Candidato à Casa Branca pelo Partido Republicano diz que não aceita a participação de uma das moderadoras. O seu principal rival, Ted Cruz, desafiou-o para um "mano a mano".
Por mais surpreendente que esteja a ser a campanha dos candidatos do Partido Republicano à Casa Branca, há pelo menos uma ideia que se tornou mais previsível do que uma molha debaixo de chuva: não há limites para as surpresas que Donald Trump pode provocar todos os dias. Ao fim de meses a liderar as sondagens a nível nacional, o magnata e estrela da televisão decidiu agora faltar ao último e mais importante debate antes do arranque das votações por estados, no Iowa, organizado pelo canal mais visto por muitos dos seus apoiantes.
Desde Agosto do ano passado já houve seis debates televisivos entre os vários candidatos que querem representar o Partido Republicano na luta pela sucessão de Barack Obama, e Donald Trump dominou quase todos – no final de cada um deles, o magnata reforçou sempre a sua liderança nas sondagens nacionais, as que indicam quem é o preferido dos eleitores Republicanos para defrontar o nome que vai ser escolhido pelo Partido Democrata.
Mesmo para o imprevisível Donald Trump, seria de esperar que um candidato tão bem posicionado quisesse estar presente no debate mais importante, que lhe dá uma última oportunidade para convencer os eleitores do Iowa de que é mesmo ele quem vai "tornar a América grandiosa outra vez", como diz uma das suas principais frases de campanha.
Mas, nos últimos dias, Trump começou a dar sinais de que poderia boicotar o debate organizado pela Fox News na cidade de Des Moines, capital do estado do Iowa, na noite de quinta-feira.
Na mira do candidato está uma das moderadoras, a jornalista/analista política Megyn Kelly, que provocou a ira de Trump logo no primeiro debate, em Agosto, ao confrontá-lo com declarações depreciativas em relação a várias mulheres.
"Sr. Trump, uma das coisas que as pessoas gostam em si é que diz sempre o que pensa, sem filtro político. No entanto, isso tem as suas desvantagens, em particular no que respeita às mulheres. Você já se referiu a mulheres de que não gosta como 'porcas gordas, cadelas, vulgares e animais nojentos'", constatou a moderadora no debate realizado em Agosto, antes de fazer a pergunta: "Acha que esse é o temperamento de um homem que devemos eleger como Presidente, e como irá responder à acusação de Hillary Clinton, que deverá ser a nomeada pelo Partido Democrata, de que você participa na guerra contra as mulheres?"
A partir desse momento, Megyn Kelly passou a ser um dos alvos preferidos de Donald Trump, que a acusou de ser parcial e de não ter qualificações suficientes como jornalista para ser moderadora em debates da Fox News – um dia depois desse debate, em Agosto, o candidato disse que "dava para ver sangue a sair dos olhos dela, sangue a sair da sua... de onde quer que fosse", num comentário pouco subtil sobre menstruação.
À medida que se aproximava o último e decisivo debate no estado do Iowa (com votação marcada já para a próxima segunda-feira), Donald Trump foi dando a entender que só estaria presente se a Fox News substituísse Megyn Kelly no painel de moderadores, mas a estação aproveitou o caso para surgir como uma intransigente defensora dos valores jornalísticos.
"Ceder aos ultimatos dos políticos em relação a uma moderadora de um debate viola todos os princípios jornalísticos, tal como as ameaças, incluindo uma feita a Megyn Kelly pelo responsável da campanha de Trump, Corey Lewandowski", lê-se num comunicado emitido esta quarta-feira pelos directores da estação – segundo a mesma nota, Lewandowski telefonou no sábado a um director da Fox News a dizer que Kelly "teve uns dias muito difíceis após o último debate", e que "detestaria vê-la a voltar a passar pelo mesmo".
A guerra entre Donald Trump e a Fox News atingiu o ponto mais alto na terça-feira, quando o candidato perguntou aos seus seguidores no Twitter se devia ou não participar no debate de quinta-feira.
Em resposta, a estação emitiu um novo comunicado, desta vez cheio de ironia: "Soubemos de uma fonte secreta que o Ayatollah e Putin pensam tratar Donald Trump de forma injusta quando se reunirem com ele, se ele for eleito Presidente – uma fonte perversa diz-nos que Trump tem um plano secreto para substituir o seu gabinete pelos seguidores no Twitter, para decidir se irá a essas reuniões."
E foi no Twitter que Donald Trump reagiu, classificando o comunicado da Fox News como "uma tentativa patética de aumentar as audiências para o debate", e sentenciando: "Sem a minha presença, não teriam audiência nenhuma!"
Apesar desta guerra entre o candidato mais bem posicionado nas sondagens do Partido Republicano e o canal mais conotado com o mesmo partido, muitos acreditam que a verdadeira razão para a zanga de Trump tem outro nome: não se chama Megyn Kelly, mas sim Ted Cruz, o senador do Texas que é o candidato mais bem colocado para pôr em causa o protagonismo de Donald Trump.
O magnata e estrela da televisão continua a liderar as sondagens nacionais, com uma vantagem de 16,9% sobre Ted Cruz, segundo a média feita pelo site RealClearPolitics. Mas a sua liderança é bem mais frágil no primeiro estado a ir a votos, o Iowa, onde lidera com uma média de 5,7%, ficando atrás de Cruz na sondagem da Universidade Monmouth.
De acordo com alguns analistas, mais do que uma suposta embirração com a moderadora da Fox News, é o receio de enfrentar Ted Cruz no último debate que está a levar Trump a boicotá-lo – numa decisão bem à sua maneira, o magnata anunciou que vai realizar uma acção de angariação de fundos para os veteranos de guerra no mesmo dia do debate, com transmissão televisiva, e desafiou os eleitores a compararem as audiências dos dois acontecimentos.
O senador Ted Cruz também aproveitou para entrar na discussão, e para tentar recolher ganhos políticos, desafiando Donald Trump para um debate. "Se o Donald tem medo da Megyn Kelly, gostava de convidá-lo para participar num debate a dois, mano a mano", disse o candidato nascido no Canadá, filho de um cubano e de uma norte-americana, e visto como o representante dos "verdadeiros conservadores" – ao contrário de Trump, que fez em tempos declarações públicas a favor do direito à escolha no aborto e no casamento entre pessoas do mesmo género, e cuja relação próxima com Deus só foi revelada muito recentemente, Ted Cruz é o preferido do sector mais inflexíveldo ponto de vista ideológico, tendo liderado a oposição da ala mais conservadora do Partido Republicano à reforma do sistema de saúde introduzida pelo Presidente Barack Obama, mesmo contra a liderança do seu próprio partido.
"Cada candidato a Presidente deve isso aos eleitores, e em particular aos homens e mulheres do Iowa. Pôr-se à disposição deles, com humildade, para responder a perguntas difíceis. Ninguém vai ser eleito Presidente a partir de um estúdio de televisão em Manhattan ou em Nova Iorque", atirou Ted Cruz.
Seja qual for a estratégia de Donald Trump, o passado recente indica que os seus eleitores não deverão precisar de o ver num novo debate para reforçarem o seu apoio. Desde que anunciou a sua corrida à Casa Branca, em Junho de 2015, o magnata do imobiliário já chamou assassinos e violadores à maioria dos mexicanos que entram nos EUA sem documentos; já ridicularizou um jornalista que sofre de uma doença congénita; já propôs a criação de uma base de dados para registar todos os muçulmanos nos EUA; e já defendeu a proibição da entrada de qualquer muçulmano no país, seja imigrante ou turista.
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