca de 100 indivíduos, que pela porta de armas traseira, que dava saída para a lixeira, entraram de assalto, tomando as nossas posições dentro do quartel. A reacção das secções de obus não era possível, e como tal, a força que entrou obrigou o pessoal das restantes posições a abandonar e sair. No mesmo momento em que a força toma o quartel, há uma outra força emboscada na orla da mata da pista que cerca todo o pessoal que nela se encontrava.
A partir daí não foi possível qualquer reacção. Imediatamente o Comandante de Omar e outros graduados perguntam ao comandante da força invasora o que é que se passava, no que ele respondeu que iriam falar com o Comandante Joaquim Chipande no meio da mata. Foram levados para uma base avançada de Frelimo onde se encontraram com os Chefes Silésio e Alberto Joaquim Chipande. Aí pernoitaram, dormindo à volta duma fogueira.
No dia 2 iniciaram a marcha até nova base da Frelimo onde ficaram dois dias. Aí os graduados tiveram a primeira reunião com uma comitiva da Frelimo chefiada por Joaquim Chipande. Foi-lhes lido todas as conversações de Lusaca às quais Chipande havia estado presente. Explicou este Chefe que uma das razões porque tinham tomado OMAR era pelo facto de não só ser uma base de importância vital, mas também porque já haviam escrito uma carta ao Comandante do Sector B/AV (Mueda) Tenente Coronel Andrade Lopes, onde a Frelimo punha como condições a retirada de determinados quartéis e reunião dos mesmos em Mueda. Não o quiseram fazer e a Frelimo sabia, pelo barulho de rebentamentos e por um mainato civil, que fugiu da nossa Companhia, que Omar estava a destruir os materiais. Esta reunião terminou cerca das 10H00 e aí os graduados iniciaram a marcha para se irem juntar aos restantes soldados que já se encontravam numa outra base da Frelimo.
No dia 5, seguiram para o distrito de M’Napa onde pernoitaram.
No dia 6 seguiram com destino à base Limpopo, onde foi distribuído arroz e sopa aos militares. Daqui avançaram em direcção ao Rio Rovuma, onde chegaram cerca das 18H00. às 00H30, os últimos homens encontravam-se em território da Tanzaniano.
No dia 7, foi distribuído o fardamento da Frelimo a todos os militares portugueses, tendo estes entregue a roupa que levavam vestida. À tarde, iniciou-se o transporte de todo o pessoal em viaturas do exército tanzaniano para Newala, onde se pernoitou numa prisão em construção.
No dia 8, dá-se o primeiro encontro com o Presidente da Frelimo, Samora Machel, bem como a restante comitiva. Aí, Machel falou a todos os militares, tendo cumprimentado todos um por um. Nessa tarde seguiram ao longo da Tanzânia até Nashinguwea onde ficaram instalados num quartel do exército tanzaniano. Aí ficaram até à libertação que se processou em 19.09.1974.
Enquanto permaneceram como prisioneiros, não houve qualquer mau trato a ninguém. Funcionava uma enfermaria dia e noite, com um sargento enfermeiro da Tanzânia, pronto para qualquer serviço. Um médico da Frelimo ia frequentemente dar consultas a quem queria, tendo feito inclusivamente o tratamento de uma anemia, com transfusão de sangue, a um soldado artilheiro português. Receberam diversas visitas, entre elas, a de Samora Machel três vezes, Chefe do Estado Maior do Exército Tanzaniano, Ministro da Agricultura da Tanzânia, diversos dirigentes do partido Tanu, muitos jornalistas e fotógrafos.
VC – Li algures que Spínola, então Presidente da República, terá visto uma reportagem da rendição de Omar e se terá declarado muito incomodado. Entende que poderia ter tido outro comportamento? Estás arrependido das suas decisões?
AM – O General Spínola deve ter ficado incomodado foi por ter dado determinadas ordens ao Major Otelo e ao Dr. Mário Soares para as conversações de Lusaca e eles terem alterado tudo o que havia sido combinado!!! Todas as reportagens foram feitas sobre Omar não correspondem à verdade, pois os actores principais nunca foram ouvidos, e ao fim de 31 anos é a segunda vez que conto a verdadeira história.
VC – Que influência terão tido os acontecimentos de Omar nas conversações de Lusaca, já que o acordo foi assinado mais de que um mês depois, a 09.09.1974?
AM – Pode ter servido para haver moeda de troca em termos de prisioneiros, pois só nós e um pelotão de açoreanos é que estávamos vivos e visíveis para a comunicação social. Onde estão os homens do navio Angoche?
VC - O Sr, era o Comandante Interino da Companhia. Alguma vez a hierarquia militar ou o poder político o incomodaram ou molestaram pela responsabilidade dos acontecimentos?
AM – Não.
VC - Quando foram libertados e após o regresso a Moçambique, como foram tratados pelos comandos militares. Quem vos recebeu e o que vos disseram? Que apoio receberam?
AM – Fomos recebidos em Nampula pelo Coronel Travassos, na altura Comandante do Sector B. Fomos bem recebidos e dados novos fardamentos e dinheiro.
VC – Trinta e um anos depois dos acontecimentos, o que sente? Em relação aos subordinados, aos superiores e aos guerrilheiros da Frelimo?
AM – Relativamente aos acontecimentos, não tenho qualquer ideia definida, tão somente a satisfação por ter regressado a Portugal com todos os meus homens, sãos e salvos, e creio termos tido um comportamento digno, pois soubemos dignificar a missão para a qual fomos solicitados: saber fazer a paz é tão dignificante como ganhar uma guerra.
Veja:

09-09-2005

Homenagem prestada a militares portugueses na África do Sul (2)

Recordar em
Notícia publicada hoje(na 1ª página e à esquerda), pelo Semanário O INDEPENDENTE, e a resposta de Manuel Ferreira à mesma:
Independente0909_04
Portugal homenageia Apartheid
Embaixada em Pretória esteve representada numa homenagem a três mercenários portugueses que combateram pelo Apartheid. Entre os quais um ex-agente da PIDE
Francisco Teixeira
e Mónica Moniz Ribeiro 
correio@oindependente.pt         
O Estado Português esteve oficial­mente representado numa cerimó­nia de homenagem a um grupo de mercenários do antigo Batalhão Búfalo, a unidade militar de elite utilizada pela África do Sul para sustentar o regime racista do! Apartheid. Entre os três portugueses distinguidos está um antigo agente da PIDE-DGS.
As explicações das partes envol­vidas não coincidem. O Ministério dos Negócios Estrangeiros "des­conhece" a presença de represen­tantes portugueses nesta cerimónia e o embaixador português em Pretória garante que foi surpreen­dido pela notícia "quando regressa­va de férias da Grécia", mas a verdade é que chegou um convite oficial à embaixada e Portugal fez--se representar pela chefe da chan­celaria, Margarida Rosas de Oliveira. Mais. A diplomacia portuguesa entregou uma coroa de flores em nome de Portugal para se associar ao evento.
Homenagem aos mortos. Este epi­sódio começou quando a embaixada portuguesa foi contactada por um ex-membro do Batalhão Búfalo, colega dos homenageados e promotor da iniciativa. Perante a indisponibilidade de agenda do embaixador, foi dito a Manuel Ferreira que Portugal seria repre­sentado por Margarida Rosas de Oliveira, chefe da chancelaria da embaixada. Ou seja: Portugal ace­deu a participar na cerimónia, de forma oficial e com uma coroa de flores.
A homenagem aos três militares portugueses que estiveram ao ser­viço do regime do Apartheid decorreu em Pretória no dia 23 de Agosto. Cenário: o cemitério de Thaba Tshwane. Fritz Loots, ex--comandante das unidades espe­ciais que combateram em Angola e no Sudoeste Africano (Namíbia), descerrou a lápide negra onde foram inscritos os nomes dos três portugueses. Por um lado, para prestar um tributo ao desempe­nho de Francisco Daniel Roxo, José Correia Pinto Ribeiro e Ponciano Soeiro (ex-agente da PIDE-DGS), mortos em combate na década de 70. Por outro lado, para lhes "dar um tratamento à altura" com a trasladação dos corpos, que se encontravam em campas rasas e sem qualquer inscrição.
Batata quente. Contactado pelo In­dependente, o embaixador portu­guês em Pretória, João Barbosa, confirmou a presença da funcio­nária consular, mas garante que não foi "previamente consultado" para conceder a devida autorização hie­rárquica para que participasse nacerimónia.
Caso tivesse sido, o representante de Portugal na África do Sul "teria que ponderar a presença" e "infor­mar o Ministério dos NegóciosEstrangeiros antes de tomar uma decisão".
João Barbosa garante ainda que não se tratou de uma cerimónia de homenagem aos três portugueses. Tese desmentida pelo próprio organizador do evento. Manuel Ferreira, ex-membro do Batalhão Búfalo, confirmou ao Indepen­dente o carácter da cerimónia: "Eram profissionais exemplares que estavam maltratados" e que mereciam ser "enaltecidos" e "devidamente homenageados".
Independente0909_01_1 
O QUE ERA O BATALHÃO BÚFALO
>> É também conhecido por Batalhão 32. Trata--se de uma antiga unidade de elite da África do Sul criada em 1975 para defender o regime racista do Apartheid. Foi utilizado em diversas frentes de combate externas paraaniquilar os movimentosmarxistas na África Austral.Casos de Angola e Namíbia.
Na sequência da vitória do M P LA na guerra civil angolana, os combatentes derrotados refugiaram-se numa região do Sudoeste Africano. Nessa altura, o coronel sul-africano Breytenbach contratou-ospara formar uma unidade de elite composta por militares angolanos, ingleses, portugueses e norte--americanos. Todos eles mercenários ao serviço do governo sul-africano do Apartheid. O BatalhãoBúfalo acabou por ser dissolvido em 1993, depois de ter sido rejeitada a sua presença na "nova Áfricado Sul", renascida com a libertação de Nelson Mandela e o fim da discriminação racial.
Independente0909_02_2
.....................................................................................................................
A resposta esclarecimento de Manuel Ferreira:
Manuel de Resende Ferreira
P.O.Box 9001
Centurion
0046
África do Sul
Centurion,9 de Setembro de 2005
Por direito, venho responder ao vosso artigo, publicado hoje, dia 9 de Setembro, na Secção Política e sob o título "Portugal homenageia Apartheid". É um artigo maldosa e vergonhosamente deturpado, com falsas afirmações --- um artigo que não merece qualquer crédito, mas merece o meu direito à resposta.
Chamo -me Manuel de Resende Ferreira, fui um dos organizadores do evento, não sou, como afirmam, ex-membro do Batalhão Búfalo ( mas este artigo está cheio de mentiras!...) sou ex-militar das Forças Armadas Sul Africanas.
Neste evento de carácter singelo e muito sentido, não só foi prestada homenagem a três valorosos combatentes como e principalmente dar-lhes aquilo que ainda não lhes tinha sido dado e que qualquer ente merece quando deixa de viver, pedir religiosamente e com fé a paz das suas almas.
Por que se tratavam de Portugueses valorosos e condecorados anteriormente pelo o Exército Português a Embaixada Portuguesa por nós convidada, fez-se representar pela secção Consular com tal dignidade que sentimos Portugal connosco. Tratavam-se de três compatriotas. Entre os convidados encontravam-se também membros das Forças Armadas Sul Africanas alguns ainda no activo e alguns, também, não de raça branca.
Onde estão os portugueses que foram vendidos e abandonados em África? Já se esqueceram? Para alguns a memória é curta, para mim não. Olhem que os vendilhões da Pátria ainda estão no activo. Um deles, velho e gágá, volta a candidatar-se à Presidência da República.
Sou Português, não sou Luso-descendente. Foi em África que nasceu o sol do meu primeiro dia, sob a bandeira das Quinas. Ainda miúdo com os meus pais e irmãos, depois de vendidos e abandonados, fomos acolhidos pela África do Sul. Abandonados foram também aqueles valentes condecorados soldados Portugueses.
Nós os acolhidos por este País, aos milhares, ao atingirmos a idade militar, fomos obrigatoriamente chamados a cumprir o Serviço Militar, o que fizemos com orgulho sem sermos mercenários. E, como ao serviço do apartheid? se servimos lado a lado com negros nas trincheiras!
Não houve só um Vasco da Gama, um Pedro Alvares Cabral ... felizmente houveram muitos, exemplo:
Daniel Roxo chefe das Milícias no Niassa, condecorado pelo Exército Português com a Cruz de Guerra e a medalha de Serviços Distintos. José Correia Pinto Ribeiro, Sargento Para- Quedista Português e mais tarde membro dos GEPs ( Grupos Especiais Para-Quedistas) em Moçambique. Ponciano Soeiro ex agente da DGS em Angola ( Defensor da Portugalidade em África) e posteriormente como os outros dois colegas, Operador Especial das Forças Especiais Sul Africanas.
A imprensa Sul Africana quase de norte a sul, reagiu positivamente a esta homenagem prestada aos nossos compatriotas, que for falta de espaço a que não tenho direito aqui não transcrevo os seus artigos.
Tarda infelizmente em aparecer novos Mouzinhos de Albuquerque, Paivas Couceiros, Artur Paivas mas proliferam, infelizmente, Migueis de Vasconcelos. Judas também não houve só um, como no vosso artigo vende-se a alma da Pátria por dinheiro, pelo artigo sensação ...
A nossa velha, ensolada Pátria Portuguesa está doente, doença virulenta, purulenta, a cheirar mal por todos os poros. Vendida, esquartejada, apenas lhe resta um pequeno rectangulo de areia e telhas já quase sem arvoredo ...
Mas que grandes homens foram estes três que depois de mortos há quase trinta anos fazem estremecer tanta gente!...
Manuel de Resende Ferreira 1º Sargento das Forças Armadas Sul Africanas (Reformado)

08-09-2005

Acordo militar continua no “segredo dos deuses”

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Revela Mariano Matsinha
Acordo militar continua no “segredo dos deuses”
O Acordo de Lusaka ainda não é do domínio público, sobretudo a parte militar que continua secreta. Ela existe, está guardada a sete chaves pelo Governo da Frelimo, de acordo com o veterano Mariano Matsinha, um dos seus negociadores. 

ZAMBEZE - 9/8/2005
Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande, Óscar Monteiro, Bonifácio Gruveta, Sebastião Mabote, Jacinto Veloso, Mariano Matsinha, Xavier Salila, Joaquim Munhepe, Mateus Malichocho, João Phelembe, Joaquim de Carvalho, José Mosane e Graça Simbine, são os filhos da pátria moçambicana que há 31 anos, num frente a frente na “State House” em Lusaka, na Zambia, confrontaram-se com a delegação portuguesa liderada por Mário Soares para a assinatura do memorando que ficou conhecido nos anais da história por “Acordos de Lusaka”.

Volvidas três décadas da assinatura dos Acordos de Lusaka, um memorando de entendimento que pôs fim à guerra travada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a dominação colonial, o povo moçambicano ainda continua refém desse acordo assinado há 31 anos, em seu nome. Não obstante a data ser comemorada anualmente com pompa e circunstância, os que comandam os destinos da nação moçambicana, nunca lograram sequer pronunciarem de forma clara e ampla sobre as cláusulas deste acordo, até hoje, mergulhado naquilo que se chama de “segredo de Estado”. Estamos a falar do “acordo militar”, ainda não tornado público, mas que no decurso das negociações em Lusaka, constituiu o prato forte.

De acordo com o veterano da Frelimo Mariano Matsinha, um dos que constituiu a delegação moçambicana em Lusaka, “o Acordo de Lusaka é de domínio público, contrariamente ao Acordo Militar que se encontra nas mãos do governo do dia, e, sem ainda data para a sua publicação, de acordo com as parcas informações que diz ter.

A não publicação do referido documento até à data, é de acordo com palavras de Mariano Matsinha, é fruto de compromissos assumidos entre as duas delegações que estiveram reunidas na “State House”.

“Realmente trata-se de um documento importante para se compreender o processo em si, dos Acordos de Lusaka, mas o importante naquela altura era o reconhecimento por parte de Portugal que nós tínhamos direito à independência. Infelizmente não participei na discussão do “Acordo Militar”, e nem sei quais são as cláusulas plasmadas, mas acredito que os portugueses tinham as suas razões em pedir para que não fosse publicado, face à situação em que se encontravam.

O documento está guardado a sete chave pelo governo. Não conheço o seu prazo, mas acredito que a breve trecho será tornado público”, explicou o veterano da Frelimo.

A uma pergunta do ZAMBEZE sobre o cumprimento ou não das cláusulas dos Acordos de Lusaka, Matsinha garantiu que tudo até aqui corre (u) de feição e não há nada ainda por cumprir, tendo acrescentado que tudo quanto está plasmado no acordo de Lusaka, excepto o Acordo Militar é do domínio público e não sofreu alterações e nem omissões.

Hoje, passados 31 anos da assinatura dos “Acordos de Lusaka”, Mariano Matsinha, ora reformado da vida política activa, faz um balanço positivo sobre os mesmos acordos, sobretudo ao período em que o governo de transição tomou os destinos da nação moçambicana.

“Faço balanço positivo do governo de transição, pela coragem e determinação. É de louvar a coragem dos nossos homens que depois do cessar-fogo tiveram coragem de cair no quartel-general dos portugueses. É óbvio que os portugueses já não tinham muitas alternativas, porque o grosso já não queria continuar com a guerra. Mas nesse período, assistiu-se a distúrbios e sabotagens por parte dos portugueses e nós agimos com muita paciência, refere o veterano da Frelimo.

Recuado no tempo, como que a fazer o rescaldo dos acontecimentos, o nosso interlocutor referiu que a assinatura dos Acordos de Lusaka foi o culminar de um processo que iniciou com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974.

Foi assim no dizer de Matsinha que dois meses antes da assinatura dos Acordos de Lusaka, em Junho de 1974, as delegações moçambicana e portuguesa, chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, respectivamente se encontraram pela primeira vez em Lusaka, mas sem no entanto se atingir os seus objectivos.

O interlocutor explica da seguinte forma: “A Frelimo ia com um poder máximo para negociar tudo, enquanto os portugueses apenas pretendiam assinar o acordo sobre o cessar-fogo, deixando tudo em suspenso. Estas foram algumas das dificuldades que tivemos em Junho, dai termos em conjunto elaborado um documento no qual informamos a Portugal que tínhamos negociado mas que ainda não se tinha chegado a um acordo definitivo. Eles por exemplo não sabiam qual era o destino a dar às colónias. A delegação Portuguesa de Junho não tinha poder. O poder político e militar estava nas mãos das forças armadas daí que mais tarde a Frelimo teve que encetar negociações secretas com o movimento militar, na Bélgica, Argélia, Tanzânia, entre outros países. Em linhas gerais, nós educamos os portugueses que era preciso resolver o problema das colónias. Enfrentamos outros percalços porque o general António Spinola continuava amarrado a ideias de federalismo porque tinha esperança que as suas ideias iam vingar.

Ainda sobre os acordos, nós já tínhamos comunicado aos nossos camaradas sobre a data e a hora da entrada em vigor do cessar- fogo e nessa altura os nossos homens já estavam nos quartéis portugueses, e enviamos Alberto Chipande para o quartel general Português em Nampula e depois para Lourenço Marques para restabelecer o processo de paz e evacuar as tropas portuguesas”, explicou.

O nosso interlocutor acrescentou que depois das manifestações havidas depois do 7 de Setembro de 1974, houve uma pressão em Portugal para se parar porque caso os reaccionários portugueses continuassem com os desmandos a guerra iria continuar.

A rematar, Matsinha que manteve dois dedinhos de conversa com a equipa de reportagem disse sentir-se lisonjeado por ter feito parte da delegação das negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Lusaka e explica porquê: “Moçambique hoje tem um grande prestígio a nível mundial, contrariamente ao tempo colonial em que eram vistos como deslocados de guerra. Por outro lado, sinto-me prestigiado por ter vivido e sentido o peso do período colonial (o racismo, a humilhação, entre várias dificuldades) dai ter uma experiência especial”, salientou.
Celso Ricardo

07-09-2005

Independência do Brasil

Passa hoje mais um aniversário da Independência do Brasil.
Ao povo irmão as minhas felicitações
Fernando Gil
Hino da Independência
Musica: D. Pedro I
Letra: Evaristo da Veiga
Já podeis da Pátria filhos
Ver contente a mãe gentil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Houve mão mais poderosa
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Não temais ímpias falanges
Que apresentam face hostil
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Vossos peitos, vossos braços,
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Parabéns, ó Brasileiros!
Já com garbo juvenil
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Do universo entre as nações
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil

7 de Setembro - feriado, Dia da Vitória

Foi a 7 de Setembro de 1974 que se assinaram os Acordos de Lusaka, que consagraram a independência de Moçambique.
Reunidas em Lusaka de 5 a 7 de Setembro de 1974, as delegações da Frente de Libertação de Moçambique e do Estado Português, com vista ao estabelecimento do acordo conducente a Independência de Moçambique, acordaram nos seguintes pontos.
1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do Povo de Moçambique a Independência, aceita por acordo com a Frente de Libertação de Moçambique a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
2. A Independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.

IMENSIS - 06.09.2005

Foi há 31 anos...

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Reveja:
Nota: Foto cortesia de AVM

03-09-2005

DOIS NOVOS LIVROS

MEMÓRIAS DA GUERRA EM ANGOLA
O Despertar dos Combatentes
AUTOR Joaquim Coelho
EDITORA Clássica
384 págs.

O grosso volume "O Despertar dos Combatentes - Fotos com estórias em
Angola" é o resumo de uma série de rascunhos que o militar Joaquim de
Sousa Coelho escreveu durante os primeiros anos da guerra colonial,
na década de 60, ficando assim como testemunho de uma época.

O autor procurou trazer mais luz para "aqueles anos de angústia e de
sofrimento" em que dezenas de milhares de jovens portugueses seguiam
anualmente para África, de onde alguns nem sequer voltavam. E fê-
lo "em memória dos que morreram como heróis inocentes e dos
estropiados do corpo e da alma", recordando que "ainda estão por
resgatar algumas centenas de corpos dos combatentes que o Poder
renegou e que, por falta de dinheiro para os trasladar e entregar às
famílias, ficaram enterrados nos tocais mais recônditos".

Trata-se do primeiro livro de uma anunciada série de três sobre o
quotidiano dos soldados em Angola, Moçambique e Guiné, os três
teatros da guerra que se travou de 1961 a 1974 e que muitos dos
portugueses com menos de 35 anos não sabem hoje o que teria sido,
apesar de ela haver afectado seus pais e outros parentes. Navios como
o Vera Cruz e o Massa andavam então em viagem constante do Tejo para
os portos africanos, a transportar carne para canhão arrancada das
lavras e oficinas, para defesa de uma política que acabou por se
revelar impossível.

Os dias de terror de Março de 1961 no Norte de Angola estão bem
documentados nas fotografias com que Joaquim Coelho ilustra este
impressionante documento, sobre tudo o que se passou em Damba,
Maquela do Zombo, Nambuangongo e tantos outros lugares que antes do
25 de Abril povoavam o nosso imaginário.

Meios de transporte insuficientes para tanta tropa, comida e bebida
por vezes escassas, quando se estava no mato, armamento inadequado -
tudo isso é denunciado por este homem, natural de Penafiel, que
esteve na Força Aérea Portuguesa e nas Tropas Especiais de
Intervenção, havendo colaborado como repórter fotográfico com o
jornal diário Província de Angola e com a revista semanal Notícia, de
Luanda. Para que a memória perdure e se consigam esconjurar os
fantasmas de um passado recente. JORGE HEITOR


ESTÓRIAS EM LUSO-QUIMBUNDO
Macandumba
AUTOR José Luandino Vieira
EDITOR Caminho 184págs.,

Acaba de ser publicada na Editorial Caminho uma reedição de três
estórias de José Luandino Vieira, inicialmente publicadas em 1978,
sob o título "Macamdumba", para ficarmos a conhecer melhor a obra de
quem julgou ser possível a simbiose entre uma língua europeia e o
quimbundo, do grupo banto.

O sapateiro-andante Pedro Caliota, os brancos de baixa condição, os
cabo-verdianos, os naturais de São Tomé e, sempre, sempre, a gente
dos musseques, os bairros de areia grossa da periferia de Luanda, são
os protagonistas destas estórias sobre a paradigmática década de
1960, quando os povos de Angola pegaram em armas para acabar com a
colonização. Escritor de leitura extremamente difícil, válida
sobretudo como documento de uma época, sinal de revolta, Luandino
(nome de adopção) dá-nos aqui o retrato do tempo em que ainda não
fora possível alfabetizar devidamente as populações e que por isso
mesmo elas tinham de fazer uma ginástica tremenda entre o falar dos
seus pais e a língua do colono.

O contista que se começou a revelar no fim dos anos 50 e que escreveu
o seu primeiro romance em 1961, precisamente o ano em que começou em
Luanda e no Norte do país a luta pela independência de Angola, foi um
dos primeiros e quiçá um dos últimos a usar em grande escala
expressões em quimbundo pois que os novos poderes viriam a
privilegiar claramente o português.

A crioulidade e o hibridismo são coisas patentes na autêntica ponte
entre dois continentes que é a escrita deste autor de 11 livros
essencialmente dedicados à cidade que o viu crescer e onde foi
durante largos anos uma figura de proa da intelectualidade. As
estórias que ora nos são dadas sob uma bela capa de António Ole já
tinham conhecido, pelo menos, edições em 1978, 1989 e 1997,
designadamente em braille.
JORGE HEITOR - PÚBLICO - 03.09.2005

31-08-2005

Marcelo, os judeus de Gaza e os retornados do Ultramar

     Na habitual conversa com Ana de Sousa Dias, na RTP, no último sábado, Marcelo Rebelo de Sousa, que apostou, de novo, forte, na candidatura de Cavaco Silva, vaticinando-lhe uma vitória que nem Manuel Alegre nem Mário Soares, a candidatarem-se, serão capazes de evitar, criticou algumas das afirmações do fundador do Partido Socialista, ao responder ao entrevistador António José Teixeira, relativamente à displicência com que aquele encara a necessidade de o futuro presidente da República possuir vastos e bem alicerçados conhecimentos de economia, lembran­do, a propósito, Marcelo, ter dito, Soares, que não tinha culpa de estar com 81 anos, retorquindo-lhe que também, os portugueses, nomeadamente os eleitores, desse facto muito menos culpa têm -ressaltando as condições exigidas para que alguém possa ser proposto à mais elevada magistratura da Nação - exíguas, na verdade, e até ridículas, diremos nós.
     Tempo, ainda, para comparar a saída, à força, dos judeus, pelas tropas israelitas, dos colonatos onde viviam desde há 38 anos, aí fixados, estimulados, incentivados e ajudados pelos diversos governosque sempre acreditaram na construção de um Grande Israel bíblico, e consideravam, os territórios,historicamente parcelas que cumpria anexar em definitivo - contra evidências, violências, ventos, emarés - tal qual aconteceu aos pejorativamente acoimados de "retornados" das antigas ProvínciasUltramarinas Portuguesas.
Esqueceu-se, Marcelo Rebelo de Sousa, que, jovem estudante, visitou o Ultramar, era, seu pai,governador-geral de Moçambique - e o general Kaúlza de Arriaga, comandante-chefe das ForçasArmadas - de explicar em que é que é comparável a situação e a odisseia de uns e de outros.
Há diferenças abissais.
Ainda ninguém se dispôs a fazer uma digressão histórica comprovatória de que os territórios, ditoslusos, eram, antes da chegada dos navegadores, países organizados, com língua, com fronteiras, comum vínculo que unisse regulados, sobados, clãs, e muito mais, sem falar em estruturas básicas, inclusive invocando-se, amiúde, a escravatura -foram os portugueses a acabar com ela, em primeirolugar, em todo o mundo (e o Padre António Vieira, nisso, foi pioneiro), assim como com a pena de morte, nessa análise, avultando a factualidade da época, a gesta protagonizada à sombra da Dilataçãoda Fé e do Império, sendo, os portugueses, os mais benignos, os mais humanos, os mais solidários, osmais respeitadores, os menos rapaces, dando, aqui, lições à Inglaterra, à Itália, à Alemanha, à Holanda, à França, à Espanha, aos Estados Unidos da América.
     Na comparação ao episódio da expulsão dos hebreus de Gaza. há. na realidade, similitude, até naintervenção das forças judias contra compatriotas seus, no respeitante ao comportamento dosmilitares portugueses, que em nada ficaram desfavorecidos na brutalidade, na desumanidade, na obediência cega a chefes que ora, anchos, com o país a arder, alcandorados a principescas mordomias e reformas chorudas, vêm crescer as panças, num culto vesgo a Epicuro, a Sade, a Dionísio, ao Ventre, morada, oirescente, do seu Deus, segundo os moralistas do velho Lácio.
Os judeus, extraditados, não regressaram de mãos a abanar.
Os portugueses vieram com uma mão à frente e outra atrás - não ao cabo de 38 anos, mas de mais de5 séculos! -, e continuam, vítimas inocentes da cupidez, à margem do que lhes é devido, entregues ao Deus-Dará, ostracizados na página mais negra da História de Portugal - à espera que, um dia, já nooutro mundo, se faça justiça.
A História, às vezes, repete-se.
Vergonhosamente.
Tristemente.
Soando lugubremente, o aviso de Camões, saciado, à míngua, pelo escravo Jau, a ferretear osprotagonistas desse crime:
- "Entre portugueses, traidores houve (há) algumas vezes".
Francisco Junqueira
JORNAL DE MATOSINHOS – 26.08.2005

24-08-2005

Homenagem prestada a militares portugueses na África do Sul

Brochura_1 Brochura_2
Homenagem04Homenagem02_2
Na homenagem prestada a 23 de Agosto passado a Francisco Daniel Roxo, José Correia Pinto Ribeiro e a Ponciano G. Soeiro, na presença de muitas dezenas de pessoas, Adelino Serras Pires afirmou:
..."Durante dois anos, "Carnaval" (Pinto Ribeiro) e eu fomos camaradas numa unidade especial lutando juntos. Como sabem estes três homens figuram nos livros do Coronel Jan Breytenbach. Eu também escrevi um livro, publicado em Nova York em 2001 e traduzido para português no ano seguinte em Lisboa por Betrand Editora em que eu digo, entre outras coisas, que "Carnaval" foi o guerrilheiro mais corajoso que conheci. O título do livro é VENTOS DE DESTRUIÇÃO. A Co-autora, Fiona, a minha mulher, está aqui presente. Foi oficial das Forças Armadas Sul-Africanas de 1976 a 1982, servindo na Iteligência Militar.
Em nome de todos, gostaria de expressar a nossa profunda gratidão a Manuel FERREIRA, Paul ELS, Steven DUNKLEY e a todos aqueles que contribuiram para esta homenagem.
Finalmente, honra é feita a estes três homens valentes, agora libertos da desonra de campas rasas. ROXO, SOEIRO, e RIBEIRO agora podem descansar em paz. Nunca serão esquecidos."
Na cerimónia estiveram presentes militares, imprensa portuguesa, diplomatas e outros, sendo a patente mais alta o General Fritz LOOTS, ex-comandante em Chefe das Forças especiais e, mais tarde, o Chefe da Inteligência Militar sul-africana.
Em imagens a brochura sobre a homenagem e fotos da cerimónia.(Click nas imagens para aumentar o tamanho)

21-08-2005

Correspondência de JC na internet sem revisão ortográfica

Devido ao seu grande interesse histórico-etno-linguístico, transcrevo:
Correspondência de JC na internet sem revisão ortográfica                    Enviado: 7/8/2005
(Correspondências online) – Resposta de João Craveirinha (JC) à  carta de um amigo investigador histórico…e molungo da Beira…
JMC escreveu:
Caro Amigo

grato pelas explicações a propósito de makwero.

Por acaso sabe-me dizer em que ano é que os britânicos conferiram o título
de "Sir" a Samora Machel?

Um abraço,

JMC…………………………………………………………………
(Resposta de JC) Meu caro JMC,
Essa do Samora Machel, SIR…é uma novidade para mim. Ainda se fosse ao Chissas...mas vou investigar...de facto algo me soou sobre isso na altura dele em vida…mas como a propaganda era rainha na altura…sempre duvidei… mas a ver vamos…
Post scriptum: A propósito ainda do prefixo MA nas palavras baNto (gente /pessoas)...
Regra geral, todas as palavras em "ki baNto" começadas em ma ou ama  são prefixos no plural (a esmagadora maioria das palavras da África Austral seguem esta regra)...ex. – em suázi e zulo : amassuáti ou amazulo = os suázis ou os
zulos...maShangaan, maRonga, maSena, máTsuá ( e vaTswa ou vaTsuá)... maNdao, maNguni, maShona, maChope, maGoerre, muMadji, xiColonhi (3 formas para português de Portugal)…os “brancos” nascidos em Moçambique tinham outro nome idiomático nativo (tipo código), face à influência (grosso modo) que tinham da África do Sul bóer em LM e influência da Rodésia os da Beira e Vila Pery…aliás como sabe
perfeitamente…ao que me refiro…
A norte do rio Zambeze em Moçambique o prefixo MA podia mudar para outro tipo de variação lexical do plural...face aos neologismos e arabismos adaptados... via suhaili…
No entanto mais correcto seria o prefixo Va / Ba plural de Mu (derivado de munto = pessoa = GENTE (baNto plural) como a si mesmos se intitulavam os africanos da África Central a Sul, antes da invasão europeia (mais significativa além da árabe)...o conceito de "branco /negro (amarelo), para a cor aproximada da
pele …não é conceito original africano (nem asiático)...deriva do preconceito eurocêntrico do mundo e da presunção de detentores da “luz branca divina superior” e do negro das trevas imerso na escuridão filho do diabo…e da maldição de Caim… "é uma "invenção" judaico - cristã - árabe, herdada pela Europa e introduzida e adaptada em África (e no mundo tbm), para justificar a escravatura como medida “profiláctica” de " trazer os cafres negros (selvagens - infiéis) das trevas da escuridão negra à Luz branca Divina do Deus comum de Abraão... por aproximação do mais claro se transformar em branco e o mais escuro em negro - preto...daí invocando uma legitimidade espiritual / religiosa (apesar de económica) de onde  surgiria o conceito antes do preconceito aos dias de hoje...base do racismo "dos mais claros"...no mundo inteiro…há séculos…é História e a crua realidade actual…só exorcizando esses fantasmas se alcança a fraternidade e sã convivência…não será negando como a avestruz…para bom entendedor não é necessária nenhuma palavra…eheheh…eheheh….ao contrário do aforismo da meia palavra (só nos pés como diz uma amiga minha, a meia)…ehehehe eheheh
Do termo árabe Bilad al Sudan (árabe)  daria a palavra Sudan / Sudão... provém de <: terra das trevas ou por outra ; terra dos negros...e a ela Omar sobrinho do profeta Mahome se teria referido , com desprezo, (após a morte de seu tio Profeta em 632 d.C) no início da Djiahde expansionista políticomilitar e económica em direcção à Índia 1º ): No entanto Mahome com algum carinho se teria referido ao maGribe / Magreb (a ocidente para os árabes – no norte de África ainda em poder dos vulgo negros) do maGribe ser uma das portas do Paraíso (na terra)...
O verdadeiro nome do Sudão anterior à invasão árabe era o reino da Núbia aliado  do reino de Memphis dos Faraós do antigo Egipto...
...não se confunda mo – Lungo com branco europeu ou mais claro…a palavra moLungo (mulungo) provém da palavra Deus (Grande Espírito) em kiBanto na África Central como no Kongo ou em Angola / e passou a querer dizer senhor e kuLunga algo positivo...xiLunguile = está muito bem…divinal….
Curioso o caso Moçambicano: - antes da chegada dos "senhores europeus, brancos", moLungos (senhores) -, eram os "reis e chefes" locais "negros"....mas estes ao serem dominados passaram a ser os brancos os "molungos de 1ª "...associando-se o termo à cor da pele muito mais clara dos colonos europeus....séculos mais tarde com a Independência em Moçambique a palavra regressou à origem...
Hoje em Moçambique moLungo  aplica-se a qualquer fulano com poder económico e ou político, independentemente de ser mais escuro ou mais claro...deixou de estar tão associada (de novo), à cor mais clara da pele do colono europeu da era colonial...a baixa de Maputo era chamada de xiLunguíne como  o local dos senhores e por analogia dos senhores brancos....em 1ª análise molungo nunca quis dizer somente "branco" mas –, senhor = master ...e como eram os brancos" então se fez "short cut" : - molungo = branco mas subentendendo-se o senhor = ruler, antes do prefixo MO or MU....singular masculino...ou indefinido para o feminino...como vê o racismo institucionalizado sempre teve remetente…o resto é mesmo preconceito eurocêntrico…
Bem meu caro por hoje é tudo.
Um abraço
JC
De: Joaode1
Enviado: 7/8/2005 01:17
Reenviado do LM /Maputo site retirado do
mocambiqueonline yahoo.groups
1 / 2 Correspondência de David Matsinhe do Canadá com João
Craveirinha sobre etno-História de Moçambique
"David M. Matsinhe" escreveu:
Dear JC,

Acho a sua resposta em si e interessante. E bem possivel que o Soshangana
tenha sido descendente de "ronga antiga", como sugeres. Tendo dito isso,
de adicionar que por mais que assim tenha sido, de 1500 a 1800 existe um
"time span" de 3 seculos durante os quais os tais decendentes de "ronga
antiga" evolveram em direccoes politicas, sociais, psiquicas,
linguísticas e culturais diferentes. Nao manteram intacta a identificacao
"original" dos seus supostos ancestros, os tais "rongas antigos" de
que falas.

Isto so em si da legitimade ao problema sociologico que coloco: os
conquistadores liderados pelo Soshangane, vindos da zona de Zululand,
traziam consigo uma lingua, habitos e costumes que nao eram Tsonga ou
Ronga. Como membros de "ruling class," de certeza que o seu tecido
cultural e linguistico viria ser real e de poder -- da elite. Como
evidencia houve fertilizacao da cultura e lingua dos vencidos e
dominados.
Houve Zuluficacao da cultura dos Tsongas, como o caso concreto de Ngiyana (aquela coroa preta na cabeca). Nao interessa se o Soshangana era ou nao Zulu. Sabe-se que na corte real ele, os filhos (Mzila e Mawewe) e o neto (Ngugunyana)praticavam o "habitus" Zulu (lingua, costumes e habitos
culturais semelhantes aos dos Zulus de Zulunad). Ngugunyana e um termo
Zulu e significa "pequeno rei" ou "xi-hosana" em Tsonga ou Ronga.
Soshangana (como Mzilikazi) era um comandante das forcas do Shaka. Ambos eram Zulus. Soshangana era Zulu de clan Mtetwa. Os povos que se
estabeleceram nos locais chamados Swaziland e Matabelaland (no actual
Zimbabwe) sao todos descendentes dos Zulus -- ou melhor, descendentes dos que actualmente sao conhecidos pro esse nome.

O interssante e que em Matabelaland e Swaziland as praticas, costumes,
atitudes, lingua, cultura -- o "habitus" no seu todo daqueles povos e
identico ao dos Zulus de Zulunad. Se o Soshangana e o povo que lederava
faziam parte do povo lidederado pelo Shaka em Zululand, como os
"settlers" de Matabelaland e Swaziland, porque e que o reino do Soshangana, reino dos filhos, e reino do seu neto Ngugunyana -- porque e que as 3 geracoes successivas do reino dos ivasores (Soshangane, Mzila/Mawewe e Ngugunyana) nao foram "successful" em implantar o habtus semelhante ao Zulu habitus tal como aconteceu em Matabelaland e Swaziland? Que estruturas sociais e psiquicas existiram entre os Tsongas por um lado, entre os invasores por outro lado, e entre os Tsongas e os invasores por mais outro lado que impediram esse processo no Sul de mocambique? Para mim esse e um problema sociologico interessante cuja resposta depende menos em saber se o Soshangana era ou nao descendente de ronga antiga. Ele, bem como os Zulus, era Nguni.

E uma resposta que nao se poder lograr sem explorar as dinamicas entre os
invasores/dominadores e os invadidos/dominados. E preciso explorar os
processos sociogeneticos e psycogeneticos das cortes reais: do
Soshangane, do Mzila/Mawewe e do Ngugunyana; os processos sociogeticos e psicogeneticos das cortes subordinadas (dos invadidos e vencidos) bem como as resultantes emocoes que atraiam ou repeliam o dominador. Existe desde a independencia uma tendencia de romantizar esta historia como se a invasão do Soshangane tivesse sido "an embrace of love" ou interpenetracao sensual amorosa entre amantes. Esquece-se que o abate e captura do Ngugunyana foi recebida com festejos entre os Tsongas e Rongas. Esquece-se que as guerras dos Zulus na Africa Asutral nos anos 1820s chamavam-se "mfekani" (em Zulu) ou "difekani" (em Tswana), o que significa "esmagamento" ou "the great crash." Isso involvedou sangue, dor, tristeza, estigma, vergonha e outras emocoes melancolicas que as 3 geracoes do reino dos invasores não conseguiram reprimir. Isto tem que ser investigado. Ideologia de libertacao foi importante e serviu os seus fins de libertacao. Agora precisamos de fazer producao e tratamento serios da historia.
1/2. De JC a DM
Caro David Matsinhe
a) Please, estude a etno História da Suazilandia e leia o meu livro sff:-
Moçambique - Feitiços, Cobras e Lagartos...e o Romance semi-Histórico JEZEBELA…

b) ...o ronga antigo ou arcaico deu origem ao zulo e suázi (inguni) e
Soshangana não entrou vitorioso em 1818 mas sim derrotado fugindo de
Tchaca Zulo depois deste ter derrotado Zuid...cujo general do exército era
o mesmo Soshangana....fugindo assim como seu parente Mzilikatsi que daria origem ao 2º Bulawayao (lugar da matança) em Zimbábue e aos
Matabeles..Lobengula etc...(sogro de Gungu dos muitos que teve)... a
saudação laudatória ou o xitocôzélo real dos suázis Dlamines
(De-Lhamines)...actuais verdadeiros iNgunis faz referencia à origem Ronga
-Tembe e a dos feiticeiros...e desde o sec. XVI ao actual...a tradição
nacional da recolha anual das ameijoas (tinbatsana) na Catembe para
cerimónias mágico espirituais no Palácio real suázi...por altura do
Inquaya suázi...com o sacrífico de um touro e de um jovem emolado na pega
desse touro...( a recolha das ameijoas na caTembe faz parte da tradição
ronga arcaica e actual) apesar da influencia dos vencedores zulos em serem
"iNgonhamas" – leões comedores de carne os suázis mantém desde o ano de 1500 as ameijoas mas continuam a rejeitar o peixe por ser "Inhoca" - cobra...

c) - (aliás uma das várias fontes foram os suázis a confirmarem e o ancião
Moçambicano Daniel Nconwana...(na altura ainda vivo) e guardião da biblioteca da Missão Suíça em Marracuene), mas sobre esta matéria leiam o
livro e depois conversamos melhor senão estou em redundâncias cansativas
que me remetem a 1997 quando iniciei como pioneiro em semanários em
Moçambique até hoje as crónicas históricas no Demos e fui melhorando com novas pesquisas e abordagens...A resposta está na História Suázi assim
como o termo depreciativo shangana (não era nome de grupo étnico) que
quer dizer escravo guerreiro de Soshangana tal qual os Atchicundas na
Zambézia...o foram dos prazeiros mestiços de negro-goeses e portugeses e
os Bongas de Tete até de chinês de Macau...dariam origem aos sipaios...(para mais precisão ver livro Jezebela do autor JC)

d) ...em Gaza a maioria da população era vaLengue vulgo chope antes da
invasão por Pongola de Soshangana e seu grupo fugindo de Tchaca...em
1818...nada a ver nesta fase com o iM'Fecane...guerra de terror...

e) Essa confusão sobre os zulos e ingunis (quer dizer os grandes) é uma
confusão dos cronistas coloniais europeus exceptuando um ou outro...face à
derrota com os mutetuas (izulos) terem adoptado alguns aspectos da cultura
que os derrotou (como o caso dos Moçambicanos que se assumem fanáticos
benfiquistas ou de outros clubes de Portugal por avassalamento da força
dos portuguesismos culturais....eheheheh eheheh...) é sociologia e
psicologia de massas...imita-se e adaptam-se costumes dos vencedores...e
pode acreditar que Portugal venceu em Moçambique está aí a prova nos
futebóis e na RTPÁfrica e a RDP em sinal aberto arrumando com a TVM e a RM
estatais...ehhehehe...isto é provocação mas tbm triste realidade....melhor
rir que chorar...com esta ingerência à soberania de Moçambique...enfim...era o mesmo que a TVE espanhola ou AL Jazeera árabe fosse autorizada em sinal aberto em Portugal...nem a RTPÁfrica tem sinal aberto em Portugal (as privadas TVi e a SIC não deixaram e houve falta de vontade política portuguesa)...Moçambique continua a ser a região onde se vê mais a RTPÁfrica devido ao sinal aberto...e idem para a Rádio RDPÁfrica...que não se sintoniza fora de Lisboa...enfim...Angola não autorizou só por antena parabólica...restam STP, GB e CV...em sinal abertos...

f) Voltando a Soshangana ele era iNduandue (ramo dos Dlamines e aparentado a Mzilikatse) e não Mutetua...Soshangana estava subordinado a Zuid e não a Dinguinssuaio que era Mutetua e protegeria Tchaca... Dinguissuaio viveu anos entre os Tembes e Mpfumos e portugueses na Catembe e caMpfumo e na cidadela de Lourenço Marques...Baía da Lagoa ou Delagoa Bay à inglesa...em meados do sec. XVIII ( 1750/70)...debaixo da protecção dos rongas...que ainda detinham algum poder...sobre a Baía e os europeus...

g) ...se o meu amigo David maTsinhe chegar à casa real dos Dlamines na
Suázilandia entre os anciãos e dizer que ..."ni uma ca Tembe la va ku
loia"...vão-lhe chamar de príncipe e dar-lhe honrarias...(sobretudo em
(Nlhati) iN- lhate inkulo) ao contrário se disser que é shangaan vão -lhe
desprezar por lhe considerar descendente de escravos de seus
antepassados...e insultar-lhe...

h) ...É preciso atenção --- se existe preconceito do lado europeu em relação
ao relato da etno história africana existirá também do lado africano face
à distorção dos vencedores das limpezas étnicas...e os vencidos ocultarão
a sua derrota adoptando atitudes de assimilação e integração...ainda que
distorcidas......todos assim o fizeram na história universal...uma questão
de sobrevivência psicológica...colectiva...

i) ...e-x. o caso dos indaos shangaans contra os vaLengue (chopes) na era
Gungunhana ...shangaans não representando a linhagem directa mas sim dos
avassalados e das mestiçagens inter étnicas por violação...neste caso
avassalados dos ingunis...

j) ...só para terminar os primeiros shanganas a sério foram os indao/shonas
avassalados por Soshangana em Sofala e mais tarde por uMuzila seu filho em Manica...razão pela qual se encontra sepultado em Udengo onde os da Renamo (de liderança maioritária indao/shona) faziam cerimónias em sua honra durante a guerra civil...os cerca de 100 mil indaos shangaans com Gungu a chefiá-los ao invadirem Gaza de maioria vaLengue na altura, arrasaram tudo à sua frente com o beneplácito das autoridades coloniais lusas...que no Sul do Save além dos rongas de Zixaxa e dos Mazuaias (Magaias) e antes de Amule e Hassan, pai, avô e bisavô de nuáMatibyana (maTidjuana desterrado nos Açores) respectivamente..
k) …dizia, os coloniais lusos temiam a bravura dos vaLengues e dividir para reinar deixaram os vaNdao de Gungunhana e os poucos e já velhos ingunis restantes de seu avô e pai fazerem o trabalho sujo de limpeza étnica culminando com o massacre de Binguane Mondlane (Mond-lhane) no seu Kokolo (sede) e a violação de suas cerca de 700 mulheres pelos guerreiros vaNdao de Gungunhana...na proporção de 1 muLengue para 10 indaos...em Mandla - inkazi...o processo de avassalamento ou de shanganização forçada dos vaLengue (chopes) teve início para sobreviver ...gerando ainda hoje muita confusão de identidade entre os clãs vaLengue dos Mondlanes (Macambanes), Massangos, Muguambes, Langas, Macuacuas, Nhantumbos, Macheles, Manaves, Zandamelas, etc..etc....uma das formas de avassalamento forçado era a cerimónia do iNquaya que consistia numa iniciação de jovens vaLengue (chopes) capturados em canibalismo ritual preparado com coração de criança e um touro...mas isto tudo está no meu livro...os indaos até hoje dançam o genuino iNquaya e não a adulterada maQuayela vinda da África do Sul com influências do "step" euro-afro - norte anmericano importado na década de 30 /40 pra a África do Sul através do cinema e introduzida em Gaza e caMpfumo nos anos 1950 pelos magaízas que vinham do Jone das minas do Rand...Os indaos terão sido dos primeiros em Sofala e Manica a praticarem a iniciação forçada do iNquaya na era de Soshangana e Muzila e continuada por Gungunhana.

L) Caro dDavid Matsinhe, Não se esqueça que o zulo e o suázi (inguni) provém do ronga arcaico e assim em espiral recuando no tempo....aos baCongos, baLubas e Hutus...na África Central...como aliás já citei...para isso a hermeuneutica baNto é auxiliar valioso na linguistica...sem contar com as análises ao sangue...culinária...danças...etc...hoje com os testes na
genética do ADN é mais fácil chegar lá...mas mesmo na década de 30 foram
feitos estudos comparativos do parentesco dos povos do Sul de Africa
...Moçambique incluído...

isto tudo conto nos meus livros...

m) Eu não pretendo entrar em debate sobre este tema ...leia o meu livro e
tire as suas ilações...não tenho mais disponibilidade e é uma perda de
tempo eu repetir o mesmo desde 1997 e descrito no livro fruto de muita
pesquisa e recordações de criança com os anciãos...aguardam-me 3 livros
que tenho entre mãos no PC...e entregá-los até Setembro um dos quais com
CD musical...e poemas épicos...sobre a nossa etno história...ao abrir
excepção a si acho que pequei pelo aspecto didáctico de querer transmitir
algo...ao contrário de muita gente que não fornece pistas grátis como o
fiz de boa fé...daí a ter de me remeter ao silêncio...pois os meus livros
assim me obrigam...sairam 3 livros este ano faltam mais 3...para prefazer
6...

n) Em achega: não existe isso de Tsonga...foi uma forma cómoda de "enlatar" todos dentro de um conceito étnocentrico...sobre a atribuição errada da origem dos nomes dos povos a sul de África consultar o livro sobre a
Educação em Moçambique do filósofo Moussam...e Prof. Universitário na
Suíça Severino iNGoenha (também Mondlane ...pronuncia-se mais ou menos Mond- Lhane)...não existe o som exacto em português...

o) ...mais...os Zulos não surgiram como um grupo étnico mas sim nome de um pequeno de clã de pastores entre os mu - Tétúas que se autodenominaram a si mesmos de filhos do céu ...Izulo originando ZULO...(em ronga arcaico e
actual diz-se Izuluine para se referir a celeste)...

p) A origem do shangaan - idioma hoje (antes dialecto) deriva da fusão do
ronga arcaico (inguni - suázi) com o xiLengue (chope) e indao de Manica e Sofala...não se esqueça que antes da invasão de Soshangana o termo shangaan não existia...mais tarde passou a ser insultuoso (como ainda o é entre os suázis ingunis)...mesmo os portugueses passaram a ser chamados de shangaans pelos velhos ingunis de Gungunhana (ver livro Africa de Antonio Enes) em que Sanches de Miranda no Caniçado - HLanguene - pede ao Comissário Régio que o exército português entre duro contra os cafres "vatuas (!?!)" de Gungunhana pois os cafres(selvagens) já diziam que os portugueses também eram machanganes deGungunhana (isto é vassalos - submetidos) ...pela passividade na expectativa...aguardando ordens de avanço...contra Chaimite...e o Gungunhana...

q) O nome ou alcunha iNgungunhana provem de gungunhar - ku gungunha (som onomatopaico)...pois segundo a tradição Gungu...quando miúdo em Manica /Zimbabué ele com o induco partia as bilhas dos súbditos do pai por
maldade...(leia o livro)...

r) Por hoje chega e não haverá mais...ehehehehe eheheh senão terão de me
pagar meus honorários...ehehehe ehehehe...pois estas aulas grátis me
cansam por serem repetitivas...e na net em directo pior cansam -me a
memória...em directo sem recorrer ás minhas fontes e apontamentos
...disponíveis...na minha modesta biblioteca...e sem revisão / correcção ortográfica…

So long,
Best regards...
JC

( p.s. 1/4 ) ...caro Matsinhe pergunte a seus avós de onde veio a palavra
Matsinhe...mesmo que não goste veio dos rongas Tembes...ehhehehe
hehehe...a palavra ronga não quer dizer gente ou tribo na origem mas sim
provem de vudjonga..poente onde nasce o sol...tal qual Lengue quer dizer
um ponto cardeal)....a origem dos nomes étnicos, apelidos de família,
provem de alcunhas ou títulos normalmente...e quase que é
universal...válido para África, Ásia, Oceânia, Ameríndia, Europa....é o
facto comum da Antropologia...por exemplo Tchaca vem de iTchaca =
escaravelho...do calendário muTétúa...

p.s 2/4 ) Desculpe meu caro, sem desfazer sua prosa, mas em relação a seu texto até
que me deu dor de cabeça pela embrulhada histórica ...e eu tentar
desemaranhar a teia toda embrulhada...confesso que desisti...

Como deve saber ...há séculos...os maTsinhe migraram da caTembe para Gaza e Inhambane (terra dos Nhambes)...e demonstraram ser bons conselheiros (kuTsinya) e de Tembes passaram para maTsinhes...isto anterior à existência dos Zulos como potência regional...provavelmente nos inícos do sec. XVIII quando os portugueses e outros europeus e mais tarde os
baleeiros norte-americanos prestavam ainda vassalagem ao rei Mpfumo e
Tembe na baía do Mpfumos ( reis)...está documentado...

p.s 3/4 ) ...Outra coisa Soshangana poupou os rongas por respeito à origem comum ancestral ...e seu filho uMuzila pediu ajuda em termos familiares ao rei ronga Mashakene Mpfumo na sua residência no local onde hoje é a Igreja Anglicana na av. 24 de Julho perto do ex MK actual "Franca"...

....como sabe os africanos tem por base espiritual a ancestrolatria...o
culto dos antepassados...e mesmo Gungunhana era aliado dos rongas por tal
acolheu Magaia e uãMatidjuane em Chicomo (Gaza), como refugiados políticos e não os entregou até ao último momento dando o pretexto a Mouzinho de Albuquerque e sua gente a avançarem contra Chaimite ao contrário de Antº Enes a caminho de Portugal no seu navio...que queria uma solução política e pacífica em princípio...

p.s 4/4 ) Uf...vaya faena...eehehehe... que trabalheira de resposta....e dor de
cabeça....over time mesmo...tenho de cobrar horas
extras...ehehehehe...eheheheh...se eu fosse americano quanto valia Mr Matsinhe? eehehehe heheheh I' am joking....
p.s, penso que correcto seu apelido seria Matsinha derivado de ..."la va
ku tsinya"...os que aconselham ou conselheiros...de Tsinha mais Ma
...Matsinha...bem não é importante....forget please...
Amanhã não há mais....tenho de voltar ao trabalho que não é pouco...

Best regards
JC (João Craveirinha)

....................................................................................
Última resposta de DM do Canadá a JC sobre etno-História
2/2 - David"David M. Matsinhe" <dmmatsin@ucalgary.ca> escreveu:
Estimado JC,
Claro que e cansativo ter que leccionar na net, particularmente quando se
trata de temas complicados como a historia da africa do sul que neste
momento encontra-se penumbrosa (it's fusy) para muitos de nos. Sou o
primeiro a admitir que my knowledge desta historia is very poor. Procurei
fontes ricos de que podia me beneficiar. Mas muitos deles sao inadequados.
This exchange is helpful porque tenho muitos gaps por preencher. 
So I
apprecite your time and effort to let your knowledge flow on our computer
monitors. As an act of recognition and appreciation of your dedication to
escavate our history I'll buy ALL, and I mean ALL, your books. I'll buy
them also because I value knowlwdge. So thanks JC. The exchange was
fruitful. It may have been annoying to you. But trust me when I say it was
fruitful not only for me, I think, but also for many of us who bother to
read what's posted in mocambiqueonline. I wish you the best in your
research projects. Buy the way, whenever you happen to pass through
Canada

please let me know. And do you mind adding me to your mailing list, if you
have one? Finally, I will not quote you, as you wish, and I will not
plegiarise. Trust me. I take these things seriously myself. When I cite
I'll do so from your books. 
And I'll do it strictly apropriately.
Regards,
David
2 / 2 – última Resposta de JC a DM do Canadá…
Meu caro David Matsinhe,
Caro e ilustre David Matsinhe uá Tembe, la va ku Tsinya (ma - Tsinya), la va ku loya (linhagem dos Tembes feiticeiros do princípe Ingoanaze a uã Djikiza),
Grato pelas suas inquietações online, sempre que as vejo de boa fé tento contribuir no que posso face às nossas trevas no ensino da nossa própria História ...antes e depois utilizadas para fins de "preconceitos" políticos dos regimes no Poder quer colonial quer nacional...
...Sem dúvida seu contacto encontra-se no meu email list desde a sua 1ª abordagem...e Canada (Toronto e Vancouver e agora Calgary...eehhe, estão no meu roteiro de viagem)...talvez next year...
Sabe, o esforço de memória apesar de não ser 100% é sempre compensado porque na transmissão de algum conhecimento alguma coisa fica e esse esforço me põe bem comigo mesmo por ter deixado pistas a outros que investiguem melhor e com condições que não tive...simplesmente fruto de meu interesse herança genética de meu pai que foi professor particular de muita gente para auto-financiar seus próprios estudos... além de dar aulas ao próprio irmão que se tornaria poeta e jornalista laureado muitos anos e anos mais tarde...
Bem hajam os David's Matsinhes que pela sua "fome" de conhecimento das nossas origens  um dia irão trazer  mais luz às trevas que nos foram impostas por designios para não nos conhecermos pois em realidade somos todos em Moçambique uma grande família alargada de costas voltadas muitas vezes...e isso deve-se às guerras étnicas do Império de Gaza e dos Prazos do rio Zambeze, duas grandes guerras coloniais, de revoltas e mesmo da primeira guerra mundial ( do rio Rovuma ao rio Zambeze)...., cujos up and down's andaram a forçar mestiçagens inter étnicas baNtos e mesmo em alguns casos com gente de Angola, Cabo Verde, S.Tomé e  da Guiné Bissao para Moçambique sem contar com o contributo genético indiano de Goa e Europeu e Chinês e ainda vulgo mulatos do Brasil (em xi sena bebida alcoólica tbm se dizia catchaço trazida no rio Zambeze por esses ditos mulatos do Brasil)...e os Senas quiçá até podem reclamar no seu AdN sangue indonésio há cerca de 1000 anos...e malaio (?!) em Inhambane...sem contar o etíope do tempo de Bilkis rainha de Sabá (Ophir!?) do tempo de Salomão do Templo de Jerusalem e ainda sangue judeu (no povo original da Gorongosa), romano e árabe em Sofala e toda a costa norte da Quionga suhaili a Inhambane Cêu / Linga Linga das Baleias...ehehehhe...isto tudo um super melting pot sem contar com a primeira guerra civil Frel / Rena de 16 anos que misturaria o super misturado...AdN Moçambicano...com muito suor , sangue e lágrimas ainda hoje traumas não cicatrizados...por falta de acompanhamento psicológico a traumas de guerra e genocídio...O Acordo de Roma "escondeu debaixo do tapete"... e esses "Milandos de Um Sonho" um dia revelarão de ambos os lados o que realmente se passou...para além das propagandas...(me perdoe a boleia do título do livro de meu amigo Bassani Adamogí de Sofala / Beira / Maputo e Lisboa)....
..mas isso já demais para seguir online...
Best regards, Mr David Matsinhe, my country fellow,
João Craveirinha – JC
..........................................................................................
Caro Fergil,
Para agitar teu sensaborão final de domingo te reenvio (já com ordem cronológica), a minha Correspondência na net que anda por aí circulando sobre a ignorada Etno – História de Moçambique que vim a saber e para tua informação que neste momento sou considerado em Moçambique (nos meios académicos), como um dos especialistas Moçambicanos da Etno – História. Se isso me desse dinheiro estava milionário.
Já me tem pedido a reprodução de meus textos “vadios na internet” e às vezes não. Caso queiras utilizá-lo agradecia sem cortes ou amputações pois retiraria o sentido da fonte e cronologia da troca de correspondência que julgo ser útil aos possíveis leitores já de si mesmo muitos deles confusos. (A carapuça que sirva a quem a merecê-la). Mas é um risco sempre a correr. Neste caso por ser reprodução não posso intervir a replicar nada de nada. Não tenho tempo nem pachorra. “Aulas grátis online” e ainda refilanços? Porca miséria e mundo ingrato! Ehhehhh, ehehehehhh! JC.
NOTA: Mais uma vez grato ao João Craveirinha. Um abraço e obrigado
Fernando Gil

20-08-2005

Recordando Armando Magalhães de Morais

Quando penso nos colegas ferroviários que conheci e de que depois de vários anos de serviço para a mesma Empresa nos tornamos amigos, não posso de modo algum, deixar de referir o Armando Magalhães de Morais.
    Era um homem culto, de uma simpatia e sensibilidade fora do comum. Excelente funcionário então prestando serviço num dos mais difíceis Serviços dos Caminhos de Ferro. No Serviço de Movimento , na Repartição de Tráfego e Reclamações. Era um serviço difícil, dada a sua especificidade, pois era essencialmente de reclamações com as administrações vizinhas, S.A.R., R.R.. Z.R e CFM/CFB, no tráfego internacional e provincial de mercadorias, que se perdiam no trajecto, ou que haviam sido despachadas e tinham sido encaminhadas para destinos diferentes do que inicialmente eram manifestadas. Além do mais, era "chato", motivo porque poucos empregados gostavam de ali serem colocados.
    O Morais, com o Inspector Alegre, o Fernandes e outros, muito poucos, tinham de facto "um osso muito duro de roer".  Mas o que é certo é que aquele serviço andava quase em dia, muito certinho, e as reclamações lá iam  sendo resolvidas a contento dos reclamantes, expedidores e destinatários das mercadorias.
    O Morais, quer nas suas funções quer fora delas, era um autêntico gentleman, além de competente e de enorme honestidade.
    De  uma educação esmerada, de uma cultura fora do comum, era um homem muito atento à politica, estando bem informado não só pelas  publicações que lia, jornais, revistas e livros, como ainda pelas relações que mantinha com diversas  personalidades portuguesas e estrangeiras com quem por motivos de serviço ou de relações pessoais mantinha contacto.
    Era dos poucos em Lourenço Marques que recebia através do Consulado Geral da França, o jornal "Le Monde", um jornal de esquerda, que não podia circular livremente no País, pelos ditames do Governo, mas que lhe era entregue sempre que  possível.
    Estava, muito naturalmente, informado sobre a Política internacional e especialmente, o que mais interessava, sobre a  politica governamental do tempo e acontecimentos da Metrópole correlacionados com o Ultramar, com a guerrilha terrorista que então grassava sobre o mundo português.
    As suas relações com as diversas personalidades da oposição eram naturalmente cordiais, embora fosse um homem que nunca manifestasse os seus próprios sentimentos em relação a facções dominantes, quer situacionistas quer da oposição.
    Acreditava muito sinceramente numa independência de Moçambique, em que punha toda a sua esperança e chegava mesmo a afirmar que a Frelimo que fora chefiava pelo Dr Mondlane, seria o acontecimento de maior relevância para este País, caso viessem a confirmar-se as conversações de que então se falava entre alguns governos europeus, o nosso governo e a  Frelimo.
    A informação era veiculada pelo Le Monde e claro nem sempre confirmada.
    Era um pacifista. Dizia, as guerras nada resolvem. As guerras destroem. As guerras são o pior que pode acontecer aos países e são sempre de evitar a todo o custo. Nada melhor do que o entendimento. O diálogo.
    No Café Continental, reuníamos um certo numero de amigos e à volta da  mesa do café conversávamos sobre este tema, sobre cultura, politica nacional e  internacional, sempre observados por um certos personagens que sabíamos quem eram, mas que fazíamos por esquecer e ignorar.
    Na nossa mesa era normal  termos a companhia do Dr Filipe Ferreira, Advogado, Dr Barbosa, Médico dos C.F.M., o Armando Morais, o Dr José Afonso (Zeca Afonso), então professor do Liceu, nós e as nossas mulheres.
    Eram interessantes as conversas que tanto quanto era possível, andavam sempre à volta do mesmo tema: - a guerrilha, a politica nacional, as injustiças que a vida proporcionava em certas circunstâncias a alguns dos presentes ou amigos ausentes, ou conhecidos, e enveredavam quase sempre para o problema da insurreição vivida especialmente no Norte e que muita gente fazia por ignorar, o que a nosso ver era incompreensível e perigosamente insensato!
    Efectivamente a vida em Lourenço Marques, corria como se nada se estivesse a passar no Norte, Enfim, eram os tempos e não seríamos só nós a estarmos preocupados...
    O Morais era assim um amigo, que estava muito atento ao tempo que se vivia, um conversador que sempre ouvíamos com interesse e um bom conselheiro.
    Acreditava que Moçambique seria uma nação prospera e capaz de vencer as dificuldades, se houvesse bom senso, serenidade e conversações amigáveis, como  o fizeram outros países com as suas colónias, de entre as quais punha em destaque o Reino  Unido e a Bélgica!
   Acreditava nos homens de boa vontade! Era um deles!
   Tive de romper as nossas reuniões no Continental, por me deslocar, bem como a família a Portugal de licença graciosa, que há muito ía sendo protelada de ano para ano, por conveniência de serviço.
    À despedida, isto em 18 de Julho de 1974, o Morais aconselhou-me a regressar. Já tinha acontecido a abrilada e eu via o nosso futuro cada vez mais negro...
    Fiquei a pensar no conselho e respondi-lhe que certamente regressaria.
    A nossa filha mais velha, Gilda Maria, havia entretanto casado e para aproveitar  a passagem, a última a que tinha direito, veio connosco.
    Regressou mais cedo a Lourenço Marques. Entretanto escrevi uma carta ao Armando a quem perguntava se ainda acreditava na  Frelimo e se achava bem que regressássemos.
    A sua resposta foi quase imediata: "Venha, regresse, Moçambique precisa de si. Precisa de gente como nós! Venha e com entusiasmo repetiu, Venha.
     Os acontecimentos em Moçambique descambaram para o pior.
   Os militares, iniciaram o processo de entrega sem retrocesso. Deixaram de lutar. Queriam o regresso imediato. Estavam cheios de pressa!
    Em Lourenço Marques os movimentos pró-nacionalistas, prós integração e prós independência, infelizmente, não se entendiam.
   As manifestações contra e a favor eram constantes. Os provocadores iniciaram guerra aberta contra tudo que fosse europeu, tudo que não fosse negro. Aqui no Continente europeu, Portugal era um vespeiro! Ninguém se entendia. Uma lástima. Um descalabro. Quase uma guerra civil!
   E o Armando Magalhães de Morais?
   Minha filha deu-me a notícia!
   Bom o Armando Magalhães de Morais, o nosso honrado e querido amigo, soçobrou! Não aguentou toda esta guerra! Começou a tratar da sua saída para o regresso a Portugal. Definitivo! Desesperante! Indescritível! Humilhante!
   No dia do embarque, o Morais, que tanto acreditava e tanto amava Moçambique, suicidou-se!
    Morreu com a sua Pátria de coração!!!
    José de Viseu
Retirado de AVM, na net

08-08-2005

Brasil, Portugal e África

Em seu novo livro, Das Mãos do Oleiro, o diplomata, historiador e poeta Alberto da Costa e Silva analisa, numa série de ensaios, a história do mundo lusófono
ADELTO GONÇALVES - Especial para o Jornal Opção
Alberto da Costa e Silva: um cultor primoroso da língua
Pensar o Brasil, Portugal e a África de expressão portuguesa — essa é a preocupação que marca Das Mãos do Oleiro: Aproximações, novo livro de Alberto da Costa e Silva, 74 anos, ex-embaixador brasileiro em Lisboa, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e notável africanista que já nos deu A Enxada e a Lança: A África Antes dos Portugueses, A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700, Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África e Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos, todos publicados pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.
Embora o autor tenha incluído um texto de 1970 e outro de 1974, a maioria dos 19 ensaios e prefácios reunidos em Das Mãos do Oleiro foi escrita entre 1999 e 2004, o que forçosamente nos leva a concluir que constitui uma forma de balanço de uma vida dedicada a construir pontes de entendimento entre o Brasil e o mundo. Costa e Silva, que viveu em Portugal (por duas vezes), na Venezuela, nos Estados Unidos, na Espanha, na Itália, na Nigéria, na Colômbia e no Paraguai e viajou extensamente pela África, parece que, na iminência da aposentadoria forçada pelo regulamento, sentiu-se na necessidade de colocar no papel as conclusões que tirou de meio século no ofício.
Engana-se, porém, quem imagina que vai encontrar aqui textos semelhantes aos relatórios burocráticos que abarrotam os arquivos do Itamaraty, embora a Casa sempre tenha abrigado grandes cultores da língua, de romancistas a poetas e ensaístas como se pode constatar no texto “Diplomacia e Cultura”, de 2001, que faz parte de Das Mãos do Oleiro.
Até mesmo num texto que leva todo o jeito de um relatório preparado para atender à solicitação de superiores, “Da Guerra da Tríplice Aliança ao Mercosul: As Relações entre o Brasil e o Paraguai”, de 1995, quando de seu último posto diplomático no exterior, em Assunção, Costa e Silva não deixa de ser poeta nem de colocar em prática um propósito que sempre norteou a sua atividade literária: “A prosa, ainda que de modo distinto, não deve ser menos musical do que o verso”. É por isso que nestes textos ressoa a mesma poesia fina que deixou em Poemas Reunidos e em seu livro de memórias da infância, Espelho do Príncipe.
Em “Notas de um Companheiro de Viagem”, de 1999, recorda de seus tempos de assessor do embaixador Francisco Negrão de Lima em Lisboa, entre 1960 e 1963, quando tinha a incumbência de acompanhar escritores e políticos brasileiros que iam visitar o chefe de governo, o professor António de Oliveira Salazar. “Só dois ou três não vi saírem deslumbrados de São Bento”, recorda, lembrando que ele, como diplomata ainda em começo de carreira, nunca passava da ante-sala. “Fossem o que se chamava de homem de esquerda, de centro ou de direita, deles, na saída e no carro, só escutava, perplexo, palavras de admiração”, diz.
Negrão de Lima, diz Costa e Silva, reconhecia em Salazar não só uma inteligência fora do comum, “mas também as limitações provincianas e a escassez de sonho”, de “quem se contentava com um país pobre e queria a sua gente pequenina”. Dizia Negrão de Lima que o esperto Salazar conquistava o visitante, deputado ou professor, pela vaidade; “falava deles — lera sobre cada qual um dossiê previamente preparado —; pedia suas opiniões; fazia-os sentirem-se importantes”.
É um testemunho que confirma outro que li já não sei onde que dizia que Salazar gostava de quebrar a barreira de opositores, especialmente homens de letras, açulando-lhes a vaidade com a oferta de alguma medalha ou honraria. Já a outros mandava mesmo quebrar-lhes a espinha com pancadas e noites nas prisões ou colocava-lhes a famigerada Pide no encalço.
Costa e Silva recorda também o relacionamento fraterno que Salazar desenvolveu com o antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, que tantos enjôos causou entre democratas e esquerdistas brasileiros. Como se sabe, no começo dos anos 50, Freyre recebeu do governo português uma estada de meses na metrópole e nas possessões africanas e asiáticas, quando teve, então, a oportunidade de desenvolver suas idéias sobre as virtudes da miscigenação, embora na África as autoridades coloniais não o tenham deixado demorar o olhar sobre o que mais podia interessá-lo, empanturrando-o com almoços de homenagem e criançada com bandeirolas.
Costa e Silva conclui que ainda bem que Gilberto Freyre aceitou o convite, pois “a indignação, a zanga, os arrufos e os calundus dos seus amigos anti-salazaristas perderam-se no passado”, tendo ficado o livro Aventura e Rotina em que o antropólogo recolheu suas impressões da viagem “ao mundo que o português criou”.
Aparentemente, não fora a política que levara Gilberto Freyre a aceitar o convite, pois o mando sempre foi circunstancial, mas a oportunidade rara de ver com os próprios olhos a confirmação de muitas de suas idéias e teses sobre “as mestiçagens entre os grupos humanos e as trocas, somas e mesclas de culturas que se processavam nas regiões visitadas”, como diz o autor. Provavelmente, fosse, em vez de Salazar, um ditador de esquerda que mandasse em Portugal, Freyre teria aceitado o convite da mesma maneira.
Já em “Brasil, Portugal e África”, de 2000, o autor discute as divergências e mal-entendidos que complicam o diálogo entre os que falam o português e que, até agora, fizeram com que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) não tenha se firmado como organismo de importância internacional.
Aliás, em “A Propósito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa”, de 2001, Costa e Silva, depois de observar que, com a CPLP, não se aspira a recosturar o antigo império, defende que os dois parceiros incomparavelmente mais prósperos, Brasil e Portugal, deveriam assumir mais as responsabilidades que têm em relação a angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, são-tomenses e timorenses.
Nestes textos, o leitor vai encontrar ainda não só um panorama de como atuavam os diplomatas do Império e da Primeira República como um retrospecto das muitas artimanhas que escravos e afrodescendentes utilizavam para dissimular nas festas populares as homenagens que faziam aos reis africanos ou mesmo um inventário de como os brasileiros se viram a si próprios e a seu país ao longo do século XX.
Enfim, o leitor jamais sairá deste livro do mesmo jeito que entrou porque, afinal, estes textos de Costa e Silva têm o dom de suscitar a nossa imaginação, instigando-nos a pensar sobre o passado e o futuro das relações entre aqueles que nasceram em função da presença portuguesa no mundo.
ADELTO GONÇALVES é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br

01-08-2005

1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(3)

Complementando as duas locais sobre este mesmo título, relembro que Melo Antunes se encontrava em Dar-es-Salam, no quarto 602 do Hotel Quelimanjaro, quando a 1ª CCAV/BCAV8421 foi capturada.
Sobre esta estadia, mantida secreta durante muitos anos, transcrevo o artigo publicado no Diário de Notícias de 21.04.2004, sob o título NO QUARTO 602 DO HOTEL QUELIMANJARO:
"A. R.
Das 163 companhias que existiam Moçambique em 1974, 158 eram comandadas por milicianos. Foi com este dado bem presente que o então comandante Almeida e Costa desembarcou em Lisboa um mês depois da Revolução dos Cravos, tentando obter aquilo que não lhes chegava de Portugal: instruções e directivas. Isto quando a situação se degradava diariamente no território, com a população a exigir a extinção da PIDE, o direito à greve e o levantamento da censura. «Quando ainda havia guerra», recorda.
Mas em Lisboa reinava a confusão total. Dois meses depois, Almeida e Costa é informado que devia acompanhar Melo Antunes a Dar-es-Salam. Como intérprete, tarefa que já desempenhara antes, quando Costa Gomes se encontrou, na Beira, com uma delegação de militares rodesianos.
«É um encontro secreto», explicou-lhe o então número dois da JSN. «Não vão negociar nada, só conversar», dando-lhe a entender que os encontros de Lusaca e de Amesterdão tinham fracassado.
A partida, no entanto, foi sendo sucessivamente adiada. Até que Melo Antunes explica a Almeida e Costa ser preciso convencer Spínola, que mudava de opinião conforme as circunstâncias. A lei n.º 7/74 e o discurso de 27 de Julho mudam tudo. «Fiquei a saber», revela Almeida e Costa, «que elas eram condições sine qua non para a nossa partida». Finalmente embarcam. «Seguidos pela sombra de Aquino de Bragança». Primeiro para Madrid - «Melo Antunes achava que era seguido pela CIA» - e depois Roma, Nairobi e Dar-es-Salam, aonde chegam na tarde de 31 de Julho.
Pouco habituados a estas missões, Melo Antunes e Almeida e Costa só então descobrem que estão isolados e não conseguem comunicar com Lisboa. Além disso ficam em hotéis separados. «Não sei porquê, mas ficámos. Julgo que Melo Antunes aproveitou para falar com muitas pessoas. Sobretudo de Angola. Sei disso porque ele me convidou para um encontro com Agostinho Neto».
A primeira sessão de trabalho realizou-se no dia da chegada: entre as 19.30 e as 21.15. Uma vez que não havia necessidade de um intérpete, Almeida e Costa tornou-se, por iniciativa própria, num note-taker. Por aí se percebe que o segundo dia foi o mais violento. Não só pelas três sessões de trabalho mas, sobretudo, pelo teor das surpresas que os esperam. A começar pela notícia de que a Frelimo tinha capturado uma companhia inteira de militares portugueses em Omar, no norte de Moçambique. Como se isso não bastasse, Samora insistiu que se ouvissem as gravações e as entrevistas feitas com os soldados capturados, apelando à rendição das forças portuguesas. «Foi muito confrangedor», explica Almeida e Costa. Incluindo para o terceiro-mundista Melo Antunes, que não resistiu a um desabafo: «Merda, assim não se pode fazer nada».
A partir daí, concentram-se no teor do memorando que Melo Antunes e Almeida e Costa deverão trazer. Uma tarefa que se prolonga noite dentro, terminando já de madrugada no quarto de Almeida e Costa, onde Chissano - «com uma garrafa de cognac na mão» -, Monteiro e Rebelo se instalam.
Nessa altura, já os dois portugueses tinham percebido que pouco havia a fazer, e que o melhor que conseguiriam trazer estava relacionado com a resolução de questões práticas: a designação de um alto-comissário ou de um presidente de uma junta governativa; a composição do Governo de transição, a criação de uma comissão militar, as empresas, a questão da nacionalidade e a sorte dos moçambicanos que integravam as forças coloniais. Tudo menos Cahora Bassa, que Samora decidira que ficava para Portugal. «Isso é um muro que vocês construíram».
O terceiro e último dia foi preenchido com a leitura do memorando que Chissano, Monteiro e Rebelo tinham escrito na véspera, no quarto 602 do Hotel Kilimanjaro. É então que se dá um pequeno incidente entre Samora e Almeida e Costa, que resolve protestar com o galicismo do termo «engajar» que a Frelimo utiliza profusamente. «Passei pela vergonha de Samora Machel me explicar que a expressão existia. Nunca me esquecerei do que ele disse: Oh, Almeida - nessa altura já nos tratávamos todos por tu - vais ter de habituar que o português já não é só vosso, é de todos».
De regresso a Lisboa, Melo Antunes estava assustadíssmo com a ideia de ter de ir ao Buçaco e de ter de mostrar o memorando da Frelimo ao general Spínola. «E que não era nada daquilo que fora combinado».
Um nervosismo para o qual, ainda hoje, Almeida e Costa só encontra uma explicação. «Intelectualmente superior, corajoso e muito inteligente, Melo Antunes era também um militar. E mesmo ministro sem pasta, não deixava de ser um tenente-coronel que, naquela ocasião, se preparava para ir falar com um general. Sei que isto é muito subjectivo, mas é como eu vejo a situação».
É isso que explica a presença de Almeida Santos, «que tinha o condão de acalmar o general. Como Mário Soares». Melo Antunes recorre ao titular da Coordenação Interterritorial. Foram de helicóptero. Mas Spínola não reage. Limita-se a ler o memorando e a pedir que lhe deixem ficar um exemplar. "
NOTA PARA MEDITAR: Factos tão importantes como estes, não são relatados no livro MELO ANTUNES - O SONHADOR PROGRAMÁTICO, constando apenas uma alusão à sua visita a Dar-es-Salam, na seguinte frase: " tinha ocorrido o tal encontro entre mim e a Frelimo, no mês de Julho, que clarificara posições de um lado e de outro"(pág.112) e nenhuma referência à captura da companhia de OMAR. Porquê, tantos anos depois, pois a edição do livro é de 2004.
Do livro de Clotilde Mesquitela " Moçambique - 7 de Setembro", retiro ainda:
"19 —CONTACTOS  DIRECTOS  COM  SPÍNOLA.  A SUA  FRASE GERADORA  DO SETE DE SETEMBRO
        Anunciam os jornais que os dirigentes da FICO se iriam deslocar a Lisboa, a fim de se encontrarem com Spínola. Velez Grilo, Pires Moreira, Gomes dos Santos e Quinaz Pires seguem de Lisboa, num carro da Presidência da República, com destino ao Buçaco, onde Spínola os recebe com a maior simplicidade e até simpatia. Expõem-lhe o que já levavam preparado, e que se resume em 6 alíneas:
a)    A Frelimo   representa,  quando  muito,  20%   da população total de Moçambique.
b)   Não é com armas na mão que se pode  impor uma nova ordem democraticamente estabelecida.
c)   Os elementos mais marcantes da Frelimo são Changanes, o que pode originar uma luta tribal de extermínio.
d)    Moçambique tem confiança absoluta nas palavras do gene­ral Spínola, no programa das Forças Armadas, nas repe­tidas declarações do general Costa Gomes; mas discorda totalmente da orientação tomada nos últimos tempos, que prevê a anulação do referendo, propondo a assinatura de um acordo, sem que o povo, entretanto, seja consultado.
e)    Moçambique insiste na salvaguarda, a todo transe, de pessoas e bens da minoria branca, devendo a Metrópole assegurar, caso a política não mude, os meios de trans­porte bastantes à disposição dos que desejem sair. Nessa evacuação devem ser incluídos os soldados pretos do Exército, especialmente dos GE, GEP, e FLECHAS, que queiram ir para Portugal.
f)     O povo espanta-se perante a ineficácia e inoperância do Exército português, considerando, sobretudo, muito grave a sua incapacidade para manter a ordem».
Spínola, contaram  eles  no regresso, ouviu-os   impressionado. 
         Garantiu-lhes todo o apoio, encorajou-os em persistirem, afirmando-
-Ihes que se sentia traído pelo Exército. Pela primeira vez se ouve dizer (e pela boca de Spínola) que existe um papel com as con­dições estabelecidas para um acordo a celebrar em Lusaka. Disse-Ihes algumas das condições já estabelecidas e garantiu-lhes que as iria estudar melhor. Anunciou-lhes que brevemente seguiria para Moçambique um alto-comissário, para defender intransigentemente, os direitos dos portugueses. Nessa altura, já se tinha ouvido falar em que seria Melo Antunes. Quis esta delegação obter a confir­mação se, de facto, seria ele. Ao ouvir a pergunta, Spínola indignado e descontrolado, grita: «Esse é um comunista, não tenho já dúvidas a esse respeito» Spínola acrescenta ainda: «Se isso acontecer, há que abatê-lo. Têm 3 dias para lhe darem um tiro na cabeça». Estava tão descontrolado o general que acabou por chorar. Este diálogolevou a transferir para o dia seguinte o resto das conversas. Quando ao fim de 24 horas voltam ao Buçaco, Spínola está outro. Diz-lhes que, de momento, já lhe não é possível fazer nada. Mas acon­selha-os também: «Vocês têm que fazer alguma coisa lá, que eu possa daqui apoiar. A Província tem que demonstrar a sua posição».
Vieram convencidos que ele tinha aceite... o tal papel... de Lusaka. Mas ainda com as ilusões de que, mostrando a Província o que desejava, Spínola a apoiaria.
Costa Gomes também os recebeu em Lisboa, no palácio da Cova da Moura. Esteve muito tempo com eles, tomou muitos aponta­mentos, mas nem um só compromisso assumiu, e falou muito pouco. Outros oficiais (Saraiva de Carvalho, Sanches Osório e não sei se mais alguns, também os ouviram na Junta de Salvação Nacional. Encontraram-se ainda também com Victor Crespo, que, antes de os ouvir, procurou fazer o maior elogio à Frelimo. Acabaram por ter que lhe dizer que sabiam muito bem o que era a Frelimo e que tinham vindo numa missão anti-Frelimo, por considerarem esta incapaz de se tornar partido único, e muito menos ainda, para governar, só, Moçambique. A estas entrevistas se referiu, tempos depois, o semanário «Tempo Novo» na sua edição de 13 de Setembro de 1974."
Aliás, Iain Christie, no seu livro "SAMORA - UMA BIOGRAFIA" escreve a páginas 136 e 137:
"Em meados de 1974 o poder imperial português em Mo­çambique estava em visível derrocada. Colonos abandonavam o país, soldados desertavam, recusavam-se a combater ou pediam à Frelimo cessar-fogos locais, sem autorização do seu governo.
      As conversações programadas para Julho de 1974 em Lusaka não se realizaram.
Nesse mês, no entanto, Samora decidiu que tinha chegado o momento de demonstrar como era fácil para a Frelimo tomar as guarnições do exército português ao longo da fronteira com a Tanzania, as mesmas em relação às quais Lázaro Nkavandame tinha vociferado uns anos antes. Soldados da Frelimo cercaram o posto de Namatil (também conhecido como Omar), perto do rio Rovuma, e, usando megafones, disseram aos portugueses que ou se rendiam ou morriam. Todos os 140 portugueses saíram do posto com as mãos no ar mas três conseguiram fugir antes de serem presos.
...
Samora ignorou-os. Ele tinha um diligente enviado, Aquino de Bragança, farejando nos corredores do poder, em Lisboa, e informando sobre quem realmente tinha peso na administração portuguesa. Bragança sabia que Melo Antunes, um oficial do exército anticolonialista, que tinha sido um dos dirigentes do golpe de 25 de Abril, era uma figura-chave. Antunes era o poder por detrás do trono e sabia que era o momento de Portugal acabar com os prejuízos e sair de África. O exército não ia com­bater.
Embora as conversações marcadas para Julho não tenham ocorrido, os portugueses contactaram a Frelimo e chegaram a acordo que deveriam ser realizados novos contactos. Essas con­versações foram realizadas secretamente em Dar-es-Salam, em Agosto, e desta vez a delegação portuguesa era dirigida por um membro do Movimento das Forças Armadas. Mais tarde, no princípio de Setembro, Samora foi a Lusaka onde se encontrou com uma delegação, dirigida por Melo Antunes, que era minis­tro sem Pasta. Mário Soares tinha sido relegado para número dois da delegação.
Neste encontro Portugal concordou com a entrega do poder em Moçambique à Frelimo. Os Acordos de Lusaka sobre a independência de Moçambique foram assinados no sábado, 7 de Setembro, apenas por Samora Machel, por parte da Frelimo, e por Melo Antunes e mais sete colegas, entre militares e civis, por parte de Portugal."
De "O País sem Rumo" do General António de Spínola, transcrevo (pág.300 e seguintes):
"Entretanto, depois de um conturbado interregno de Governo de cerca de mês e meio, tomava posse, em 11 de Junho, o novo Governador-Geral, Dr. Henrique Soa­res de Melo (11), a quem foram claramente definidos os novos rumos da política ultramarina em ordem à auto­determinação das populações pela via do sufrágio uni­versal, fórmula que foi incumbido de preparar. Infeliz­mente, a sua acção viria a ser totalmente ultrapassada pela dinâmica do processo revolucionário conduzido pela esquerda militar e exercida em clima instável de transição para novas estruturas de Governo.
      Efectivamente, no curto lapso de um mês, era anun­ciada a constituição de Juntas Governativas para Angolae Moçambique, numa altura em que o MFA local se havia já apoderado do comando da situação e tomado a iniciativa de lançar um apelo à FRELIMO para cessar fogo, apelo que difundiu numa circular enviada a todas as unidades, aos jornais, às estações de rádio e ao próprio Governador-Geral, ao mesmo tempo que, numa acção concertada com as forças políticas frelimistas, incenti­vava a realização de comícios de confraternização e pro­paganda do adversário nas regiões da Beira, Vila Pery e Tete, e que entre António Enes e Nampula provocava o levantamento dos nativos contra os fazendeiros com vista a criar um quadro fictício de conotação da FRE­LIMO com a população negra que, na sua maioria, frontalmente se lhe opunha.
Paralelamente, estabeleciam-se, ao nível das unidades do interior, os primeiros contactos com os chefes regio­nais da FRELIMO e efectuavam-se reuniões de confra­ternização, ao mesmo tempo que se lançavam, de avião, sobre as áreas de refúgio das guerrilhas, prospectos alu­sivos à colaboração daquele Movimento na preparação e no desenrolar do «25 de Abril» e «posters» com as armas dos seus guerrilheiros ensarilhadas com as dos nossossoldados e destes confraternizando com os inimigos de ontem.
       A partir daí a situação militar agravou-se em ritmo preocupante. Algumas unidades negaram-se terminante­mente a cumprir quaisquer missões operacionais, che­gando ao extremo de numa companhia o comandante ter sido preso por sargentos e soldados, e de estes terem resolvido abandonar a localidade que ocupavam; idêntica atitude fora tomada por outra unidade que, anteci­pando-se à ordem de retirada, fez a evacuação em táxis aéreos; e outras ainda, embora permanecessem nos locais superiormente determinados, transformaram-se em centros de propaganda antiportuguesa, afixando nos seus aquartelamentos e imediações cartazes atentatórios da digni­dade das Forças Armadas, instigando à entrega imediata e sem condições de Moçambique à FRELIMO. Unidades acabadas de chegar da Metrópole, altamente politizadas, recusaram-se a «entrar em sector» e incitavam as uni­dades do interior a abandonar as localidades e posições que defendiam, algumas havendo que foram intimadas pela força a render as unidades em final de comissão; os quadros e soldados do Comando de um Batalhão sediado em Vila Paiva de Andrade prenderam o Coman­dante e ameaçaram abatê-lo se este os obrigasse a sair em serviço operacional antes de o cessar-fogo ser oficial­mente anunciado (12). O panorama completava-se com o espectáculo do «desfile» das colunas de viaturas mili­tares, que retiravam dos seus aquartelamentos, com sol­dados empunhando dísticos impondo o fim da guerra, o regresso imediato à Metrópole e laureando a acção libertadora da FRELIMO.
       Em princípios de Julho, iniciava-se a retracção do dispositivo das nossas forças, precisamente na altura em que o Quartel-General de Nampula promovia a difu­são de uma circular anunciando que o cessar-fogo seria em breve assinado e proibia a publicação de um telex noticioso da Reuter que divulgava a afirmação de SamoraMachel de que «não haveria qualquer cessar-fogo enquanto o Exército Português não fosse completamente derrotado». Era evidente que a FRELIMO não estava interessada, apenas, na independência de Moçambique, mas preten­dia, acima de tudo, o poder absoluto do novo Estado, poder que Samora Machel, embora não ignorasse ser bem difícil de obter por referendo e não ter força para o conquistar pelas armas, estava seguro lhe viria a ser ofe­recido pela via da traição dos elementos marxistas das Forças Armadas Portuguesas.
     É assim que o Governador-Geral de Moçambique, em 23 de Julho, informa o Ministro da Coordenação Interterritorial  de que as comissões regionais do MFA se haviam reunido em Nampula, «tendo as comissões deCabo Delgado e de Tete anunciado que as tropas estacio­nadas nos referidos distritos impunham um cessar-fogounilateral se até fins de Julho não fosse estabelecido um acordo global de cessar fogo com a FRELIMO, data a partir da qual o pessoal dos helicópteros se recusaria a abastecer as tropas terrestres.»
      Na verdade, caminhava-se para um fim trágico. Esta­vam criadas as condições que conduziriam uma Compa­nhia a entregar-se, sem luta, à FRELIMO em l de Agosto, no desenvolvimento de um plano maquiavelicamente con­cebido e eficientemente conduzido ao nível do Estado--Maior do Quartel-General de Nampula, então profun­damente infiltrado pela esquerda militar revolucionária.
É de notar que isto tudo se desenrolou numa altura em que ainda havia ampla margem para defender à mesa das negociações, com dignidade e justiça, os interesses nacionais, porquanto está hoje comprovado, por decla­rações insuspeitas dos próprios chefes da FRELIMO, que a força desta era fictícia e só tinha sido possível ampliá-la, em termos de larga dimensão, com a ajuda da autoridade das Forças Armadas Portuguesas, queimpuseram os seus inimigos da véspera às populações que afirmavam defender.
Completando este quadro de alta traição a Portugal e às populações de Moçambique, o Major Melo Antunes, então Ministro sem Pasta, deslocou-se, sem meu conhe­cimento, a Dar-es-Salam para, à margem de qualquer política concertada com a Presidência da República ou com os Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Coor­denação Interterritorial, estabelecer um plano de entrega de Moçambique à FRELIMO, plano que viria a concre­tizar-se numa proposta inicial a que ele desde logo aderiu e que representava a abdicação total perante o inimigo por nós próprios tornado poderoso. A aceitação desse documento por um membro do Governo Português retirou às forças políticas as poucas possibilidades que ainda tinham de defender os interesses nacionais.
Assim, quando em 15 e 16 de Agosto, a Delegação Portuguesa (13) se sentou à mesa das negociações em Dar--es-Salam, a facção predominante do MFA, ali repre­sentada pelo Major Melo Antunes, já estava ao lado do chamado Movimento de Libertação e, para que ainda se retirassem às forças políticas todas as possibilidades desoluções razoáveis, recorreu-se a formas de pressão impen­sáveis e só possíveis num quadro de alta traição.
      No regresso da delegação a Lisboa, foi-me comuni­cado que o Major Melo Antunes, na sequência da acção secreta anteriormente realizada, ao chegar a Dar-es-Salam entrara imediatamente em contacto com o Presidente Nyerere e com a delegação da FRELIMO sem conheci­mento dos outros membros da delegação portuguesa, certamente com o objectivo de acertar os pontos de vista que defendeu na reunião oficial realizada na tarde do mesmo dia, numa chocante atitude de defesa declarada dos' interesses da FRELIMO em detrimento dos de Portugal.
Na mesma ocasião fui informado de que aquela reunião havia sido aberta com a audição de uma fita gravada da «rendição» de uma companhia metropoli­tana no Norte de Moçambique, num cenário concertado com as cúpulas marxistas do MFA e conhecido pela «traição de Omar» (14), gravação que ficará a assinalar uma das páginas mais vergonhosas da História do Exér­cito Português ao oferecer a Samora Machel, na mesa das negociações, uma arma decisiva. As afirmações pro­duzidas no «acto da rendição», designadamente as sau­dações à FRELIMO, como libertadora de Moçambique e do próprio povo português, constituíram prova irrefu­tável do índice de prostituição moral a que haviam che­gado alguns militares portugueses.
Não encobrindo a minha indignação por tudo o que se havia passado na reunião de Dar-es-Salam, recusei-me a ouvir a referida gravação bem como a aceitar que tão vergonhosa «rendição» traduzisse o espírito das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique(15). Tomei nessa ocasião conhecimento das exigências da FRELIMO e do projecto de acordo em discussão. Sabia que os entendimentos secretos entre os representantes daquele Movi­mento e os mandatários da facção dominante do MFA haviam diminuído sensivelmente a nossa capacidade de manobra e de argumentação à mesa das negociações. E também não ignorava que o ultimato do MFA de Moçambique de 23 de Julho, já em parte concretizado com a «rendição de Ornar», se traduzia numa ameaça constante do colapso militar. A FRELIMO estava cons­ciente de que o seu poder residia essencialmente não nas suas .estruturas, mas na força da traição da esquerda militar portuguesa, disposta a apoiá-la e a impô-la ao povo moçambicano, proporcionando-lhe a organização político-militar que nunca conseguira alcançar antes do «25 de Abril».
    Apesar destas circunstâncias, neguei-me terminante­mente a aceitar algumas cláusulas do texto proposto e sugeri a passagem de outras para um documento reser­vado anexo ao Acordo, numa derradeira tentativa de salvaguardar perante o Mundo o que ainda restava da Dignidade Nacional. Tinha plena consciência de que era já irreversível o desenvolvimento do processo no sen­tido de uma transferência de poderes para a FRELIMO, mas queria que esta assumisse as obrigações de modo a que os interesses portugueses e os da população moçam­bicana fossem devidamente acautelados."
Em entrevista ao PÙBLICO em 11 de Abril de 2004, afirma o Dr. Almeida Santos:
"...Houve uma companhia, no Norte de Moçambique, em Omar, que se entregou. Esse tal telegrama dizia: "Até ao fim do mês." No fim do mês uma companhia entregou-se à Frelimo. E veio outro telegrama a dizer que a companhia tinha sido objecto de uma emboscada, tinha sido involuntário da parte dos nossos. E antes de irmos para Lusaca, para as negociações, o general Spínola disse-me que, como condição de começarmos a discutir, eles tinham de apresentar desculpas pelo que se passou em Omar. Assim fizemos, dissemos: "Temos instruções de não começar a negociar sem vocês justificarem o que se passou em Omar." Eles apresentaram uma cassete que mostrava que tinham sido os nossos que se tinham entregado. Na cassete diziam: "É hoje, peguem lá as nossas armas." ...
   
“Melo Antunes e Almeida e Costa. E, de facto, acordaram com a Frelimo as bases do futuro acordo. O essencial estava lá: a dispensa da consulta popular, fosse referendária, fosse directa; o reconhecimento da Frelimo como único e legítimo representante do povo de Moçambique; a existência de um governo de transição com a composição assim ou assado - estava basicamente tudo discutido. Portanto, não venham dizer que os culpados sou eu e o dr. Mário Soares, quando depois começamos a discutir, naquela base, em Lusaca. Também eu aí absolvo absolutamente o dr. Mário Soares. Não estou a defender-me a mim, pela razão simples que ele negociou perante situações de facto: primeiro, sem cobertura militar; segundo, com uma negociação prévia em que não tinha intervindo. Ele não teve culpa nenhuma. O acordo de Lusaca, apesar de tudo, é um acordo hábil. Tenho um grande papel na redacção do acordo; os acordos foram praticamente todos redigidos no essencial por mim, mas na prosa, não nas soluções. "
Termino esta pequena série de transcrições com o desabafo final, na entrevista concedida ao Diário de Notícias, em 20 de Abril de 2004, do Alferes Comandante da Companhia que se rendeu em OMAR:
"Ainda hoje", diz José Carlos Monteiro, "estou convencido que a Frelimo precisava de prisioneiros para trocar em Lusaka e não os tinham. Fomos nós"
      
Ficam aqui algumas pistas para os estudiosos e historiadores sérios se dedicarem mais profundamente a este capítulo da História comum de Moçambique e de Portugal no período pré-independência, com mais de trinta anos já passados.
Como aconteceu e porque aconteceu?
Fernando Gil

1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(2)

Depois do relatório do BCAV8421 aqui parcialmente divulgado, veja a reportagem publicada pela revista MOZAMBIQUE REVOLUTION, nº 60, Julho/Setembro de 1974, da tomada do quartel português de OMAR (NAMATIL), em 1 de Agosto de 1974:

1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO

Passa hoje mais um aniversário do dia em que a 1ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8421 estacionada em OMAR(Namatil) se entrega à Frelimo e é levada para a Tanzânia.
História ainda mal contada, 31 anos depois. Porquê?
Fernando Gil
Este é o relatório oficial sobre o acontecimento:
"- Em 01AG074 - Ataque ao aquartelamento de OMAR seguido de golpe de mão. Na madrugada do dia 01AG074 na orla da mata do estacionamento ouviram-se vozes de megafone dizendo: “Atenção aquartelamento de OMAR, nós não lutamos contra vocês lutamos contra o Fascismo e Colonialismo e esses terminaram no dia 25 de Abril. Queremos falar com vocês. Mandem um mensageiro à pista pois nós estamos sem armas. Queremos apenas fa­lar convosco, não queremos mais derramamento de sangue." Perante estas palavras o sold. JOAQUIM DA SILVA PIEDADE ofereceu-se voluntário para ir à pista como mensageiro. Todo o restante pessoal continuou nas valas e em diversas posições de fogo. Quando o referido mensageiro ia a chegar à pista novas vozes de megafone se ouviram, pe­dindo para que o comandante viesse também à pista. Perante isto o co­mandante do aquartelamento, Alf. Milº. JOSÉ CARLOS DA SILVA E COSTA MONTEIRO acedeu em ir também à pista juntamente com o referido sold. PIEDADE. Surgiram então cerca de oito a dez indivíduos desarmados, munidos com gravadores portáteis, máquinas de filmar e máquinas fotográ­ficas. Quando o Alf. MONTEIRO se encontrava a falar com o comandante desta pequena força, ele repetiu as palavras já ditas pelo megafone e pedia para falar com os soldados da companhia, na pista. Perante esta insistência, o comandante do aquartelamento de OMAR alvitrou que podia entrar e falar com a companhia dentro do estacionamento o que lhe foi contestado alegando medo de qualquer reacção das NT ou da força aérea. Perante isto e como não se notava qualquer presença de indivíduos ar­mados foi aceite que parte da Companhia fosse para a pista. Ficaram nas posições as secções de obuses 8,8, morteiros e postos de sentine­la. Quando se encontravam na pista houve uma força de cerca de 100 in­divíduos, que pela porta de armas traseira que dava saída para a licheira, entraram de assalto tomando as nossas posições dentro do quar­tel. A reacção das secções de obus não era possível e como tal a força que entrou, obrigou o pessoal das restantes posições a abandonar e sair. No mesmo momento em que a força toma o quartel há uma outra força emboscada na orla da mata da pista que cerca todo o pessoal que ne­la se encontrava. A partir daí não foi possível qualquer reacção. Imediatamente o comandante de OMAR e outros graduados perguntaram ao co­mandante da força invasora, o que é que se passava ao que ele respon­deu que iriam falar com o comandante Joaquim Chipende no meio da mata. Foram levados para uma base avançada da Frelimo onde se encontraram com os chefes Silésio e Alberto Joaquim Chipende. Aí pernoitaram dormindo à volta de uma fogueira. No dia 2 iniciaram a marcha até nova base da Frelimo onde ficaram dois dias. Aí os graduados tiveram a pri­meira reunião com uma comitiva da Frelimo chefiada por Joaquim Chipen­de. Foi-lhes lido todas as conversações de Lusaka às quais Chipende havia estado presente. Explicou este chefe que uma das razões porque tinham tomado _QMAR era pelo facto de não só ser uma base de importância vital mas também porque já haviam escrito uma carta ao comandante do Sector B/AV (MUEDA) - Tenente-Coronel Andrade Lopes, onde a Frelimo punha como condições a retirada de determinados quartéis e reunião dos mesmos em MUEDA. Não o quiseram fazer e a Frelimo sabia pelo barulho de rebentamentos e por um mainato civil que fugiu da nossa Compa­nhia que OMAR estava a destruir os materiais. Esta reunião terminou cerca das 10,00 horas e aí os graduados iniciaram a marcha para se ir­em juntar aos restantes soldados que já se encontravam numa outra base da Frelimo. No dia 5 seguiram para o distrito de M'NAPA onde pernoita­ram. No dia 6 seguiram com destino à base Limpopo onde foi distribuí­do arroz e sopa aos militares. Daqui avançaram em direcção ao rio Rovuma onde chegaram cerca das 16,00 horas. Às 00,30 horas os últimos homens encontravam-se já em território tanzaniano.
No dia sete foi distribuído fardamento da Frelimo a todos os milita­res portugueses tendo estes entregue a roupa que levavam vestida. À tarde iniciou-se o transporte de todo o pessoal em viaturas do exér­cito Tanzaniano para NEWALA onde se pernoitou numa prisão em construção. No dia oito dá-se o primeiro encontro com o presidente da Freli­mo, Samora Machel bem como restante comitiva. Aí, Machel falou a todos os militares tendo cumprimentado todos, um por um. Nessa tarde seguiram ao longo da Tanzania até NASHINGUWEA onde ficaram instalados num quartel do exército Tanzaniano. Aí ficaram até à libertação que se processou em 19 de Setembro de 1974.
Enquanto permaneceram como prisioneiros não houve qualquer mau trato a ninguém. Funcionava uma enfermaria dia e noite com um sargento en­fermeiro da Tanzania pronto para qualquer serviço. Um médico da Frelimo ia frequentemente dar consultas a quem queria tendo feito, inclusivanente, o tratamento de uma anemia com transfusão de sangue a um soldado artilheiro português. Receberam diversas visitas entre elas a de Samora Machel mais três vezes, chefe do Estado Maior do exército Tanzaniano, ministro da Agricultura da Tanzania, diversos dirigentes do partido TANU, muitos jornalistas e fotógrafos.
Refere-se a seguir o resumo dos resultados obtidos pelo IN após a tomada do aquartelamento de OMAR.
- Foi levado o cofre da companhia com todos os valores que tinha.
- Foram levados todos os artigos de cantina existentes no armazém do Bar do Soldado e no bar propriamente dito.
- Foram levados todos os víveres que existiam no depósito de géneros, todos os medicamentos do posto de socorros, todos os combustíveis e lubrificantes que havia no parque auto, todos os documentos e arquivos da Companhia e todo o material à carga da Companhia e pertencente a todas as unidades controladoras.
- Todos os militares foram espoliados de todos os seus bens e haveres incluindo o fardamento militar.
  O pessoal ficou, bastante afectado psiquicamente pela situação vivida, cansado e em más condições de saúde em virtude da vida que viveu com falta de água e má alimentação.
  Em face do ocorrido ficou a 1ªCCAV sem todo o material à carga e pertencente a todas as entidades controladoras.
A acção teve cabimento em virtude de ter surgido numa altura em que se procurava o estabelecimento de contactos com elementos da Frelimo. Recebeu esta Companhia diversas mensagens dando directivas para o ca­so de surgirem elementos da Frelimo, para iniciarem contactos. O pró­prio RÁDIO CLUBE DE MOÇAMBIQUE, na noite de 31 de Julho de 1974 deu una notícia no " Jornal Sonoro " acerca de um cessar fogo na zona de MUEDA entre elementos da Frelimo e do Exército Português. Salienta-se a acção dos militares abaixo mencionados que lograram fu­gir ao controle do IN:
- sold. JOSÉ ANTÓNIO CABDOSO GONÇALVES apresentado em NANGADE em 02AG074.
- sold. JOAQUIM SILVA DA PIEDADE apresentado no mesmo dia também em NANGADE.
- sold. VASCO PONDA apresentado juntamente com os camaradas anterior­mente citados no mesmo dia e na mesma localidade.
- Também em NANGADE se apresentaram os solds., LAQUINE PUANHERA e SUMAIL AIUPA, em 03AG074.
- Finamente em MOCIMBOA DO ROVUMA em 05AG074 apresentou-se o sold.MÁRIO ANDRADE MOITEIRO.
No dia 19 de Setembro foram os militares da 1ªÇCAV libertados e repa­triados para NANGADE donde partiram no mesmo dia em aviões especiais para NAMPULA, com escala em MOCIMBOA DA PRAIA, onde ficaram instala­dos no Batalhão de Manutenção de Material. No dia 20 de Setembro pe­las 06,00 horas partiram do BMM/NAMPULA para a ILHA DE MOÇAMBIQUE on­de ficaram até ao seu regresso à Metrópole."

16-07-2005

Uria Simango e companhia imortalizados na Beira

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No centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique
O reverendo Uria Simango, um dos fundadores e antigo vice-presidente da Frelimo executado sumariamente em Junho de 1977, na província do Niassa, juntamente com outros históricos do partido foi imortalizado...
ZAMBEZE - 15-07-2005
O reverendo Uria Simango, um dos fundadores e antigo vice-presidente da Frelimo executado sumariamente em Junho de 1977, em M`telela, distrito de Majune, província do Niassa, juntamente com outros históricos do partido no poder acusados de serem reaccionários no decurso da luta armada de libertação nacional, foi imortalizado há dias, na cidade da Beira, nas cerimónias alusivas à passagem do centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, fundada em 2 de Julho de 1905.
Os feitos do reverendo Uria Simango foram celebrizados pelo facto de ter desenhado a partir da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, o projecto de fundação dum movimento libertador, a Frelimo, juntamente com outros nacionalistas, para libertar o País do jugo colonial português.
Outros membros fundadores da Frelimo são: Eduardo Mondlane, Uria Simango, David Mabunda, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Silvério Nungu, Filipe Samuel Magaia, Fanuel Malhuza, Calvino Malhayeye, Leo Milas, Lourenço Mutaca, Matew Mmole, Marcelino dos Santos, Jaime Rivaz Sigauke, Lawrence Millinga, João Munguambe, João Unhai, Baltazar Chagonga, Miguel Murupa, Joaquim Chissano entre outros.
Expulso da Tanzânia e do conselho da presidência da Frelimo, nos princípios de 1970 após a morte de Mondlane, a 3 de Fevereiro de 1969, Uria Simango sob a protecção do então comité de libertação da OUA, exilou-se no Cairo, Egipto.
Regressado ao País após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal, o reverendo Uria Simango criou, na Beira, o Partido da Coligação Nacional (PCN) e depois apercebeu-se que a situação política tendia a deteriorar-se, pois a Frelimo que acabava de assinar os Acordos de Lusaka, na Zâmbia, com o governo português, em 7 de Setembro do mesmo ano para a independência nacional da 25 de Junho de 1975, estava em caça aos dissidentes políticos. Em Outubro de 1974, Uria Simango abandonou o País e foi exílar-se na África do Sul, Zimbabwe e no Quénia, de Jomo Kenyata, seu amigo pessoal.
Entretanto, uma conspiração de dois ministros do então governo malawiano, de Kamuzu Banda, nomeadamente Albert Muwalo Nqumaio e Focus Martin Gwede com os serviços secretos da Frelimo, permitiriam que Uria Simango caisse brutalmente nas mãos da Frelimo.
Explique-se que o reverendo Uria Simango recebeu, em Novembro de 1974, a partir, do Quénia, um telegrama do ministro Nqumaio solicitando a sua urgente presença naquele País, para discutir a negociação com a Frelimo. À sua chegada ao Aeroporto de Chileka, Simango foi recebido pelas autoridades malawianas, entrando numa viatura que o encaminhou à fronteira com Moçambique, através das regiões de Nsanje e Milange, onde era esperado pelos comandantes João Honwana e Mabuko Feitotudo, da base Mongwe, Zambézia.
Depois de ser encarcerado provisoriamente em Nachingweia e introduzido no País, em Maio de 1975, Uria Simango, juntamente com Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Faustino Cambeu, Paulo Gumane, Basílio Bande, Adelino Gwambe, Júlio Razão Nihia, padre Mateus Pinho Gwengere, Joana Simeão, João Unhai, Verónica e outros prisioneiros políticos, viriam a ser executados sumariamente e enterrados numa vala comum, em M`telela, distrito de Majune, província do Niassa, em 25 de junho de 1977.
No centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique foi homenageado o reverendo Kamba Simango, um protonacionalista africano e primeiro moçambicano doutorado nos Estados Unidos da América.
Ao lado de William Dubois, Marc Garvey e outros Kamba Simango tomou parte no final da primeira guerra mundial, que decorreu de 1914 a 1918, em alguns eventos internacionais sobre a renascença africana.
Regressado ao país em finais da década de vinte, Kamba Simango já como pastor da Igreja Cristo Unida em Moçambique, instalou-se por longo período em Maxemedje, distrito do Búzi e mais tarde na Beira, passando por Gogoia, onde para além de evangelizar a palavra do senhor, cultivou o espírito nacionalista de libertar a alma e a terra da opressão colonial portuguesa.
Devido às suas ideias nacionalistas, Kamba Simango foi perseguido pelo governo fascita colonial de Salazar e fugiu nos finais da década de trinta para Gana.
Na pátria de Kwame Nkrumah, Kamba Simango foi director dum colégio e da Rádio Gana até à sua reforma. Casado com uma ganesa, morreu em 1967, vítima de atropelamento por uma viatura, pouco tempo depois de ter se encontrado com Eduardo Mondlane.
Os feitos do reverendo Pedro Simango, também, foram memorizados por ter assegurado aquela igreja nos momentos difícieis que se seguiram à fuga de Uria Simango para Rodésia para Tanganyika, para além de ter assegurado a barra nos primeiros anos da independência nacional, altura em que o primeiro governo marxista-leninista da Frelimo, cometeu muitos excessos contra as diferentes religiões existentes no país.
Pedro Simango que, igualmente, se notabilizou pela expansão daquela igreja para outras regiões do País, morreu em 1985, vítima duma emboscada militar, no decurso da última guerra dos 16 anos.
O reverendo Tapera Nkomo, tido como um dos grandes impulsionadores da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, também preencheu um tempo considerável de elogios nas cerimónias do centenário daquela confissão religiosa, que contou com a presença de algumas destacadas figuras do País.
Dessas presenças destacam-se Arão Zacarias Ngwenha, Samuel Simango, Emille Kaltenried (Suiço), Filipe Foia, Pierre Loze, Chimene e outros, também foram recordados em festejos que juntaram crentes de diferentes igrejas na Beira.

Isaías Natal
5 Correcções por João Craveirinha
1ª Correcção: Outros membros fundadores da Frelimo são: Eduardo Mondlane (links ONU,  Kenedys e Missão Suíça),
Uria Simango (links norte - americanos teológicos),
David Mabunda, Paulo Gumane,
Adelino Gwambe (links pan-africanos - Gana, Egipto, Tanzania),
Silvério Nungu, Filipe Samuel Magaia, Fanuel Malhuza, Calvino Malhayeye, Leo Milas, Lourenço Mutaca,Matew Mmole,
Marcelino dos Santos (links exteriores importantes - Marrocos, Europa, Cuba),
Jaime Rivaz Sigauke, Lawrence Millinga, João Munguambe, João Unhai,
Baltazar Chagonga(único com links interiores a sul e centro - LM, Tete, Zambézia, Malauí e Tanzania), 
Miguel Murupa, Joaquim Chissano entre outros. (in zambeze)
......................................................................
( a cores e tamanho o grau de destaque na Fundação)
2. Leo Milas não foi um dos fundadores da Frente. Era um elemento afro-americano  da CIA destacado na Frelimo. Surge na Frelimo após a Fundação pela mão de Eduardo Mondlane que acreditava que ele era de origem Moçambicana da Beira. (ler em livro de João Craveirinha no prelo)
3. Adelino Gwambe(UDENAMO), Uria Simango, Marcelino dos Santos(CONCEP), Matew Mmole(MANU), Baltazar Chagonga(UNAMI), 5 dos "mais" principais líderes que fundaram a Frelimo em 1962... destacando-se ADELINO GUAMBE...como chefe destacado apesar de jovem...
4. Pascoal Mocumbi e Jorge Rebelo foram elementos muito importantes na Fundação da Frelimo em 1962 e destacados na Segurança e na Informação e Propaganda (DS e DIP) e  continuando Jorge Rebelo até depois da Independência como Ministro e chefe do Trabalho Ideológico da Frelimo e da Comunicação Social (DTI).
5. O padre Mateus Pinho Gwengere não estava no grupo dos condenados de Nachingueia (Tanzania) de Janeiro de 1975...que partiria para Niassa e Cabo Delgado em Agosto/Setembro de 1975 e não em Maio de 1975...como vem descrita...
Por hoje chega...
João Craveirinha - 16 Julho 2005 - Maputo

15-07-2005

Sobre Tomás Antônio Gonzaga*

PREFÁCIO
Alberto da Costa e Silva
A primeira imagem que guardei de Tomás Antônio Gonzaga foi a de um jovem de perfil, tristonhamente belo, os longos cabelos ondulados a caírem sobre os ombros, a escrever versos no cárcere. O quadro é de João Maximiano Mafra, e os traços do poeta, inteiramente imaginados. Quando preso, provavelmente não era assim, nem tampouco, talvez, um senhor de amplo ventre, a disfarçar o começo da calvície. De cada uma das numerosíssimas feições com que se reconheceu, a olhar-se, ao longo dos anos, nos espelhos, e que mostrou ao afeto, à simpatia, à indiferença, ao aborrecimento, à irritação e à hostilidade de seus contemporâneos, não podia ficar memória, a não ser que algum retrato nos preservasse uma delas, antes que se findasse no momento.
É possível que se visse como, a partir de seus poemas, o imaginou o artista e talvez soubesse, já no exílio, que seus versos eram o que de melhor sobrava de sua biografia, uma biografia a que não faltava a infâmia de haver participado de uma conspiração contra a Coroa.
Adelto Gonçalves não nos redesenha o retrato que não temos. Mas, de certa forma, refaz a imagem que intimamente cada um de nós foi formando do poeta, ao recontar, da perspectiva que lhe deu a leitura rigorosa dos documentos (muitos deles examinados pela primeira vez), a história de Gonzaga, das Marílias que amou ou supôs amar e os poemas que escreveu.
Ao fazê-lo, foi reconstituindo e, portanto, reinventando, como se fosse Frans Hals a pintar os seus grupos de guardas cívicos de Haarlem, não só a comunidade dos conjurados mineiros, mas também Vila Rica, o Brasil e o império de que era parte. Nos grandes quadros coletivos que se sucedem neste livro, nem uma só das figuras aparece, contudo, imóvel, e a maioria está quase sempre a mudar de posição, pobremente humana, tristemente débil nas tentativas de dar realidade às ambições pequeninas e a um grande sonho.
Esta personagem procura a sombra; aquela disfarça um riso maroto; e aquela outra trapaceia sem rebuço. Não falta sequer um iluminado de voz alta e franca, nem quem sempre se atrase, por indeciso ou covarde. Alguns não chegam a anti-heróis, mas quase todos deviam pedir desculpas ao futuro. Adelto Gonçalves não os castiga nem os veste de piedade; mostra-os como lhe parece que foram, enredados na fantasia, na inveja, no engodo, na suspeita mútua, na intriga, na ânsia de enricar, no gosto do mando e das gloríolas, na prevaricação, no peculato e na rapina. Despidos da aura da História, aparecem como gente de seu tempo e de sempre. Desamparados ou esperançosos. Contraditórios. Exuberantes. Amargos. Ofendidos pela pobreza do dia-a-dia ou visionários. Muito menores do que, já os sabendo frágeis, os julgávamos.
Tinham o ouro por húmus. Não ignoravam que era matéria podre, mas esperavam que regenerasse as suas vidas, pois, embora se sentissem americanos brasileiros, continuavam a perseguir o sonho da riqueza rápida, pelo achamento do ouro, da prata e das pedras preciosas – o sonho que habitava o espírito de cada descendente daqueles europeus que a tinham ido buscar, primeiro, na Índia e na pimenta e, depois, no Brasil e no açúcar, em Angola e no escravo. Não nega Adelto Gonçalves que, além de quererem soltar-se das exações da Metrópole, desejavam os inconfidentes a independência e a liberdade. No que parecia o isolamento das montanhas mineiras, três ou quatro deles estavam, aliás, em dia com o pensamento de seu tempo. Aspiravam a continuar no Brasil o processo de libertação do continente que os norte-americanos haviam iniciado havia pouco mais de 20 anos. E sua conjura – e disto às vezes nos esquecemos – antecedeu à Revolução Francesa.
Estavam, ainda que não o soubessem, na vanguarda do século, mas não incluíram nas suas intenções revolucionárias a abolição da escravatura, nisto acompanhando também os próceres que fizeram a independência dos Estados Unidos: nem George Washington nem Thomas Jefferson pensaram em libertar os seus escravos. E não há como esquecer que o próprio Tiradentes possuía quatro negros. Adelto Gonçalves desfaz, porém, a lenda de um Tomás Antônio Gonzaga envolvido com o mercadejo de alma e corpos em Moçambique.
E nos conta como a um outro contemporâneo – que, embora participante das conspirações pela independência, escapou da rede repressora lusitana – foi reservado o destino de tornar-se um dos grandes traficantes negreiros da Contra-Costa. É possível que não passasse pela mente de Eleutério José Delfim que o comércio a que se entregara contrariava inteiramente as suas convicções de republicano, liberal e maçom, pois, ao que parece, a liberdade, a igualdade e a fraternidade não incluíam os africanos. Não deve, por sinal, ter sido ele uma exceção, ainda estando por estudar-se a participação de maços e afrancesados no tráfico negreiro até as vésperas de sua extinção.
Talvez não venhamos a saber jamais, por exemplo, se aquele Domingos José Martins, que foi um dos maiores mercadores de escravos da África Atlântica, herdou, juntamente com o nome, algumas das idéias de seu pai, fuzilado pelos portugueses, por haver sido um dos cabeças da Revolução Pernambucana de 1817.
Uma das boas surpresas deste livro é a reconstrução dos dias moçambicanos de Tomás Antônio Gonzaga. Como tantos outros degredados políticos brasileiros, o poeta seria prontamente admitido na vida local, em funções de responsabilidade. Faltavam pessoas instruídas nas colônias de um Portugal pequeno, pouco povoado e pobre para as exigências de seu enorme império. Por isso, Adelto Gonçalves pode mostrar-nos o poeta, novamente servidor da justiça, a olhar da janela de um prédio do governo as ruas poeirentas do exílio, a acostumar-se a ser novo meio e a emaranhar-se em suas maledicências, animosidades, discórdias e ressentimentos.
Moçambique era em tudo muitíssimo mais magro do que a Vila Rica de onde Gonzaga fora retirado, a Vila Rica que Adelto Gonçalves também traz da História para os nossos olhos, em páginas em que se alternam a descrição contida e o relato afetuoso, o sarcasmo e a comiseração, o entusiasmo e a elegia. Sucedem-se ou se juntam nas ruas e salas da cidade mineira as personagens que ajudariam a entretecer o destino de Gonzaga.
Entram e saem pelas suas portas não só o alferes Joaquim José da Silva Xavier, a pregar idéias nele fortalecidas por José Álvares Maciel, mas também os governadores dom Rodrigo José de Meneses, dom Luís da Cunha Meneses e o visconde de Barbacena, os poetas Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, a mulher deste. Bárbara Eliodora, o cônego Luís Vieira da Silva, os padres Carlos Correia de Toledo e Melo e José da Silva de Oliveira Rolim, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade e o coronel Joaquim Silvério dos Reis. As musas de Gonzaga, entre as quais Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, aparecem nas varandas, espreguiçam-se nas redes ou se abanam com leques nas festas do palácio.
Eis que esta obra não é apenas uma nova biografia de Tomás Antônio Gonzaga. É a primeira grande biografia do poeta. Nela, Adelto Gonçalves amplia, completa e retifica as páginas iluminadoras que escreveu, há mais de 57 anos, Rodrigues Lapa. Mas Adelto não se restringe a essa tarefa já por demais importante para os que sabem que Marília de Dirceu é a coleção de poemas líricos mais popular da literatura de língua portuguesa, com um número de edições só superado por Os Lusíadas, conforme nos recordou Manuel Bandeira. Adelto entrega-nos também um instigante ensaio de história social das Minas Gerais e do Moçambique da segunda metade do século XVIII.
Haverá quem estranhe estas ou aquelas conclusões do livro, as considere afoitas, tímidas, exorbitantes ou exageradas e com elas não concorde. Para opor-se, porém, às teses de Adelto Gonçalves e com ele abrir polêmica – ainda que aquele tipo de debate que o leitor pode manter silenciosamente com a página escrita --, terá, para confirmar a interpretação correta dos documentos que as abonam, de reler Gonzaga, um poeta do Iluminismo, nota de pé de página por nota de pé de página. Pois, se este é um livro com o gosto de um jornalista pelo ineditismo e pela surpresa, assenta-se na aplicação e no rigor de um scholar.
Rio de Janeiro, 1998.
________________
Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal, Nigéria, Colômbia e Paraguai e presidente da Academia Brasileira de Letras em 2002-2003, é autor de A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, 1992, A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, 2002, Um rio chamado Atlântico, 2003, Poemas Reunidos, 2000, Espelho do Príncipe, 1994, e O pardal na janela, 2002, entre outros.
__________________
* Prefácio de Alberto da Costa e Silva escrito para o livro "Gonzaga, um Poeta do Iluminismo" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), de Adelto Gonçalves, e que consta das págs. 21 a 24 do livro "Das mãos do oleiro" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005), que acaba de chegar às livrarias
Adelto Gonçalves

13-07-2005

Pedido de contribuições para a revista Lusotopie

A revista Lusotopie. Recherches politiques sur les espaces issus de l’histoire et de la colonisation portugaises procura, para os seus dois números do ano de 2006, artigos sobre questões contemporâneas e acontecimentos políticos recentes nos países de língua portuguesa, ou interessando aos países de língua portuguesa.

Os artigos serão submetidos à avaliação e podem ser em francês, português, ou inglês; excepcionalmente, também numa outra língua de alfabeto latino.

Entre os temas que interessam à revista, podemos citar :
– a derrota da direita portuguesa e o contexto europeu
– as eleições gerais na Guiné-Bissau
– a terceira vitória da Frelimo em Moçambique : estabilidade política ou marginalização maciça ?
– Angola na paz, Angola na miséria?
– Lula I a caminho de Lula II?
– o PT na governação [gouvernance] ?
– Lula face ao projecto ZLEA (ALCA)
– Galiza sem Fraga
– Portugal, Angola e Brasil face à guerra no Iraque (análise comparativa)
– Portugal, Espanha, França e o referendo impossível de encontrar (a constituição europeia)
– Cabo Verde na União Europeia?
– etc.

Qualquer outro tema relativo a questões contemporâneas pode ser apresentado. Os autores ficam desde já informados de que a sua autorização para serem publicados na revista é igualmente válida para a colocação dos respectivos artigos em fila de espera. Atenção: os prazos são muito curtos! Os artigos devem chegar à secretaria da redacção durante o mês de Agosto ou, o mais tardar, no início de Setembro de 2005 para o primeiro número de 2006 (a sair em Abril de 2006); em Novembro, para o segundo número (a sair em Novembro de 2006). As propostas de artigos devem ser enviadas exclusivamente a Brigitte Lachartre : <lachartre.b@wanadoo.fr>. É obrigatório que os artigos venham acompanhados de um resumo de cerca de quinze linhas em estilo impessoal (esse resumo será publicado nas três línguas).
* * * 
Para conhecer melhor Lusotopie, pode visitar a página da revista na Internet (http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/).

Lusotopie é a partir de agora publicada por Brill (Leiden), mas a orientação científica da revista não mudou. O volume 2004 (último volume publicado por Karthala, Paris) contém um dossier sobre “Médias, identidades, poder” (nas bancas em Setembro de 2005). O primeiro volume a publicar por Brill (Novembro de 2005) contém um dossier sobre « Genre et rapports sociaux dans les espaces lusophones / Gênero e relações sociais nos espaços lusófonos / Gendered social relationships in Portuguese-speaking spaces ».
28 de Junho de 2005

09-07-2005

SOBRE A RENAMO, O APARTHEID E A GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE

Por: Barnabé Lucas Ncomo
Recentemente, reflectindo sobre o Ser e o Estar de algumas pessoas no nosso país, escreviamos que um dos grandes males que grassam na nossa sociedade é o fazer de conta, descambado este na institucionalização do acto de saber fingir colectivamente
Numa comunicação feita na Suíça por ocasião do 30° aniversário da independência nacional, o jornalista/escritor moçambicano Mia Couto, a certa altura da sua dissertação afirmou:
Hoje fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul” (Mia Couto, 16 de junho de 2005. o sublinhado é nosso).
Em última análise, Couto tenta transferir as responsabilidades do regime da Frelimo no surgimento da guerra civil mocambicana para terceiros. Concretamente, defende a tese de que a determinação dos mocambicanos em lutar pelo estabelecimento duma ordem democratica foi inspirada no apartheid e não nas condições específicas criadas em Mocambique na sequência do estabelecimento de um regime totalitário de índole marxista-leninista.  Tal como Salazar, que repetia amiúde que durante a vigência do regime fascista não havia uma oposição em Portugal, também a Frelimo e os seus “acólitos” defendiam a mesma posição relativamente a Moçambique no pós-independência. Mia Couto apenas apresenta-a de uma forma diferente.
Embora implicitamente Couto admita que o conflito moçambicano teve igualmente razões endógenas ao afirmar que“...fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos”, peca por minimizar, ou, por outra, não relevar os “contornos endógenos” por detrás da guerra civil em Moçambique, resumindo tudo a uma estratégia global de agressão concebida do exterior como se o que ele chama de “contornos endógenos” jamais constituiu razão para uma guerra entre irmãos. Por outras palavras, Couto está a “pedir-nos” que não nos esqueçamos nunca que existem opressores bons e maus. A partir do momento em que o opressor se vestiu de pele negra, mulata ou branca e se chamou moçambicano, tudo andou maravilhosamente em Moçambique: não havia razão de se guerrear contra o compreensível e bonzinho opressor.
Mas o que “é preciso não esquecer nunca” é que a guerra civil moçambicana foi gerada no ventre duma ditadura imposta à Nação por uma Frelimo que fez tábua rasa do seu próprio programa de acção adoptado no 1° Congresso em Setembro de 1962 e que dizia, entre outras coisas, que visava:
  1. A instauração de um Regime Democrático na base da Independência total, e no qual todos os moçambicanos estarão no mesmo plano de igualdade perante a Lei, com os mesmos direitos e deveres;
  2. A formação de um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação seja fundamentada na vontade popular e;
  1. O respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A independência significou no fundo a transição de uma ditadura fascista para uma de índole comunista. O partido único de Salazar/Caetano – a União Nacional (ANP) – foi substituído por uma auto-intitulada vanguarda revolucionária; a PIDE/DGS passou a designar-se por SNASP. E o decreto presidencial que instituiu esta nova polícia política foi descrito por um sonante jurista moçambicano, como uma “monstruosidade jurídica” pois conferia-lhe amplos poderes para prender e mandar prender à revelia dos tribunais; e impedir que as pessoas que caíssem sob sua alçada estivessem abrangidas pela cláusula do Processo Penal que estipulava que um detido tinha 7 dias para constituir defesa e de arrolar testemunhas.
           A insistência em atirar culpas aos regimes minoritários da Rodésia e da África do Sul, longe de esclarecer o que se passou neste país de forma a que as gerações vindouras embrenhem-se na procura de alicerces para uma sociadade mais justa, torna os seus mentores em palhaços da pior espécie aos olhos da própria opinião pública que se pretende conquistar e manter ideologicamente cativo.
Na verdade, o que “é preciso não esquecer nunca” (e isto é para jovens de hoje e os de amanhã) é que em nome de uma justiça popular o regime totalitário imposto pela Frelimo mandou executar sumariamente pessoas. Não há memória de que qualquer instância jurídica moçambicana tivesse julgado ou condenado os presos políticos moçambicanos que cairam nas malhas da Frelimo. De que há memória, isso sim, é Mia Couto, como editor de um diário estatizado, ter dado o seu contributo à campanha de perseguição, difamação e calúnia contra todos os presos políticos moçambicanos, apelidando-os de reaccionários.
O que “é preciso não esquer nunca” é que a exploração desenfreada de camponeses nas plantações de algodão deu lugar à brutalidade das machambas estatais, e que as aldeias comunais – muitas delas erguidas dos escombros dos aldeamentos do exército colonial de ocupação – destinavam-se a ser verdadeiros reservatórios de mão de obra barata para alimentar projectos megalómanos e que a comunicação estatizada – incluindo aquela onde pontificava Mia Couto – apresentava como laboratórios da criação do homem novo.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome da democracia popular, insistentemente propalada em editoriais assinados por Mia Couto, se prenderem homens e mulheres que foram desterrados para campos, ditos de reeducação.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome dos direitos humanos se deportaram milhares de cidadãos moçambicanos para zonas remotas do País no âmbito da Operação Produção, igualmente idolatrada nas páginas do Notícias cujo editor era o próprio Mia Couto.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que não obstante a promessa gravada com o sangue de milhares de moçambicanos que se bateram pelo ideal da independência de se “formar um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação se fundamentasse na vontade popular” em Moçambique a democracia só surgiu 19 anos depois de conquistada da independência nacional.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que apesar da promessa de se respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta foi sistemática e totalmente violada pelo regime da Frelimo. Não existiu o direito à livre expressão do pensamento e o da associação, pois o partido único impunha – e a imprensa estatizada em criminosa conivência com o regime dava o seu aval – o “pensamento comum” e reprimia toda e qualquer manifestação de independência ideológica.
O que“é preciso não esquecer nunca” é que a ditadura da Frelimo reprimiu e perseguiu religiosos de todas as crenças e confissões; combateu os valores culturais dos cidadãos em nome duma campanha bem definida contra os “vestígios da sociedade tradicional-feudal” e que, novamente – e sempre presentes – jornalistas como Mia Couto concederam o seu apoio.
A essência dum regime totalitário como o que a Frelimo impôs à Nação certamente que não arrepiou pessoas como Mia Couto que ainda hoje acreditam que a revolta do povo moçambicano contra a injustiça, a prepotência, o abuso de poder, a arbitrariedade, em suma, a monstruosidade, não só jurídica, mas também política, foi gerada no ventre do apartheid.
A verdade, porém, manda dizer que tal como sobreviveu a Frelimo à queda do regime comunista na Rússia, sobreviveu a Renamo à queda do Smith (na Rodésia) e do apartheid (na África do Sul). E não se precisa de lupas para perceber este fenómeno que se instiste em atribuir a terceiros.
É curioso como frente a toda uma realidade sobejamente conhecida e vivida por muitos; com tudo exposto e provado, algumas pessoas insistem em sustentar historietas que fazem rir crianças. Outro dia rímos à “bandeiras despregadas” quando um amigo nosso, proveniente do outro extremo deste mundo, arranjou uma forma inteligente de acabar com uma discussão: “...nós fomos a Lua e as provas foram sobejamente apresentadas e, basta. Não se fala mais no assunto!”. Quer dizer, quando no século XXI se prova que essa missão seria impossível naquela época e nas condições então existentes, o pobre no nosso amigo insiste que passeou na Lua. Trata-se de mentalidades alienadas, frustradas e tementes, porque a história condenar-lhes-à. Afinal, foram eles a razão da discórdia entre os homens.
ZAMBEZE - 07.07.2005
Veja o texto de Mia Couto em

02-07-2005

Quando Moçambique ganhou o direito à utopia

Dois homens das letras contam como, em 1975, viveram o dia da independência

Kátia Catulo
"Às zero horas de hoje, 25 de Junho de 1975, o Comité Central da Frelimo declara a independência da República Popular de Moçambique." No Estádio de Machava, em Lourenço Marques (Maputo), as palavras de Samora Moisés Machel provocam um coro barulhento de alegria. No meio da multidão, Luís Carlos Patraquim - sem saber como - está a um palmo e meio de distância do primeiro presidente da República moçambicano e assusta-se com as rajadas de Kalashnikov que festejam a alvorada de um novo país. Do outro lado do hemisfério, em Lisboa, Guilherme de Melo sintoniza a Emissora Nacional. Com os ouvidos colados à telefonia, a família apertada no sofá, sente o arriar da bandeira portuguesa e o hastear da moçambicana.
Luís é hoje poeta e Guilherme, contador de histórias. Há 30 anos, um regressou a Moçambique para encontrar a liberdade e outro saiu para evitar a prisão. O poeta chegou a Maputo em Janeiro de 1973; o escritor partiu em Outubro de 1974. Luís Carlos Patraquim refugiou-se na Suécia. A Voz de Moçambique, onde trabalhava, deixou de ser "oposição tolerada" para passar a jornal com ordem para silenciar "Não queria fazer a guerra colonial e era do lado da Frelimo que deveria estar." Guilherme de Melo apanhou o barco para Lisboa. Pressentiu que os ventos da mudança iriam ser demasiado instáveis para quem tinha ao seu cuidado uma mãe de 83 anos: "Se estivesse sozinho, era capaz de arriscar..."
Hoje, com 74 anos, o contador de histórias olha para trás e aponta o dedo aos colonos. "A luta pela independência foi feita pela Frelimo de armas na mão. É por isso que se torna o único interlocutor legítimo para assinar o acordo de 7 de Setembro, em Lusaca, que daria a liberdade ao meu país." Mas, nesse mesmo dia, um movimento influenciado pela Rodésia (hoje Zimbabwe) assalta, em Lourenço Marques e noutras cidades, as instalações do Rádio Clube de Moçambique, declarando, em contínua emissão radiofónica, a "independência branca" e pedindo a intervenção da África do Sul. As Forças Armadas actuam e a tentativa fracassa "Só que era tarde de mais e o processo de independência acabou por ficar inquinado com aquele episódio."
Hoje, com 52 anos, Luís Carlos Patraquim olha para a frente e vê um país que rompeu amarras "O que interessa salvar deste processo é um momento de ruptura com o regime colonial. Isso foi conseguido." O resto, explica, é o percurso inevitável que Moçambique tinha de fazer. Afinal, "a assunção de um país é o pleno direito de assumir as suas utopias e os seus erros. Os seus enganos e os seus desenganos".
Guilherme de Melo voltou a Maputo dez anos depois a convite de Samora Machel para participar no 10.º aniversário da independência. Não havia necessidade de reconciliação, pois "nunca guardou rancor" da sua gente. Houve, sim, o reencontro com um amigo. Samora era um velho companheiro que conheceu na década de 60, quando teve um acidente de viação e ficou estendido numa cama do Hospital de Lourenço Marques "Ele era auxiliar de enfermeiro porque, como era preto, não tinha direito a um diploma*." O futuro Presidente cuidou de Guilherme: lia-lhe os jornais e discutia política; levava-lhe a arrastadeira, dado que o escritor estava impossibilitado de usar a casa de banho.
Muitos anos depois, seria o próprio chefe de Estado de Moçambique a recordar-lhe "Este malandro é o único português que teve um Presidente que lhe limpou o rabo!", contou Machel perante os antigos colegas de Guilherme, ao som das suas sonoras gargalhadas.
Luís Carlos Patraquim veio para Lisboa em 1996. Desde então, vai regressando a Maputo em trabalho ou sempre que consegue um "milagre financeiro". A distância geográfica dá-lhe outro olhar. Do lado de cá, percebeu que as guerras deixaram marcas, sobretudo o conflito civil que, após 1975, dividiu o país "Há uma espécie de esquecimento tácito em relação a este passado e, por isso, a guerra passou para o plano dos espíritos." Os vivos, esclarece, são mais pragmáticos e, "através da purificação", acolheram todos os "filhos da terra".
O colonialismo, esse, "tem as costas largas". Serve para explicar todas as enfermidades do país - as mais antigas e as mais recentes. "Enquanto as elites não conseguirem fazer uma leitura histórica do que foi o colonialismo, nunca se percebem como elite. A ocupação, apesar de injusta, trouxe elementos de modernidade, permitindo pensar o país como um todo."
E só há futuro quando o passado se reencontra com o presente. Foi o caso do contador de histórias que, quando voltou a Maputo, tinha à sua espera os colegas do jornal Notícias de Lourenço Marques. A um canto da redacção, Simone, o contínuo, abriu-lhe os braços. "Tinha a carapinha toda branca. E, quando a carapinha de um preto fica branca, é porque ele é mesmo velho..."
DIÁRIO DE NOTÍCIAS - 25.06.2005
* Nota do autor do blog: Continuo a não entender o repisar desta tese sendo que Armando Guebuza, actual Presidente de Moçambique é filho de um enfermeiro diplomado e tem como padrinho de casamento outro enfermeiro diplomado (que muitas injecções me deu), ambos já falecidos mas de uma geração anterior à de Samora Machel.
Fernando Gil

01-07-2005

Torres de marfim

Espinhos da Micaia

Por Fernando Lima

Ao observar a rudeza com que Afonso Dhlakama tratou o mais velho Marcelino dos Santos, só posso concluir que avançámos muito em 30 anos de independência. Nas liberdades individuais, avançámos sobretudo depois da aprovação da constituição de 1990.
O bom do Afonso, nos primeiros anos da independência, arriscava-se a ir recambiado para um campo de reeducação sem guia de marcha de retorno, pelos piropos com que resolveu responder aos “mimos” que lhe dedicou Marcelino umas semanas antes, no mesmo espaço televisivo. Amor com amor se paga, estamos em democracia, logo o mais velho estava mesmo a pedi-las. Teve o troco.
Moçambique não é caso único. Em muitos outros sítios do planeta, as torres de marfim pertencem ao passado, pertencem à história. O debate de ideias e pontos de vista, não é monopólio de uns quantos eleitos e donos das verdades absolutas. Os excessos de linguagem são, por assim dizer, pequenos acidentes de percurso.
Este pequeno duelo verbal é parte de um debate mais global que finalmente está a tomar corpo no país.
Quando em 2004 foi lançada a obra sobre Uria Simango, muitos reagiram escandalizados ao “best seller” instantâneo em que se tornou o livro, mesmo sem recorrer às tradicionais chancelas, que miseravelmente, como muitos outros “businesses”, têm de andar sempre atreladas ao poder. Mais escandaloso, muitos foram os que, apesar de não renegarem o “kraal” real, discretamente mandaram comprar o livro, pedindo mesmo dedicatória de autor. Não vá o diabo tecê-las em épocas vindouras e de ventos contrários.
Os das verdades imutáveis viram-se acossados no seu próprio reduto, na versão que de algum modo foram paternalisticamente divulgando da saga recente da nação construída.
O “abanão” da obra de Nkomo, com os “mas” e os “ses”  de ocasião, veio pôr a nu um fenómeno muito claro e objectivo. Há um espaço que deve, que precisa ser preenchido. Se os tais das torres de marfim não ocupam, agora que há mais liberdade e debate, alguém acaba inevitavelmente por ocupar esse espaço. Acabou o tempo dos lugares marcados “ad eternum” como naquelas reuniões em que as cadeiras da frente estão sempre desocupadas à espera das estruturas ... que muitas vezes não chegam.
O aniversário dos  trinta anos de independência trouxe-nos essa lufada de ar fresco. Alguns velhos camaradas, que afinal não são tão velhos assim, foram ao baú das memórias trazer-nos as suas vivências, angústias, retalhos de história.
É bom saber mais de Nashingwea, Oyster Bay, das conversas que antecederam Lusaka, de Sitatonga, da Casa Banana. É bom cruzar os testemunhos de Marcelino, Dhlakama, Óscar Monteiro, Cristina Tembe, Mário Soares.
Nós outros agradecemos e queremos mais. Como as memórias que Janeth Mondlane continua a adiar, os relatos dos generais do apartheid, os bastidores das lutas de libertação.
Só assim poderemos fazer de facto o puzzle desafio que é a nossa história recente, um graffitti de cores carregadas, mas, por isso mesmo, mais representativo dos anos de braza da África Austral nossa.

SAVANA - 01.07.2005

30-06-2005

“NÃO HAVIA CONDIÇÕES PARA CHISSANO CONTINUAR!”

Marcelino_opaisMARCELINO DOS SANTOS REVELA QUE A FRELIMO JÁ TINHA DECIDIDO APOSTAR NUMA NOVA LIDERANÇA
Numa entrevista inusitada, Marcelino dos Santos abriu o repositório da memória colec­tiva da história deste país que é, afinal, a sua trajectória política. Porque a história deste homem é a História de Moçambique pela simples razão de que não se pode falar nem de uma nem de outra sem uma alusão mú­tua. Dir-se-ia que estamos em presença do Sr. História de Moçambique.
Marcelino dos Santos fala de si, dos seus companheiros, do passado, do presente, mas so­bretudo do que espera que seja o futuro de um pais que "ajudou a nascer e a criar". Eis as partes significativas de uma entrevista de hora e meia, que pode ser in­tegralmente acompanhada, na próxima terça-feira, na STV.
As razões para nunca ter sido Presidente
- Quando Samora morreu, o senhor era o número dois do país, mas foi Chissano que passou a Presidente. Foi por opção pessoal ou do partido?
- Eu compreendo essa pergunta. Muita gente já me questionou porque é que não fui presidente da Frelimo. Não tenham pro­blemas, não há conflito nenhum entre eu e Chissano, entre eu e qualquer outro membro da Fre­limo. Foi uma necessidade que nós sentimos de pôr o Presidente Chissano. Se vocês querem sa­ber mais, aí terão que esperar um pouco mais. Mas acreditem, estávamos e permanecemos unidos. O povo moçambicano dá-me uma certa liberdade para eu não falar tudo sobre este assunto.
- Coloquei essa questão porque durante muito tem­po o senhor foi o número dois da Frelimo, mas não avançou após a morte de Mondlane e voltou a não avançar após a morte de Machel... 
- Eu falo para dizer ao povo moçambicano que não se preo­cupe com isso. Não há nada de grave nisso. Um dia, quando chegar o momento, vão saber porquê.      
- Esse esclarecimento será feito por si ou após a sua morte?    
- Sei lá, nunca por mim sozinho mesmo se for pela minha boca, terá sempre a voz do partido.
Negociar com "bandidos armados"
- Joaquim Chissano ence­tou negociações com a Renamo para o fim da guerra, sobretudo por via da igre­ja. Havia consenso, dentro da Frelimo, para se nego­ciar com os "bandidos ar­mados" como chamavam à Renamo?
- Consenso havia, talvez hou­vesse alguma relutância por ambas as partes, porque muitos de nós pensávamos o seguinte: a Renamo é uma construção da segurança rodesiana, É muito importante que nós sublinhemos este facto: a Renamo era e é um instrumento criado pela Rodésia do Sul e que de­pois passou para as mãos do Apartheid.
- Mas mesmo assim, foram sentar-se à mesma mesa com esta gente...
- Pois, mas mesmo entre nós perguntávamo-nos porque é que a gente não vai falar com o criador, o apartheid, em vez da Renamo, se o patrão é o apar­theid. Naturalmente que ao ní­vel do mundo era muito difícil, já que o apartheid era o Estado da África do Sul. Era difícil as Nações Unidas aceitarem que o apartheid é que era o dono da Renamo, sendo por isso que houve consenso em aceitar-se que sim, façamos negociações com a Renamo, mas sabendo muito bem que os patrões não são eles, o dono era o apar­theid.
- O senhor disse em Malehice, na homenagem a Joaquim Chissano, que não teria tido a paciência de Chissano para negociar durante 27 meses...
- Isso é verdade... (risos), porque cada um é como é. Um partido tem a responsabilidade de escolher os seus quadros em função das exigências do tempo e não há dúvida nenhu­ma que o camarada Presidente Joaquim Chissano tem uma paciência enorme. Nós discu­timos coisas fortes no Comité Central e houve momentos em que começamos a gritar, elevando a voz sempre respeitosa­mente, mas Chissano sempre falava calmamente. Então, não há dúvida nenhuma que para esse período, Chissano foi, real­mente, a pessoa indicada.
- Se tivesse sido Marcelino dos Santos teria roído a corda...
- Se o partido me tivesse indigi­tado para ir lá negociar, creio que teria feito o papel de mem­bro do partido, mas era preciso uma luta interna muito grande para eu conseguir ser disciplinado, confesso muito franca­mente.
- O senhor disse também que nunca iria apertar a mão a Afonso Dhlakama. Mantém a ideia?
- Naturalmente.
- Mas porquê?
- Um indivíduo que foi criado pelo apartheid, um instrumen­to do apartheid, que nem per­sonalidade moçambicana tem, com que base eu vou aceitá-lo na nossa comunidade?  Nor­malmente,   nós   pensamos   o seguinte: eu fiz muitos erros, traí, etc, mas pelo menos eu devo ser capaz de chegar diante do povo moçambicano e pedir desculpas por ter feito isso, pedir para ser perdoado e ser reintegrado na família moçam­bicana.
Os erros da Frelimo e da Renamo
- A Frelimo também come­teu erros...
- Enquanto na Frelimo cinco por cento são maus, na Renamo cinco por cento são bons e 95 são criminosos. Como é que você pode fazer uma compara­ção dessas?
- Eu coloco esta pergunta porque há situações de er­ros que a Frelimo também, se fosse por uma questão de lógica, ia pedir descul­pas ao povo.
- Não, não.
- Por exemplo a Operação Produção. A Frelimo não deve pedir desculpas ao povo?
- Não, antes pelo contrário, há muitas pessoas que estão a pedir Operação Produção. Você vai a muitas províncias e encontra o povo que foi orga­nizado no tempo da Operação Produção.
- Mas nos moldes em que ela foi conduzida, raptando pessoas nas ruas e à noite em casa das pessoas?
- Fizemos muitos erros des­ses, mas não para negar o princípio.
- Mas colocava na lógica de pedir desculpas.
- Na Renamo é preciso negar, é preciso recusar o princípio e a prática, mas na Frelimo não.
- Chissano saiu e entrou Guebuza. Estava-se à es­pera, provavelmente, de uma liderança nova. A Frelimo não é capaz de avan­çar para uma liderança nova no sentido de gente toda nova, completamente descomprometida com o passado do partido?
- Você tem medo do seu passa­do? Que gente é você? (risos), Não é por ser gente nova que se é revolucionário! Há gente jovem reaccionária. Há ou não há? É capaz de dizer o con­trário? Não se pode pôr do lado dos reaccionários, mas o pro­blema é esse, companheiro. É errado pensar que o processo de desenvolvimento de um país passa por, num momento, re­jeitar os que são antigos. Há que sempre fazer a ligação en­tre as gerações.
- E essa ligação está sendo feita?
- Está sendo feita, sim. Mesmo que a gente a esteja a fazer com muitos erros, o princípio é este, camarada, não pode ser gente nova... gente nova... chamar qualquer reaccionário, assim? Vejamos, por exemplo, o que aconteceu com o Conselho Na- cional da Juventude. Viram de perto a evolução do Con­selho Nacional da Juventude, o trabalho que foi feito pela direcção anterior. Vocês viram o trabalho que foi necessário fazer para recompor a situa­ção no CNJ?
Nova postura para o governo
- Quando Armando Guebuza tomou posse, o Sr. Marcelino dos Santos disse que tinha entrado o governo do povo, O que quis dizer com isso?
- Porque é um governo para fazer trabalho do povo, para respeitar os interesses das massas populares.
- Chissano não estava a fazer isso?
- Chissano estava, mas ele en­trou num momento muito difícil em que nós tivemos que negociar com toda essa gente, incluindo o Banco Mundial. Ora, sabe muito bem que a aceitação das relações com o Banco Mundial foi o abrir as portas à invasão do capi­talismo e do imperialismo no nosso país, quer dizer, abri­mos a porta para aquilo que se chama capitalismo liberal para as economias de mer­cado.
- Acha que foi isso que desgastou Chissano?
- Não. Foi o momento difícil que nós tivemos que supor­tar e, naturalmente, há coisas que eu considero que real­mente não foram das mel­hores. Nós temos agora essa questão que se está a pôr so­bre as areias pesadas em que se diz que não há espaço para os empresários moçambica­nos. Como é que é possível uma coisa dessas, nem para carregar areia? De modo que é isso que nós temos que ver. É preciso criar condições para que os moçambicanos pos­sam participar em todos os projectos que tenham lugar neste país.
- Acha que Chissano foi muito condescendente com o poder financeiro?
- Eu acho que sim, mas eram daquelas coisas… você entra num sistema e não é fácil sair de lá e realmente, nós na Frelimo, tivemos essa capacidade de que podemos transformar a situação pondo Guebuza lá para ser um homem da recu­peração.
- Havia condições para Chissano avançar para um terceiro mandato?
- Eu creio que não havia condições para Chissano con­tinuar. Precisamente porque era exigida uma nova pos­tura do Governo. Não estou a condenar Chissano... você sabe que Chissano granjeou um prestígio imenso no pla­neta, Marcelino nunca seria capaz de fazer isso, daquela maneira. Todo e qualquer moçambicano deve ter orgu­lho disso, isso nós temos que preservar.
- Foi uma decisão pessoal de Chissano ou também do próprio partido que ele não avançasse para um terceiro mandato?
- Bom, segundo aquilo que sei, foi por vontade própria dele, porque quando o camarada Presidente Chissano apresenta ao Comité Central a sua vontade, ou melhor quando a Comissão Política informa o camarada Presidente desta mesma situação, porque foi preciso a Comissão política pedir para ser ele próprio a apresentar a coisa nasceu até ele próprio consagrar que era tempo de deixar.
- Ou seja...
- Era também sentimento nosso que para se efectivar uma real mudança, para permitir que o país passasse para a recuperação de muitos degraus perdidos, era preciso que mudássemos a direcção.
- Objectivamente, o que espera de Armando Guebuza?
- Espero que nós assumamos finalmente o poder. Que a Frelimo retome a linha que consagrou nos seus estatutos, no seu número dois: a Frelimo congrega no seu seio todos os moçambicanos de todas as classes e camadas sociais que aprovam os estatutos e programas do partido Frelimo"
- Parte significativa da classe política actual está aburguesada ou para lá caminha e, em contrapar­tida, o povo vegeta. Não acha que isto distorce o discurso que apregoam, em público, de combate à pobreza?
- Não, não, agora há neces­sidade de nos fazermos com­preender a toda classe social moçambicana que todos te­mos interesses em estarmos juntos porque todos somos oprimidos pela mesma força, que é trazida através dum Banco Mundial e dum fundo monetário que são instru­mentos do grande capital mundial.
SEMANÁRIO “O PAÍS”(Maputo) – Junho de 2005

29-06-2005

O último construtor do Império

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Foi o construtor da barragem de Cahora-Bassa, assim lhe tendo cabido a sina de ter posto de pé o mais colossal empreendimento deixado por Portugal em todo o seu antigo império, que, segundo os cronistas da época, foi de Sofala a Meaco, no Japão, considerado apogeu máximo na imensidão do Índico. Em 1968, quando Castro Fontes, director do Gabinete do Plano do Zambeze e colega de profissão, o sondou sobre a hipótese de ir construir Cabora-Bassa (grafia então usada), isso só podia ter-lhe acontecido a ele. Tinha apreciável experiência na construção de barragens, incluindo a de Cambambe, no rio Cuanza, em Angola, inaugurada em 1963, por Américo Tomás.
Fernando Braz de Oliveira, de ofício engenheiro civil, tem 83 anos. Sabia dele e um pouco da história da sua vida. Mas não o conhecia nem sabia do seu paradeiro. Está aqui, à minha frente, na casa que habita em Sesimbra, incrustada numa encosta virada ao mar e àquela imensidão azul que leva para longe os pensamentos que marcaram a sua vida. Para o Songo, do outro lado do mundo.
Vê-se que já lhe falta vigor e viço à memória. Tem com ele uma espécie de «anjo-da-guarda», que lhe colmata as insuficiências e vela pelo seu bem-estar: Bacar, um negro cor de chocolate, nascido na ilha de Moçambique, com a particularidade de ser muçulmano - o que o distingue mas ao mesmo tempo o aparenta com um patrão que, sendo católico, viveu uma vida inteira de convivência ecuménica. Bacar também vale naquele cenário como uma reminiscência viva de Moçambique - representado em muitas evocações plásticas espalhadas pela casa.
O homem
Cahora-Bassa foi erguida num sítio do curso do Zambeze, situado 250 kms para cá da sua entrada em Moçambique, que a Natureza, prodigiosa e ordenada como só ela é, pareceu, com milénios de avanço, destinar a uma barragem como aquela. Foi Gago Coutinho quem primeiro deu com a magnificência do local, quando, na década de 20, a sobrevoou e por ali deambulou a pé em trabalhos de demarcação da linha de fronteira de Moçambique.
Mas uma coisa eram as providenciais condições naturais para a construção de uma barragem, outra coisa era, no fim da década de sessenta, reunir condições que permitissem avançar. Ou seja, vontade política, muitíssimo dinheiro e grande primor em segurança, dado que a zona tenderia a ser afectada pela guerrilha. A Frelimo não andava longe e, mesmo que andasse, não desdenharia atingir Cahora-Bassa.
A obra que Marcello Caetano tomou a decisão final de mandar construir (muito influenciado por Arantes e Oliveira, a seguir nomeado governador-geral de Moçambique), não é uma barragem qualquer. A construção implicava um desmesurado esforço financeiro. Mas havia severos requisitos de segurança para que tudo corresse bem. Na escolha de Braz de Oliveira está implícita a certeza de que ele «é o homem».
A sua chegada ao Songo cedo se torna notória, investido no cargo de director dos Serviços Regionais de Fiscalização da Obra de Cabora-Bassa (SRFOBC), que traduzido por miúdos significava representante local do dono da obra - o Estado Português -, por intermédio do Gabinete do Plano do Zambeze. Notória não pelos polainitos que usa invariavelmente mas por que é ele que comanda, apoiado em atributos que todos lhe reconhecem: a competência profissional, a autoridade moral oriunda do estilo de vida simples que leva, a sensibilidade humana e social que revela.
Castro Fontes, director do Gabinete do Plano do Zambeze, que primeiro lhe falou na hipótese de ir construir Cahora-Bassa, refere-se a ele em termos muito próximos: «Tinha grande competência profissional, em especial na construção de barragens; mas tinha também grandes qualidades humanas». O subdirector do gabinete, Falcão e Cunha, que acompanhou de perto as obras, faz de Fernando Braz de Oliveira um retrato ainda mais encomiástico - a que não é estranha uma antiga amizade pessoal.
O mundo do Songo
No auge dos trabalhos é um exército de mais de 7.000 formiguinhas (5.000 moçambicanos, mais 2.000 europeus de muitas proveniências) que Braz de Oliveira comanda a partir do Songo. E comanda mesmo, no sentido mais prático que a palavra pode ter. Dá sempre o exemplo e vai à frente; é acutilante na fiscalização e não facilita perante um empreiteiro que é um consórcio, a Zamco, constituído por poderosas empresas alemãs, francesas, italianas, suecas e sul-africanas.
Apesar dos efeitos erosivos do tempo nas memórias que se guardam das coisas antigas, ainda perduram em gente desse tempo e daquele lugar ecos de episódios do mando seguro de Braz de Oliveira. O paredão da barragem já oferece solidez para se começar a fazer o enchimento controlado da albufeira. O consórcio não concorda com o parecer nem com o parecer do director; as razões que invoca são teoricamente ponderosas. Braz de Oliveira não transige, ordena por escrito a operação e assume os riscos.
À frente da equipa que dirige a operação de fecho da galeria de derivação - era preciso activar remotamente mastodônticas comportas - está Braz de Oliveira. Para o seu lado convidou o bispo de Tete, D. César Augusto, que descreve assim a ansiedade daquele momento e logo a seguir o júbilo da abertura do descarregador que expeliu o primeiro jacto de água represada: «(...) empreiteiro, pessoal, autoridades, tudo atento e sustendo a respiração. Depois das comportas descerem lentamente e sem qualquer entrave, eclodiram palmas, enquanto pelas faces do director corriam lágrimas de satisfação e gratidão».
A vila do Songo, levantada de raiz para acolher em boa ordem o formigueiro humano para ali destacado, mais a parentela que veio na peugada, distava cerca de 750 quilómetros do porto da Beira, destinado a ser o ponto de descarga de material que era preciso transportar para o longínquo estaleiro da obra. A partir do Songo também era preciso implantar uma linha (dupla) com cerca de 1.000 quilómetros de extensão, que transportaria a energia produzida em Cahora-Bassa para a central Apollo, em Pretória.
O calcanhar de Aquiles
Os intrincados constrangimentos técnicos e logísticos a que a obra estava sujeita, eram, porém, muito agravados pela ameaça que a Frelimo representava como força subversiva, cuja acção se desenvolvia especialmente no Norte do território. Tendo em conta o tipo de objectivos que a sua acção visava, o modo como operava e os meios de que dispunha, era de esperar que tentasse prejudicar os trabalhos e atrasar o seu andamento, de modo a explorar politicamente isso a seu favor.
A barragem, naquela forma que tem - um paredão em forma de meia-lua a ligar dois maciços rochedos que faziam de garganta ao Zambeze - começou a ser construída em 1969. Quando ocorreu o 25 de Abril, os trabalhos de construção civil estavam praticamente concluídos. As linhas de transporte até Pretória tinham sido estendidas com um avanço de um ano. Todos os prazos do projecto foram cumpridos e o orçamento não precisou de ser reforçado. A Frelimo nunca conseguiu afectar a obra, a nenhum título.
No dia em que me encontrei com Braz de Oliveira estava presente um homem que lhe é próximo, o coronel Rodrigo da Silveira, a quem couberam responsabilidades primaciais na montagem e operação do dispositivo de defesa e segurança para cuidar de Cahora-Bassa. A concepção militar do sistema e o empenhamento para que funcionasse, ligaram a Cahora-Bassa outro homem: Kaúlza de Arriaga.
O abencerragem
Braz de Oliveira é um típico abencerragem desses exaltados «construtores do império». A revolução e a sanha anticolonialista que a marcou fizeram dele e de outros como ele gente votada ao esquecimento, de cuja memória ninguém cuida ou quer saber. Os santos, heróis e mártires são agora outros - até as efemérides, de cuja lista não fazem parte evocações do passado.
A seguir ao 25 de Abril e por todo o tempo ainda que foi preciso para dar inteiramente por concluído o empreendimento (faltava a central), Braz de Oliveira manteve-se no «seu» Songo de anos passados. Como julgou que lhe competia, indiferente às conturbações que aí vinham. E é desse Songo e daquele monstro imponente que pôs de pé que lhe devem vir as saudades que o vão moendo no refúgio de Sesimbra, na companhia de um negro que com ele veio de Moçambique.
Xavier de Figueiredo
EXPRESSO ÁFRICA -18 Junho 2005 

28-06-2005

«Nada me pesa na consciência», afirma o ex-presidente Mário Soares

O ex-Presidente português Mário Soares, um dos principais negociadores da independência de Moçambique, de que passam hoje 30 anos, afirmou em Maputo que não se sente arrependido do processo e que nada lhe pesa na consciência. 
Durante uma palestra que proferiu na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Soares recordou as negociações de Lusaca, em 1974, entre o Estado português e a FRELIMO.
"Eu não dei, nós negociámos a independência", afirmou, respondendo a uma pergunta do porta-voz da RENAMO, Fernando Mazanga, sobre a opção tomada em 1974, que privilegiou na negociação a FRELIMO, então o movimento de guerrilha em Moçambique.
"Não estou arrependido, nada me pesa na consciência", afirmou Soares, que se encontrava rodeado pelo reitor da Universidade Eduardo Mondlane e pelo ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano.
"Obrigado, moçambicanos, por vos terdes tornado independentes, por que não é livre um povo que oprime outro", acrescentou o ex- Presidente da República portuguesa, associando as lutas anti-coloniais às dos portugueses que combatiam o regime de ditadura de António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano.
Num balanço sobre os últimos 30 anos no continente africano, Soares considerou, no entanto, que "as populações não vivem melhor do que viviam, talvez pelo contrário" e criticou a globalização que disse ter apenas um sentido.
"A globalização, na sua versão neo-liberal, que é a dominante, não tem sido nada favorável para África", considerou Soares.
"Não é possível impor uma boa governação de que tanto falam certos politólogos e burocratas sem resolver a fome no Mundo", defendeu.
"Não é o G-7, ou G-8, que confunde cooperação com caridade, que pode resolver esses problemas. É a ONU e as suas agências especializadas", acrescentou.
Na ocasião, foi assinado um protocolo de cooperação entre a Fundação Mário Soares e a Universidade Eduardo Mondlane, a maior instituição académica de Moçambique, que incide no apoio mútuo na área da recuperação de arquivos e na história contemporânea dos dois países, bem como em outras acções.
A Fundação Mário Soares é um dos principais promotores das iniciativas que, no próximo ano, vão assinalar os 70 anos do pintor moçambicano Malangatana Valente, com acções em Moçambique e em Portugal. 

NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 25.06.2005

25-06-2005

Mário Soares e o processo de descolonização

O abraço de Lusaka
Rui Ochôa/EXPRESSO
Mário Soares evocou em Maputo o «espectacular e inesperado abraço de Lusaka» entre si e o primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, que há 30 anos abriu o caminho para um acordo de descolonização.
«Foi uma coisa espectacular e inesperada porque o (ex-presidente Zambiano Keneth) Kaunda estava a espera que aquilo fosse uma coisa formal à inglesa (...) e nós avançamos um pouco e demos um abraço com a maior fraternidade», disse Soares ao EXPRESSO África referindo-se ao início das negociações.
O ex-presidente de Portugal e que liderou as negociações de Lusaka afirmou que tal aproximação se deveu ao desejo mútuo de um rápido acordo e porque ambas as partes combatiam por uma causa que era comum: o colonialismo e o fascismo português.
O clima permitiu que «a descolonização e transição para a independência (de Moçambique) fossem concretizados com relativa facilidade e enorme rapidez», acrescentou.
Aliás, Mário Soares considera que «a descolonização foi muito tardia» e ocorreu «num quadro internacional pouco favorável», o que explica as dificuldades que se seguiram.
Soares explicou que se a descolonização tivesse sido realizada cerca de duas décadas antes «teria sido preparada com tempo e em diálogo aberto com as populações, evitado as guerras de parte a parte» e os subsequentes traumas.
O ex-presidente português afirmou voltar a Moçambique «com muita emoção» para assistir a uma cerimónia de celebração da independência, depois de ter integrado também a delegação portuguesa que se deslocou a Maputo para a transferência do poder, a 25 de Junho de 1975.
Depois deste «lapso histórico para Moçambique, mas também para Portugal», o ex-governante português considera que «as coisas correram bem, com baixos e altos, mas estão a andar».
«A democracia em Moçambique está a consolidar-se, já há paz há uns anos a esta parte e portanto há todas as condições para que agora haja um surto de maior progresso para Moçambique», disse Mário Soares, que lamentou no entanto que 30 anos depois da descolonização e devido a um processo de globalização neo-liberal que não favorece África, as populações africanas no geral não estejam a viver melhor do que viviam.
Mateus Chale, correspondente em Maputo
EXPRESSO ONLINE - 24.06.2005

20-06-2005

Brava herança lusitana

MARCELO HENRIQUES DE BRITO*
Hoje é o Dia de Portugal, Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, ocasião propícia para refletir sobre o legado português. Ao longo da história, os portugueses demonstraram uma enorme determinação, capacidade e habilidade para "fazer mais com menos" ao administrar desde grandes e longínquos territórios (como colônias) até negócios pequenos e próximos de residências (como padarias).   Vários portugueses comerciantes apresentaram uma louvável disposição para iniciar e desenvolver negócios com êxito. Para tal, enfrentavam longas jornadas de trabalho, sem esmorecer e com muita organização. Este estilo de gestão era também adotado por suas esposas que, com arte, planejamento e dedicação amorosa, preparavam receitas deliciosas, costuravam roupas bonitas e educavam seus descendentes para serem pessoas "d"honra e vergonha" bem-sucedidas.  Luís de Camões cantou o perfil desse povo que tivera coragem para vencer o medo do descon! hecido e desenvolvera navios e técnicas de navegação na Escola de Sagres, constituindo um brilhante exemplo de gestão da inovação com objetivo empresarial. Enquanto realizava comércio lucrativo, buscava novos mercados e ampliava fontes de matérias-primas, a reduzida população defendia a integridade da pequena terra na Europa e valorizava a vida bucólica, o que também fez Eça de Queiroz em "A Cidade e as Serras".   Ao conciliarem a centralização com a descentralização (quando se decide com agilidade e escassez de recursos), os portugueses conseguiram, durante séculos, gerir grandes áreas no mundo, miscigenando-se em geral com a população local na solução de problemas. É exemplar a união de escravos e índios aos portugueses e luso-descendentes para expulsar os holandeses de Pernambuco em 1648 na vitoriosa Batalha dos Guararapes, que lançou as bases do ideal de ser brasileiro.
Habilidade portuguesa
Em 1808, o estadista D.João VI, antecipando-se ao Commonwealth (que até hoje une ao Reino Unido países como Canadá e Austrália), concebeu uma estratégia de preservação da integridade de territórios sob influência portuguesa, a qual impediu o desmembramento do Brasil, na contramão do ocorrido na América Espanhola. Sua vinda ao Brasil transformou o Rio de Janeiro de forma memorável, como registrei no livro "Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política". O reconhecimento em 1825 da independência do Brasil revelou a habilidade portuguesa para negociar situações difíceis.
Por saber negociar, Portugal mediou entre 1864 e 1865 o restabelecimento das relações entre o Império brasileiro e a Inglaterra, após o Governo brasileiro ter cortado relações em 1863, devido a um infeliz incidente diplomático em 1861 (Caso Christie). Foi ainda mais importante a ação incisiva de Portugal para fazer os ingleses reconhecerem, em 1896, a soberania brasileira sobre a Ilha da Trindade na costa do Espírito Santo, que os ingleses haviam ocupado em 1895.

Felizmente, o Brasil não tem hoje uma tensão diplomática similar àquela em torno das Ilhas Malvinas. É preciso reconhecer a contribuição generosa do Governo português, lembrando que o Brasil rompera relações diplomáticas com Portugal entre 1894 e 1895, devido ao fato de a Marinha portuguesa ter acolhido protagonistas da Revolta da Armada, embora a Monarquia portuguesa houvesse reconhecido a República brasileira, dias após a primeira eleição republicana em setembro de 1890.
Apesar da neutralidade na Segunda Guerra Mundial, Portugal aceitou em 1942 o encargo de representar o Brasil perante os Países do Eixo, no caso de rompimento de relações diplomáticas. Continuando a tradição de evitar rupturas com conseqüências nefastas, um regime ditatorial e colonialista foi encerrado com profícuas negociações na chamada Revolução dos Cravos de 1974, a qual pode te! r influenciado a transi ção política na Espanha e a abertura democráti ca no Brasil n! a década de 70.
Surge a reflexão: a inata capacidade brasileira para gerir conflitos teria raízes lusitanas?
Finalizando, saltam aos olhos os laços de amizade, cooperação e consulta viabilizados pela escrita e fala da língua portuguesa. O belo idioma fortalece o entendimento e o afeto entre inúmeras pessoas dispersas pelo mundo. Por compartilhar esse idioma, "taí", a portuguesa Carmen Miranda fez tudo para o mundo gostar dos brasileiros! E os brasileiros têm motivos para cultivar relacionamentos sólidos com a Comunidade Portuguesa, com a qual devem ser desenvolvidas relações políticas e econômicas de forma a zelar por uma identidade, pois como já exprimiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é minha língua".
*Administrador, engenheiro, diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e sócio da Probatus

19-06-2005

Negros e livres no Brasil colonial

Adelto Gonçalves*
            Escravos e libertos no Brasil colonial (The Black Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil), de A.J.R. Russel-Wood, foi um livro extremamente importante no estudo dos indivíduos livres e libertos de origem e ascendência africana quando saiu à luz, nos Estados Unidos, em 1982. Tanto que é largamente citado nas bibliografias dos trabalhos que se escreveram sobre o tema nos últimos 23 anos. Mas, desde então, acumulou-se uma rica e crescente bibliografia, não só empreendida por alguns historiadores norte-americanos como, principalmente, por pesquisadores brasileiros, baseada em pesquisas meticulosas de arquivos numa dimensão que não havia sido alcançada por Russel-Wood.
Que um livro tão importante para a historiografia brasileira seja publicado só agora no Brasil, é culpa que, obviamente, não cabe ao seu autor, mas apenas à miopia dos editores brasileiros especializados em História. Tivesse obtido tradução em português em seu devido tempo, na década de 80, por certo, teria sido muito mais útil aos pesquisadores que desenvolveram trabalhos de mestrado e doutorado em História, ainda que muitos se tenham valido da edição em inglês.
Nem por isso deixa de ser leitura importante e fecunda que ainda pode oferecer algumas idéias e pistas para novos trabalhos, tal a enormidade de fontes e conclusões que o pesquisador norte-americano apresenta. Figura afável, Russel-Wood, 76 anos, é sempre lembrado com carinho por aqueles que tiveram a sorte de cruzar com ele nos arquivos do Brasil e Portugal. E, embora ainda em atividade, já deixou sucessores de grande porte como  o pesquisador Ernst Pijning, holandês de origem e hoje professor da Minot State University, em Dakota do Norte, EUA, especialista na questão do contrabando no Brasil do século XVIII, de quem o brazilianist foi orientador no doutoramento na Johns Hopkins University.
Pesquisador responsável e atento, Russel-Wood, em razão das descobertas mais recentes, decidiu que, se o seu livro teria de, finalmente, ganhar edição brasileira, não poderia mais sair do jeito que havia sido publicado em 1982. Por isso, escreveu um epílogo que é mais um novo capítulo, de 54 páginas, em que admite que teve de fazer uma revisão completa de seu entendimento do processo de manumissão e da contribuição dos libertos (nos documentos da época, quase sempre, chamados de forros) e dos não-brancos livres à economia, à sociedade e à cultura do Brasil colonial.
Em seu epílogo, Russel-Wood tratou de rever a nova historiografia concernente aos tópicos discutidos em seu livro, sem deixar de ressaltar como os novos achados acadêmicos o levaram a modificar suas abordagens anteriores. De fato, à época em que escreveu seu livro, ainda estavam presentes na historiografia alguns estereótipos sobre a família patricarcal, as condições da escravatura e a posição dos indivíduos de ascendência africana livres na sociedade escravocrata do Brasil colonial.
Como observa Russel-Wood, há dois temas que percorrem o seu livro. Um é até que ponto os escravos e pessoas livres negociavam e tomavam decisões com base em suas prioridades e não no contexto de um dono ou como reflexo de valores europeus. O outro tema diz respeito à fluidez das relações no Brasil colonial. A essa época, o fato de algo ser legal ou ilegal podia depender menos do ato que da posição do indivíduo ou do contexto da suposta transgressão.
Para Russel-Wood, não estava menos sujeito a interpretações o conceito de “corrupção”. Quais eram as circunstâncias que determinavam se uma prática comercial era lícita ou ilícita? Pensando bem, ainda hoje é assim no Brasil: há uma classe social que sempre paira acima da lei. Ou, como se dizia à época da conjuração mineira de 1789: a lei é sempre para os que estão por baixo.
Russel-Wood lembra que os indivíduos de ascendência africana que nasceram livres ou conquistaram a liberdade viveram uma época e num lugar em que sua posição era ambígua e incerta. De fato, no Brasil colonial, a distinção legal entre um escravo e uma pessoa livre era nebulosa ou ignorada em alguns decretos reais e éditos de governadores, enquanto em outros casos o fato de um infrator ser escravo ou livre era decisivo para determinar sua punição.
Diz o pesquisador que exatamente por serem indivíduos livres aos olhos da lei mas ainda inalienavelmente associados ao fato de que seus antepassados haviam sido escravos, para os nascidos livres ou alforriados a cor da pele assumia importância adicional. A pele mais escura ou mais clara poderia alterar a escala pela qual teriam negado ou garantido o acesso a certas oportunidades. Ou seja, a liberdade dessas pessoas era vulnerável e podia ser revogada ou alterada.
Em conclusão, Russel-Wood diz que há indícios suficientes de que as pessoas livres e libertas, homens e mulheres, nascidas na África e no Brasil, tiveram a oportunidade de toma decisões, negociar e, por seus atos, assumir certo grau de controle sobre a vida. Ou seja, no Brasil, “houve um mundo que o africano criou”, diz Russel-Wood, parodiando famosa frase do antropólogo Gilberto Freyre. Muitos, mesmo enfrentando um ambiente hostil, montaram negócios e constituíram famílias. Mas pouquíssimos ficaram muito ricos e tornaram-se famosos além de seu local de residência. Para a maioria, a condição legal de ser livre não os poupou de uma vida cotidiana precária, de pobreza e até de miséria.
Ainda hoje no Brasil, o panorama não é muito diferente.  A igualdade das pessoas perante a lei ainda é fluida, ou seja, varia de acordo com a condição social, o que vale para negros, pardos e brancos. Recentemente, no dia 14 de abril de 2005, num jogo de futebol entre São Paulo e Quilmes, da Argentina, no estádio do Morumbi, em São Paulo, pela Taça Libertadores da América, o jogador argentino Desábato xingou o atacante brasileiro Grafite com palavras racistas, o que motivou a sua prisão por um delegado de polícia a pedido do jogador são-paulino. Tudo feito à frente das câmeras da TV com muito estardalhaço.
Aproveitando esse fato numa aula de Antropologia, perguntei numa prova aos alunos se eles acreditavam que a reação de Grafite faria eclodir um novo paradigma na sociedade brasileira. Ou seja: se a partir daquele fato as diferentes situações de discriminação e constrangimento a que estão expostas as pessoas negras no Brasil receberiam o mesmo tratamento dado àquele caso?
A resposta unânime foi de que aquilo só acontecera porque, primeiro, o jogador Grafite era rico e famoso e, depois, porque se dera sob os olhos da mídia. E que, em circunstâncias normais, um negro pobre ou remediado, mesmo se insultado em seu cotidiano, não levaria o caso adiante não só porque teria de contratar os serviços (sempre custosos) de algum advogado como também não acreditaria na boa fé das autoridades policiais e muito menos da Justiça. Em outras palavras: não mudamos muito desde a época do Brasil colônia.
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ESCRAVOS E LIBERTOS NO BRASIL COLONIAL, de A.J.R. Russell-Wood, tradução de Maria Beatriz Medina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 473 págs., 2005. E-mail: record@record.com.br
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*Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail:adelto@unisanta.br

16-06-2005

A Construção da Nação em África

A Construção da Nação em África
Pedro Borges Graça
2005
ISBN 9724024857
339 pags. 

Envio em 24 horas
Preco S/IVA: € 19.05  PVP: € 20.00     4010$00
CONTEÚDO
A construção da nação em África resulta da interacção entre a herança africana e o legado colonial, entre os valores africanos e os valores europeus ou ocidentais, entre a tradição e a modernidade. E dessa interacção está a resultar a formação de um terceiro elemento, que não é o somatório dos outros dois mas sim algo de novo que comporta ambivalência cultural e cuja identidade se define mais facilmente pela alteridade no contexto internacional. Esta realidade pode ser observada no caso moçambicano, tanto nas massas como nas elites, tanto no trabalhador que emigra para a África do Sul como no diplomata que se confronta com os seus congéneres africanos anglófonos ou francófonos ou, até mesmo, apesar da afinidade linguística, no estudante moçambicano em Portugal face aos seus colegas guineenses ou angolanos. Mas, para todos os efeitos, a língua portuguesa é o cimento da construção da nação em África na área lusófona. www.almedina.netPrefácio Os temas da Nação e do Nacionalismo foram dos mais dominantes durante todo o período da descolonização, assumidos em planos diferentes pelas soberanias coloniais europeias e pêlos movimentos de libertação. As primeiras tinham apoio num conceito histórico da própria identidade, referência teórica num pensamento dividido entre a matriz sobretudo cultural de Renan e a matriz sobretudo étnica de Ficht, e apoio político nas formulações de Willson sobre a relação entre o Estado e a comunidade nacional; os segundos, usavam igual semântica para uma formulação ideológica cujo conteúdo mobilizador era o da submissão alienante a uma potência responsável pela igual condição dos habitantes do território. A França, para abandonar o Império em resultado da equação de forças, foi além do limite das capacidades na Argélia porque, como disse Mitterand, esta tinha sido, era, e seria a França. Quando Portugal, na vigência da Constituição de 1933, afirmava a unidade nacional de todo o território, apoiava-se na suposta unidade da diáspora do povoamento, e nas fidelidades das restantes etnias às quais uma corrente doutrinária, com assento universitário, não reconhecia nem a nacionalidade nem a cidadania. A nação, de acordo com o conceito que finalmente foi consagrado pela orientação de Willson, no fim da guerra de 1914-1918, era entendida como uma comunidade na identificação sociológica, e avaliada como a expressão mais sólida da solidariedade que orienta a decisão de suportar em comum as adversidades, os desafios, os projectos, mantendo-se assim na sucessão das gerações, e ambicionando a suficiência de meios, recursos e determinação para gerir politicamente, com independência, os seus destinos. Na conclusão de Lord Acton, de regra foi o Estado que deu origem à Nação, e não a Nação que antecedeu o Estado, reservando assim uma intervenção determinante para a variável do poder político e da relação duradoira entre a dependência da população de uma sede do poder, e o seu envolvimento longo num projecto estratégico de governo. Isto com a necessária reserva de reconhecer que a condição comum de submissão a um poder alienígena também determinou a decisão de um poder rebelde lutar pela libertação, independentemente de a população ter atingido a definição de solidariedade abrangente do modelo nacional. Por outro lado, é de considerar também que a realidade nacional não obriga a que a decisão para a escolha do modelo de governo recuse soluções de soberanias cooperativas, de serviço, federativas, ou unitárias. A questão transversal é a de salvaguardar a nação, sempre que este patamar da evolução foi atingido. Esta importância da nação, frequentemente acrescida de um projecto nacionalista que tenderá para reprimir internamente discórdias ou dissidências, e para animar expansionismos agressores de outras comunidades com apelo a uma ideologia de justificação, originou um trânsito semântico das palavras para as ideologias de libertação dos territórios coloniais. Tais movimentos declaravam-se nacionalistas, e chegavam ao poder acrescentando frequentemente a convicção democrática, umas vezes assumindo formalmente o modelo das democracias ocidentais, outras vezes o modelo das democracias populares. Este percurso de imagem cobriu a formação de Estados que governam um aglomerado de etnias longe de corresponder a uma comunidade nacional, e que são Estados autoritários também longe de qualquer modelo democrático, muito claramente longe dos ocidentais. O primeiro desvio consolidou-se com a aceitação do critério da própria ONU relativo às fronteiras geográficas, condicionando as independências pela definição arbitrária que as potências colonizadoras tinham estabelecido, e que os estatutos da OUA declararam definitivas. No que toca ao segundo desvio, talvez a primeira referência esteja no facto de que nenhuma das metrópoles colonizadoras, ainda que sendo democracias estabilizadas como eram a Inglaterra e a França, organizou qualquer regime de carácter democrático nas respectivas colónias. Quer o seu representante se chamasse vice-rei, governador, ou alto-comissário, era sempre de um poder indiviso que se tratava. Este modelo era o mais próximo das tradições locais, e os movimentos de libertação, sobretudo os que adoptaram a luta armada, foi a apropriação desse poder que tiveram como objectivo estratégico, um alvo apoiado na experiência da cadeia de comando do período dos combates. Ainda em casos como os de Leopold Senghor e Houphouet-Boigny, no Senegal e na Costa do Marfim, o poder foi vitalício não obstante a formulação constitucional e o passado de experiência de participação no poder governativo da França. Senghor teve a sabedoria de se retirar já na quarta idade, mas Boigny não evitou a triste degradação do exercício. O facto, dolorosamente sublinhado pela evolução da África do Sul até ao milagre do aparecimento de Mandela, é que a luta pela aquisição, manutenção, e exercício do poder, ancorado numa sede de apoio penosamente defendida, traduz o modelo dominante, com a referência à Nação e ao nacionalismo remetida para a definição ideológica formulada com ambígua tradução, e como projecto a realizar, não como referência a uma realidade existente. Enquanto manifestações de violência extrema vão pontuando o trajecto de numerosos regimes, é promissor que a literatura vá revelando ensaístas, contistas, romancistas, poetas, que proclamam a urgência da liberdade, apelando ao modelo democrático, de que a soberania colonial não deixou exemplo, como indutor pacífico da convergência do cosmopolitismo herdado para o modelo de comunidade talvez nacional. Um passo que inicia uma longa e acidentada caminhada, mas uma esperança que anima o trabalho de Pedro Graça, confiante no poder da palavra. Adriano MoreiraÍndice Capítulo I - Introdução Capítulo II - A Perspectiva Africanista Capítulo III - A Construção da Nação em África Capítulo IV - Estruturação da Cultura Moçambicana Capítulo V - Conclusão (Para a Compreensão da Construção da Nação em Moçambique)

15-06-2005

Moçambique: Presidente Guebuza empenhado para elucidar morte de Samora

Monumento_samora01Maputo, Moçambique, 14/06 - O chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, garantiu que o dossier sobre a morte do primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, falecido num acidente de aviãção em Outubro de 1986 na África do Sul, "nunca esteve e não está esquecido".
Em entrevista à "Rádio Moçambique", emissora oficial, por ocasião dos 30 anos da independência do país a celebrar-se a 25 de Junho, Guebuza disse que o governo continuará a pressionar até alcançar as respostas sobre a morte de Samora Machel, mas esclareceu que elas não dependem apenas do Executivo, mas também do resultado das investigações.
"O dossier existe. Nunca Moçambique, a nível do governo, o pôs de lado. As respostas é que ainda não estão lá. Vamos continuar a pressionar para que possamos encontrar tais respostas que não dependem totalmente de nós mas sim do resultado das investigações ainda em curso", afirmou.
Guebuza considerou que o alcance da verdade está a ser comprometido pelo facto de se desconhecer como apareceu o sistema de navegação "VOR" que transmitiu sinais, forçando o avião que transportava Samora Machel e sua delegação a desviar da sua rota normal e a se despenhar em Mbuzini (África do Sul).
Um outro empecilho para o esclarecimento do caso é a atitude do então regime sul-africano do "apartheid" que considerou encerradas as investigações para sonegar da verdade, precisou.
"Nós não podemos parar por aí. Temos que continuar a investigar para podermos conseguir levantar as questões relevantes do assunto. Estamos a trabalhar para que isto aconteça. Este dossier nunca foi esquecido. É impossível que seja esquecido", ressaltou Guebuza.
Esta foi a primeira reacção do Presidente moçambicano sobre a morte de Samora Machel desde que assumiu o cargo em Fevereiro último.
Samora Machel morreu em Mbuzini a 19 de Outubro de 1986 com 34 membros da sua comitiva na sequência do despenhamento do avião presidencial quando vinha da Zâmbia, para onde se deslocara em missão de paz para a África Austral.
O local onde Samora Machel morreu foi transformado em monumento em sua memória após o derrube do regime do apartheid na África do Sul.
AngolaPress

Metical assinala mais um aniversário( 45º aniversário do massacre de Mueda)

Assinalam-se hoje, 16 de Junho, no país, dois acontecimentos importantes, nomeadamente o 25º aniversário da criação do metical, a moeda nacional, e a passagem de 45º ano após o massacre de Mueda*, em Cabo Delgado que, segundo a história oficial, terão morrido cerca de 600 moçambicanos crivados de balas das tropas coloniais portuguesas, quando de forma pacífica exigiam a Independência Nacional.
Sobre o massacre de Mueda, à medida que o tempo passa e com os investigadores a pesquisar mais os dados, se começa a por em causa o número oficial de vítimas. Um dado que parece assente é que a tropa colonial disparou contra manifestantes civis em Mueda naquela longínqua data (16 de Junho de 1960). Quanto às mortes, acredita-se que não terá chegado a duas dezenas.
Moeda nacional
À meia-noite de domingo, dia 15 de Junho de 1980, através da emissão nacional da Rádio Moçambique o então presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, em discurso à Nação, decretou formalmente o fim de circulação da moeda em Escudos e a introdução do Metical como moeda de circulação nacional. Tal medida foi formalizada nas Leis 2 e 3/80. A designação da moeda - o Metical - deriva do nome de uma moeda de troca utilizada nas transacções entre as populações em algumas regiões de Moçambique centenas de anos antes (aparentemente uma pitada de ouro aluvial enfiada na parte oca de uma pena de ave). No entanto, a passagem de mais um aniversário do Metical ocorre numa altura em que aquela moeda nacional está em queda cambial face às moedas mais fortes, como o
dólar norte-americano(o câmbio da moeda nacional em relação ao dólar está acima de 24 mil meticais).
IMPARCIAL – 16.06.2005
*Passando hoje mais um aniversário do denominado “massacre de Mueda” e devido aos erros crassos, e porque não propositados, contados na História Oficial da Frelimo, não só quanto à motivação da reunião, como ao modo como decorreu a “banja” e suas consequências, peço que vejam e ouçam o que está em:
* Claro que, independentemente do número, são sempre de lamentar quaisquer mortes violentas.
* Aos mais descrentes, peço que consultem o Arquivo Histórico de Moçambique.
Fernando Gil

14-06-2005

África, 30 anos depois

Livro Visão: África, 30 anos depois

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A Visão produziu um livro em comemoração dos 30 anos de independências, procurando entre outras coisas evidenciar as mudanças. Serão 240 páginas a publicar no próximo dia 16 de Junho.

Custará 14.90 euros e acompanha a revista. Nesta semana nas bancas, portanto.
Quando é que os portugueses chegaram a estes países? O que lá encontraram? Quais foram os principais momentos da sua História? Quem são as principais personagens? Quais são as principais riquezas de cada um deles? O que lá se produz? Quantas pessoas lá vivem? África, 30 anos depois faz o retrato dos países nos dias de hoje, reúne todos os dados estatísticos, apresenta os novos mapas e uma valiosíssima colecção de fotografias. Para além das reportagens, as crónicas de Cáceres Monteiro; Joaquim Letria; Edite Soeiro; José Silva Pinto; J. Plácido Júnior; Luís Almeida Martins; Pedro Vieira; Rodrigues da Silva. E ainda, os balanços de Adriano Moreira, Pezarat Correia e Vítor Crespo.

13-06-2005

Jaime Gama representa Portugal no 30º aniversário de independência

Sampaio_gamaO presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, vai representar o presidente Jorge Sampaio nas cerimónias do 30º aniversário da independência de Moçambique, disse fonte da embaixada portuguesa em Maputo.
O governo de Moçambique convidou Jorge Sampaio a participar nos 30 anos de independência do país, que se assinalam a 25 de Junho, mas, por indisponibilidade de agenda, o Chefe de Estado delegou em Jaime Gama a representação de Portugal nas actividades.
A independência de Moçambique pôs termo a 12 anos de guerra, entre 1962 e 1974, que opôs o Estado português à FRELIMO, e foi acordada em 1974 na capital zambiana, Lusaka, por delegados das duas partes. Samora Machel, o primeiro presidente do país, proclamou a independência de Moçambique às 00:00 horas do dia 25 de Junho de 1975, no estádio da Machava, arredores de Maputo, dando continuidade ao desmantelamento do império colonial português iniciado com o 25 de Abril de 1974 e que conduziu à criação de cinco novos países africanos.
O programa de festejos que assinalam os 30 anos de Moçambique independente inclui a realização de uma "marcha de unidade nacional e contra a pobreza absoluta", iniciada em Maio, que atravessa o país na sua extensão, entre os rios Rovuma e Maputo, num percurso de cerca de três mil quilómetros. 

NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 13.06.2005

10-06-2005

Feio, porco e Mao

Nova biografia coloca líder chinês ao lado de Hitler e Estaline como um dos maiores sanguinários.O "Grande Timoneiro" matou 70 milhões, criou o seu mito e durante 25 anos não tomou banho
Marina C. Ramos( mramos@oindependente.pt)
Assassino, mulherengo, mentiroso e manipulador são alguns dos mimos com que Mao Tse-Tung é brindado na biografia que a escritora britânica de ascendência chinesa Jung Chang – mundialmente conhecida pelo "best seller" "Cisnes Selvagens" – acabou de publicar no Reino Unido. "Mao: The Unknown Story" desmonta os principais mitos surgidos em torno do autoritário e cruel líder comunista ao mostrá-lo como um político impedioso e maníaco, sem escrúpulos nem piedade, capaz de tudo para alcançar (e manter) o poder.
Publicado no início da década de 90, após as manifestações de Tiananmen, "Cisnes Selvagens" descreve os horrores vividos por três gerações de chinesas e tornou-se um fenómeno mundial, espécie de introdução ao que ali se passara durante o século passado.
Os dez milhões de exemplares permitiram a Jung Chang passar os últimos anos a vasculhar arquivos em 38 países durante a longa pesquisa, que incluiu entrevistas com dezenas de personalidades. Henry Kissinger, Dalai Lama, Lech Walesa, George Bush e Imelda Marcos são citados na extensa bibliografia que encerra as 800 páginas, onde se conclui que "Mao foi responsável por 70 milhões de mortos em tempo de paz". Número que o transforma, segundo a autora, no maior assassino da História contemporânea, devido ao clima de medo, suspeição e terror que criou: "A diferença em relação a Hitler e Estaline é que Mao gostava que as torturas e execuções fossem públicas, enquanto eles preferiam o sigilo."
Com o apoio do marido, o historiador britânico Jon Halliday, a escritora descobriu lendas e mentiras que Mao impôs como verdades. Embora o governo chinês tenha ordenado aos poucos sobreviventes do restrito círculo do "Grande Timoneiro" que pensassem bem no que diziam, o aviso de pouco valeu, já que muitos desobedeceram, desejosos de denunciar o que durante décadas calaram.
Assim se desmonta a absoluta fraude que foi a Longa Marcha. Jung Chang explica como Mao passou os nove mil quilómetros no conforto da liteira que ele próprio desenhou, carregado por outros, enquanto descontraidamente fumava e lia. Conclui também que Mão conseguiu ser odiado por todos, se enganou nas tácticas e estratégias adoptadas e só sobreviveu porque o presidente Chiang Kai-Shek permitiu que os vermelhos avançassem. Porque – sustentam com base em documentos e testemunhos – Estaline mantinha refém o filho do presidente, que depois fugiria para Taiwan, motivo pelo qual este assinara um pacto secreto.
Mao também não terá sido arrastado para a Guerra da Coreia pelo comunista Kim Il-Sung e pela invasão norte-americana. Pelo contrário, terá desejado o conflito, mesmo conhecendo as gigantescas perdas que implicava, disposto a trocar a vida de milhares de soldados pela ajuda de Estaline – que não conseguiu – para montar uma indústria de armamento. Tal como não se incomodou com a invasão japonesa durante a II Guerra Mundial, já que, secretamente, acordara com o responsável soviético a divisão da China em que seria o dirigente-fantoche de um Estado bastante mais pequeno que a actual república popular.
Estas são algumas revelações contidas numa biografia onde nem todos os factos apresentados são novos. Um dos seus secretários já afirmou que Mao não se incomodava com o número de mortos desde que atingisse o que queria, tal como são conhecidos os lucrativos negócios de droga que geriu com afinco e dedicação. O líder comunista tornou-se plantador de ópio no início dos anos 40, actividade que lhe valia 60 milhões de dólares anuais, valor que os autores estimam ser hoje equivalente a 640 milhões. Desistiu de tão rendível esquema só porque a ganância entre os membros do partido levou ao excesso de produção e baixou drasticamente os preços.
Monstro de Pequim.
A sua monstruosidade foi igualmente bem documentada na biografia publicada pelo médico pessoal, Li Zhisui, em 1994. O facto de não tomar banho – e não lavar os dentes – durante quase um quarto de século não impediu Mao de ser um mulherengo compulsivo, admirador confesso de menores. Em 1953, foi mesmo criada uma trupe especial de jovens cuja única finalidade era satisfazer sexualmente o camarada. Quem nadava todos os dias e exigia ser lavado com toalhas aquecidas descartava-se delas com a mesma velocidade com que ordenava execuções: ao longo de décadas desenvolveu o hábito sádico de assistir a torturas e mortes violentas, admirando com gozo especial as imagens das sevícias exercidas sobre outros membros do partido. E nem pelos filhos demonstrou qualquer afeição. Durante a Longa Marcha, ordenou que um deles, recém-nascido, fosse abandonado à sua sorte. Ao ser chantageado por Estaline, que ameaçava raptar outro, não hesitou: "Pode ficar com ele."
Amante da boa vida, adorava ler, fumar e comer. Mas, como detestava peixe congelado e apreciava uma determinada espécie, obrigava alguns súbditos – sempre que o seu apetite assim o exigia – a cavalgarem mil quilómetros até Pequim com o alimento na garupa. Sempre viveu como um imperador, com 50 residências oficiais espalhadas pelo extenso território, todas construídas para resistirem a um bombardeamento, mesmo que nuclear.
Não era grande orador e o que o movia não era a ideologia ou o idealismo, afirma-se em "Mao:The Unknown Story". Antes o absoluto ódio que sentia pelos que dizia servir enquanto presidente da República Popular. Durante o Grande Salto em Frente, no final dos anos 50, vendeu comida à União Soviética em troca de armas, enquanto 38 milhões morriam naquela que ainda é conhecida como "a maior fome da História chinesa". Indiferente ao sofrimento alheio, com os trabalhadores a cumprirem jornadas de 20 horas, sugeriu que comessem folhas, decidido a dar uma imagem de opulência quando o país se afundava. "Mao foi o único milionário criado pela China de Mao", escreve Jung Chang, explicando que os direitos obtidos com a venda do célebre "Livro Vermelho" encheram os bolsos do líder, que incentivava a leitura mas proibia e censurava a maioria dos escritores.
A anormal ânsia de poder era a única razão que norteava as decisões de quem sonhava transformar o país numa superpotência. Descrito como um "oportunista egomaníaco", estava disposto "a matar metade da população chinesa" para alcançar o tão desejado poderio militar. Acusações que a dupla de autores prova com documentos e testemunhos citados ao longo das 800 páginas, escritas sem qualquer intuito de vingança.
Pelo menos assim jurou Jung Chang durante as entrevistas de promoção. Quis escrever uma biografia justa e objectiva porque, ao contrário do que possa pensar-se, já não é assombrada pelo passado. "Penso que este livro agitará o mundo e ajudará a moldar o que pensamos da China", disse ao "Guardian".
A HISTÓRIA CONHECIDA
Rui Gamito
Durante anos atirou-se para o chão sempre que ouvia aproximar-se um automóvel a baixa velocidade. Pensava que seria repatriada a qualquer momento. Que a enviariam de novo para a China e para o terrível campo de trabalho, no sopé dos Himalaias, onde aprendera a ser camponesa.
Jung Chang diz que o medo paralisante desapareceu ao escrever "Cisnes Selvagens", ajuste de contas com o passado, relato dos tempos em que meninas eram gueixas ao serviço de senhores que lhes mandavam enfaixar os pés, descrição do sofrimento infligido aos membros do Partido Comunista Chinês por Mao Tse-Tung durante a Revolução Cultural, narrada pela voz de três gerações.
Livro de cabeceira de Margaret Thatcher, "Cisnes Selvagens" depressa se tornou "best seller", traduzido para 33 línguas mas proibido na China. Editado em português pela Quetzal, a biografia conta como uma guarda vermelha de 14 anos acreditou no líder ao ponto de destruir flores sem se questionar porquê, enquanto gritava "slogans" e perseguia professores – ainda hoje recusa cortar o longo cabelo por recordar como em adolescente era obrigada a escanhoar o couro cabeludo.
Convicções então inabaláveis que começaram a desvanecer-se ao assistir à denúncia e brutal detenção dos pais – a mãe foi obrigada a caminhar em cima de cacos de vidro e a passear pelas ruas com um cartaz ao pescoço onde se declarava traidora; o pai enlouqueceu no remoto campo de trabalho para onde foi enviado ao não assinar um cartaz de propaganda, gritando: "Não venderei a alma."
Antes de ser uma das primeiras chinesas a estudar no estrangeiro, Jung Chang foi electricista, metalúrgica, e conheceu a dureza da lavoura. Ao chegar a Londres, pensou que aterrara noutro planeta. Em Heathrow entrou confiante na casa de banho dos homens, já que as calças eram a única vestimenta que conhecia.
Aos 53 anos, está a traduzir para chinês "Mao: The Unknown Story", consciente de que a publicação jamais será autorizada por Pequim. Mesmo que em causa não esteja uma vingança pessoal, não descansa enquanto o retrato de Mao continuar pendurado na Praça de Tiananmen.
9 de Junho de 2005 - O INDEPENDENTE

Adelino Serras Pires divulga relatório da lavra de Mário Ferro(2)

Destaco aqui a actividade de Lucinda Serras Pires Feijão e da Maria José Serras Pires Cardeano, mãe de Serras Pires Cardeano, actualmente na Tanzania.
Ambas são irmãs de Adelino Serras Pires.
A primeira foi redactora da voz da Quizumba e ambas trabalharam no jornal de língua portuguesa que foi encerrado pelas autoridades zimbabweanas.
A família fugiu, depois, para a África do Sul. Daqui, houve ramificações, mas a maior parte dos seus membros foi para Portugal.
Durante a minha estadia em Portugal contactei pessoalmente com Maria José Serras Pires Cardeano, com a Henriqueta Serras Pires, com Adelino Serras Pires Júnior e com Serras Pires Cardeano. Estes dois contactos o contacto foi momentos antes deles se dirigirem à Madrid, Espanha, onde tomariam depois o avião para Tanzania.
A Maria José Pires Cardeano falou-me que já tem o desenho da “nova bandeira” de Moçambique. Ela mantém estreitas relações com Evo Fernandes e lamenta a morte do Cristina, dizendo que este foi “assassinado” pelos irmãos Bomba, “infiltrados pelo SNASP” nos bandos armados.
Por que razão os dois primos estão na Tanzania?
O norte de Moçambique ainda não foi directamente atingido por acções de desestabilização dos bandos armados.
Será que a missão dos dois é de agitar os moçambicanos residentes na Tanzania para os recrutarem?
4. Quem é o Evo Fernandes?
O Evo Fernandes é natural da Beira. Advogado, formou-se na faculdade da Universidade de Lisboa.
No exército colonial Português, pertencia aos Serviços da Justiça ,ficou Comando-Chefe em Nampula, na altura de Kaulza de Arriaga (...)
Após cumprir o serviço militar, aparece como um elemento da confiança do Jorge Jardim. É nomeado subdirector do “Notícias da Beira”.
Após o 25 de Abril de 1974, com a demissão do então director deste jornal, foi nomeado pelo Jorge Jardim para aquele cargo em 8 de Junho desse ano. Esteve apenas um dia nessas funções, já que a três de Junho a Administração Jorge Jardim foi expulsa do jornal pelos trabalhadores.
Continua ligado ao Jardim, mas aparece em 1979 como um funcionário superior da Livraria Bertrand, ligado ao Bullosa.
Ainda se mantém em Moçambique algum tempo, após a proclamação da independência nacional. Chegou a ser professor do liceu, na cadeira de História.
Colegas seus do tempo da Universidade disseram que Evo Fernandes era agente da PIDE infiltrado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Nos últimos tempos, tem visitado com regularidade a cidade de Lisboa.
5.Quem é o Jorge Correia?
(...) é um filho de antigo vendedor de carros do Entreposto, na cidade da Beira.
Quando tinha uns cinco ou seis anos, ele e o pai correram o risco de morrer afogados na praia defronte ao Grande Hotel, na Beira.
O Jorge Correia fez a instrução primária e parte da secundária na Beira. Foi para a “metrópole” prosseguir os seus estudos, tendo chegado a frequentar o segundo ano de Electromecânica.
Após a proclamação da nossa independência, aparece na Beira, casado, intitulando-se “engenheiro electromecânico“.
Obtém um contrato, com um vencimento de 50 contos mensais e respectiva transfêrencia para trabalhar na MOBEIRA.
Possui um apartamento no prédio Emporium e um automovel “Citroen DS 20”.
A esposa é funcionaria do consulado geral de Portugal na Beira .
Por incompetência, é desligado da MOBEIRA.
Vem para Maputo e consegue colocação na FASOL /SABOREL .
O seu passaporte, no espaço destinado a profissão, havia sido falsificado pela esposa que esteve implicada no desaparecimento de passaportes portugueses no consulado da Beira.
Regressa a Portugal em 1979 e reaparece em Moçambique como representante da Livraria Bertrand, propondo “negócios chorudoa de milhões de dólares” ao nosso Governo.
Quando aparece, pela primeira vez na Beira , após a proclamação da independência, afirma-se como militante do Partido Comunista Português, um convicto homem de esquerda.
6.Contacto com Sandy Alexander Sloop
Sandy Aexander Sloop convidou–me para o almoço.
Pretendia recolher informações sobre o que ele chamou de “cisões” na direcção do Partido Frelimo. Em particular, queria uma informação sobre uma eventual dissidência de sua excelência o Tenente- General Armando Guebuza, após a última remodelação governamental.
Fiquei com a sensação de que para além dessas informações ele pretendia estabelecer uma ligação directa com alguém em Maputo, que lhes permitisse um contacto telefónico ou de telex a partir de Lisboa para saber “coisas“ sobre o que se passa em Moçambique.
O almoço teve lugar após a conferência da imprensa e tinha passado no encontro.
Disse-me que o Jorge Correia havia anunciado o desencadeamento da operação ”Cacimbo Ardente” em 10 províncias do nosso País com um efectivo de 16 mil homens.
Falou do aperto do cerco às capitais provinciais para respectivo isolamento, e do aumento de ataques contra alvos estratégicos, em particular linhas de transporte de energia eléctrica.
Referiu aos constantes avisos aos cidadãos estrangeiros, trabalhando em Moçambique considerando os bandidos armados como inimigos.
Nesta altura, a conferência de imprensa foi interrompida pelos agentes da polícia portuguesa .
E enquanto estes agentes iam buscar um mandato oficial a conversa prosseguiu entre o Jorge Correia e os jornalistas. O Augusto de Carvalho pôs em questão a credibilidade das informações ali prestadas pelo Jorge Correia, argumentandoque naquelas semanas antes o Jorge Correia havia anunciado que “Samora Machel e o seu Governo” haviam ”fugido” do Maputo e instalado ”capital provisória” em Nampula.
O Cardoso Ribeiro quis saber como é que sendo o Jorge Correia de nacionalidade portuguesa, este estava ligado a uma “organização” que se diz moçambicana. A resposta foi:
-“ A Frelimo não me quer dar o passaporte moçambicano”.
O Sandy Alexander Sloop falou-me ainda da sua entrada ilegal em Moçambique, no ano passado através da África do Sul.
Ele e o seu colega foram transportados por um avião da Africa do Sul para a zona central do nosso País. O avião aterra numa pista da região da Gorongosa .
Trabalharam com o tal Dhlakama, que promoveu uma reunião com as suas “estruturas centrais”, para as filmagens.
Com o mesmo fim, organizou uma “operação de sabotagem” à linha férrea Inhaminga-Beira.
No trajecto à pé entre a Gorongosa e a linha férrea, foram informados via rádio de que haviam passado dois comboios naquela linha e que um terceiro iria passar em breve.
Segundo o Sloop, o grupo era de umas 140 pessoas.
Para apressar a marcha até à linha, pois a ideia de Dhlakama já não era a de simular um acto de sabotagem, mas um ataque real ao comboio, o grupo foi dividido em dois subgrupos de 70 pessoas cada uma.
O grupo dos bandidos que se dirigiu à linha férrea era chefiado pelo próprio Dhlakama e dele faziam parte ”cinco generais” ditos “responsáveis militares das províncias de Gaza, Inhambane, Sofala, Tete e Manica” e por “secretários da agricultura e da educação”.
Este grupo foi surpreendido –segundo o Sloop– por um comboio fortemente guarnecido que recebeu reforços, transportados por um outro comboio.
Houve um combate de três horas entre as nossas forças e os bandidos armados. Estes esgotaram as suas munições e tiveram que se pôr em fuga.
O Sloop disse-me que os cinco “generais” ficaram feridos e que o próprio Dhlakama ficou com a camisa furada por uma bala e que havia sido atingido num dos crregadores com um tiro.
Sloop disse-me que ficou admirado de as nossas forças não terem perseguido o grupo que estava sem munições.(Concl.)
Continuação de

SEITAS RELIGIOSAS COMUNISMO E MAÇONARIA EM ÁFRICA

Seitas_religiosas_capa
Adulcino_silva
Foi hoje lançado pelo autor, Adulcino Silva, jornalista e natural de Angola, junto ao Monumento dos Combatentes, o livro SEITAS RELIGIOSAS, COMUNISMO E MAÇONARIA EM ÁFRICA.
Um livro diferente que revela as verdades sobre os culpados do desastre africano. Quem financiava, utilizava e quais os objectivos das organizações religiosas em África?.
Quem corrompeu quem? Quem traiu? Quem forçou a "descolonização"? O que foram as "guerras por procuração"? Quais as investigações e as conclusões da PIDE sobre a luta de Portugal em África. Paulo VI e Portugal. A droga usada como arma de guerra.
Aqui encontrará as respostas e pormenores diversos que o surpreenderão.
NOTA: Edição do Autor - Contacto: Tel.: 351.917411432

O Lápis Azul de Alda Espírito Santo

Alda_e1Este é, seguramente, o artigo que escrevo com a alguma relutância, pois preferia não ter que fazê-lo. Não se trata de falta de convicção ou insegurança nas ideias que vou exprimir, mas sim porque o assunto é sensível, delicado, melindroso, pois envolve duas pessoas (pesos-pesados, dinossauros) umbilicalmente associadas à fundação daquilo que é hoje conhecido como o nacionalismo sãotomense.
Acresce que a minha matriz de valores, uma complexa combinação de contribuições africanas, crioulas e europeias (a ordenação é meramente alfabética), obriga-me a ter cuidados acrescidos quando teço considerações sobre pessoas mais velhas, independentemente do estatuto social, económico, político, ou qualquer outro, que estas possam ter na sociedade. Deixo, propositadamente, de lado os tradicionalmente intrincados laços de parentesco para facilitar a minha empreitada. 
Essa mesma matriz, por outro lado, obriga-me, também, a pronunciar-me, sempre, sobre situações que configuram, na minha opinião, violação do direito de liberdade de expressão de qualquer cidadão, seja ele quem for e onde estiver.
Para quem, como eu, já levou com a sua dose de doutrinação e de evangelização sobre a nossa heróica “Luta de Libertação Nacional”, o nome de Tomaz Medeiros é certamente um daqueles que goza de estatuto de incontornável. Porém, tanto quanto consigo recordar, pouco ou nada se sabe sobre o pensamento político desse ilustre filho da terra. Menos ainda se sabe sobre as razões que levaram-no a afastar-se, tão prematuramente, do MLSTP, optando por filiar-se no MPLA, tendo mesmo (segundo o próprio) participado na luta armada de libertação de Angola. O que explica esse abandono da causa Sãotomense e a opção por Angola?
De há uns cinco anos a esta parte, tenho-me cruzado, amiúde, com (Dr.) Tomaz Medeiros em sessões públicas de diversa natureza sobre STP, ou África em geral, que têm lugar em Lisboa. Confesso que nunca chegámos a trocar demoradamente impressões sobre STP. Das suas intervenções na RDP-África ou em debates e conferências, sobressai sempre um profundo conhecimento dos meandros dos primórdios e do desenvolvimento das organizações nacionalistas dos PALOP’s. Sente-se nele um profundo desencanto e amargura em relação aos resultados até agora alcançados por STP nestes 30 anos de independência.   
É, portanto, alguém que tem muito para dizer sobre a História recente de STP, porque foi parte activa em muitos dos acontecimentos que figuram nesse registo. Viveu-os na primeira pessoa. Dada a sua idade já algo avançada, urge, portanto, que esse conhecimento não se perca, mas sim que fique devidamente registado e disponível para as gerações vindouras. Não estou a dizer que a versão dos factos segundo Tomaz Medeiros seja a mais correcta ou a (mais) verdadeira. Digo apenas que nós, os sãotomenses, não podemos abrir mão dessa versão, não podemos prescindir do importante espólio que  são, certamente, as experiências e vivências políticas (e não só) de Tomaz Medeiros.
Devem estar já em pulgas para saber a razão de ser de todo este intróito. Ora bem, num debate sobre a actual situação política em STP, organizado por um grupo de compatriotas no passado dia 22 de Maio do corrente ano, nas instalações da Junta de Freguesia de S.Domingos de Benfica (Lisboa), Tomaz Medeiros exibiu aos presentes cópia de uma carta, datada de Jun/2004, que lhe foi endereçada por Alda Espírito Santo, na sua qualidade de presidente da UNEAS (União de Escritores e Artista Sãotomenses) e de amiga pessoal de Tomaz Medeiros.
Nessa carta Alda Espírito Santo explica as razões que, no seu entender, levaram-na (e a UNEAS) a não recomendar a publicação pelo Instituto Camões de dois romances da autoria de Tomaz Medeiros. Reconheço que o gesto de escrever a carta é nobre e cumpre os requisitos (mínimos) da boa educação, que a situação exige e que se  espera de alguém da craveira de Alda Espírito Santo.
Se bem entendi, as razões do veto da UNEAS prendem-se, muito sinteticamente, com a necessidade de se preservar a verdade oficial sobre a Luta de Libertação Nacional desenvolvida pelo MLSTP e a sua esclarecida liderança. Outros argumentos utilizados por Alda Espírito Santo consistem no julgamento despropositado e extemporâneo sobre o caminho político percorrido por Tomaz Medeiros, depois do seu afastamento (voluntário?) do MLSTP.
Não estou (ou até estou) aqui para julgar a decisão da UNEAS e de Alda Espírito Santos, mas sim para manifestar a minha discordância dessa decisão e para dizer que dela transparece uma situação inaceitável de censura e evidentes tiques de autoritarismo. São atitudes não aceitáveis em democracia (na sua versão burguesa) e que não se espera encontrar em pessoas que participaram na luta contra o colonialismo e contra o fascismo português.
A PIDE tinha um “lápis azul” para censurar verdades ou ideias incómodas para o regime fascista português! Será que em STP a UNEAS e Alda Espírito Santo também fazem uso do lápis azul?
Não conheço o conteúdo dos romances que Tomaz Medeiros pretende publicar, mas julgo que ele tem o direito de o fazer e, de preferência e se possível, em STP, sua terra natal. Mais, ele deve isso aos sãotomenses.
Se os romances em questão contêm passagens que podem, de algum modo, ser interpretadas como tentativa de reproduzir factos da história de STP nos quais muitos “históricos” do MLSTP (vivos ou não) tiveram prestações pouco meritórias, competirá aos visados (ou aos seus descendentes) demonstrarem que Tomaz Medeiros está a ser tendencioso, não está a contar toda a verdade. Censura prévia é que não me parece razoável.
Perguntam, e com razão, o que faz um puto, metido a reaccionário, numa briga de Revolucionários com provas dadas? Não sei. Sei apenas que gostaria que todos os sãotomenses pudessem, de alguma forma, contribuir para que o testemunho de Tomaz Medeiros não se perdesse na máquina trituradora dos auto-proclamados guardiões do nacionalismo sãotomense à moda do MLSTP.
Não sou portador de qualquer mandato de Tomáz Medeiros para falar em seu nome, nem creio que ele precise disso. Trata-se apenas de manifestação pessoal, expontânea e pública de solidariedade. Se acham que a causa é nobre e puderem, façam o mesmo.
Saudações tremendamente reaccionárias e... desMLSTPeizantes!
Alcídio Montóia Pereira (alcidiopereira@yahoo.com)
Carnaxide, 25 de Maio de 2005
Nota:
Parece que não é só em Moçambique que existem várias "histórias". Foto de Alda Espírito Santo.
Fernando Gil

08-06-2005

AS “RESPONSABILIDADES MORAIS” DO ESTADO PORTUGUÊS

Retirado do meu baú:
Por Fernando Inácio Gil*
«Fontes portuguesas, con­tactadas em Bissau, destaca­ram também a responsabili­dade moral que cabe a Por­tugal na assistência aos anti­gos integrantes do seu Exército. Aliás, muitos deles re­cebem as respectivas pensões de invalidez, sendo esta ac­ção de assistência prevista no quadro da cooperação enca­rada como mais uma forma de contribuir para a sua re­cuperação social», lemos há dias no «Jornal Novo».
Concordamos plenamente que Portugal assim proceda, embora não por «responsa­bilidade moral», mas sim por imperativo de consciên­cia.
Só lastimamos que tal não aconteça com todos os mutilados de guerra, não só por­tugueses, como de todos os ex-Estados ultramarinos, to­dos guardiões da mesma bandeira, pois bastantes há a quem nada é dado. Aliás, para tal pagamento supomos não ser até necessário qual­quer acordo de cooperação, mas apenas a remessa aos beneficiários da respectiva pensão, questão facilmente ultrapassável como uma no­va lei da nacionalidade.
Assim mais parece uma forma de envio de divisas que o pagamento de uma mais que justa retribuição a quem por Portugal estava dando a vida e a quem Por­tugal nem sequer a naciona­lidade manteve.
E isto para não falarmos dos que, após as indepen­dências, têm sido vil e trai­çoeiramente assassinados pe­los regimes aos quais aqueles territórios foram entregues.
  Mas, se a «responsabilidade moral» leva Portugal a pagar uma pensão, o que é uma forma de indemniza­ção, a, embora não por decisão própria, cidadãos estran­geiros, porque será que tal «responsabilidade moral» não é também extensiva aos seus próprios cidadãos, mul­to em especial no que se refe­re aos bens perdidos no ex-Ultramar?
Tanto mais que até à data das respectivas independên­cias, ninguém poderá duvi­dar de que a Indemnização por expropriação, nacionali­zação ou qualquer outra for­ma de privação duradoura de posse ou fruição de bens sitos no ex-Ultramar, bem como os respectivos títulos de direitos, é da única res­ponsabilidade do Estado Português.
E, posteriormente à data das respectivas independên­cias, se o Estado da localiza­ção dos bens, conforme prescreve o art.° 40.° da lei 80/77 da nossa Assembleia da República não indemni­za, ninguém igualmente po­derá negar a «responsabili­dade moral» do Estado Por­tuguês em reparar tal «se­quela» duma guerra que al­guns fizeram perder.
É que, independentemente do aspecto moral, à sobrevi­vência do indivíduo, igual falta poderá fazer o braço de um Guinéu como a «enxa­da» ao Português vindo do ex-Ultramar.
Enxada essa que tanto po­derá ser um simples certifica­do de habilitações, um alva­rá, máquinas, um camião, quiçá a própria casa onde a si e aos seus se abrigue.
Ora a indemnização, con­dicionada a uma aplicação reprodutiva, irá não só resol­ver o problema dos próprios como, a nível mais lato e em grande medida, a gravíssima falta de postos de trabalho.
  É por isso que não enten­demos a que, por exemplo, não pague o Governo Portu­guês aos beneficiários do Ca­minho de Ferro de Benguela as pensões que têm direito ou aos restantes agentes da empresa não propicie um posto de trabalho.
É que, muito além de simples «responsabilidade moral», julgamos imperati­vo que o Estado Português garanta, nem que seja por adiantamento e a crédito com os novos Estados de ex­pressão portuguesa, o paga­mento, não a cidadãos es­trangeiros, mas aos seus próprios cidadãos, das pen­sões, qualquer seja a entida­de processadora a que têm direito.
E que pensar dos gover­nantes que temos quando, por «responsabilidade mo­ral» pagam pensões a cidadãos estrangeiros e exigem o estorno de 70% da pensão ou subsidio a quantos, viti­mas da «exemplar descolonização» e por carência com­provada, se encontram insta­lados por conta do Estado, não escapando sequer os aboletados nas barracas do Va­le do Jamor?
Além do mais não se po­derá indefinidamente conti­nuar a cooperar, nem que se­ja por «responsabilidade moral», quando os novos Estados de expressão portu­guesa garantias algumas dão a pessoas ou bens portugue­ses.
Veja-se o que Samora Machel afirmou há dias na FACIM, em Lourenço Mar­ques, quando da visita ao pavilhão português, nacio­nalizando quase de imediato mais seis empresas, evidente­mente que sem direito a qualquer Indemnização.
Hoje uma, amanhã outra, dia virá em que o mesmo acontecerá a Cabora Bassa.
E aí é que serão elas, pois são de uma assentada mais de 30 milhões de contos que Portugal, com ou sem «res­ponsabilidade moral», não poderá deixar de pagar à África do Sul, a Alemanha Federal, à Itália e à Inglater­ra, entre outros.
Será também por «respon­sabilidade moral» que o Es­tado Português irá pagar a cidadãos estrangeiros indem­nizações antes sequer de le­gislar sobre as que são devi­das aos seus cidadãos por bens sitos no ex-Ultramar?
Aproximam-se as eleições.
E vemos o PSD a falar de indemnizações dos bens sitos no ex-Ultramar. Isto recor­da-nos o CDS quando no seu Manifesto Eleitoral/ Alter­nativa 76 escreve que «tudo tentará — através de uma política externa e dos meca­nismos ao seu alcance na or­dem interna — para resolver os problemas específicos que atingem os desalojados, en­tre os quais avulta o direito de serem indemnizados pelos bens que perderam».
Resta-nos agora que Ma­ria de Lourdes Pintassilgo na penitência (não por si certa­mente, mas pelos governan­tes que a precederam), que fará ao ir a pé a Fátima, ele­ve uma prece por todos quantos, desalojados ou es­poliados, continuam aguar­dando alguém que lhes va­lha, já que no seu Plano de Governo apenas se lembrou dos possuidores de títulos FIDES e FIA.
Valha-nos pois, também a nós, Nossa Senhora de Fáti­ma!
*Membro directivo da As­sociação Projecto I
Jornal Novo – 03.09.1979

A Factura de Cabora Bassa

Caborabassa01_2Estando marcado para o próximo dia 14 o reínício das negociações com Moçambique para a transferência de controle da Barragem de Cahora-Bassa, transcrevo um artigo, do meu baú, que sobre o assunto escrevi em 1979:
A Factura de Cabora Bassa
*por Fernando Inácio Gil
Em artigo publicado no passado dia 9 do corrente, após escrever “Somos vítimas, mas vítimas maiores serão os nossos filhos”, acrescentava:
“Não os obriguemos a pagar a factura que outros ficaram a dever, nem que tenhamos que ser nós a pagá-la.
Mas muito mais honrados se sentirão se tivermos a coragem de a fazer pagar por quem na realidade a ficou a dever.”
Será pois que, quando o Ministro Álvaro Barreto, na televisão, aludiu a uma carta de Vasco Gonçalves ao Presidente da Frelimo, tencionaria começar a endossar responsabilidades a quem efectivamente as tem?
Se assim foi, “haja Deus” que já não é sem tempo!
E, em tão boa hora o fez, que logo um semanário, além de publicar a carta perdão de Vasco Gonçalves, igualmente deu à estampa uma anterior subscrita por Samora Machel, prenhe de insultos a todos os nossos maiores.
São, na verdade, dois documentos históricos que bem atestam, a prevalecer uma maioria de esquerda no nosso país, qual seria o seu destino final.
Só que a tal maioria de esquerda não é mais que um slogan, embora a tenhamos ainda de suportar – moral e materialmente – até que novas eleições exprimam a vontade do povo português.
Dizia Vasco Gonçalves, na sua missiva de 9 de Maio de 1975, a Samora Machel que “só posso (re)afirmar-lhe(sem margem para qualquer hesitação), e como resultado de profundo empenhamento pessoal, do Governo e do povo português no processo em curso, que se pretende claro (o itálico é nosso) e gerador de novas e decisivas solidariedades”, concluindo que “Portugal considera definitivamente encerrado aquilo que se tem designado por “contencioso económico e financeiro”(de que se tem ocupado a comissão B das negociações), reforçando-se, assim, o já afirmado pelo MNE major Melo Antunes, como enviado do Governo, no recente encontro de Haia, havido com o Vice-Presidente da Frelimo.”
Não indo por agora comentar a carta de Samora Machel dirigida ao primeiro-ministro do Governo Provisório da República Portuguesa, em 18 de Abril de 1975, à qual aquela serviu de resposta, não resistimos a sua parte final:
“11.1      É nesta perspectiva ( de 500 anos de dominação colonial) e só nela, que pode ser avaliado o “contencioso económico e financeiro”, e determinada exactamente a parte exigível a Portugal e a parte que Portugal pode exigir a Moçambique em consequência dos benefícios que Moçambique recebeu de cinco séculos de pilhagem colonial e de dez anos de guerra de agressão.
11.2       No caso de o balanço ser favorável a Portugal, Moçambique engaja-se a pagar integral e imediatamente a totalidade da sua dívida.
11.3      Entretanto, a Frelimo declara a sua vontade de que se interrompam as negociações em curso e se anulem os documentos já publicados, a fim de se reiniciar  oportunamente a discussão global da nova perspectiva.”
E andam tantos políticos e governantes a dizer que a democracia é a política da verdade!
Então, só quatro anos depois, e porque alguém o forçou, é que o povo português vem a saber que uma então existente Comissão Nacional de Descolonização se não opôs a que um Governo Provisório da República Portuguesa, liderado por um qualquer Vasco Gonçalves, todos sem o mínimo de representatividade, decidisse que “Portugal considera definitivamente encerrado aquilo que se tem designado por “contencioso económico e financeiro” com Moçambique.
Irra, que é demais!
E afirma Vasco Gonçalves que tudo isto se conseguiu com o empenhamento do povo português no processo que se pretende claro...
Mas já que a ponta do véu se começa a levantar, muito gostaria o povo português de saber qual o montante e, se possível, a discriminação de mais esta dádiva feita em seu nome, felizmente que com o seu “empenhamento”.
Mais, que fossem explicadas ao povo português as reais consequências daí advindas.
E, igualmente, se o Estado Português está disposto a indemnizar todos quantos foram lesados por acto, já para não falar no montante que a si mesmo, isto é, a todos nós  pertence.
E, pelo que correu em tempo em certos círculos, qual o valor e o destino dos auxílios estrangeiros que expressamente cobriam tal ou outras cedências?
Ou será que tais auxílios não passaram de falsas promessas?
Por tudo isto, sr. Ministro Álvaro Barreto, não esteja tão optimista quanto a Cabora-Bassa!
Melhor talvez seja ir preparando o Povo Português para ir pagando mais estes 30 milhões de contos de responsabilidade externa portuguesa.
Repare, sr. Ministro, que Portugal aceitou no Acordo de Lusaca que a Frelimo só indemnizasse o nosso país daquilo que entendesse ser em benefício do povo de Moçambique.
Qualquer arbitragem está fora de causa, apenas o que os senhores da Frelimo decidirem.
Aliás tudo é lógico da parte de Moçambique já que Vasco Gonçalves e o Governo português de então aceitaram continuar a negociar com a Frelimo:
         - É que se as negociações continuaram foi aceite integralmente a perspectiva da Frelimo que condicionava o seu prosseguimento à aceitação dos tais “cinco séculos de dominação colonial e dez anos de guerra de agressão”...
É pois mais que hora de se começar com o “julgamento dos responsáveis”.
Vamos a cartas na mesa que, quem tiver a consciência tranquila, nada terá a temer.
Bastas razões terá pois o dr. Mário Soares para afirmar que ainda é cedo para se discutir a descolonização.
Razões tinha pois o dr. Jorge Sampaio para nada dizer acerca dos resultados das negociações que ia tendo com Sérgio Vieira.
Razões têm pois todos os implicados no processo para se calarem e não deixarem ninguém falar.
Só vergonha é que não têm!
Mas sobejas razões temos nós, o povo português, de não mais sustentar quem o traiu e não soube defender os seus reais interesses – morais e materiais.
Será que, se Vasco Gonçalves fosse um verdadeiro português, se quedaria, aliás em tom subserviente, no seu magnânimo perdão?
Mousinho, Neutel, Capêlo, Gago Coutinho e tantos outros não lhe dizem nada, sr. Brigadeiro Vasco Gonçalves?
Tenhamos, pois nós, os verdadeiros portugueses, vergonha do juízo dos nossos filhos.
Membro Directivo da Associação Projecto I
Jornal Novo – 17.04.79
NOTA FINAL: Neste ano de 2005 todos os encargos estão pagos. Toda a manutenção foi feita para que, ao acabar a guerra civil, a mesma podesse de imediato fornecer energia. Os postes foram reerguidos e as linhas de transporte instaladas.
E assim aconteceu.
Julgo ser urgente e uma obrigação do Governo informar o povo português de quanto custaram os encargos com o pagamento das responsabilidades externas e sua manutenção durante todos estes anos.
Talvez tivesse saído mais barato para o povo português a sua nacionalização pela Frelimo em 1974.

ONTEM, HOUVE DEPOSIÇÃO DE FLORES EM SUA MEMÓRIA NA PRAÇA DOS HERÓIS

Mateus Sansão Muthemba - herói nacional esquecido
Governo, Associação dos Antigos Combatentes e FRELIMO não estiveram na cerimónia de deposição de flores em memória daquele guerrilheiro assassinado em 1968, nos escritórios da Frente de Libertação de Moçambique, na Tanzânia
Laurindos Macuácua
Governo e outros segmentos da sociedade moçambicana gazetem à cerimónia de deposição de flores, acontecida ontem, em memória de Mateus Sansão Muthemba.
Segundo a história oficiosa, Muthemba, combatente da luta armada de libertação nacional, cedo se identificou com a causa da nação e como visse cidadãos aborígenes serem maltratados pelo colonialismo português, não tardou a se juntar a outros filhos de Moçambique, na diáspora, para expulsarem o invasor - Governo colonial português.
Foi depois da sua morte, acontecida antes da independência de Moçambique, que aquele, assim como outros moçambicanos que seguiram pelo mesmo trilho, foi elevado à categoria de herói nacional e, por ora, os seus restos mortais jazem na cripta situada no bairro da Urbanização, arredores da cidade capital.
Alcançado o almejado, expulsar o colonialismo português, parece que a nova elite se esqueceu dos principais actores que se bateram para que tal fosse efectivado.
Um dos factos que tal revela é a ausência total de todo o elenco governativo e da Associação dos Antigos Combatentes na cerimónia de deposição de flores.
Presenciaram a referida cerimónia os seus familiares e amigos próximos que, ao todo, não chegavam a uma dúzia. Não houve nenhum vestígio dos que agora pronunciam, de viva voz, o combate contra o espírito do deixa-andar e o facto indignou, sobremaneira, a família do malogrado.
Ademais, o facto de se não ter feito ao local alguém ligado à Associação dos Antigos Combatentes foi de todo preocupante para a família do malogrado, porque, segundo esta, "enviámos um documento que dava nota de que haveria deposição de flores em memória do malogrado e contávamos com a presença de todos os interessados".
Tentativas nossas de chegar à fala com Guideon Ndove, presidente da associação retromencionada, redundaram em fracasso, mas alguém da instituição, sob anonimato, disse não terem recebido nenhum documento que dava conta da cerimónia ora acontecida.
Pelo que, "nunca iríamos faltar a uma iniciativa tão relevante, porque o malogrado representa muito para o País, em geral, e para nós, em especial".
CORREIO DA MANHÃ(Maputo) - 07.06.2005

07-06-2005

SALAZAR E A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA - UMA REVELAÇÃO INÉDITA

Cmariop1(DOIS E-MAILS QUE FAZEM HISTÓRIA
José Augusto Fortes de Sá Viana Rebelo
e
Carlos Mário Alexandrino da Silva)(na foto)

DOCUMENTO Nº 01

To: Carlos Mário Alexandrino da Silva (E-mail)
Sent: Monday, September 17, 2001 12:00 PM
Subject: Salazar.doc

Meu Caro Professor e Amigo,

Como decerto sabe, se a herança de meu Pai foi parca em fidúcia e em bens materiais, não o foi em bens morais e em testemunhos de uma época em que viveu e em que trabalhou para Portugal.

A maior parte desses testemunhos me foi transmitida verbalmente, a seu tempo, e muitos deles eventualmente se esfumarão na minha memória. Outros, porém, deixou escritos e talvez um dia os mande publicar.

Entretanto um deles, por inédito, por se referir a uma independência de Angola e por ter sido por si testemunhado, merece que o transcreva e envie. Dele poderá fazer o uso que por bem entender. Gostaria, no entanto que o comentasse para mim.

Com um abraço amigo,

José Augusto Rebelo

Testemunho escrito por Fernando de Sá Viana Rebelo em 1979. Este texto insere-se num conjunto agrupado sob o título "Gente que conheci" e está intitulado "Salazar":
Veja em

03-06-2005

Adelino Serras Pires divulga relatório da lavra de Mário Ferro (1)

DOSSIER ADELINO SERRAS PIRES
Na nossa edição nº 39, do dia 28 de Abril de 2005 , concretamente no espaço “Hoje escrevo eu”, publicámos uma carta aberta de Fernando Nota, dirigida a Mário Ferro. Na referida missiva Nota pretendia aclarar-se junto de Ferro sobre a sua eventual ligação com a extinta secreta moçambicana, a SNASP, com que este foi conectado no livro “Ventos de Destruição”, obra essa que expõe passagens arrepiantes de sevícias de que Adelino Serras Pires, o filho e mais um indivíduo, foram sujeitos, partindo de um rapto na Tanzania até desaguar, vendados, na “Gulag” da Cadeia da Machava. Enquanto ficávamos a aguardar pela resposta de Mário Ferro eis que a vítima emerge com um documento “facsimile”:
Adelino Serras Pires divulga relatório da lavra de Mário Ferro (1)
Maputo, 24 de Junho de 1984
Sua Excelência
Presidente do Partido Frelimo
Presidente da República Popular de Moçambique
Marechal Samora Machel
Maputo
Actividade dos Bandos Armados em Portugal
1. Recrutamento de ex-comandos
Ex-comandos do Exército Português, naturais ou que viveram vários anos em Moçambique e se encontram radicados em Portugal, estão a ser recrutados para acções de sabotagem no interior do nosso País, com especial incidência em Maputo, a capital.
Um dos responsáveis é um indivíduo de nome Correia Mendes, natural da Ilha de Moçambique, ex-comando formado em Montepuez, integrando a 6ª ou 7ª Companhias de Comando.
Este Correia Mendes contactou, por exemplo, com um indivíduo de nome Nuno Branco, ex-comando da 1ª e 2ª Companhias de Comando, e que, no seu regresso a Portugal, após a proclamação da independência nacional, serviu no Batalhão de Comandos sob as ordens do coronel Jaime Neves.
A família do Nuno Branco era proprietária do Hotel Vera Cruz em Quelimane.
Actualmente, Nuno Branco reside na zona de Santo António dos Cavaleiros, em Lisboa, onde gere um restaurante.
Segundo as informações que me prestou Nuno Branco fora contactado pelo Correia Mendes para:
a) Acções de sabotagem contra
-Refinaria do Maputo
-Tanques de combustível do Maputo
-Instalações portuária do Maputo
b) (...)
Ao contactar Nuno Branco, Correia Mendes aliciou-o com o pagamento de 500 contos portugueses a seguir.
Nuno Branco disse-me que recusou a proposta do Correia Mendes, porque tem outros projectos e pelas razões seguintes:
1. Não pretende complicações com o Governo Moçambicano.
2. Recebeu uma proposta do Estoril-Sol para vir trabalhar em Moçambique.
3. Recebeu uma proposta para durante o período da FACIM/84, trabalhar no restaurante que irá ser explorado por um tal Armindo Ahmed, até há pouco tempo sócio da Pastelaria e Salão de chá Cortiço, na esquina das avenidas 24 de Julho e Vladimir Lénine, em Maputo.
4. Se fosse possível gostaria de voltar a explorar o Hotel Vera Cruz em Quelimane. Nuno Branco disse que houve ex-comandos, contactados pelo Correia Mendes que aceitaram a proposta, mas que desconheciam os respectivos nomes. Os ex-Comandos Portugueses têm uma associação em Portugal.
2. Actividade propagandística dos Bandos Armados
O dito porta-voz da chamada Renamo, Jorge Correia, tem distribuído regularmente comunicados à imprensa não só portuguesa como a que está acreditada em Portugal. Particular acolhimento é dado a esses comunicados pela imprensa da direita e extrema-direita portuguesa, por agências noticiosas e pelos correspondentes de jornais e agências noticiosas de vários países, acreditados em Portugal.
Um dos elementos em evidência é um correspondente da United Press International (UPI), de nome Sandy Alexander Sloop, cidadão norteamericano, que esteve muitos anos radicado no Brasil, antes de ser colocado há uns seis anos em Portugal.
Trata-se de um indivíduo com estreitas ligações com Jorge Correia e que, no ano passado, entrou ilegalmente no nosso país, acompanhado por um câmara-man de nacionalidade francesa, para a recolha de imagens dos Bandos Armados na região central do nosso País. Ele esteve, segundo me disse, na região da Gorongosa e junto à linha férrea Inhaminga-Beira.
O opinião de várias pessoas com quem contactei é de que Sandy Alexander Sloop é agente da CIA.
Aliás, foi por seu intermédio que tive conhecimento da conferência de Imprensa que os Bandos Armados pretendia dar (e vieram a dar) na última terça-feira, dia 19 de Junho, no Hotel Diplomático, em Lisboa. Foi a partir desta informação, transmitida ao Sr. Embaixador Baptista Cosme, em devido tempo, que foi possível registar-se uma tímida intervenção do Governo português, com a interrupção da conferência de Imprensa por agentes da Polícia Portuguesa.
Entre os comunicados distribuídos pelos Bandos Armados em Lisboa, destaco aquela em que o senhor Jorge Correia informa da “fuga precipitada de Samora machel e do seu Governo para Nampula”, onde foi fixada “a capital provisória”, devido a situação de “instabilidade e insegurança criada pelas forças da Renamo em Maputo”.
De salientar que a Radiotelevisão Portuguesa (RTP), o órgão de Informação de maior audição em Portugal, pouca ou quase nenhuma atenção dispensa aos comunicados e nem sequer fez referência nos seus noticiários e no telejornal a dita conferência de Imprensa.
Em contrapartida, no dia em que os bandidos armados deram a conferência de Imprensa, conseguimos cinco minutos da antena no Telejornal da RTP.
Depois de uma reunião com o Sr. Embaixador Baptista Cosme, durante a qual se abordou quais as respostas que poderiam ser dadas face às perguntas que eventualmente poderiam ser feitas, estive na RTP, onde fui entrevistado pelo jornalista Mário Crespo.
O tema foi o que este jornalista chamou de “Reformas Governamentais”, ao que contrapus com reorganização e reestruturação do aparelho do Estado, na sequência das decisões do 4º Congresso, como resposta para a liquidação do banditismo armado e da fome no nosso País.
3. Presumíveis acções na Tanzania
Encontram-se actualmente na Tanzânia os indivíduos de nome Adelino Serras Pires Júnior, mais conhecido por Tim-Tim, e Serras Pires Cardeano.
Ambos estão ligados a uma empresa de turismo cinegético, propriedade de um cidadão italiano. Esta empresa tem sede em Arusha e actividades em vários pontos da Tanzania.
Esses indivíduos, segundo soube, iriam trabalhar em coutadas no sul da Tanzania, portanto, junto à nossa fronteira norte.
Ambos pertencem aos Bandos Armados.
Continua na próxima edição
SEMANÁRIO PÚNGUÈ – 02.06.2005
Veja:

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