19-09-2005
TESTEMUNHOS DA MEMÓRIA
Sérgio Vieira
O Partido pediu-me que iniciasse uma crónica regular. Sempre recusei escrever memórias, porque de um modo ou doutro o autor só possui uma parte limitada do todo e, igualmente, há que o reconhecer, tendemos por razões justas ou injustas a calar certos factos e a enaltecer outros.
Lamento, porém, que muitos escritos que surgem sobre a nossa História mais recente estejam repletos de inverdades, quantas vezes deliberadas e com o intuito de nos impor uma revisão adulterada do acontecido.
Muitos camaradas estão ainda e felizmente vivos, bibliotecas verdadeiras. Naquilo que de errado ou incompleto, involuntariamente, escreverei, eles poderão sempre contribuir, corrigindo, acrescentando. Para isso também serve esta publicação do nosso Partido. Optei, assim, por escrever o que chamo “Testemunhos da Memória”. Bosquejos daquilo que vivi, sem dispor nem da documentação, nem do tempo necessário para uma verdadeira investigação escolhi a solução mais fácil e porque não, preguiçosa.
Começo pelo ano da minha fuga.
Antes, no seio da Casa dos Estudantes do Império – CEI —, ali na Duque de Ávila em Lisboa, eu e muitos outros nos iniciámos numa actividade política mais orientada, onde com confiança, dialogávamos e aprendíamos dos mais experimentados.
Marcello Caetano, quando ainda Ministro das Colónias, nos anos 40, criara a instituição, no intuito de enquadrar e apoiar, essencialmente, os filhos dos colonos. Aconteceu, porém, que uma primeira geração, digamos assim, de angolanos, cabo verdianos, guineenses (B), moçambicanos e s.tomenses se apossaram, progressivamente da CEI. Entre eles, e que me perdoem por omitir outros, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Mário António, Gualter Soares, Eduardo Mondlane, Francisco José Tenreiro, Tomás Medeiros, João Mendes, os irmãos Dáskalos.
Quando entrei na CEI o Fernando Vaz a presidia. Quando o Governo a mandou dissolver, o Óscar Monteiro a dirigia.
Pelo percurso numerosas comissões administrativas nos foram impostas no intuito de nos quebrar.
A sessão de 1960 da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovara a célebre Resolução 1514 (XV), que os nossos alunos deviam conhecer, marcara um novo impulso na luta contra o colonialismo. A independência do Congo (K), a conspiração para destruir o país e salvaguardar os interesses sórdidos das grandes companhias mineiras, o assassinato de Lumumba tocara-nos profundamente. Antes, a capitulação francesa em Dien Bien Phu, o começo da insurreição argelina, a nacionalização do canal do Suez por Nasser, a independência do Ghana e da Guiné haviam-nos estimulado profundamente.
A minha geração situa-se neste contexto.
O ano de 1961 assinala uma viragem maior na história do colonial-fascismo português e no avanço da causa da libertação.
Sob a direcção do Capitão Henrique Galvão, opositor ferrenho de Salazar, o ano iniciou-se com o sequestro do paquete Santa Maria, baptizado durante a operação de Santa Liberdade. Galvão e os seus companheiros são acolhidos em triunfo, no Brasil de Jânio Quadros.
Curiosamente, a PIDE escolhe um seu informador, grumete ou moço de limpeza a bordo, oriundo da Beira, Janeiro da Fonseca, para içar o pavilhão português no barco, quando o Governo retoma o seu controlo.
Este Artur Janeiro da Fonseca fingiu fugir de Portugal para o Marrocos em 1963. Em Rabat foi recebido na CONCP e contou várias histórias bem mal contadas. O camarada Amílcar Cabral decidiu ouvi-lo na minha presença. Contou, de novo, as diversas historietas e, mencionou diversos nomes para corroborar o que narrava. Ignorando com quem estava a falar, citou os nomes de Amílcar Cabral e o meu.
No final da conversa o camarada Amílcar apresentou-se e apresentou-me, imagine-se comoficou o senhor. Vários anos depois instalou-se na RFA onde veio a representar a RENAMO, parece que até hoje está ligado a essa organização.
A 4 de Fevereiro militantes do MPLA atacam, em Luanda, prisões e outros objectivos de natureza militar. A 15 de Março a UPA desencadeia acções armadas contra variados alvos, sobretudo empresas agrícolas coloniais dedicadas ao café, no Norte de Angola.
Pouco depois os Altos Comandos militares portugueses tentam forçar a saída de Salazar do Governo, de modo a prepararem uma solução negociada e pacífica do fim do colonialismo. (Cont. na próxima Edição)
In Boletim Informativo do Partido FRELIMO – 16.09.2005
14-09-2005
Fora da lei
Nasceu em 1962. O dia e o mês ninguém sabe. Nem o nome original. Aos cinco anos roubaram-lhe o colo materno. Dois anos depois veio para Portugal com um grupo de Fuzileiros de quem era mascote. Anos mais tarde descobriu que estava ilegal.
MOÇAMBIQUE, JUNHO DE 1967
Um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses veste o camuflado e arranca para a primeira operação na zona de Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Devidamente artilhados, os soldados entranham-se mato adentro à procura de presença inimiga.
Alguns passos adiante deparam-se com um grupo de mulheres indígenas. Seguem-lhes o rasto, discretamente, até à aldeia mais próxima. Logo que se apercebem da chegada de militares, os locais começam a fugir, apavorados. Procuram por um abrigo, arranjam uma forma de escapar à chacina.
Enquanto isso, um dos fuzileiros tenta impedir a sua fuga com disparos contínuos e ensurdecedores de metralhadora. Findo o carregador faz-se silêncio, e um manto de capim ruma ao céu, deixando a descoberto uma aldeia sem vivalma. Deserta. Por instantes, pensou-se que todos estivessem mortos. Puro engano. Um buraco estrategicamente cavado na terra serviu-lhes de escudo.
Escapam à morte, mas não de serem capturados e, posteriormente, entregues ao cuidado dos serviços competentes, em Porto Amélia (Pemba). Durante o regresso, os militares aproveitam uma curta paragem para se refrescarem no mar. Os indígenas, que nunca tinham vislumbrado tamanha imensidão de água ficam perplexos. Eufóricos. Durante breves momentos a aflição cede lugar à descompressão. A uma felicidade que parece não ter fim. O brilho espelhado no olhar de uma das crianças, que corre despreocupadamente pelo areal, desperta a atenção do grupo de fuzileiros. E como naquela época era comum os Destacamentos terem uma mascote, um dos militares , por impulso, coloca a hipótese de o adoptar. Assim foi.
João Sabadino Portugal. Foi desta forma que se passou a chamar o petiz. João, porque era dia 24, o mesmo em que se comemora o S. João – passando a ser também esse o dia em que comemora o seu aniversário. Sabadino, porque era sábado. Portugal, porque, afinal, tratava-se de um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses. Com a autorização da mãe, o rapaz foi viver para o quartel dos soldados.
O petiz tinha a própria camarata, o próprio armário e uma farda igual à dos seus novos compinchas. Durante dois anos foi a coqueluche dos militares. Em 1969, quando a Comissão chegou ao fim, aos 70 oficiais que se preparavam para regressar a Portugal, juntou-se o pequeno João, à responsabilidade de um Oficial Imediato. Tinha sete anos. E uma vida pela frente. Agora, em Portugal.
João guarda poucas recordações desses tempos. "Lembro-me do quartel, de um macaco, de quem tinha muito medo, mas que estava sempre a atiçar, recordo-me de andar vestido com uma farda que me fazia sentir muito importante, e de ser bem tratado por todos eles", confidencia. "Os maus tratos vieram depois ", deixa escapar acompanhando as palavras com um ligeiro abanar de cabeça. Prenúncio de um sentimento mal resolvido.
CASCAIS, JUNHO DE 1969
Meia dúzia de dias após a chegada a Portugal, João foi entregue aos cuidados da mãe do Oficial Imediato que o adoptou: "Foi ela que me criou e educou, a ele só via ao fim-de-semana", começa por contar. "Mas ela era muito mazinha comigo", acrescenta, sem disfarçar um nervoso miudinho, que se acentua quando recorda a dura vida que levou ainda muito novo. "Sabem o que é ter que aspirar, lavar loiça, coisas que não me competiam Era como se eu lhes tivesse que dar algo em troca da educação, da comida Era um escravo", conclui, inconformado.
A gota de água foi quando, já após a morte da senhora, João levou uma violenta tareia de mangueira do pai adoptivo que lhe deixou marcas que ficarão para sempre gravadas na cabeça. E no corpo. Sempre que se vê ao espelho, a antiga mascote tem de enfrentar duas enormes cicatrizes nas costas que lhe trazem à memória lembranças que luta para esquecer. "É verdade que fiz uma coisa estúpida na escola, algo que agora não posso estar aqui a dizer, mas ", começa por revelar. " Só sei que foi a primeira e a última vez que me bateram assim".
Revoltado, João fugiu de casa. Mas logo que o encontrou, e para que o episódio não se repetisse, o Oficial decidiu mandá-lo para casa de familiares, nos Açores. "Fui para lá estudar e trabalhar na pesca. Mas se nós saíamos para o trabalho à noite, como é que eu ia conseguir acordar de manhã para ir para a escola!?", interroga.
Com a ajuda dos companheiros de pesca conseguiu arranjar dinheiro para comprar um bilhete de regresso ao Continente. Apanhou o primeiro avião e mal desembarcou em Lisboa foi bater a casa do pai adoptivo. Este, sem dó nem piedade, virou-lhe as costas.
João fez-se à estrada, sozinho, com vinte escudos no bolso. "Estava com uma raiva tão grande dele que comecei a andar, a andar. Fui de Carcavelos até Lisboa, precisava de gastar toda a energia que tinha no corpo. Cheguei à Rua das Flores e parei porque estava cansado. Depois, passei a viver ali. Batia à porta de casa das pessoas para pedir comida. Dormia perto dos bombeiros, no jardim ou em carros abandonados", recorda sobre os sete anos como sem-abrigo.
LISBOA, DE 1979 EM DIANTE
Durante esses tempos, João Sabadino Portugal fez amizades de ocasião, outras que, apesar das curvas e contracurvas da vida, mantém. Tentou o amor. "Éramos amigos, depois apaixonámo-nos, mas aquilo deu azar." Arranjou biscates em troca de comida. E, como a vida não lhe corria de feição, deixou-se enveredar por caminhos mais sinuosos. Meteu-se na droga. "Fumei uns charros, mais nada." Esteve preso. "Eu não sabia para o que é que ia, fui com eles, e olha, assaltámos um café." Conseguiu sobreviver a tudo.
No meio do turbilhão de emoções, certo dia, para piorar as coisas, João perdeu o Bilhete de Identidade. Naturalmente, tratou rapidamente de obter a segunda via. "Fui a Alvaiázere, onde estava registado, buscar a minha certidão de nascimento, preenchi a papelada, meti lá o dedo para impressão digital e disseram-me para ir levantá-lo dali a uma semana."
Quando lá voltou disseram-lhe que tinha de se dirigir aos registos centrais. Foi o que fez. Preencheu mais uma série de papéis, sem perceber muito bem para o que é que rabiscava, e ficou a saber que para receber o novo B.I. tinha que arranjar comprovativos dos locais onde tinha vivido e trabalhado nos últimos anos. Uma missão quase impossível para alguém com uma vida desregrada. "Tentei explicar-lhes, mas parece que ninguém me ouviu".
Entretanto, passaram-se vinte e sete anos. João Sabadino Portugal continua fora da lei.
Todos estes anos, trabalhou esporadicamente através de empresas de cedência de pessoal, fez os devidos descontos para a Segurança Social, uma vez que tem cartão de contribuinte. No que respeita a saúde, nunca necessitou de cuidados médicos que justificassem a apresentação de um cartão de identificação. E a polícia nunca o abordou. É caso para dizer que, no meio de tanto azar, tem tido alguma sorte.
Mas esta não é uma situação confortável. "Preocupa-me muito, se um dia quero ir a algum lado, dar uma volta maior, não posso. Se eu tenho registo, para quê tudo isto!? Estou baralhado, estou baralhado", diz repetidamente, em alto e bom som, como quem se esforça por se fazer ouvir. Mas a burocracia tem orelhas moucas.
No seu caso, a dificuldade na obtenção de um novo B.I. prende-se com o Decreto Lei 308-A/75 de 24 o Junho, que regulamenta a legalização dos oriundos das ex-colónias. Ou seja: se o João Sabadino tivesse chegado a Lisboa antes de 25 de Abril de 1969 não haveria problema, mas como só chegou em Junho não pode ser considerado português, sendo que também não é moçambicano. O problema só foi detectado porque, entretanto, perdeu o Bilhete de Identidade. “Parece que antes de sair a dita lei davam B.I. a todos, mas depois, para se nacionalizarem, teriam que preencher determinados requisitos, como casar com um portuguêsa, estar cá há mais de cinco anos...”, explica.
SEIXAL, JULHO DE 2005
Quis o destino que em Maio deste ano João Sabadino Portugal se cruzasse com um dos fuzileiros que o trouxeram para a então Metrópole. Há trinta anos que João Serra o procurava. "Após o regresso de Moçambique, ainda mantivemos o contacto. Tinha uma banda de música, os 'The Tigers', e costumava ir buscá-lo aos fins-de-semana para participar nos espectáculos."
Mas a determinada altura, a coisa mudou de figura. "Um dia liguei para casa da senhora que tomava conta dele e ela disse que eu só estava a prejudicá-lo, a desencaminhá-lo. Então deixei de o fazer", revela João Serra, que, a partir daí, perdeu o rasto ao pequeno João. Nunca o esqueceu.
Anos depois, o ex-fuzileiro iniciou uma busca incansável pelo menino traquina que fez as delícias do Destacamento de Fuzileiros. "É incrível ter sido tão difícil dar com ele. Afinal, andou todo este tempo por Lisboa", reflecte João Serra que não descansou enquanto não soube do paradeiro da 'pequena mascote'. "Abordei pessoas na rua, procurei em circos, andei por conservatórias. Ele era como se fosse um filho para mim. Nunca perdi a esperança."
Esperança é a palavra que melhor descreve aquilo que João Sabadino Portugal voltou a sentir depois de reencontrar João Serra. Já não se recordava dele, mas assim que soube de quem se tratava foi incapaz de conter as lágrimas. "Era como se estivesse em frente a alguém da minha família", explica. Após o encontro com o velho militar, a vida de João Sabadino Portugal deu uma volta de 180 graus. Foi viver para a outra margem do rio Tejo, arranjou um novo trabalho e até fez novas amizades. "Estava cansado. Queria um futuro melhor. Tinha lá pessoas de quem gostava, mas nem sequer pensei duas vezes quando ele me fez o convite. Precisava de sair dali, tinha que fazer alguma coisa para fugir daquele ambiente", explica a antiga mascote.
Agora, a prioridade máxima de João Serra é ver a situação deste homem legalizada – a última tentativa para resolver esta “novela de difícil solução”, como lhe chama, foi redigir uma carta ao cuidado do Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Até à data, ainda não obteve qualquer resposta.
Por seu lado, João Sabadino Portugal vive a aguardar por dias mais felizes. Para contrariar os ponteiros do relógio, quando não está a trabalhar – e para não pensar muito –, este homem, pouco sociável, fechado, aproveita o difícil passar das horas para ler e ver televisão. "Leio tudo o que me passam para a mão. Na televisão, gosto de ver documentários, filmes e futebol, pelo menos quando é o meu Benfica", conta, folheando nervosamente o 'Baudolino' de Umberto Eco. "Já o li duas vezes, foi o meu afilhado – filho da mulher com quem vivi – que me ofereceu", diz, cabisbaixo.
Para João Sabadino Portugal – assim como para muitos de nós, a ficção é a melhor forma de fugir a uma triste realidade.
HÁ VIDA DEPOIS DO SOFRIMENTO
João Sabadino Portugal está a viver uma segunda vida. Passado o pesadelo reaprende a sorrir. E o culpado por esta metamorfose é João Serra. O antigo soldado do Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses em Mocimboa da Praia deu-lhe a mão que precisava para tentar dar um novo rumo à sua vida. É um esforço desmedido, uma luta de todos os dias. Mas ele não desiste, apesar de saber que a caminhada não será fácil.
João Serra tem feito tudo o que está ao seu alcance para que este homem consiga reencontrar a felicidade. Desde casa, a trabalho, o ex-fuzileiro tem-lhe proporcionado momentos únicos em família. Momentos que nunca teve, uma família que nunca teve. Aos fins-de-semana, João Serra leva a antiga mascote para sua casa, junto da mulher, filhos e amigos. Juntos passam agradáveis momentos de convívio. “Acho que lhe devemos isso, quando o trouxemos de Moçambique, ele era como um filho para todos nós”,sublinha. Dito isto conclui: ”Ao longo de todos estes anos, nunca o esqueci, apesar do afastamento. Agora, sinto que tenho que fazer algo por ele, e faço-o de boa vontade.”
EM BUSCA DA FAMÍLIA PERDIDA
O reencontro com João Serra trouxe a João Sabadino Portugal nova luz. A antiga mascote descobriu que, ao contrário do que sempre lhe foi dito, afinal a mãe pode estar viva. "Achei que era impossível. Sempre me disseram que a minha família tinha morrido", conta,emocionado. E confidencia que apesar de ter acreditado nessa realidade, nem sempre a aceitou. “Houve alturas em que chorava pelos cantos, sentia-me sozinho, sentia a falta de uma mãe", acrescenta.
Encontrá-la é agora a sua prioridade.
O seu grande sonho. "Tirava-me este peso todo que tenho cá dentro, esta mágoa. Seria uma alegria." Com o auxílio de João Serra, até já enviou um email para a televisão de Nampula a expor a situação. Enquanto não há novidades, contempla a mãe, com saudade, através da fotografia que registou o momento da despedida em Moçambique. A imagem foi-lhe oferecida por João Serra e agora vive numa moldura pregada na parede do seu novo quarto.
E-MAIL PARA A TV DE NAMPULA
Data: Quinta-feira, 30 de Junho de 2005
Para: tvmnampula@teledata.mz
Assunto: PROCURA-SE FAMILIARES
Ex.mos Senhores,
Peço a vossa ajuda com o objectivo de João Sabadino Portugal, hoje com 43 anos, saber se tem família em Moçambique. Em 1968, foi adoptado por uma unidade militar portuguesa, que o trouxe para Portugal em Junho de 1969. Até ao momento, desconhecia a possibilidade de existência de familiares, devido a informações deturpadas que lhe foram transmitidas. Agora, foi confrontado com fotografias que lhe foram mostradas por um antigo militar da unidade. A sua família vivia na zona de Mocimboa da Praia e pensa-se que mais tarde se deslocaram para Porto Amélia.
Agradecendo a atenção dispensada para esta acção humanitária, apresento os meus melhores cumprimentos, João Serra.
MOÇAMBIQUE - DATAS COM HISTÓRIA
- 25 de Setembro de 64 Início, em Mueda, da luta de libertação nacional.
- 25 de Abril de 74 golpe militar em Portugal abre caminho para a independência do território.
- 25 de Junho de 75 é proclamada a independência. Samora Machel torna-se no primeiro presidente do país.
Se tiver informações que possam ajudar este cidadão contacte:
João Serra, antigo fuzileiro
Telemóvel: 93 51 00 952
E-mail: joaoserra@iol.pt
MOÇAMBIQUE, JUNHO DE 1967
Um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses veste o camuflado e arranca para a primeira operação na zona de Mocimboa da Praia, Cabo Delgado. Devidamente artilhados, os soldados entranham-se mato adentro à procura de presença inimiga.
Alguns passos adiante deparam-se com um grupo de mulheres indígenas. Seguem-lhes o rasto, discretamente, até à aldeia mais próxima. Logo que se apercebem da chegada de militares, os locais começam a fugir, apavorados. Procuram por um abrigo, arranjam uma forma de escapar à chacina.
Enquanto isso, um dos fuzileiros tenta impedir a sua fuga com disparos contínuos e ensurdecedores de metralhadora. Findo o carregador faz-se silêncio, e um manto de capim ruma ao céu, deixando a descoberto uma aldeia sem vivalma. Deserta. Por instantes, pensou-se que todos estivessem mortos. Puro engano. Um buraco estrategicamente cavado na terra serviu-lhes de escudo.
Escapam à morte, mas não de serem capturados e, posteriormente, entregues ao cuidado dos serviços competentes, em Porto Amélia (Pemba). Durante o regresso, os militares aproveitam uma curta paragem para se refrescarem no mar. Os indígenas, que nunca tinham vislumbrado tamanha imensidão de água ficam perplexos. Eufóricos. Durante breves momentos a aflição cede lugar à descompressão. A uma felicidade que parece não ter fim. O brilho espelhado no olhar de uma das crianças, que corre despreocupadamente pelo areal, desperta a atenção do grupo de fuzileiros. E como naquela época era comum os Destacamentos terem uma mascote, um dos militares , por impulso, coloca a hipótese de o adoptar. Assim foi.
João Sabadino Portugal. Foi desta forma que se passou a chamar o petiz. João, porque era dia 24, o mesmo em que se comemora o S. João – passando a ser também esse o dia em que comemora o seu aniversário. Sabadino, porque era sábado. Portugal, porque, afinal, tratava-se de um Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses. Com a autorização da mãe, o rapaz foi viver para o quartel dos soldados.
O petiz tinha a própria camarata, o próprio armário e uma farda igual à dos seus novos compinchas. Durante dois anos foi a coqueluche dos militares. Em 1969, quando a Comissão chegou ao fim, aos 70 oficiais que se preparavam para regressar a Portugal, juntou-se o pequeno João, à responsabilidade de um Oficial Imediato. Tinha sete anos. E uma vida pela frente. Agora, em Portugal.
João guarda poucas recordações desses tempos. "Lembro-me do quartel, de um macaco, de quem tinha muito medo, mas que estava sempre a atiçar, recordo-me de andar vestido com uma farda que me fazia sentir muito importante, e de ser bem tratado por todos eles", confidencia. "Os maus tratos vieram depois ", deixa escapar acompanhando as palavras com um ligeiro abanar de cabeça. Prenúncio de um sentimento mal resolvido.
CASCAIS, JUNHO DE 1969
Meia dúzia de dias após a chegada a Portugal, João foi entregue aos cuidados da mãe do Oficial Imediato que o adoptou: "Foi ela que me criou e educou, a ele só via ao fim-de-semana", começa por contar. "Mas ela era muito mazinha comigo", acrescenta, sem disfarçar um nervoso miudinho, que se acentua quando recorda a dura vida que levou ainda muito novo. "Sabem o que é ter que aspirar, lavar loiça, coisas que não me competiam Era como se eu lhes tivesse que dar algo em troca da educação, da comida Era um escravo", conclui, inconformado.
A gota de água foi quando, já após a morte da senhora, João levou uma violenta tareia de mangueira do pai adoptivo que lhe deixou marcas que ficarão para sempre gravadas na cabeça. E no corpo. Sempre que se vê ao espelho, a antiga mascote tem de enfrentar duas enormes cicatrizes nas costas que lhe trazem à memória lembranças que luta para esquecer. "É verdade que fiz uma coisa estúpida na escola, algo que agora não posso estar aqui a dizer, mas ", começa por revelar. " Só sei que foi a primeira e a última vez que me bateram assim".
Revoltado, João fugiu de casa. Mas logo que o encontrou, e para que o episódio não se repetisse, o Oficial decidiu mandá-lo para casa de familiares, nos Açores. "Fui para lá estudar e trabalhar na pesca. Mas se nós saíamos para o trabalho à noite, como é que eu ia conseguir acordar de manhã para ir para a escola!?", interroga.
Com a ajuda dos companheiros de pesca conseguiu arranjar dinheiro para comprar um bilhete de regresso ao Continente. Apanhou o primeiro avião e mal desembarcou em Lisboa foi bater a casa do pai adoptivo. Este, sem dó nem piedade, virou-lhe as costas.
João fez-se à estrada, sozinho, com vinte escudos no bolso. "Estava com uma raiva tão grande dele que comecei a andar, a andar. Fui de Carcavelos até Lisboa, precisava de gastar toda a energia que tinha no corpo. Cheguei à Rua das Flores e parei porque estava cansado. Depois, passei a viver ali. Batia à porta de casa das pessoas para pedir comida. Dormia perto dos bombeiros, no jardim ou em carros abandonados", recorda sobre os sete anos como sem-abrigo.
LISBOA, DE 1979 EM DIANTE
Durante esses tempos, João Sabadino Portugal fez amizades de ocasião, outras que, apesar das curvas e contracurvas da vida, mantém. Tentou o amor. "Éramos amigos, depois apaixonámo-nos, mas aquilo deu azar." Arranjou biscates em troca de comida. E, como a vida não lhe corria de feição, deixou-se enveredar por caminhos mais sinuosos. Meteu-se na droga. "Fumei uns charros, mais nada." Esteve preso. "Eu não sabia para o que é que ia, fui com eles, e olha, assaltámos um café." Conseguiu sobreviver a tudo.
No meio do turbilhão de emoções, certo dia, para piorar as coisas, João perdeu o Bilhete de Identidade. Naturalmente, tratou rapidamente de obter a segunda via. "Fui a Alvaiázere, onde estava registado, buscar a minha certidão de nascimento, preenchi a papelada, meti lá o dedo para impressão digital e disseram-me para ir levantá-lo dali a uma semana."
Quando lá voltou disseram-lhe que tinha de se dirigir aos registos centrais. Foi o que fez. Preencheu mais uma série de papéis, sem perceber muito bem para o que é que rabiscava, e ficou a saber que para receber o novo B.I. tinha que arranjar comprovativos dos locais onde tinha vivido e trabalhado nos últimos anos. Uma missão quase impossível para alguém com uma vida desregrada. "Tentei explicar-lhes, mas parece que ninguém me ouviu".
Entretanto, passaram-se vinte e sete anos. João Sabadino Portugal continua fora da lei.
Todos estes anos, trabalhou esporadicamente através de empresas de cedência de pessoal, fez os devidos descontos para a Segurança Social, uma vez que tem cartão de contribuinte. No que respeita a saúde, nunca necessitou de cuidados médicos que justificassem a apresentação de um cartão de identificação. E a polícia nunca o abordou. É caso para dizer que, no meio de tanto azar, tem tido alguma sorte.
Mas esta não é uma situação confortável. "Preocupa-me muito, se um dia quero ir a algum lado, dar uma volta maior, não posso. Se eu tenho registo, para quê tudo isto!? Estou baralhado, estou baralhado", diz repetidamente, em alto e bom som, como quem se esforça por se fazer ouvir. Mas a burocracia tem orelhas moucas.
No seu caso, a dificuldade na obtenção de um novo B.I. prende-se com o Decreto Lei 308-A/75 de 24 o Junho, que regulamenta a legalização dos oriundos das ex-colónias. Ou seja: se o João Sabadino tivesse chegado a Lisboa antes de 25 de Abril de 1969 não haveria problema, mas como só chegou em Junho não pode ser considerado português, sendo que também não é moçambicano. O problema só foi detectado porque, entretanto, perdeu o Bilhete de Identidade. “Parece que antes de sair a dita lei davam B.I. a todos, mas depois, para se nacionalizarem, teriam que preencher determinados requisitos, como casar com um portuguêsa, estar cá há mais de cinco anos...”, explica.
SEIXAL, JULHO DE 2005
Quis o destino que em Maio deste ano João Sabadino Portugal se cruzasse com um dos fuzileiros que o trouxeram para a então Metrópole. Há trinta anos que João Serra o procurava. "Após o regresso de Moçambique, ainda mantivemos o contacto. Tinha uma banda de música, os 'The Tigers', e costumava ir buscá-lo aos fins-de-semana para participar nos espectáculos."
Mas a determinada altura, a coisa mudou de figura. "Um dia liguei para casa da senhora que tomava conta dele e ela disse que eu só estava a prejudicá-lo, a desencaminhá-lo. Então deixei de o fazer", revela João Serra, que, a partir daí, perdeu o rasto ao pequeno João. Nunca o esqueceu.
Anos depois, o ex-fuzileiro iniciou uma busca incansável pelo menino traquina que fez as delícias do Destacamento de Fuzileiros. "É incrível ter sido tão difícil dar com ele. Afinal, andou todo este tempo por Lisboa", reflecte João Serra que não descansou enquanto não soube do paradeiro da 'pequena mascote'. "Abordei pessoas na rua, procurei em circos, andei por conservatórias. Ele era como se fosse um filho para mim. Nunca perdi a esperança."
Esperança é a palavra que melhor descreve aquilo que João Sabadino Portugal voltou a sentir depois de reencontrar João Serra. Já não se recordava dele, mas assim que soube de quem se tratava foi incapaz de conter as lágrimas. "Era como se estivesse em frente a alguém da minha família", explica. Após o encontro com o velho militar, a vida de João Sabadino Portugal deu uma volta de 180 graus. Foi viver para a outra margem do rio Tejo, arranjou um novo trabalho e até fez novas amizades. "Estava cansado. Queria um futuro melhor. Tinha lá pessoas de quem gostava, mas nem sequer pensei duas vezes quando ele me fez o convite. Precisava de sair dali, tinha que fazer alguma coisa para fugir daquele ambiente", explica a antiga mascote.
Agora, a prioridade máxima de João Serra é ver a situação deste homem legalizada – a última tentativa para resolver esta “novela de difícil solução”, como lhe chama, foi redigir uma carta ao cuidado do Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Até à data, ainda não obteve qualquer resposta.
Por seu lado, João Sabadino Portugal vive a aguardar por dias mais felizes. Para contrariar os ponteiros do relógio, quando não está a trabalhar – e para não pensar muito –, este homem, pouco sociável, fechado, aproveita o difícil passar das horas para ler e ver televisão. "Leio tudo o que me passam para a mão. Na televisão, gosto de ver documentários, filmes e futebol, pelo menos quando é o meu Benfica", conta, folheando nervosamente o 'Baudolino' de Umberto Eco. "Já o li duas vezes, foi o meu afilhado – filho da mulher com quem vivi – que me ofereceu", diz, cabisbaixo.
Para João Sabadino Portugal – assim como para muitos de nós, a ficção é a melhor forma de fugir a uma triste realidade.
HÁ VIDA DEPOIS DO SOFRIMENTO
João Sabadino Portugal está a viver uma segunda vida. Passado o pesadelo reaprende a sorrir. E o culpado por esta metamorfose é João Serra. O antigo soldado do Destacamento de Fuzileiros Especiais portugueses em Mocimboa da Praia deu-lhe a mão que precisava para tentar dar um novo rumo à sua vida. É um esforço desmedido, uma luta de todos os dias. Mas ele não desiste, apesar de saber que a caminhada não será fácil.
João Serra tem feito tudo o que está ao seu alcance para que este homem consiga reencontrar a felicidade. Desde casa, a trabalho, o ex-fuzileiro tem-lhe proporcionado momentos únicos em família. Momentos que nunca teve, uma família que nunca teve. Aos fins-de-semana, João Serra leva a antiga mascote para sua casa, junto da mulher, filhos e amigos. Juntos passam agradáveis momentos de convívio. “Acho que lhe devemos isso, quando o trouxemos de Moçambique, ele era como um filho para todos nós”,sublinha. Dito isto conclui: ”Ao longo de todos estes anos, nunca o esqueci, apesar do afastamento. Agora, sinto que tenho que fazer algo por ele, e faço-o de boa vontade.”
EM BUSCA DA FAMÍLIA PERDIDA
O reencontro com João Serra trouxe a João Sabadino Portugal nova luz. A antiga mascote descobriu que, ao contrário do que sempre lhe foi dito, afinal a mãe pode estar viva. "Achei que era impossível. Sempre me disseram que a minha família tinha morrido", conta,emocionado. E confidencia que apesar de ter acreditado nessa realidade, nem sempre a aceitou. “Houve alturas em que chorava pelos cantos, sentia-me sozinho, sentia a falta de uma mãe", acrescenta.
Encontrá-la é agora a sua prioridade.
O seu grande sonho. "Tirava-me este peso todo que tenho cá dentro, esta mágoa. Seria uma alegria." Com o auxílio de João Serra, até já enviou um email para a televisão de Nampula a expor a situação. Enquanto não há novidades, contempla a mãe, com saudade, através da fotografia que registou o momento da despedida em Moçambique. A imagem foi-lhe oferecida por João Serra e agora vive numa moldura pregada na parede do seu novo quarto.
E-MAIL PARA A TV DE NAMPULA
Data: Quinta-feira, 30 de Junho de 2005
Para: tvmnampula@teledata.mz
Assunto: PROCURA-SE FAMILIARES
Ex.mos Senhores,
Peço a vossa ajuda com o objectivo de João Sabadino Portugal, hoje com 43 anos, saber se tem família em Moçambique. Em 1968, foi adoptado por uma unidade militar portuguesa, que o trouxe para Portugal em Junho de 1969. Até ao momento, desconhecia a possibilidade de existência de familiares, devido a informações deturpadas que lhe foram transmitidas. Agora, foi confrontado com fotografias que lhe foram mostradas por um antigo militar da unidade. A sua família vivia na zona de Mocimboa da Praia e pensa-se que mais tarde se deslocaram para Porto Amélia.
Agradecendo a atenção dispensada para esta acção humanitária, apresento os meus melhores cumprimentos, João Serra.
MOÇAMBIQUE - DATAS COM HISTÓRIA
- 25 de Setembro de 64 Início, em Mueda, da luta de libertação nacional.
- 25 de Abril de 74 golpe militar em Portugal abre caminho para a independência do território.
- 25 de Junho de 75 é proclamada a independência. Samora Machel torna-se no primeiro presidente do país.
Se tiver informações que possam ajudar este cidadão contacte:
João Serra, antigo fuzileiro
Telemóvel: 93 51 00 952
E-mail: joaoserra@iol.pt
Janete Frazão
CORREIO DA MANHÃ - 11.09.2005
CORREIO DA MANHÃ - 11.09.2005
11-09-2005
1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(4)
Em 5 de Março de 2005, os prisioneiros de Ornar, alguns acompanhados de suas esposas e filhos, pela primeira vez reuniram em convívio, em Leiria.
Compareceu uma delegação da nossa associação, presididapelo Vice-Presidente Eng.° Neto, que em comissão imediatamenteanterior serviu como furriel em Ornar.
Combinámosentrevistar o antigo alferes miliciano JoséCarlos Monteiro quecomandavainterinamente a Companhia no dia 1 deAgosto de 1974.
O entrevistado, depois do serviço militar, fez a sua carreira Profissional nos correios, onde é hoje responsável de zona.
VC- Qual a denominação local de estacionamento Batalhão e tempo de permanência da sua Companhia em Omar? Caracterize operacionalmente a zona nessa época?
AM- 1a Companhia de Cavalaria Batalhão 8421 Base de Omar Província de Cabo Delgado.
Estacionada nesta Unidade de 18.08.1973 a1.08.1974.
Zona 100% operacional, cuja missão era impedir a entrada e saída da Frelimo para a Tanzânia e impedir os reabastecimentos que eram efectuados via Rio Rovuma.
VC – Quais as bases de guerrilha da Frelimo que existiam na
área de actuação da Companhia?
AM - Havia a base Limpopo e outras pequenas bases avançadas que serviam de passagem para esta base.
VC – Como foi acolhida a notícia da ocorrência do 25 de Abril em Portugal? A vossa actividade operacional continuou ou houve alterações?
AM - A guerra entre o Exército Português e a Frelimo é apresentada como a principal premissa no contexto do Movimento das Forças Armadas. Iniciam-se conversações no sentido de acabar com um confronto entre dois povos. Trabalha-se para um cessar fogo em Moçambique, objectivo para o qual o Exército Português imediatamente caminhou, deixando de efectuar operações decarácter ofensivo e acordando em restabelecer diálogos a nível local, com elementos da Frelimo. Asemissoras de rádio, de Moçambique, frequentemente anunciavam ostensivamente esses contactos. Houve inicialmente urna fase em que o cepticismo e a vontade de alcançar objectivos mais complexos levaram a Frelimo a não compreender claramente a boa vontade e o espírito colaborador do Exército Português. Passados algumas semanas, porém, o endurecimento iluminouas forças emancipalistas moçambicanas, altura a partir da qual se começou definitivamente a caminhar para a paz.
V C - Recebeu algumas instruções para entabular negociações de cessar fogo com a Frelimo? De quem?
AM - A mensagem 2008/OI/74 do Comando Sector B transcreve a mensagem 71 65/P da 5aRepartição: «... Devem todos os comandos tentar criar condições locais passíveis de conduzir aocessar fogo na sua ZA. Para o efeito lançarão campanha de panfletos, cartas deixadas no mato, e acima de tudo servir-se como intermediários, bem como todos os meios achados convenientes. Sódeve ser prometido respeito e confiança mútuos e desejo para a paz. Todos os militares serão esclarecidos destes acontecimentos e finalidades, tendo em vista evitar quaisquer incidentes ouatitudes inconvenientes e todos os resultados alcançados serão comunicados a este Comando...»
Dentro do mesmo espírito e baseado nesta mensagem, o Comando Militar de Mocímboa do Rovuma elaborou um comunicado, com o fim de ser distribuído durante os patrulhamentosefectuados por forças do BCAV 8421:
- «O Governo Provisório Português está seguindo uma política ditada pelo Movimento das ForçasArmadas que visa o seguinte: a paz entre os portugueses de todas as raças e credos em Moçambique e restantes províncias ultramarinas; Conceder a independência a Moçambique a curto prazo, bem como nas restantes províncias ultramarinas... Todos sabemos que a Frelimo e as Forças Armadas Portuguesas têm forças para continuar a lutar por muitos anos, porém, agora é imoral e desumano continuar a fazer mais mortos e feridos de ambas os partes. Os nossos Presidentes já começaram o diálogo franco e aberto, que vai continuar, e só este poderá conduzir a paz que todos desejamos. AsForças Armadas estão dispostas a não atacar o povo da Frelimo, se esta não atacar as picadas e quartéis portugueses. Vamos cessar fogo em conjunto, aguardando que na mesa das negociações seja negociada a paz com vista à independência de Moçambique. Enquanto não houver paz, as Forças Armadas continuam em Moçambique para segurança de todas as populações, raças e credos. Só em paz será possível construir um Moçambique melhor.
Aguardamos a vossa resposta por escrito ou emissário que será bem recebido».
VC - Descreva-nos os acontecimentos de Ornar a 1 de Agosto de 1974 e todos os posteriores até à data da vossa libertação em 19.09.1974.
AM - Na madrugada do dia 1 de Agosto de 1974, na orla da mata do estacionamento ouviram-se vozes de megafone, dizendo: « Atenção aquartelamento de Omar, nós não estamos contra vocês, lutamos contra o fascismo e o colonialismo, e esses terminaram no dia 25 de Abril. Queremosfalar com vocês. Mandem um mensageiro à pista, pois nós estamos sem armas. Queremos apenas falar convosco, não queremos mais derramamento de sangue».
Perante estas palavras o soldado Joaquim da Silva Piedade ofereceu-se voluntário para ir àpista como mensageiro. Todo o restante pessoal continuou nas valas e em diversas posições de fogo. Quando o referido mensageiro ia a chegar à pista, novas vozes de megafone se ouviram, pedindo para que o Comandante viesse também à pista. Perante isto, o comandante doaquartelamento, alferes miliciano José Carlos da Silva e Costa Monteiro, acedeu em ir também àpista juntamente com o referido soldado Piedade.
Surgiram então cerca de 8 a 10 indivíduos desarmados, munidos com gravadores portáteis, máquinas de filmar e máquinas fotográficas. Quando o alferes Monteiro se encontrava a falarcom o comandante deste pequena força ele repetiu as palavras já ditas pelo megafone e pedia para falar com os soldados da Companhia na pista. Perante esta insistência o comandante do aquartelamento de Omar alvitrou que poderia entrar e falar com a Companhia dentro do aquartelamento, o que lhe foi contestado, alegando medo de qualquer reacção das nossas tropas ou da força aérea.
Perante isto, e como não se notava qualquer presença de indivíduos armados, foi aceite que parte Companhia fosse para a pista. Ficaram nas posições as secções de obuses 8,8 morteiros e postos de sentinela.
Quando se encontravam na pista, houve uma força de cerca de 100 indivíduos, que pela porta de armas traseira, que dava saída para a lixeira, entraram de assalto, tomando as nossas posições dentro do quartel. A reacção das secções de obus não era possível, e como tal, a força que entrou obrigou o pessoal das restantes posições a abandonar e sair. No mesmo momento em que a força toma o quartel, há uma outra força emboscada na orla da mata da pista que cerca todo o pessoal que nela se encontrava.
A partir daí não foi possível qualquer reacção. Imediatamente o Comandante de Omar e outros graduados perguntam ao comandante da força invasora o que é que se passava, no que ele respondeu que iriam falar com o Comandante Joaquim Chipande no meio da mata. Foram levados para uma base avançada de Frelimo onde se encontraram com os Chefes Silésio e Alberto Joaquim Chipande. Aí pernoitaram, dormindo à volta duma fogueira.
No dia 2 iniciaram a marcha até nova base da Frelimo onde ficaram dois dias. Aí os graduados tiveram a primeira reunião com uma comitiva da Frelimo chefiada por Joaquim Chipande. Foi-lhes lido todas as conversações de Lusaca às quais Chipande havia estado presente. Explicou este Chefe que uma das razões porque tinham tomado OMAR era pelo facto de não só ser uma base de importância vital, mas também porque já haviam escrito uma carta ao Comandante do Sector B/AV (Mueda) Tenente Coronel Andrade Lopes, onde a Frelimo punha como condições a retirada de determinados quartéis e reunião dos mesmos em Mueda. Não o quiseram fazer e a Frelimo sabia, pelo barulho de rebentamentos e por um mainato civil, que fugiu da nossa Companhia, que Omar estava a destruir os materiais. Esta reunião terminou cerca das 10H00 e aí os graduados iniciaram a marcha para se irem juntar aos restantes soldados que já se encontravam numa outra base da Frelimo.
No dia 5, seguiram para o distrito de M’Napa onde pernoitaram.
No dia 6 seguiram com destino à base Limpopo, onde foi distribuído arroz e sopa aos militares. Daqui avançaram em direcção ao Rio Rovuma, onde chegaram cerca das 18H00. às 00H30, os últimos homens encontravam-se em território da Tanzaniano.
No dia 7, foi distribuído o fardamento da Frelimo a todos os militares portugueses, tendo estes entregue a roupa que levavam vestida. À tarde, iniciou-se o transporte de todo o pessoal em viaturas do exército tanzaniano para Newala, onde se pernoitou numa prisão em construção.
No dia 8, dá-se o primeiro encontro com o Presidente da Frelimo, Samora Machel, bem como a restante comitiva. Aí, Machel falou a todos os militares, tendo cumprimentado todos um por um. Nessa tarde seguiram ao longo da Tanzânia até Nashinguwea onde ficaram instalados num quartel do exército tanzaniano. Aí ficaram até à libertação que se processou em 19.09.1974.
Enquanto permaneceram como prisioneiros, não houve qualquer mau trato a ninguém. Funcionava uma enfermaria dia e noite, com um sargento enfermeiro da Tanzânia, pronto para qualquer serviço. Um médico da Frelimo ia frequentemente dar consultas a quem queria, tendo feito inclusivamente o tratamento de uma anemia, com transfusão de sangue, a um soldado artilheiro português. Receberam diversas visitas, entre elas, a de Samora Machel três vezes, Chefe do Estado Maior do Exército Tanzaniano, Ministro da Agricultura da Tanzânia, diversos dirigentes do partido Tanu, muitos jornalistas e fotógrafos.
VC – Li algures que Spínola, então Presidente da República, terá visto uma reportagem da rendição de Omar e se terá declarado muito incomodado. Entende que poderia ter tido outro comportamento? Estás arrependido das suas decisões?
AM – O General Spínola deve ter ficado incomodado foi por ter dado determinadas ordens ao Major Otelo e ao Dr. Mário Soares para as conversações de Lusaca e eles terem alterado tudo o que havia sido combinado!!! Todas as reportagens foram feitas sobre Omar não correspondem à verdade, pois os actores principais nunca foram ouvidos, e ao fim de 31 anos é a segunda vez que conto a verdadeira história.
VC – Que influência terão tido os acontecimentos de Omar nas conversações de Lusaca, já que o acordo foi assinado mais de que um mês depois, a 09.09.1974?
AM – Pode ter servido para haver moeda de troca em termos de prisioneiros, pois só nós e um pelotão de açoreanos é que estávamos vivos e visíveis para a comunicação social. Onde estão os homens do navio Angoche?
VC - O Sr, era o Comandante Interino da Companhia. Alguma vez a hierarquia militar ou o poder político o incomodaram ou molestaram pela responsabilidade dos acontecimentos?
AM – Não.
VC - Quando foram libertados e após o regresso a Moçambique, como foram tratados pelos comandos militares. Quem vos recebeu e o que vos disseram? Que apoio receberam?
AM – Fomos recebidos em Nampula pelo Coronel Travassos, na altura Comandante do Sector B. Fomos bem recebidos e dados novos fardamentos e dinheiro.
VC – Trinta e um anos depois dos acontecimentos, o que sente? Em relação aos subordinados, aos superiores e aos guerrilheiros da Frelimo?
AM – Relativamente aos acontecimentos, não tenho qualquer ideia definida, tão somente a satisfação por ter regressado a Portugal com todos os meus homens, sãos e salvos, e creio termos tido um comportamento digno, pois soubemos dignificar a missão para a qual fomos solicitados: saber fazer a paz é tão dignificante como ganhar uma guerra.
Veja:
09-09-2005
Homenagem prestada a militares portugueses na África do Sul (2)
Recordar em
Notícia publicada hoje(na 1ª página e à esquerda), pelo Semanário O INDEPENDENTE, e a resposta de Manuel Ferreira à mesma:
Portugal homenageia Apartheid
Embaixada em Pretória esteve representada numa homenagem a três mercenários portugueses que combateram pelo Apartheid. Entre os quais um ex-agente da PIDE
Francisco Teixeira
e Mónica Moniz Ribeiro
O Estado Português esteve oficialmente representado numa cerimónia de homenagem a um grupo de mercenários do antigo Batalhão Búfalo, a unidade militar de elite utilizada pela África do Sul para sustentar o regime racista do! Apartheid. Entre os três portugueses distinguidos está um antigo agente da PIDE-DGS.
As explicações das partes envolvidas não coincidem. O Ministério dos Negócios Estrangeiros "desconhece" a presença de representantes portugueses nesta cerimónia e o embaixador português em Pretória garante que foi surpreendido pela notícia "quando regressava de férias da Grécia", mas a verdade é que chegou um convite oficial à embaixada e Portugal fez--se representar pela chefe da chancelaria, Margarida Rosas de Oliveira. Mais. A diplomacia portuguesa entregou uma coroa de flores em nome de Portugal para se associar ao evento.
Homenagem aos mortos. Este episódio começou quando a embaixada portuguesa foi contactada por um ex-membro do Batalhão Búfalo, colega dos homenageados e promotor da iniciativa. Perante a indisponibilidade de agenda do embaixador, foi dito a Manuel Ferreira que Portugal seria representado por Margarida Rosas de Oliveira, chefe da chancelaria da embaixada. Ou seja: Portugal acedeu a participar na cerimónia, de forma oficial e com uma coroa de flores.
A homenagem aos três militares portugueses que estiveram ao serviço do regime do Apartheid decorreu em Pretória no dia 23 de Agosto. Cenário: o cemitério de Thaba Tshwane. Fritz Loots, ex--comandante das unidades especiais que combateram em Angola e no Sudoeste Africano (Namíbia), descerrou a lápide negra onde foram inscritos os nomes dos três portugueses. Por um lado, para prestar um tributo ao desempenho de Francisco Daniel Roxo, José Correia Pinto Ribeiro e Ponciano Soeiro (ex-agente da PIDE-DGS), mortos em combate na década de 70. Por outro lado, para lhes "dar um tratamento à altura" com a trasladação dos corpos, que se encontravam em campas rasas e sem qualquer inscrição.
Batata quente. Contactado pelo Independente, o embaixador português em Pretória, João Barbosa, confirmou a presença da funcionária consular, mas garante que não foi "previamente consultado" para conceder a devida autorização hierárquica para que participasse nacerimónia.
Caso tivesse sido, o representante de Portugal na África do Sul "teria que ponderar a presença" e "informar o Ministério dos NegóciosEstrangeiros antes de tomar uma decisão".
João Barbosa garante ainda que não se tratou de uma cerimónia de homenagem aos três portugueses. Tese desmentida pelo próprio organizador do evento. Manuel Ferreira, ex-membro do Batalhão Búfalo, confirmou ao Independente o carácter da cerimónia: "Eram profissionais exemplares que estavam maltratados" e que mereciam ser "enaltecidos" e "devidamente homenageados".
O QUE ERA O BATALHÃO BÚFALO
>> É também conhecido por Batalhão 32. Trata--se de uma antiga unidade de elite da África do Sul criada em 1975 para defender o regime racista do Apartheid. Foi utilizado em diversas frentes de combate externas paraaniquilar os movimentosmarxistas na África Austral.Casos de Angola e Namíbia.
Na sequência da vitória do M P LA na guerra civil angolana, os combatentes derrotados refugiaram-se numa região do Sudoeste Africano. Nessa altura, o coronel sul-africano Breytenbach contratou-ospara formar uma unidade de elite composta por militares angolanos, ingleses, portugueses e norte--americanos. Todos eles mercenários ao serviço do governo sul-africano do Apartheid. O BatalhãoBúfalo acabou por ser dissolvido em 1993, depois de ter sido rejeitada a sua presença na "nova Áfricado Sul", renascida com a libertação de Nelson Mandela e o fim da discriminação racial.
.....................................................................................................................
A resposta esclarecimento de Manuel Ferreira:
Manuel de Resende Ferreira
P.O.Box 9001
Centurion
0046
África do Sul
E-mail: manuelferreira@eject.co.za
Centurion,9 de Setembro de 2005
Por direito, venho responder ao vosso artigo, publicado hoje, dia 9 de Setembro, na Secção Política e sob o título "Portugal homenageia Apartheid". É um artigo maldosa e vergonhosamente deturpado, com falsas afirmações --- um artigo que não merece qualquer crédito, mas merece o meu direito à resposta.
Chamo -me Manuel de Resende Ferreira, fui um dos organizadores do evento, não sou, como afirmam, ex-membro do Batalhão Búfalo ( mas este artigo está cheio de mentiras!...) sou ex-militar das Forças Armadas Sul Africanas.
Neste evento de carácter singelo e muito sentido, não só foi prestada homenagem a três valorosos combatentes como e principalmente dar-lhes aquilo que ainda não lhes tinha sido dado e que qualquer ente merece quando deixa de viver, pedir religiosamente e com fé a paz das suas almas.
Por que se tratavam de Portugueses valorosos e condecorados anteriormente pelo o Exército Português a Embaixada Portuguesa por nós convidada, fez-se representar pela secção Consular com tal dignidade que sentimos Portugal connosco. Tratavam-se de três compatriotas. Entre os convidados encontravam-se também membros das Forças Armadas Sul Africanas alguns ainda no activo e alguns, também, não de raça branca.
Onde estão os portugueses que foram vendidos e abandonados em África? Já se esqueceram? Para alguns a memória é curta, para mim não. Olhem que os vendilhões da Pátria ainda estão no activo. Um deles, velho e gágá, volta a candidatar-se à Presidência da República.
Sou Português, não sou Luso-descendente. Foi em África que nasceu o sol do meu primeiro dia, sob a bandeira das Quinas. Ainda miúdo com os meus pais e irmãos, depois de vendidos e abandonados, fomos acolhidos pela África do Sul. Abandonados foram também aqueles valentes condecorados soldados Portugueses.
Nós os acolhidos por este País, aos milhares, ao atingirmos a idade militar, fomos obrigatoriamente chamados a cumprir o Serviço Militar, o que fizemos com orgulho sem sermos mercenários. E, como ao serviço do apartheid? se servimos lado a lado com negros nas trincheiras!
Não houve só um Vasco da Gama, um Pedro Alvares Cabral ... felizmente houveram muitos, exemplo:
Daniel Roxo chefe das Milícias no Niassa, condecorado pelo Exército Português com a Cruz de Guerra e a medalha de Serviços Distintos. José Correia Pinto Ribeiro, Sargento Para- Quedista Português e mais tarde membro dos GEPs ( Grupos Especiais Para-Quedistas) em Moçambique. Ponciano Soeiro ex agente da DGS em Angola ( Defensor da Portugalidade em África) e posteriormente como os outros dois colegas, Operador Especial das Forças Especiais Sul Africanas.
A imprensa Sul Africana quase de norte a sul, reagiu positivamente a esta homenagem prestada aos nossos compatriotas, que for falta de espaço a que não tenho direito aqui não transcrevo os seus artigos.
Tarda infelizmente em aparecer novos Mouzinhos de Albuquerque, Paivas Couceiros, Artur Paivas mas proliferam, infelizmente, Migueis de Vasconcelos. Judas também não houve só um, como no vosso artigo vende-se a alma da Pátria por dinheiro, pelo artigo sensação ...
A nossa velha, ensolada Pátria Portuguesa está doente, doença virulenta, purulenta, a cheirar mal por todos os poros. Vendida, esquartejada, apenas lhe resta um pequeno rectangulo de areia e telhas já quase sem arvoredo ...
Mas que grandes homens foram estes três que depois de mortos há quase trinta anos fazem estremecer tanta gente!...
Manuel de Resende Ferreira 1º Sargento das Forças Armadas Sul Africanas (Reformado)
08-09-2005
Acordo militar continua no “segredo dos deuses”
<>
Revela Mariano Matsinha
Acordo militar continua no “segredo dos deuses”
O Acordo de Lusaka ainda não é do domínio público, sobretudo a parte militar que continua secreta. Ela existe, está guardada a sete chaves pelo Governo da Frelimo, de acordo com o veterano Mariano Matsinha, um dos seus negociadores.
Acordo militar continua no “segredo dos deuses”
O Acordo de Lusaka ainda não é do domínio público, sobretudo a parte militar que continua secreta. Ela existe, está guardada a sete chaves pelo Governo da Frelimo, de acordo com o veterano Mariano Matsinha, um dos seus negociadores.
ZAMBEZE - 9/8/2005
Samora Machel, Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Alberto Chipande, Óscar Monteiro, Bonifácio Gruveta, Sebastião Mabote, Jacinto Veloso, Mariano Matsinha, Xavier Salila, Joaquim Munhepe, Mateus Malichocho, João Phelembe, Joaquim de Carvalho, José Mosane e Graça Simbine, são os filhos da pátria moçambicana que há 31 anos, num frente a frente na “State House” em Lusaka, na Zambia, confrontaram-se com a delegação portuguesa liderada por Mário Soares para a assinatura do memorando que ficou conhecido nos anais da história por “Acordos de Lusaka”.
Volvidas três décadas da assinatura dos Acordos de Lusaka, um memorando de entendimento que pôs fim à guerra travada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a dominação colonial, o povo moçambicano ainda continua refém desse acordo assinado há 31 anos, em seu nome. Não obstante a data ser comemorada anualmente com pompa e circunstância, os que comandam os destinos da nação moçambicana, nunca lograram sequer pronunciarem de forma clara e ampla sobre as cláusulas deste acordo, até hoje, mergulhado naquilo que se chama de “segredo de Estado”. Estamos a falar do “acordo militar”, ainda não tornado público, mas que no decurso das negociações em Lusaka, constituiu o prato forte.
De acordo com o veterano da Frelimo Mariano Matsinha, um dos que constituiu a delegação moçambicana em Lusaka, “o Acordo de Lusaka é de domínio público, contrariamente ao Acordo Militar que se encontra nas mãos do governo do dia, e, sem ainda data para a sua publicação, de acordo com as parcas informações que diz ter.
A não publicação do referido documento até à data, é de acordo com palavras de Mariano Matsinha, é fruto de compromissos assumidos entre as duas delegações que estiveram reunidas na “State House”.
“Realmente trata-se de um documento importante para se compreender o processo em si, dos Acordos de Lusaka, mas o importante naquela altura era o reconhecimento por parte de Portugal que nós tínhamos direito à independência. Infelizmente não participei na discussão do “Acordo Militar”, e nem sei quais são as cláusulas plasmadas, mas acredito que os portugueses tinham as suas razões em pedir para que não fosse publicado, face à situação em que se encontravam.
O documento está guardado a sete chave pelo governo. Não conheço o seu prazo, mas acredito que a breve trecho será tornado público”, explicou o veterano da Frelimo.
A uma pergunta do ZAMBEZE sobre o cumprimento ou não das cláusulas dos Acordos de Lusaka, Matsinha garantiu que tudo até aqui corre (u) de feição e não há nada ainda por cumprir, tendo acrescentado que tudo quanto está plasmado no acordo de Lusaka, excepto o Acordo Militar é do domínio público e não sofreu alterações e nem omissões.
Hoje, passados 31 anos da assinatura dos “Acordos de Lusaka”, Mariano Matsinha, ora reformado da vida política activa, faz um balanço positivo sobre os mesmos acordos, sobretudo ao período em que o governo de transição tomou os destinos da nação moçambicana.
“Faço balanço positivo do governo de transição, pela coragem e determinação. É de louvar a coragem dos nossos homens que depois do cessar-fogo tiveram coragem de cair no quartel-general dos portugueses. É óbvio que os portugueses já não tinham muitas alternativas, porque o grosso já não queria continuar com a guerra. Mas nesse período, assistiu-se a distúrbios e sabotagens por parte dos portugueses e nós agimos com muita paciência, refere o veterano da Frelimo.
Recuado no tempo, como que a fazer o rescaldo dos acontecimentos, o nosso interlocutor referiu que a assinatura dos Acordos de Lusaka foi o culminar de um processo que iniciou com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974.
Foi assim no dizer de Matsinha que dois meses antes da assinatura dos Acordos de Lusaka, em Junho de 1974, as delegações moçambicana e portuguesa, chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, respectivamente se encontraram pela primeira vez em Lusaka, mas sem no entanto se atingir os seus objectivos.
O interlocutor explica da seguinte forma: “A Frelimo ia com um poder máximo para negociar tudo, enquanto os portugueses apenas pretendiam assinar o acordo sobre o cessar-fogo, deixando tudo em suspenso. Estas foram algumas das dificuldades que tivemos em Junho, dai termos em conjunto elaborado um documento no qual informamos a Portugal que tínhamos negociado mas que ainda não se tinha chegado a um acordo definitivo. Eles por exemplo não sabiam qual era o destino a dar às colónias. A delegação Portuguesa de Junho não tinha poder. O poder político e militar estava nas mãos das forças armadas daí que mais tarde a Frelimo teve que encetar negociações secretas com o movimento militar, na Bélgica, Argélia, Tanzânia, entre outros países. Em linhas gerais, nós educamos os portugueses que era preciso resolver o problema das colónias. Enfrentamos outros percalços porque o general António Spinola continuava amarrado a ideias de federalismo porque tinha esperança que as suas ideias iam vingar.
Ainda sobre os acordos, nós já tínhamos comunicado aos nossos camaradas sobre a data e a hora da entrada em vigor do cessar- fogo e nessa altura os nossos homens já estavam nos quartéis portugueses, e enviamos Alberto Chipande para o quartel general Português em Nampula e depois para Lourenço Marques para restabelecer o processo de paz e evacuar as tropas portuguesas”, explicou.
O nosso interlocutor acrescentou que depois das manifestações havidas depois do 7 de Setembro de 1974, houve uma pressão em Portugal para se parar porque caso os reaccionários portugueses continuassem com os desmandos a guerra iria continuar.
A rematar, Matsinha que manteve dois dedinhos de conversa com a equipa de reportagem disse sentir-se lisonjeado por ter feito parte da delegação das negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Lusaka e explica porquê: “Moçambique hoje tem um grande prestígio a nível mundial, contrariamente ao tempo colonial em que eram vistos como deslocados de guerra. Por outro lado, sinto-me prestigiado por ter vivido e sentido o peso do período colonial (o racismo, a humilhação, entre várias dificuldades) dai ter uma experiência especial”, salientou.
Celso Ricardo
Volvidas três décadas da assinatura dos Acordos de Lusaka, um memorando de entendimento que pôs fim à guerra travada pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a dominação colonial, o povo moçambicano ainda continua refém desse acordo assinado há 31 anos, em seu nome. Não obstante a data ser comemorada anualmente com pompa e circunstância, os que comandam os destinos da nação moçambicana, nunca lograram sequer pronunciarem de forma clara e ampla sobre as cláusulas deste acordo, até hoje, mergulhado naquilo que se chama de “segredo de Estado”. Estamos a falar do “acordo militar”, ainda não tornado público, mas que no decurso das negociações em Lusaka, constituiu o prato forte.
De acordo com o veterano da Frelimo Mariano Matsinha, um dos que constituiu a delegação moçambicana em Lusaka, “o Acordo de Lusaka é de domínio público, contrariamente ao Acordo Militar que se encontra nas mãos do governo do dia, e, sem ainda data para a sua publicação, de acordo com as parcas informações que diz ter.
A não publicação do referido documento até à data, é de acordo com palavras de Mariano Matsinha, é fruto de compromissos assumidos entre as duas delegações que estiveram reunidas na “State House”.
“Realmente trata-se de um documento importante para se compreender o processo em si, dos Acordos de Lusaka, mas o importante naquela altura era o reconhecimento por parte de Portugal que nós tínhamos direito à independência. Infelizmente não participei na discussão do “Acordo Militar”, e nem sei quais são as cláusulas plasmadas, mas acredito que os portugueses tinham as suas razões em pedir para que não fosse publicado, face à situação em que se encontravam.
O documento está guardado a sete chave pelo governo. Não conheço o seu prazo, mas acredito que a breve trecho será tornado público”, explicou o veterano da Frelimo.
A uma pergunta do ZAMBEZE sobre o cumprimento ou não das cláusulas dos Acordos de Lusaka, Matsinha garantiu que tudo até aqui corre (u) de feição e não há nada ainda por cumprir, tendo acrescentado que tudo quanto está plasmado no acordo de Lusaka, excepto o Acordo Militar é do domínio público e não sofreu alterações e nem omissões.
Hoje, passados 31 anos da assinatura dos “Acordos de Lusaka”, Mariano Matsinha, ora reformado da vida política activa, faz um balanço positivo sobre os mesmos acordos, sobretudo ao período em que o governo de transição tomou os destinos da nação moçambicana.
“Faço balanço positivo do governo de transição, pela coragem e determinação. É de louvar a coragem dos nossos homens que depois do cessar-fogo tiveram coragem de cair no quartel-general dos portugueses. É óbvio que os portugueses já não tinham muitas alternativas, porque o grosso já não queria continuar com a guerra. Mas nesse período, assistiu-se a distúrbios e sabotagens por parte dos portugueses e nós agimos com muita paciência, refere o veterano da Frelimo.
Recuado no tempo, como que a fazer o rescaldo dos acontecimentos, o nosso interlocutor referiu que a assinatura dos Acordos de Lusaka foi o culminar de um processo que iniciou com o golpe de Estado em Portugal, a 25 de Abril de 1974.
Foi assim no dizer de Matsinha que dois meses antes da assinatura dos Acordos de Lusaka, em Junho de 1974, as delegações moçambicana e portuguesa, chefiadas por Samora Machel e Mário Soares, respectivamente se encontraram pela primeira vez em Lusaka, mas sem no entanto se atingir os seus objectivos.
O interlocutor explica da seguinte forma: “A Frelimo ia com um poder máximo para negociar tudo, enquanto os portugueses apenas pretendiam assinar o acordo sobre o cessar-fogo, deixando tudo em suspenso. Estas foram algumas das dificuldades que tivemos em Junho, dai termos em conjunto elaborado um documento no qual informamos a Portugal que tínhamos negociado mas que ainda não se tinha chegado a um acordo definitivo. Eles por exemplo não sabiam qual era o destino a dar às colónias. A delegação Portuguesa de Junho não tinha poder. O poder político e militar estava nas mãos das forças armadas daí que mais tarde a Frelimo teve que encetar negociações secretas com o movimento militar, na Bélgica, Argélia, Tanzânia, entre outros países. Em linhas gerais, nós educamos os portugueses que era preciso resolver o problema das colónias. Enfrentamos outros percalços porque o general António Spinola continuava amarrado a ideias de federalismo porque tinha esperança que as suas ideias iam vingar.
Ainda sobre os acordos, nós já tínhamos comunicado aos nossos camaradas sobre a data e a hora da entrada em vigor do cessar- fogo e nessa altura os nossos homens já estavam nos quartéis portugueses, e enviamos Alberto Chipande para o quartel general Português em Nampula e depois para Lourenço Marques para restabelecer o processo de paz e evacuar as tropas portuguesas”, explicou.
O nosso interlocutor acrescentou que depois das manifestações havidas depois do 7 de Setembro de 1974, houve uma pressão em Portugal para se parar porque caso os reaccionários portugueses continuassem com os desmandos a guerra iria continuar.
A rematar, Matsinha que manteve dois dedinhos de conversa com a equipa de reportagem disse sentir-se lisonjeado por ter feito parte da delegação das negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Lusaka e explica porquê: “Moçambique hoje tem um grande prestígio a nível mundial, contrariamente ao tempo colonial em que eram vistos como deslocados de guerra. Por outro lado, sinto-me prestigiado por ter vivido e sentido o peso do período colonial (o racismo, a humilhação, entre várias dificuldades) dai ter uma experiência especial”, salientou.
Celso Ricardo
07-09-2005
Independência do Brasil
Passa hoje mais um aniversário da Independência do Brasil.
Ao povo irmão as minhas felicitações
Fernando Gil
Musica: D. Pedro I
Letra: Evaristo da Veiga
Letra: Evaristo da Veiga
Já podeis da Pátria filhos
Ver contente a mãe gentil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Ver contente a mãe gentil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Já raiou a liberdade
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Houve mão mais poderosa
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Da perfídia astuto ardil
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Houve mão mais poderosa
Houve mão mais poderosa
Zombou deles o Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Não temais ímpias falanges
Que apresentam face hostil
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Vossos peitos, vossos braços,
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Que apresentam face hostil
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Vossos peitos, vossos braços,
Vossos peitos, vossos braços,
São muralhas do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Parabéns, ó Brasileiros!
Já com garbo juvenil
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Do universo entre as nações
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Já com garbo juvenil
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Do universo entre as nações
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil
Brava gente, brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil
7 de Setembro - feriado, Dia da Vitória
Foi a 7 de Setembro de 1974 que se assinaram os Acordos de Lusaka, que consagraram a independência de Moçambique.
Reunidas em Lusaka de 5 a 7 de Setembro de 1974, as delegações da Frente de Libertação de Moçambique e do Estado Português, com vista ao estabelecimento do acordo conducente a Independência de Moçambique, acordaram nos seguintes pontos.
1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do Povo de Moçambique a Independência, aceita por acordo com a Frente de Libertação de Moçambique a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
2. A Independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.
IMENSIS - 06.09.2005
1. O Estado Português, tendo reconhecido o direito do Povo de Moçambique a Independência, aceita por acordo com a Frente de Libertação de Moçambique a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território nos termos a seguir enunciados.
2. A Independência completa de Moçambique será solenemente proclamada em 25 de Junho de 1975, dia do aniversário da fundação da Frente de Libertação de Moçambique.
IMENSIS - 06.09.2005
Foi há 31 anos...
Reveja:
Nota: Foto cortesia de AVM
03-09-2005
DOIS NOVOS LIVROS
MEMÓRIAS DA GUERRA EM ANGOLA
O Despertar dos Combatentes
O Despertar dos Combatentes
AUTOR Joaquim Coelho
EDITORA Clássica
384 págs.
O grosso volume "O Despertar dos Combatentes - Fotos com estórias em
Angola" é o resumo de uma série de rascunhos que o militar Joaquim de
Sousa Coelho escreveu durante os primeiros anos da guerra colonial,
na década de 60, ficando assim como testemunho de uma época.
O autor procurou trazer mais luz para "aqueles anos de angústia e de
sofrimento" em que dezenas de milhares de jovens portugueses seguiam
anualmente para África, de onde alguns nem sequer voltavam. E fê-
lo "em memória dos que morreram como heróis inocentes e dos
estropiados do corpo e da alma", recordando que "ainda estão por
resgatar algumas centenas de corpos dos combatentes que o Poder
renegou e que, por falta de dinheiro para os trasladar e entregar às
famílias, ficaram enterrados nos tocais mais recônditos".
Trata-se do primeiro livro de uma anunciada série de três sobre o
quotidiano dos soldados em Angola, Moçambique e Guiné, os três
teatros da guerra que se travou de 1961 a 1974 e que muitos dos
portugueses com menos de 35 anos não sabem hoje o que teria sido,
apesar de ela haver afectado seus pais e outros parentes. Navios como
o Vera Cruz e o Massa andavam então em viagem constante do Tejo para
os portos africanos, a transportar carne para canhão arrancada das
lavras e oficinas, para defesa de uma política que acabou por se
revelar impossível.
Os dias de terror de Março de 1961 no Norte de Angola estão bem
documentados nas fotografias com que Joaquim Coelho ilustra este
impressionante documento, sobre tudo o que se passou em Damba,
Maquela do Zombo, Nambuangongo e tantos outros lugares que antes do
25 de Abril povoavam o nosso imaginário.
Meios de transporte insuficientes para tanta tropa, comida e bebida
por vezes escassas, quando se estava no mato, armamento inadequado -
tudo isso é denunciado por este homem, natural de Penafiel, que
esteve na Força Aérea Portuguesa e nas Tropas Especiais de
Intervenção, havendo colaborado como repórter fotográfico com o
jornal diário Província de Angola e com a revista semanal Notícia, de
Luanda. Para que a memória perdure e se consigam esconjurar os
fantasmas de um passado recente. JORGE HEITOR
ESTÓRIAS EM LUSO-QUIMBUNDO
Macandumba
AUTOR José Luandino Vieira
EDITOR Caminho 184págs.,
Acaba de ser publicada na Editorial Caminho uma reedição de três
estórias de José Luandino Vieira, inicialmente publicadas em 1978,
sob o título "Macamdumba", para ficarmos a conhecer melhor a obra de
quem julgou ser possível a simbiose entre uma língua europeia e o
quimbundo, do grupo banto.
O sapateiro-andante Pedro Caliota, os brancos de baixa condição, os
cabo-verdianos, os naturais de São Tomé e, sempre, sempre, a gente
dos musseques, os bairros de areia grossa da periferia de Luanda, são
os protagonistas destas estórias sobre a paradigmática década de
1960, quando os povos de Angola pegaram em armas para acabar com a
colonização. Escritor de leitura extremamente difícil, válida
sobretudo como documento de uma época, sinal de revolta, Luandino
(nome de adopção) dá-nos aqui o retrato do tempo em que ainda não
fora possível alfabetizar devidamente as populações e que por isso
mesmo elas tinham de fazer uma ginástica tremenda entre o falar dos
seus pais e a língua do colono.
O contista que se começou a revelar no fim dos anos 50 e que escreveu
o seu primeiro romance em 1961, precisamente o ano em que começou em
Luanda e no Norte do país a luta pela independência de Angola, foi um
dos primeiros e quiçá um dos últimos a usar em grande escala
expressões em quimbundo pois que os novos poderes viriam a
privilegiar claramente o português.
A crioulidade e o hibridismo são coisas patentes na autêntica ponte
entre dois continentes que é a escrita deste autor de 11 livros
essencialmente dedicados à cidade que o viu crescer e onde foi
durante largos anos uma figura de proa da intelectualidade. As
estórias que ora nos são dadas sob uma bela capa de António Ole já
tinham conhecido, pelo menos, edições em 1978, 1989 e 1997,
designadamente em braille.
EDITORA Clássica
384 págs.
O grosso volume "O Despertar dos Combatentes - Fotos com estórias em
Angola" é o resumo de uma série de rascunhos que o militar Joaquim de
Sousa Coelho escreveu durante os primeiros anos da guerra colonial,
na década de 60, ficando assim como testemunho de uma época.
O autor procurou trazer mais luz para "aqueles anos de angústia e de
sofrimento" em que dezenas de milhares de jovens portugueses seguiam
anualmente para África, de onde alguns nem sequer voltavam. E fê-
lo "em memória dos que morreram como heróis inocentes e dos
estropiados do corpo e da alma", recordando que "ainda estão por
resgatar algumas centenas de corpos dos combatentes que o Poder
renegou e que, por falta de dinheiro para os trasladar e entregar às
famílias, ficaram enterrados nos tocais mais recônditos".
Trata-se do primeiro livro de uma anunciada série de três sobre o
quotidiano dos soldados em Angola, Moçambique e Guiné, os três
teatros da guerra que se travou de 1961 a 1974 e que muitos dos
portugueses com menos de 35 anos não sabem hoje o que teria sido,
apesar de ela haver afectado seus pais e outros parentes. Navios como
o Vera Cruz e o Massa andavam então em viagem constante do Tejo para
os portos africanos, a transportar carne para canhão arrancada das
lavras e oficinas, para defesa de uma política que acabou por se
revelar impossível.
Os dias de terror de Março de 1961 no Norte de Angola estão bem
documentados nas fotografias com que Joaquim Coelho ilustra este
impressionante documento, sobre tudo o que se passou em Damba,
Maquela do Zombo, Nambuangongo e tantos outros lugares que antes do
25 de Abril povoavam o nosso imaginário.
Meios de transporte insuficientes para tanta tropa, comida e bebida
por vezes escassas, quando se estava no mato, armamento inadequado -
tudo isso é denunciado por este homem, natural de Penafiel, que
esteve na Força Aérea Portuguesa e nas Tropas Especiais de
Intervenção, havendo colaborado como repórter fotográfico com o
jornal diário Província de Angola e com a revista semanal Notícia, de
Luanda. Para que a memória perdure e se consigam esconjurar os
fantasmas de um passado recente. JORGE HEITOR
ESTÓRIAS EM LUSO-QUIMBUNDO
Macandumba
AUTOR José Luandino Vieira
EDITOR Caminho 184págs.,
Acaba de ser publicada na Editorial Caminho uma reedição de três
estórias de José Luandino Vieira, inicialmente publicadas em 1978,
sob o título "Macamdumba", para ficarmos a conhecer melhor a obra de
quem julgou ser possível a simbiose entre uma língua europeia e o
quimbundo, do grupo banto.
O sapateiro-andante Pedro Caliota, os brancos de baixa condição, os
cabo-verdianos, os naturais de São Tomé e, sempre, sempre, a gente
dos musseques, os bairros de areia grossa da periferia de Luanda, são
os protagonistas destas estórias sobre a paradigmática década de
1960, quando os povos de Angola pegaram em armas para acabar com a
colonização. Escritor de leitura extremamente difícil, válida
sobretudo como documento de uma época, sinal de revolta, Luandino
(nome de adopção) dá-nos aqui o retrato do tempo em que ainda não
fora possível alfabetizar devidamente as populações e que por isso
mesmo elas tinham de fazer uma ginástica tremenda entre o falar dos
seus pais e a língua do colono.
O contista que se começou a revelar no fim dos anos 50 e que escreveu
o seu primeiro romance em 1961, precisamente o ano em que começou em
Luanda e no Norte do país a luta pela independência de Angola, foi um
dos primeiros e quiçá um dos últimos a usar em grande escala
expressões em quimbundo pois que os novos poderes viriam a
privilegiar claramente o português.
A crioulidade e o hibridismo são coisas patentes na autêntica ponte
entre dois continentes que é a escrita deste autor de 11 livros
essencialmente dedicados à cidade que o viu crescer e onde foi
durante largos anos uma figura de proa da intelectualidade. As
estórias que ora nos são dadas sob uma bela capa de António Ole já
tinham conhecido, pelo menos, edições em 1978, 1989 e 1997,
designadamente em braille.
JORGE HEITOR - PÚBLICO - 03.09.2005
31-08-2005
Marcelo, os judeus de Gaza e os retornados do Ultramar
Na habitual conversa com Ana de Sousa Dias, na RTP, no último sábado, Marcelo Rebelo de Sousa, que apostou, de novo, forte, na candidatura de Cavaco Silva, vaticinando-lhe uma vitória que nem Manuel Alegre nem Mário Soares, a candidatarem-se, serão capazes de evitar, criticou algumas das afirmações do fundador do Partido Socialista, ao responder ao entrevistador António José Teixeira, relativamente à displicência com que aquele encara a necessidade de o futuro presidente da República possuir vastos e bem alicerçados conhecimentos de economia, lembrando, a propósito, Marcelo, ter dito, Soares, que não tinha culpa de estar com 81 anos, retorquindo-lhe que também, os portugueses, nomeadamente os eleitores, desse facto muito menos culpa têm -ressaltando as condições exigidas para que alguém possa ser proposto à mais elevada magistratura da Nação - exíguas, na verdade, e até ridículas, diremos nós.
Tempo, ainda, para comparar a saída, à força, dos judeus, pelas tropas israelitas, dos colonatos onde viviam desde há 38 anos, aí fixados, estimulados, incentivados e ajudados pelos diversos governosque sempre acreditaram na construção de um Grande Israel bíblico, e consideravam, os territórios,historicamente parcelas que cumpria anexar em definitivo - contra evidências, violências, ventos, emarés - tal qual aconteceu aos pejorativamente acoimados de "retornados" das antigas ProvínciasUltramarinas Portuguesas.
Esqueceu-se, Marcelo Rebelo de Sousa, que, jovem estudante, visitou o Ultramar, era, seu pai,governador-geral de Moçambique - e o general Kaúlza de Arriaga, comandante-chefe das ForçasArmadas - de explicar em que é que é comparável a situação e a odisseia de uns e de outros.
Há diferenças abissais.
Ainda ninguém se dispôs a fazer uma digressão histórica comprovatória de que os territórios, ditoslusos, eram, antes da chegada dos navegadores, países organizados, com língua, com fronteiras, comum vínculo que unisse regulados, sobados, clãs, e muito mais, sem falar em estruturas básicas, inclusive invocando-se, amiúde, a escravatura -foram os portugueses a acabar com ela, em primeirolugar, em todo o mundo (e o Padre António Vieira, nisso, foi pioneiro), assim como com a pena de morte, nessa análise, avultando a factualidade da época, a gesta protagonizada à sombra da Dilataçãoda Fé e do Império, sendo, os portugueses, os mais benignos, os mais humanos, os mais solidários, osmais respeitadores, os menos rapaces, dando, aqui, lições à Inglaterra, à Itália, à Alemanha, à Holanda, à França, à Espanha, aos Estados Unidos da América.
Na comparação ao episódio da expulsão dos hebreus de Gaza. há. na realidade, similitude, até naintervenção das forças judias contra compatriotas seus, no respeitante ao comportamento dosmilitares portugueses, que em nada ficaram desfavorecidos na brutalidade, na desumanidade, na obediência cega a chefes que ora, anchos, com o país a arder, alcandorados a principescas mordomias e reformas chorudas, vêm crescer as panças, num culto vesgo a Epicuro, a Sade, a Dionísio, ao Ventre, morada, oirescente, do seu Deus, segundo os moralistas do velho Lácio.
Os judeus, extraditados, não regressaram de mãos a abanar.
Os portugueses vieram com uma mão à frente e outra atrás - não ao cabo de 38 anos, mas de mais de5 séculos! -, e continuam, vítimas inocentes da cupidez, à margem do que lhes é devido, entregues ao Deus-Dará, ostracizados na página mais negra da História de Portugal - à espera que, um dia, já nooutro mundo, se faça justiça.
A História, às vezes, repete-se.
Vergonhosamente.
Tristemente.
Soando lugubremente, o aviso de Camões, saciado, à míngua, pelo escravo Jau, a ferretear osprotagonistas desse crime:
- "Entre portugueses, traidores houve (há) algumas vezes".
Francisco Junqueira
JORNAL DE MATOSINHOS – 26.08.2005
24-08-2005
Homenagem prestada a militares portugueses na África do Sul
Na homenagem prestada a 23 de Agosto passado a Francisco Daniel Roxo, José Correia Pinto Ribeiro e a Ponciano G. Soeiro, na presença de muitas dezenas de pessoas, Adelino Serras Pires afirmou:
..."Durante dois anos, "Carnaval" (Pinto Ribeiro) e eu fomos camaradas numa unidade especial lutando juntos. Como sabem estes três homens figuram nos livros do Coronel Jan Breytenbach. Eu também escrevi um livro, publicado em Nova York em 2001 e traduzido para português no ano seguinte em Lisboa por Betrand Editora em que eu digo, entre outras coisas, que "Carnaval" foi o guerrilheiro mais corajoso que conheci. O título do livro é VENTOS DE DESTRUIÇÃO. A Co-autora, Fiona, a minha mulher, está aqui presente. Foi oficial das Forças Armadas Sul-Africanas de 1976 a 1982, servindo na Iteligência Militar.
Em nome de todos, gostaria de expressar a nossa profunda gratidão a Manuel FERREIRA, Paul ELS, Steven DUNKLEY e a todos aqueles que contribuiram para esta homenagem.
Finalmente, honra é feita a estes três homens valentes, agora libertos da desonra de campas rasas. ROXO, SOEIRO, e RIBEIRO agora podem descansar em paz. Nunca serão esquecidos."
Na cerimónia estiveram presentes militares, imprensa portuguesa, diplomatas e outros, sendo a patente mais alta o General Fritz LOOTS, ex-comandante em Chefe das Forças especiais e, mais tarde, o Chefe da Inteligência Militar sul-africana.
Em imagens a brochura sobre a homenagem e fotos da cerimónia.(Click nas imagens para aumentar o tamanho)
21-08-2005
Correspondência de JC na internet sem revisão ortográfica
Devido ao seu grande interesse histórico-etno-linguístico, transcrevo:
Correspondência de JC na internet sem revisão ortográfica Enviado: 7/8/2005
(Correspondências online) – Resposta de João Craveirinha (JC) à carta de um amigo investigador histórico…e molungo da Beira…
JMC escreveu:
Caro Amigo
grato pelas explicações a propósito de makwero.
Por acaso sabe-me dizer em que ano é que os britânicos conferiram o título
de "Sir" a Samora Machel?
Um abraço,
JMC…………………………………………………………………
grato pelas explicações a propósito de makwero.
Por acaso sabe-me dizer em que ano é que os britânicos conferiram o título
de "Sir" a Samora Machel?
Um abraço,
JMC…………………………………………………………………
(Resposta de JC) Meu caro JMC,
Essa do Samora Machel, SIR…é uma novidade para mim. Ainda se fosse ao Chissas...mas vou investigar...de facto algo me soou sobre isso na altura dele em vida…mas como a propaganda era rainha na altura…sempre duvidei… mas a ver vamos…
Post scriptum: A propósito ainda do prefixo MA nas palavras baNto (gente /pessoas)...
Regra geral, todas as palavras em "ki baNto" começadas em ma ou ama são prefixos no plural (a esmagadora maioria das palavras da África Austral seguem esta regra)...ex. – em suázi e zulo : amassuáti ou amazulo = os suázis ou os
zulos...maShangaan, maRonga, maSena, máTsuá ( e vaTswa ou vaTsuá)... maNdao, maNguni, maShona, maChope, maGoerre, muMadji, xiColonhi (3 formas para português de Portugal)…os “brancos” nascidos em Moçambique tinham outro nome idiomático nativo (tipo código), face à influência (grosso modo) que tinham da África do Sul bóer em LM e influência da Rodésia os da Beira e Vila Pery…aliás como sabe
perfeitamente…ao que me refiro…
A norte do rio Zambeze em Moçambique o prefixo MA podia mudar para outro tipo de variação lexical do plural...face aos neologismos e arabismos adaptados... via suhaili…
No entanto mais correcto seria o prefixo Va / Ba plural de Mu (derivado de munto = pessoa = GENTE (baNto plural) como a si mesmos se intitulavam os africanos da África Central a Sul, antes da invasão europeia (mais significativa além da árabe)...o conceito de "branco /negro (amarelo), para a cor aproximada da
pele …não é conceito original africano (nem asiático)...deriva do preconceito eurocêntrico do mundo e da presunção de detentores da “luz branca divina superior” e do negro das trevas imerso na escuridão filho do diabo…e da maldição de Caim… "é uma "invenção" judaico - cristã - árabe, herdada pela Europa e introduzida e adaptada em África (e no mundo tbm), para justificar a escravatura como medida “profiláctica” de " trazer os cafres negros (selvagens - infiéis) das trevas da escuridão negra à Luz branca Divina do Deus comum de Abraão... por aproximação do mais claro se transformar em branco e o mais escuro em negro - preto...daí invocando uma legitimidade espiritual / religiosa (apesar de económica) de onde surgiria o conceito antes do preconceito aos dias de hoje...base do racismo "dos mais claros"...no mundo inteiro…há séculos…é História e a crua realidade actual…só exorcizando esses fantasmas se alcança a fraternidade e sã convivência…não será negando como a avestruz…para bom entendedor não é necessária nenhuma palavra…eheheh…eheheh….ao contrário do aforismo da meia palavra (só nos pés como diz uma amiga minha, a meia)…ehehehe eheheh
Do termo árabe Bilad al Sudan (árabe) daria a palavra Sudan / Sudão... provém de <: terra das trevas ou por outra ; terra dos negros...e a ela Omar sobrinho do profeta Mahome se teria referido , com desprezo, (após a morte de seu tio Profeta em 632 d.C) no início da Djiahde expansionista políticomilitar e económica em direcção à Índia 1º ): No entanto Mahome com algum carinho se teria referido ao maGribe / Magreb (a ocidente para os árabes – no norte de África ainda em poder dos vulgo negros) do maGribe ser uma das portas do Paraíso (na terra)...
O verdadeiro nome do Sudão anterior à invasão árabe era o reino da Núbia aliado do reino de Memphis dos Faraós do antigo Egipto...
...não se confunda mo – Lungo com branco europeu ou mais claro…a palavra moLungo (mulungo) provém da palavra Deus (Grande Espírito) em kiBanto na África Central como no Kongo ou em Angola / e passou a querer dizer senhor e kuLunga algo positivo...xiLunguile = está muito bem…divinal….
Curioso o caso Moçambicano: - antes da chegada dos "senhores europeus, brancos", moLungos (senhores) -, eram os "reis e chefes" locais "negros"....mas estes ao serem dominados passaram a ser os brancos os "molungos de 1ª "...associando-se o termo à cor da pele muito mais clara dos colonos europeus....séculos mais tarde com a Independência em Moçambique a palavra regressou à origem...
Hoje em Moçambique moLungo aplica-se a qualquer fulano com poder económico e ou político, independentemente de ser mais escuro ou mais claro...deixou de estar tão associada (de novo), à cor mais clara da pele do colono europeu da era colonial...a baixa de Maputo era chamada de xiLunguíne como o local dos senhores e por analogia dos senhores brancos....em 1ª análise molungo nunca quis dizer somente "branco" mas –, senhor = master ...e como eram os brancos" então se fez "short cut" : - molungo = branco mas subentendendo-se o senhor = ruler, antes do prefixo MO or MU....singular masculino...ou indefinido para o feminino...como vê o racismo institucionalizado sempre teve remetente…o resto é mesmo preconceito eurocêntrico…
Bem meu caro por hoje é tudo.
Um abraço
JC
|
Caro Fergil,
Para agitar teu sensaborão final de domingo te reenvio (já com ordem cronológica), a minha Correspondência na net que anda por aí circulando sobre a ignorada Etno – História de Moçambique que vim a saber e para tua informação que neste momento sou considerado em Moçambique (nos meios académicos), como um dos especialistas Moçambicanos da Etno – História. Se isso me desse dinheiro estava milionário.
Já me tem pedido a reprodução de meus textos “vadios na internet” e às vezes não. Caso queiras utilizá-lo agradecia sem cortes ou amputações pois retiraria o sentido da fonte e cronologia da troca de correspondência que julgo ser útil aos possíveis leitores já de si mesmo muitos deles confusos. (A carapuça que sirva a quem a merecê-la). Mas é um risco sempre a correr. Neste caso por ser reprodução não posso intervir a replicar nada de nada. Não tenho tempo nem pachorra. “Aulas grátis online” e ainda refilanços? Porca miséria e mundo ingrato! Ehhehhh, ehehehehhh! JC.
NOTA: Mais uma vez grato ao João Craveirinha. Um abraço e obrigado
Fernando Gil
20-08-2005
Recordando Armando Magalhães de Morais
Quando penso nos colegas ferroviários que conheci e de que depois de vários anos de serviço para a mesma Empresa nos tornamos amigos, não posso de modo algum, deixar de referir o Armando Magalhães de Morais.
Era um homem culto, de uma simpatia e sensibilidade fora do comum. Excelente funcionário então prestando serviço num dos mais difíceis Serviços dos Caminhos de Ferro. No Serviço de Movimento , na Repartição de Tráfego e Reclamações. Era um serviço difícil, dada a sua especificidade, pois era essencialmente de reclamações com as administrações vizinhas, S.A.R., R.R.. Z.R e CFM/CFB, no tráfego internacional e provincial de mercadorias, que se perdiam no trajecto, ou que haviam sido despachadas e tinham sido encaminhadas para destinos diferentes do que inicialmente eram manifestadas. Além do mais, era "chato", motivo porque poucos empregados gostavam de ali serem colocados.
O Morais, com o Inspector Alegre, o Fernandes e outros, muito poucos, tinham de facto "um osso muito duro de roer". Mas o que é certo é que aquele serviço andava quase em dia, muito certinho, e as reclamações lá iam sendo resolvidas a contento dos reclamantes, expedidores e destinatários das mercadorias.
O Morais, quer nas suas funções quer fora delas, era um autêntico gentleman, além de competente e de enorme honestidade.
De uma educação esmerada, de uma cultura fora do comum, era um homem muito atento à politica, estando bem informado não só pelas publicações que lia, jornais, revistas e livros, como ainda pelas relações que mantinha com diversas personalidades portuguesas e estrangeiras com quem por motivos de serviço ou de relações pessoais mantinha contacto.
Era dos poucos em Lourenço Marques que recebia através do Consulado Geral da França, o jornal "Le Monde", um jornal de esquerda, que não podia circular livremente no País, pelos ditames do Governo, mas que lhe era entregue sempre que possível.
Estava, muito naturalmente, informado sobre a Política internacional e especialmente, o que mais interessava, sobre a politica governamental do tempo e acontecimentos da Metrópole correlacionados com o Ultramar, com a guerrilha terrorista que então grassava sobre o mundo português.
As suas relações com as diversas personalidades da oposição eram naturalmente cordiais, embora fosse um homem que nunca manifestasse os seus próprios sentimentos em relação a facções dominantes, quer situacionistas quer da oposição.
Acreditava muito sinceramente numa independência de Moçambique, em que punha toda a sua esperança e chegava mesmo a afirmar que a Frelimo que fora chefiava pelo Dr Mondlane, seria o acontecimento de maior relevância para este País, caso viessem a confirmar-se as conversações de que então se falava entre alguns governos europeus, o nosso governo e a Frelimo.
A informação era veiculada pelo Le Monde e claro nem sempre confirmada.
Era um pacifista. Dizia, as guerras nada resolvem. As guerras destroem. As guerras são o pior que pode acontecer aos países e são sempre de evitar a todo o custo. Nada melhor do que o entendimento. O diálogo.
No Café Continental, reuníamos um certo numero de amigos e à volta da mesa do café conversávamos sobre este tema, sobre cultura, politica nacional e internacional, sempre observados por um certos personagens que sabíamos quem eram, mas que fazíamos por esquecer e ignorar.
Na nossa mesa era normal termos a companhia do Dr Filipe Ferreira, Advogado, Dr Barbosa, Médico dos C.F.M., o Armando Morais, o Dr José Afonso (Zeca Afonso), então professor do Liceu, nós e as nossas mulheres.
Eram interessantes as conversas que tanto quanto era possível, andavam sempre à volta do mesmo tema: - a guerrilha, a politica nacional, as injustiças que a vida proporcionava em certas circunstâncias a alguns dos presentes ou amigos ausentes, ou conhecidos, e enveredavam quase sempre para o problema da insurreição vivida especialmente no Norte e que muita gente fazia por ignorar, o que a nosso ver era incompreensível e perigosamente insensato!
Efectivamente a vida em Lourenço Marques, corria como se nada se estivesse a passar no Norte, Enfim, eram os tempos e não seríamos só nós a estarmos preocupados...
O Morais era assim um amigo, que estava muito atento ao tempo que se vivia, um conversador que sempre ouvíamos com interesse e um bom conselheiro.
Acreditava que Moçambique seria uma nação prospera e capaz de vencer as dificuldades, se houvesse bom senso, serenidade e conversações amigáveis, como o fizeram outros países com as suas colónias, de entre as quais punha em destaque o Reino Unido e a Bélgica!
Acreditava nos homens de boa vontade! Era um deles!
Tive de romper as nossas reuniões no Continental, por me deslocar, bem como a família a Portugal de licença graciosa, que há muito ía sendo protelada de ano para ano, por conveniência de serviço.
À despedida, isto em 18 de Julho de 1974, o Morais aconselhou-me a regressar. Já tinha acontecido a abrilada e eu via o nosso futuro cada vez mais negro...
Fiquei a pensar no conselho e respondi-lhe que certamente regressaria.
A nossa filha mais velha, Gilda Maria, havia entretanto casado e para aproveitar a passagem, a última a que tinha direito, veio connosco.
Regressou mais cedo a Lourenço Marques. Entretanto escrevi uma carta ao Armando a quem perguntava se ainda acreditava na Frelimo e se achava bem que regressássemos.
A sua resposta foi quase imediata: "Venha, regresse, Moçambique precisa de si. Precisa de gente como nós! Venha e com entusiasmo repetiu, Venha.
Os acontecimentos em Moçambique descambaram para o pior.
Os militares, iniciaram o processo de entrega sem retrocesso. Deixaram de lutar. Queriam o regresso imediato. Estavam cheios de pressa!
Em Lourenço Marques os movimentos pró-nacionalistas, prós integração e prós independência, infelizmente, não se entendiam.
As manifestações contra e a favor eram constantes. Os provocadores iniciaram guerra aberta contra tudo que fosse europeu, tudo que não fosse negro. Aqui no Continente europeu, Portugal era um vespeiro! Ninguém se entendia. Uma lástima. Um descalabro. Quase uma guerra civil!
E o Armando Magalhães de Morais?
Minha filha deu-me a notícia!
Bom o Armando Magalhães de Morais, o nosso honrado e querido amigo, soçobrou! Não aguentou toda esta guerra! Começou a tratar da sua saída para o regresso a Portugal. Definitivo! Desesperante! Indescritível! Humilhante!
No dia do embarque, o Morais, que tanto acreditava e tanto amava Moçambique, suicidou-se!
Morreu com a sua Pátria de coração!!!
José de Viseu
Retirado de AVM, na net
08-08-2005
Brasil, Portugal e África
Em seu novo livro, Das Mãos do Oleiro, o diplomata, historiador e poeta Alberto da Costa e Silva analisa, numa série de ensaios, a história do mundo lusófono
ADELTO GONÇALVES - Especial para o Jornal Opção
Alberto da Costa e Silva: um cultor primoroso da língua |
Pensar o Brasil, Portugal e a África de expressão portuguesa — essa é a preocupação que marca Das Mãos do Oleiro: Aproximações, novo livro de Alberto da Costa e Silva, 74 anos, ex-embaixador brasileiro em Lisboa, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e notável africanista que já nos deu A Enxada e a Lança: A África Antes dos Portugueses, A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700, Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África e Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos, todos publicados pela Editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.
Embora o autor tenha incluído um texto de 1970 e outro de 1974, a maioria dos 19 ensaios e prefácios reunidos em Das Mãos do Oleiro foi escrita entre 1999 e 2004, o que forçosamente nos leva a concluir que constitui uma forma de balanço de uma vida dedicada a construir pontes de entendimento entre o Brasil e o mundo. Costa e Silva, que viveu em Portugal (por duas vezes), na Venezuela, nos Estados Unidos, na Espanha, na Itália, na Nigéria, na Colômbia e no Paraguai e viajou extensamente pela África, parece que, na iminência da aposentadoria forçada pelo regulamento, sentiu-se na necessidade de colocar no papel as conclusões que tirou de meio século no ofício.
Engana-se, porém, quem imagina que vai encontrar aqui textos semelhantes aos relatórios burocráticos que abarrotam os arquivos do Itamaraty, embora a Casa sempre tenha abrigado grandes cultores da língua, de romancistas a poetas e ensaístas como se pode constatar no texto “Diplomacia e Cultura”, de 2001, que faz parte de Das Mãos do Oleiro.
Até mesmo num texto que leva todo o jeito de um relatório preparado para atender à solicitação de superiores, “Da Guerra da Tríplice Aliança ao Mercosul: As Relações entre o Brasil e o Paraguai”, de 1995, quando de seu último posto diplomático no exterior, em Assunção, Costa e Silva não deixa de ser poeta nem de colocar em prática um propósito que sempre norteou a sua atividade literária: “A prosa, ainda que de modo distinto, não deve ser menos musical do que o verso”. É por isso que nestes textos ressoa a mesma poesia fina que deixou em Poemas Reunidos e em seu livro de memórias da infância, Espelho do Príncipe.
Em “Notas de um Companheiro de Viagem”, de 1999, recorda de seus tempos de assessor do embaixador Francisco Negrão de Lima em Lisboa, entre 1960 e 1963, quando tinha a incumbência de acompanhar escritores e políticos brasileiros que iam visitar o chefe de governo, o professor António de Oliveira Salazar. “Só dois ou três não vi saírem deslumbrados de São Bento”, recorda, lembrando que ele, como diplomata ainda em começo de carreira, nunca passava da ante-sala. “Fossem o que se chamava de homem de esquerda, de centro ou de direita, deles, na saída e no carro, só escutava, perplexo, palavras de admiração”, diz.
Negrão de Lima, diz Costa e Silva, reconhecia em Salazar não só uma inteligência fora do comum, “mas também as limitações provincianas e a escassez de sonho”, de “quem se contentava com um país pobre e queria a sua gente pequenina”. Dizia Negrão de Lima que o esperto Salazar conquistava o visitante, deputado ou professor, pela vaidade; “falava deles — lera sobre cada qual um dossiê previamente preparado —; pedia suas opiniões; fazia-os sentirem-se importantes”.
É um testemunho que confirma outro que li já não sei onde que dizia que Salazar gostava de quebrar a barreira de opositores, especialmente homens de letras, açulando-lhes a vaidade com a oferta de alguma medalha ou honraria. Já a outros mandava mesmo quebrar-lhes a espinha com pancadas e noites nas prisões ou colocava-lhes a famigerada Pide no encalço.
Costa e Silva recorda também o relacionamento fraterno que Salazar desenvolveu com o antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, que tantos enjôos causou entre democratas e esquerdistas brasileiros. Como se sabe, no começo dos anos 50, Freyre recebeu do governo português uma estada de meses na metrópole e nas possessões africanas e asiáticas, quando teve, então, a oportunidade de desenvolver suas idéias sobre as virtudes da miscigenação, embora na África as autoridades coloniais não o tenham deixado demorar o olhar sobre o que mais podia interessá-lo, empanturrando-o com almoços de homenagem e criançada com bandeirolas.
Costa e Silva conclui que ainda bem que Gilberto Freyre aceitou o convite, pois “a indignação, a zanga, os arrufos e os calundus dos seus amigos anti-salazaristas perderam-se no passado”, tendo ficado o livro Aventura e Rotina em que o antropólogo recolheu suas impressões da viagem “ao mundo que o português criou”.
Aparentemente, não fora a política que levara Gilberto Freyre a aceitar o convite, pois o mando sempre foi circunstancial, mas a oportunidade rara de ver com os próprios olhos a confirmação de muitas de suas idéias e teses sobre “as mestiçagens entre os grupos humanos e as trocas, somas e mesclas de culturas que se processavam nas regiões visitadas”, como diz o autor. Provavelmente, fosse, em vez de Salazar, um ditador de esquerda que mandasse em Portugal, Freyre teria aceitado o convite da mesma maneira.
Já em “Brasil, Portugal e África”, de 2000, o autor discute as divergências e mal-entendidos que complicam o diálogo entre os que falam o português e que, até agora, fizeram com que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) não tenha se firmado como organismo de importância internacional.
Aliás, em “A Propósito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa”, de 2001, Costa e Silva, depois de observar que, com a CPLP, não se aspira a recosturar o antigo império, defende que os dois parceiros incomparavelmente mais prósperos, Brasil e Portugal, deveriam assumir mais as responsabilidades que têm em relação a angolanos, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, são-tomenses e timorenses.
Nestes textos, o leitor vai encontrar ainda não só um panorama de como atuavam os diplomatas do Império e da Primeira República como um retrospecto das muitas artimanhas que escravos e afrodescendentes utilizavam para dissimular nas festas populares as homenagens que faziam aos reis africanos ou mesmo um inventário de como os brasileiros se viram a si próprios e a seu país ao longo do século XX.
Enfim, o leitor jamais sairá deste livro do mesmo jeito que entrou porque, afinal, estes textos de Costa e Silva têm o dom de suscitar a nossa imaginação, instigando-nos a pensar sobre o passado e o futuro das relações entre aqueles que nasceram em função da presença portuguesa no mundo.
ADELTO GONÇALVES é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br
01-08-2005
1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(3)
Complementando as duas locais sobre este mesmo título, relembro que Melo Antunes se encontrava em Dar-es-Salam, no quarto 602 do Hotel Quelimanjaro, quando a 1ª CCAV/BCAV8421 foi capturada.
Sobre esta estadia, mantida secreta durante muitos anos, transcrevo o artigo publicado no Diário de Notícias de 21.04.2004, sob o título NO QUARTO 602 DO HOTEL QUELIMANJARO:
"A. R.
Das 163 companhias que existiam Moçambique em 1974, 158 eram comandadas por milicianos. Foi com este dado bem presente que o então comandante Almeida e Costa desembarcou em Lisboa um mês depois da Revolução dos Cravos, tentando obter aquilo que não lhes chegava de Portugal: instruções e directivas. Isto quando a situação se degradava diariamente no território, com a população a exigir a extinção da PIDE, o direito à greve e o levantamento da censura. «Quando ainda havia guerra», recorda.
Das 163 companhias que existiam Moçambique em 1974, 158 eram comandadas por milicianos. Foi com este dado bem presente que o então comandante Almeida e Costa desembarcou em Lisboa um mês depois da Revolução dos Cravos, tentando obter aquilo que não lhes chegava de Portugal: instruções e directivas. Isto quando a situação se degradava diariamente no território, com a população a exigir a extinção da PIDE, o direito à greve e o levantamento da censura. «Quando ainda havia guerra», recorda.
Mas em Lisboa reinava a confusão total. Dois meses depois, Almeida e Costa é informado que devia acompanhar Melo Antunes a Dar-es-Salam. Como intérprete, tarefa que já desempenhara antes, quando Costa Gomes se encontrou, na Beira, com uma delegação de militares rodesianos.
«É um encontro secreto», explicou-lhe o então número dois da JSN. «Não vão negociar nada, só conversar», dando-lhe a entender que os encontros de Lusaca e de Amesterdão tinham fracassado.
A partida, no entanto, foi sendo sucessivamente adiada. Até que Melo Antunes explica a Almeida e Costa ser preciso convencer Spínola, que mudava de opinião conforme as circunstâncias. A lei n.º 7/74 e o discurso de 27 de Julho mudam tudo. «Fiquei a saber», revela Almeida e Costa, «que elas eram condições sine qua non para a nossa partida». Finalmente embarcam. «Seguidos pela sombra de Aquino de Bragança». Primeiro para Madrid - «Melo Antunes achava que era seguido pela CIA» - e depois Roma, Nairobi e Dar-es-Salam, aonde chegam na tarde de 31 de Julho.
Pouco habituados a estas missões, Melo Antunes e Almeida e Costa só então descobrem que estão isolados e não conseguem comunicar com Lisboa. Além disso ficam em hotéis separados. «Não sei porquê, mas ficámos. Julgo que Melo Antunes aproveitou para falar com muitas pessoas. Sobretudo de Angola. Sei disso porque ele me convidou para um encontro com Agostinho Neto».
A primeira sessão de trabalho realizou-se no dia da chegada: entre as 19.30 e as 21.15. Uma vez que não havia necessidade de um intérpete, Almeida e Costa tornou-se, por iniciativa própria, num note-taker. Por aí se percebe que o segundo dia foi o mais violento. Não só pelas três sessões de trabalho mas, sobretudo, pelo teor das surpresas que os esperam. A começar pela notícia de que a Frelimo tinha capturado uma companhia inteira de militares portugueses em Omar, no norte de Moçambique. Como se isso não bastasse, Samora insistiu que se ouvissem as gravações e as entrevistas feitas com os soldados capturados, apelando à rendição das forças portuguesas. «Foi muito confrangedor», explica Almeida e Costa. Incluindo para o terceiro-mundista Melo Antunes, que não resistiu a um desabafo: «Merda, assim não se pode fazer nada».
A partir daí, concentram-se no teor do memorando que Melo Antunes e Almeida e Costa deverão trazer. Uma tarefa que se prolonga noite dentro, terminando já de madrugada no quarto de Almeida e Costa, onde Chissano - «com uma garrafa de cognac na mão» -, Monteiro e Rebelo se instalam.
Nessa altura, já os dois portugueses tinham percebido que pouco havia a fazer, e que o melhor que conseguiriam trazer estava relacionado com a resolução de questões práticas: a designação de um alto-comissário ou de um presidente de uma junta governativa; a composição do Governo de transição, a criação de uma comissão militar, as empresas, a questão da nacionalidade e a sorte dos moçambicanos que integravam as forças coloniais. Tudo menos Cahora Bassa, que Samora decidira que ficava para Portugal. «Isso é um muro que vocês construíram».
O terceiro e último dia foi preenchido com a leitura do memorando que Chissano, Monteiro e Rebelo tinham escrito na véspera, no quarto 602 do Hotel Kilimanjaro. É então que se dá um pequeno incidente entre Samora e Almeida e Costa, que resolve protestar com o galicismo do termo «engajar» que a Frelimo utiliza profusamente. «Passei pela vergonha de Samora Machel me explicar que a expressão existia. Nunca me esquecerei do que ele disse: Oh, Almeida - nessa altura já nos tratávamos todos por tu - vais ter de habituar que o português já não é só vosso, é de todos».
De regresso a Lisboa, Melo Antunes estava assustadíssmo com a ideia de ter de ir ao Buçaco e de ter de mostrar o memorando da Frelimo ao general Spínola. «E que não era nada daquilo que fora combinado».
Um nervosismo para o qual, ainda hoje, Almeida e Costa só encontra uma explicação. «Intelectualmente superior, corajoso e muito inteligente, Melo Antunes era também um militar. E mesmo ministro sem pasta, não deixava de ser um tenente-coronel que, naquela ocasião, se preparava para ir falar com um general. Sei que isto é muito subjectivo, mas é como eu vejo a situação».
É isso que explica a presença de Almeida Santos, «que tinha o condão de acalmar o general. Como Mário Soares». Melo Antunes recorre ao titular da Coordenação Interterritorial. Foram de helicóptero. Mas Spínola não reage. Limita-se a ler o memorando e a pedir que lhe deixem ficar um exemplar. "
NOTA PARA MEDITAR: Factos tão importantes como estes, não são relatados no livro MELO ANTUNES - O SONHADOR PROGRAMÁTICO, constando apenas uma alusão à sua visita a Dar-es-Salam, na seguinte frase: " tinha ocorrido o tal encontro entre mim e a Frelimo, no mês de Julho, que clarificara posições de um lado e de outro"(pág.112) e nenhuma referência à captura da companhia de OMAR. Porquê, tantos anos depois, pois a edição do livro é de 2004.
Do livro de Clotilde Mesquitela " Moçambique - 7 de Setembro", retiro ainda:
"19 —CONTACTOS DIRECTOS COM SPÍNOLA. A SUA FRASE GERADORA DO SETE DE SETEMBRO
Anunciam os jornais que os dirigentes da FICO se iriam deslocar a Lisboa, a fim de se encontrarem com Spínola. Velez Grilo, Pires Moreira, Gomes dos Santos e Quinaz Pires seguem de Lisboa, num carro da Presidência da República, com destino ao Buçaco, onde Spínola os recebe com a maior simplicidade e até simpatia. Expõem-lhe o que já levavam preparado, e que se resume em 6 alíneas:
a) A Frelimo representa, quando muito, 20% da população total de Moçambique.
b) Não é com armas na mão que se pode impor uma nova ordem democraticamente estabelecida.
c) Os elementos mais marcantes da Frelimo são Changanes, o que pode originar uma luta tribal de extermínio.
d) Moçambique tem confiança absoluta nas palavras do general Spínola, no programa das Forças Armadas, nas repetidas declarações do general Costa Gomes; mas discorda totalmente da orientação tomada nos últimos tempos, que prevê a anulação do referendo, propondo a assinatura de um acordo, sem que o povo, entretanto, seja consultado.
e) Moçambique insiste na salvaguarda, a todo transe, de pessoas e bens da minoria branca, devendo a Metrópole assegurar, caso a política não mude, os meios de transporte bastantes à disposição dos que desejem sair. Nessa evacuação devem ser incluídos os soldados pretos do Exército, especialmente dos GE, GEP, e FLECHAS, que queiram ir para Portugal.
f) O povo espanta-se perante a ineficácia e inoperância do Exército português, considerando, sobretudo, muito grave a sua incapacidade para manter a ordem».
Spínola, contaram eles no regresso, ouviu-os impressionado.
Garantiu-lhes todo o apoio, encorajou-os em persistirem, afirmando-
-Ihes que se sentia traído pelo Exército. Pela primeira vez se ouve dizer (e pela boca de Spínola) que existe um papel com as condições estabelecidas para um acordo a celebrar em Lusaka. Disse-Ihes algumas das condições já estabelecidas e garantiu-lhes que as iria estudar melhor. Anunciou-lhes que brevemente seguiria para Moçambique um alto-comissário, para defender intransigentemente, os direitos dos portugueses. Nessa altura, já se tinha ouvido falar em que seria Melo Antunes. Quis esta delegação obter a confirmação se, de facto, seria ele. Ao ouvir a pergunta, Spínola indignado e descontrolado, grita: «Esse é um comunista, não tenho já dúvidas a esse respeito» Spínola acrescenta ainda: «Se isso acontecer, há que abatê-lo. Têm 3 dias para lhe darem um tiro na cabeça». Estava tão descontrolado o general que acabou por chorar. Este diálogolevou a transferir para o dia seguinte o resto das conversas. Quando ao fim de 24 horas voltam ao Buçaco, Spínola está outro. Diz-lhes que, de momento, já lhe não é possível fazer nada. Mas aconselha-os também: «Vocês têm que fazer alguma coisa lá, que eu possa daqui apoiar. A Província tem que demonstrar a sua posição».
Vieram convencidos que ele tinha aceite... o tal papel... de Lusaka. Mas ainda com as ilusões de que, mostrando a Província o que desejava, Spínola a apoiaria.
Costa Gomes também os recebeu em Lisboa, no palácio da Cova da Moura. Esteve muito tempo com eles, tomou muitos apontamentos, mas nem um só compromisso assumiu, e falou muito pouco. Outros oficiais (Saraiva de Carvalho, Sanches Osório e não sei se mais alguns, também os ouviram na Junta de Salvação Nacional. Encontraram-se ainda também com Victor Crespo, que, antes de os ouvir, procurou fazer o maior elogio à Frelimo. Acabaram por ter que lhe dizer que sabiam muito bem o que era a Frelimo e que tinham vindo numa missão anti-Frelimo, por considerarem esta incapaz de se tornar partido único, e muito menos ainda, para governar, só, Moçambique. A estas entrevistas se referiu, tempos depois, o semanário «Tempo Novo» na sua edição de 13 de Setembro de 1974."
Aliás, Iain Christie, no seu livro "SAMORA - UMA BIOGRAFIA" escreve a páginas 136 e 137:
"Em meados de 1974 o poder imperial português em Moçambique estava em visível derrocada. Colonos abandonavam o país, soldados desertavam, recusavam-se a combater ou pediam à Frelimo cessar-fogos locais, sem autorização do seu governo.
As conversações programadas para Julho de 1974 em Lusaka não se realizaram.
Nesse mês, no entanto, Samora decidiu que tinha chegado o momento de demonstrar como era fácil para a Frelimo tomar as guarnições do exército português ao longo da fronteira com a Tanzania, as mesmas em relação às quais Lázaro Nkavandame tinha vociferado uns anos antes. Soldados da Frelimo cercaram o posto de Namatil (também conhecido como Omar), perto do rio Rovuma, e, usando megafones, disseram aos portugueses que ou se rendiam ou morriam. Todos os 140 portugueses saíram do posto com as mãos no ar mas três conseguiram fugir antes de serem presos.
...
Samora ignorou-os. Ele tinha um diligente enviado, Aquino de Bragança, farejando nos corredores do poder, em Lisboa, e informando sobre quem realmente tinha peso na administração portuguesa. Bragança sabia que Melo Antunes, um oficial do exército anticolonialista, que tinha sido um dos dirigentes do golpe de 25 de Abril, era uma figura-chave. Antunes era o poder por detrás do trono e sabia que era o momento de Portugal acabar com os prejuízos e sair de África. O exército não ia combater.
Embora as conversações marcadas para Julho não tenham ocorrido, os portugueses contactaram a Frelimo e chegaram a acordo que deveriam ser realizados novos contactos. Essas conversações foram realizadas secretamente em Dar-es-Salam, em Agosto, e desta vez a delegação portuguesa era dirigida por um membro do Movimento das Forças Armadas. Mais tarde, no princípio de Setembro, Samora foi a Lusaka onde se encontrou com uma delegação, dirigida por Melo Antunes, que era ministro sem Pasta. Mário Soares tinha sido relegado para número dois da delegação.
Neste encontro Portugal concordou com a entrega do poder em Moçambique à Frelimo. Os Acordos de Lusaka sobre a independência de Moçambique foram assinados no sábado, 7 de Setembro, apenas por Samora Machel, por parte da Frelimo, e por Melo Antunes e mais sete colegas, entre militares e civis, por parte de Portugal."
De "O País sem Rumo" do General António de Spínola, transcrevo (pág.300 e seguintes):
"Entretanto, depois de um conturbado interregno de Governo de cerca de mês e meio, tomava posse, em 11 de Junho, o novo Governador-Geral, Dr. Henrique Soares de Melo (11), a quem foram claramente definidos os novos rumos da política ultramarina em ordem à autodeterminação das populações pela via do sufrágio universal, fórmula que foi incumbido de preparar. Infelizmente, a sua acção viria a ser totalmente ultrapassada pela dinâmica do processo revolucionário conduzido pela esquerda militar e exercida em clima instável de transição para novas estruturas de Governo.
Efectivamente, no curto lapso de um mês, era anunciada a constituição de Juntas Governativas para Angolae Moçambique, numa altura em que o MFA local se havia já apoderado do comando da situação e tomado a iniciativa de lançar um apelo à FRELIMO para cessar fogo, apelo que difundiu numa circular enviada a todas as unidades, aos jornais, às estações de rádio e ao próprio Governador-Geral, ao mesmo tempo que, numa acção concertada com as forças políticas frelimistas, incentivava a realização de comícios de confraternização e propaganda do adversário nas regiões da Beira, Vila Pery e Tete, e que entre António Enes e Nampula provocava o levantamento dos nativos contra os fazendeiros com vista a criar um quadro fictício de conotação da FRELIMO com a população negra que, na sua maioria, frontalmente se lhe opunha.
Paralelamente, estabeleciam-se, ao nível das unidades do interior, os primeiros contactos com os chefes regionais da FRELIMO e efectuavam-se reuniões de confraternização, ao mesmo tempo que se lançavam, de avião, sobre as áreas de refúgio das guerrilhas, prospectos alusivos à colaboração daquele Movimento na preparação e no desenrolar do «25 de Abril» e «posters» com as armas dos seus guerrilheiros ensarilhadas com as dos nossossoldados e destes confraternizando com os inimigos de ontem.
A partir daí a situação militar agravou-se em ritmo preocupante. Algumas unidades negaram-se terminantemente a cumprir quaisquer missões operacionais, chegando ao extremo de numa companhia o comandante ter sido preso por sargentos e soldados, e de estes terem resolvido abandonar a localidade que ocupavam; idêntica atitude fora tomada por outra unidade que, antecipando-se à ordem de retirada, fez a evacuação em táxis aéreos; e outras ainda, embora permanecessem nos locais superiormente determinados, transformaram-se em centros de propaganda antiportuguesa, afixando nos seus aquartelamentos e imediações cartazes atentatórios da dignidade das Forças Armadas, instigando à entrega imediata e sem condições de Moçambique à FRELIMO. Unidades acabadas de chegar da Metrópole, altamente politizadas, recusaram-se a «entrar em sector» e incitavam as unidades do interior a abandonar as localidades e posições que defendiam, algumas havendo que foram intimadas pela força a render as unidades em final de comissão; os quadros e soldados do Comando de um Batalhão sediado em Vila Paiva de Andrade prenderam o Comandante e ameaçaram abatê-lo se este os obrigasse a sair em serviço operacional antes de o cessar-fogo ser oficialmente anunciado (12). O panorama completava-se com o espectáculo do «desfile» das colunas de viaturas militares, que retiravam dos seus aquartelamentos, com soldados empunhando dísticos impondo o fim da guerra, o regresso imediato à Metrópole e laureando a acção libertadora da FRELIMO.
Em princípios de Julho, iniciava-se a retracção do dispositivo das nossas forças, precisamente na altura em que o Quartel-General de Nampula promovia a difusão de uma circular anunciando que o cessar-fogo seria em breve assinado e proibia a publicação de um telex noticioso da Reuter que divulgava a afirmação de SamoraMachel de que «não haveria qualquer cessar-fogo enquanto o Exército Português não fosse completamente derrotado». Era evidente que a FRELIMO não estava interessada, apenas, na independência de Moçambique, mas pretendia, acima de tudo, o poder absoluto do novo Estado, poder que Samora Machel, embora não ignorasse ser bem difícil de obter por referendo e não ter força para o conquistar pelas armas, estava seguro lhe viria a ser oferecido pela via da traição dos elementos marxistas das Forças Armadas Portuguesas.
É assim que o Governador-Geral de Moçambique, em 23 de Julho, informa o Ministro da Coordenação Interterritorial de que as comissões regionais do MFA se haviam reunido em Nampula, «tendo as comissões deCabo Delgado e de Tete anunciado que as tropas estacionadas nos referidos distritos impunham um cessar-fogounilateral se até fins de Julho não fosse estabelecido um acordo global de cessar fogo com a FRELIMO, data a partir da qual o pessoal dos helicópteros se recusaria a abastecer as tropas terrestres.»
Na verdade, caminhava-se para um fim trágico. Estavam criadas as condições que conduziriam uma Companhia a entregar-se, sem luta, à FRELIMO em l de Agosto, no desenvolvimento de um plano maquiavelicamente concebido e eficientemente conduzido ao nível do Estado--Maior do Quartel-General de Nampula, então profundamente infiltrado pela esquerda militar revolucionária.
É de notar que isto tudo se desenrolou numa altura em que ainda havia ampla margem para defender à mesa das negociações, com dignidade e justiça, os interesses nacionais, porquanto está hoje comprovado, por declarações insuspeitas dos próprios chefes da FRELIMO, que a força desta era fictícia e só tinha sido possível ampliá-la, em termos de larga dimensão, com a ajuda da autoridade das Forças Armadas Portuguesas, queimpuseram os seus inimigos da véspera às populações que afirmavam defender.
Completando este quadro de alta traição a Portugal e às populações de Moçambique, o Major Melo Antunes, então Ministro sem Pasta, deslocou-se, sem meu conhecimento, a Dar-es-Salam para, à margem de qualquer política concertada com a Presidência da República ou com os Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Coordenação Interterritorial, estabelecer um plano de entrega de Moçambique à FRELIMO, plano que viria a concretizar-se numa proposta inicial a que ele desde logo aderiu e que representava a abdicação total perante o inimigo por nós próprios tornado poderoso. A aceitação desse documento por um membro do Governo Português retirou às forças políticas as poucas possibilidades que ainda tinham de defender os interesses nacionais.
Assim, quando em 15 e 16 de Agosto, a Delegação Portuguesa (13) se sentou à mesa das negociações em Dar--es-Salam, a facção predominante do MFA, ali representada pelo Major Melo Antunes, já estava ao lado do chamado Movimento de Libertação e, para que ainda se retirassem às forças políticas todas as possibilidades desoluções razoáveis, recorreu-se a formas de pressão impensáveis e só possíveis num quadro de alta traição.
No regresso da delegação a Lisboa, foi-me comunicado que o Major Melo Antunes, na sequência da acção secreta anteriormente realizada, ao chegar a Dar-es-Salam entrara imediatamente em contacto com o Presidente Nyerere e com a delegação da FRELIMO sem conhecimento dos outros membros da delegação portuguesa, certamente com o objectivo de acertar os pontos de vista que defendeu na reunião oficial realizada na tarde do mesmo dia, numa chocante atitude de defesa declarada dos' interesses da FRELIMO em detrimento dos de Portugal.
Na mesma ocasião fui informado de que aquela reunião havia sido aberta com a audição de uma fita gravada da «rendição» de uma companhia metropolitana no Norte de Moçambique, num cenário concertado com as cúpulas marxistas do MFA e conhecido pela «traição de Omar» (14), gravação que ficará a assinalar uma das páginas mais vergonhosas da História do Exército Português ao oferecer a Samora Machel, na mesa das negociações, uma arma decisiva. As afirmações produzidas no «acto da rendição», designadamente as saudações à FRELIMO, como libertadora de Moçambique e do próprio povo português, constituíram prova irrefutável do índice de prostituição moral a que haviam chegado alguns militares portugueses.
Não encobrindo a minha indignação por tudo o que se havia passado na reunião de Dar-es-Salam, recusei-me a ouvir a referida gravação bem como a aceitar que tão vergonhosa «rendição» traduzisse o espírito das Forças Armadas Portuguesas em Moçambique(15). Tomei nessa ocasião conhecimento das exigências da FRELIMO e do projecto de acordo em discussão. Sabia que os entendimentos secretos entre os representantes daquele Movimento e os mandatários da facção dominante do MFA haviam diminuído sensivelmente a nossa capacidade de manobra e de argumentação à mesa das negociações. E também não ignorava que o ultimato do MFA de Moçambique de 23 de Julho, já em parte concretizado com a «rendição de Ornar», se traduzia numa ameaça constante do colapso militar. A FRELIMO estava consciente de que o seu poder residia essencialmente não nas suas .estruturas, mas na força da traição da esquerda militar portuguesa, disposta a apoiá-la e a impô-la ao povo moçambicano, proporcionando-lhe a organização político-militar que nunca conseguira alcançar antes do «25 de Abril».
Apesar destas circunstâncias, neguei-me terminantemente a aceitar algumas cláusulas do texto proposto e sugeri a passagem de outras para um documento reservado anexo ao Acordo, numa derradeira tentativa de salvaguardar perante o Mundo o que ainda restava da Dignidade Nacional. Tinha plena consciência de que era já irreversível o desenvolvimento do processo no sentido de uma transferência de poderes para a FRELIMO, mas queria que esta assumisse as obrigações de modo a que os interesses portugueses e os da população moçambicana fossem devidamente acautelados."
Em entrevista ao PÙBLICO em 11 de Abril de 2004, afirma o Dr. Almeida Santos:
"...Houve uma companhia, no Norte de Moçambique, em Omar, que se entregou. Esse tal telegrama dizia: "Até ao fim do mês." No fim do mês uma companhia entregou-se à Frelimo. E veio outro telegrama a dizer que a companhia tinha sido objecto de uma emboscada, tinha sido involuntário da parte dos nossos. E antes de irmos para Lusaca, para as negociações, o general Spínola disse-me que, como condição de começarmos a discutir, eles tinham de apresentar desculpas pelo que se passou em Omar. Assim fizemos, dissemos: "Temos instruções de não começar a negociar sem vocês justificarem o que se passou em Omar." Eles apresentaram uma cassete que mostrava que tinham sido os nossos que se tinham entregado. Na cassete diziam: "É hoje, peguem lá as nossas armas." ...
“Melo Antunes e Almeida e Costa. E, de facto, acordaram com a Frelimo as bases do futuro acordo. O essencial estava lá: a dispensa da consulta popular, fosse referendária, fosse directa; o reconhecimento da Frelimo como único e legítimo representante do povo de Moçambique; a existência de um governo de transição com a composição assim ou assado - estava basicamente tudo discutido. Portanto, não venham dizer que os culpados sou eu e o dr. Mário Soares, quando depois começamos a discutir, naquela base, em Lusaca. Também eu aí absolvo absolutamente o dr. Mário Soares. Não estou a defender-me a mim, pela razão simples que ele negociou perante situações de facto: primeiro, sem cobertura militar; segundo, com uma negociação prévia em que não tinha intervindo. Ele não teve culpa nenhuma. O acordo de Lusaca, apesar de tudo, é um acordo hábil. Tenho um grande papel na redacção do acordo; os acordos foram praticamente todos redigidos no essencial por mim, mas na prosa, não nas soluções. "
Termino esta pequena série de transcrições com o desabafo final, na entrevista concedida ao Diário de Notícias, em 20 de Abril de 2004, do Alferes Comandante da Companhia que se rendeu em OMAR:
"Ainda hoje", diz José Carlos Monteiro, "estou convencido que a Frelimo precisava de prisioneiros para trocar em Lusaka e não os tinham. Fomos nós"
Ficam aqui algumas pistas para os estudiosos e historiadores sérios se dedicarem mais profundamente a este capítulo da História comum de Moçambique e de Portugal no período pré-independência, com mais de trinta anos já passados.
Como aconteceu e porque aconteceu?
Fernando Gil
1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO(2)
Depois do relatório do BCAV8421 aqui parcialmente divulgado, veja a reportagem publicada pela revista MOZAMBIQUE REVOLUTION, nº 60, Julho/Setembro de 1974, da tomada do quartel português de OMAR (NAMATIL), em 1 de Agosto de 1974:
1 de Agosto de 1974 - Companhia de OMAR entrega-se à FRELIMO
Passa hoje mais um aniversário do dia em que a 1ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8421 estacionada em OMAR(Namatil) se entrega à Frelimo e é levada para a Tanzânia.
História ainda mal contada, 31 anos depois. Porquê?
Fernando Gil
Este é o relatório oficial sobre o acontecimento:
"- Em 01AG074 - Ataque ao aquartelamento de OMAR seguido de golpe de mão. Na madrugada do dia 01AG074 na orla da mata do estacionamento ouviram-se vozes de megafone dizendo: “Atenção aquartelamento de OMAR, nós não lutamos contra vocês lutamos contra o Fascismo e Colonialismo e esses terminaram no dia 25 de Abril. Queremos falar com vocês. Mandem um mensageiro à pista pois nós estamos sem armas. Queremos apenas falar convosco, não queremos mais derramamento de sangue." Perante estas palavras o sold. JOAQUIM DA SILVA PIEDADE ofereceu-se voluntário para ir à pista como mensageiro. Todo o restante pessoal continuou nas valas e em diversas posições de fogo. Quando o referido mensageiro ia a chegar à pista novas vozes de megafone se ouviram, pedindo para que o comandante viesse também à pista. Perante isto o comandante do aquartelamento, Alf. Milº. JOSÉ CARLOS DA SILVA E COSTA MONTEIRO acedeu em ir também à pista juntamente com o referido sold. PIEDADE. Surgiram então cerca de oito a dez indivíduos desarmados, munidos com gravadores portáteis, máquinas de filmar e máquinas fotográficas. Quando o Alf. MONTEIRO se encontrava a falar com o comandante desta pequena força, ele repetiu as palavras já ditas pelo megafone e pedia para falar com os soldados da companhia, na pista. Perante esta insistência, o comandante do aquartelamento de OMAR alvitrou que podia entrar e falar com a companhia dentro do estacionamento o que lhe foi contestado alegando medo de qualquer reacção das NT ou da força aérea. Perante isto e como não se notava qualquer presença de indivíduos armados foi aceite que parte da Companhia fosse para a pista. Ficaram nas posições as secções de obuses 8,8, morteiros e postos de sentinela. Quando se encontravam na pista houve uma força de cerca de 100 indivíduos, que pela porta de armas traseira que dava saída para a licheira, entraram de assalto tomando as nossas posições dentro do quartel. A reacção das secções de obus não era possível e como tal a força que entrou, obrigou o pessoal das restantes posições a abandonar e sair. No mesmo momento em que a força toma o quartel há uma outra força emboscada na orla da mata da pista que cerca todo o pessoal que nela se encontrava. A partir daí não foi possível qualquer reacção. Imediatamente o comandante de OMAR e outros graduados perguntaram ao comandante da força invasora, o que é que se passava ao que ele respondeu que iriam falar com o comandante Joaquim Chipende no meio da mata. Foram levados para uma base avançada da Frelimo onde se encontraram com os chefes Silésio e Alberto Joaquim Chipende. Aí pernoitaram dormindo à volta de uma fogueira. No dia 2 iniciaram a marcha até nova base da Frelimo onde ficaram dois dias. Aí os graduados tiveram a primeira reunião com uma comitiva da Frelimo chefiada por Joaquim Chipende. Foi-lhes lido todas as conversações de Lusaka às quais Chipende havia estado presente. Explicou este chefe que uma das razões porque tinham tomado _QMAR era pelo facto de não só ser uma base de importância vital mas também porque já haviam escrito uma carta ao comandante do Sector B/AV (MUEDA) - Tenente-Coronel Andrade Lopes, onde a Frelimo punha como condições a retirada de determinados quartéis e reunião dos mesmos em MUEDA. Não o quiseram fazer e a Frelimo sabia pelo barulho de rebentamentos e por um mainato civil que fugiu da nossa Companhia que OMAR estava a destruir os materiais. Esta reunião terminou cerca das 10,00 horas e aí os graduados iniciaram a marcha para se irem juntar aos restantes soldados que já se encontravam numa outra base da Frelimo. No dia 5 seguiram para o distrito de M'NAPA onde pernoitaram. No dia 6 seguiram com destino à base Limpopo onde foi distribuído arroz e sopa aos militares. Daqui avançaram em direcção ao rio Rovuma onde chegaram cerca das 16,00 horas. Às 00,30 horas os últimos homens encontravam-se já em território tanzaniano.
No dia sete foi distribuído fardamento da Frelimo a todos os militares portugueses tendo estes entregue a roupa que levavam vestida. À tarde iniciou-se o transporte de todo o pessoal em viaturas do exército Tanzaniano para NEWALA onde se pernoitou numa prisão em construção. No dia oito dá-se o primeiro encontro com o presidente da Frelimo, Samora Machel bem como restante comitiva. Aí, Machel falou a todos os militares tendo cumprimentado todos, um por um. Nessa tarde seguiram ao longo da Tanzania até NASHINGUWEA onde ficaram instalados num quartel do exército Tanzaniano. Aí ficaram até à libertação que se processou em 19 de Setembro de 1974.
Enquanto permaneceram como prisioneiros não houve qualquer mau trato a ninguém. Funcionava uma enfermaria dia e noite com um sargento enfermeiro da Tanzania pronto para qualquer serviço. Um médico da Frelimo ia frequentemente dar consultas a quem queria tendo feito, inclusivanente, o tratamento de uma anemia com transfusão de sangue a um soldado artilheiro português. Receberam diversas visitas entre elas a de Samora Machel mais três vezes, chefe do Estado Maior do exército Tanzaniano, ministro da Agricultura da Tanzania, diversos dirigentes do partido TANU, muitos jornalistas e fotógrafos.
Refere-se a seguir o resumo dos resultados obtidos pelo IN após a tomada do aquartelamento de OMAR.
- Foi levado o cofre da companhia com todos os valores que tinha.
- Foram levados todos os artigos de cantina existentes no armazém do Bar do Soldado e no bar propriamente dito.
- Foram levados todos os víveres que existiam no depósito de géneros, todos os medicamentos do posto de socorros, todos os combustíveis e lubrificantes que havia no parque auto, todos os documentos e arquivos da Companhia e todo o material à carga da Companhia e pertencente a todas as unidades controladoras.
- Todos os militares foram espoliados de todos os seus bens e haveres incluindo o fardamento militar.
O pessoal ficou, bastante afectado psiquicamente pela situação vivida, cansado e em más condições de saúde em virtude da vida que viveu com falta de água e má alimentação.
Em face do ocorrido ficou a 1ªCCAV sem todo o material à carga e pertencente a todas as entidades controladoras.
A acção teve cabimento em virtude de ter surgido numa altura em que se procurava o estabelecimento de contactos com elementos da Frelimo. Recebeu esta Companhia diversas mensagens dando directivas para o caso de surgirem elementos da Frelimo, para iniciarem contactos. O próprio RÁDIO CLUBE DE MOÇAMBIQUE, na noite de 31 de Julho de 1974 deu una notícia no " Jornal Sonoro " acerca de um cessar fogo na zona de MUEDA entre elementos da Frelimo e do Exército Português. Salienta-se a acção dos militares abaixo mencionados que lograram fugir ao controle do IN:
- sold. JOSÉ ANTÓNIO CABDOSO GONÇALVES apresentado em NANGADE em 02AG074.
- sold. JOAQUIM SILVA DA PIEDADE apresentado no mesmo dia também em NANGADE.
- sold. VASCO PONDA apresentado juntamente com os camaradas anteriormente citados no mesmo dia e na mesma localidade.
- Também em NANGADE se apresentaram os solds., LAQUINE PUANHERA e SUMAIL AIUPA, em 03AG074.
- Finamente em MOCIMBOA DO ROVUMA em 05AG074 apresentou-se o sold.MÁRIO ANDRADE MOITEIRO.
No dia 19 de Setembro foram os militares da 1ªÇCAV libertados e repatriados para NANGADE donde partiram no mesmo dia em aviões especiais para NAMPULA, com escala em MOCIMBOA DA PRAIA, onde ficaram instalados no Batalhão de Manutenção de Material. No dia 20 de Setembro pelas 06,00 horas partiram do BMM/NAMPULA para a ILHA DE MOÇAMBIQUE onde ficaram até ao seu regresso à Metrópole."
16-07-2005
Uria Simango e companhia imortalizados na Beira
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No centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique
O reverendo Uria Simango, um dos fundadores e antigo vice-presidente da Frelimo executado sumariamente em Junho de 1977, na província do Niassa, juntamente com outros históricos do partido foi imortalizado...
ZAMBEZE - 15-07-2005
O reverendo Uria Simango, um dos fundadores e antigo vice-presidente da Frelimo executado sumariamente em Junho de 1977, na província do Niassa, juntamente com outros históricos do partido foi imortalizado...
ZAMBEZE - 15-07-2005
O reverendo Uria Simango, um dos fundadores e antigo vice-presidente da Frelimo executado sumariamente em Junho de 1977, em M`telela, distrito de Majune, província do Niassa, juntamente com outros históricos do partido no poder acusados de serem reaccionários no decurso da luta armada de libertação nacional, foi imortalizado há dias, na cidade da Beira, nas cerimónias alusivas à passagem do centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, fundada em 2 de Julho de 1905.
Os feitos do reverendo Uria Simango foram celebrizados pelo facto de ter desenhado a partir da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, o projecto de fundação dum movimento libertador, a Frelimo, juntamente com outros nacionalistas, para libertar o País do jugo colonial português.
Outros membros fundadores da Frelimo são: Eduardo Mondlane, Uria Simango, David Mabunda, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Silvério Nungu, Filipe Samuel Magaia, Fanuel Malhuza, Calvino Malhayeye, Leo Milas, Lourenço Mutaca, Matew Mmole, Marcelino dos Santos, Jaime Rivaz Sigauke, Lawrence Millinga, João Munguambe, João Unhai, Baltazar Chagonga, Miguel Murupa, Joaquim Chissano entre outros.
Expulso da Tanzânia e do conselho da presidência da Frelimo, nos princípios de 1970 após a morte de Mondlane, a 3 de Fevereiro de 1969, Uria Simango sob a protecção do então comité de libertação da OUA, exilou-se no Cairo, Egipto.
Regressado ao País após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal, o reverendo Uria Simango criou, na Beira, o Partido da Coligação Nacional (PCN) e depois apercebeu-se que a situação política tendia a deteriorar-se, pois a Frelimo que acabava de assinar os Acordos de Lusaka, na Zâmbia, com o governo português, em 7 de Setembro do mesmo ano para a independência nacional da 25 de Junho de 1975, estava em caça aos dissidentes políticos. Em Outubro de 1974, Uria Simango abandonou o País e foi exílar-se na África do Sul, Zimbabwe e no Quénia, de Jomo Kenyata, seu amigo pessoal.
Entretanto, uma conspiração de dois ministros do então governo malawiano, de Kamuzu Banda, nomeadamente Albert Muwalo Nqumaio e Focus Martin Gwede com os serviços secretos da Frelimo, permitiriam que Uria Simango caisse brutalmente nas mãos da Frelimo.
Explique-se que o reverendo Uria Simango recebeu, em Novembro de 1974, a partir, do Quénia, um telegrama do ministro Nqumaio solicitando a sua urgente presença naquele País, para discutir a negociação com a Frelimo. À sua chegada ao Aeroporto de Chileka, Simango foi recebido pelas autoridades malawianas, entrando numa viatura que o encaminhou à fronteira com Moçambique, através das regiões de Nsanje e Milange, onde era esperado pelos comandantes João Honwana e Mabuko Feitotudo, da base Mongwe, Zambézia.
Depois de ser encarcerado provisoriamente em Nachingweia e introduzido no País, em Maio de 1975, Uria Simango, juntamente com Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Faustino Cambeu, Paulo Gumane, Basílio Bande, Adelino Gwambe, Júlio Razão Nihia, padre Mateus Pinho Gwengere, Joana Simeão, João Unhai, Verónica e outros prisioneiros políticos, viriam a ser executados sumariamente e enterrados numa vala comum, em M`telela, distrito de Majune, província do Niassa, em 25 de junho de 1977.
No centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique foi homenageado o reverendo Kamba Simango, um protonacionalista africano e primeiro moçambicano doutorado nos Estados Unidos da América.
Ao lado de William Dubois, Marc Garvey e outros Kamba Simango tomou parte no final da primeira guerra mundial, que decorreu de 1914 a 1918, em alguns eventos internacionais sobre a renascença africana.
Regressado ao país em finais da década de vinte, Kamba Simango já como pastor da Igreja Cristo Unida em Moçambique, instalou-se por longo período em Maxemedje, distrito do Búzi e mais tarde na Beira, passando por Gogoia, onde para além de evangelizar a palavra do senhor, cultivou o espírito nacionalista de libertar a alma e a terra da opressão colonial portuguesa.
Devido às suas ideias nacionalistas, Kamba Simango foi perseguido pelo governo fascita colonial de Salazar e fugiu nos finais da década de trinta para Gana.
Na pátria de Kwame Nkrumah, Kamba Simango foi director dum colégio e da Rádio Gana até à sua reforma. Casado com uma ganesa, morreu em 1967, vítima de atropelamento por uma viatura, pouco tempo depois de ter se encontrado com Eduardo Mondlane.
Os feitos do reverendo Pedro Simango, também, foram memorizados por ter assegurado aquela igreja nos momentos difícieis que se seguiram à fuga de Uria Simango para Rodésia para Tanganyika, para além de ter assegurado a barra nos primeiros anos da independência nacional, altura em que o primeiro governo marxista-leninista da Frelimo, cometeu muitos excessos contra as diferentes religiões existentes no país.
Pedro Simango que, igualmente, se notabilizou pela expansão daquela igreja para outras regiões do País, morreu em 1985, vítima duma emboscada militar, no decurso da última guerra dos 16 anos.
O reverendo Tapera Nkomo, tido como um dos grandes impulsionadores da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, também preencheu um tempo considerável de elogios nas cerimónias do centenário daquela confissão religiosa, que contou com a presença de algumas destacadas figuras do País.
Dessas presenças destacam-se Arão Zacarias Ngwenha, Samuel Simango, Emille Kaltenried (Suiço), Filipe Foia, Pierre Loze, Chimene e outros, também foram recordados em festejos que juntaram crentes de diferentes igrejas na Beira.
Isaías Natal
Os feitos do reverendo Uria Simango foram celebrizados pelo facto de ter desenhado a partir da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, o projecto de fundação dum movimento libertador, a Frelimo, juntamente com outros nacionalistas, para libertar o País do jugo colonial português.
Outros membros fundadores da Frelimo são: Eduardo Mondlane, Uria Simango, David Mabunda, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Silvério Nungu, Filipe Samuel Magaia, Fanuel Malhuza, Calvino Malhayeye, Leo Milas, Lourenço Mutaca, Matew Mmole, Marcelino dos Santos, Jaime Rivaz Sigauke, Lawrence Millinga, João Munguambe, João Unhai, Baltazar Chagonga, Miguel Murupa, Joaquim Chissano entre outros.
Expulso da Tanzânia e do conselho da presidência da Frelimo, nos princípios de 1970 após a morte de Mondlane, a 3 de Fevereiro de 1969, Uria Simango sob a protecção do então comité de libertação da OUA, exilou-se no Cairo, Egipto.
Regressado ao País após o Golpe de Estado de 25 de Abril de 1974 em Portugal, o reverendo Uria Simango criou, na Beira, o Partido da Coligação Nacional (PCN) e depois apercebeu-se que a situação política tendia a deteriorar-se, pois a Frelimo que acabava de assinar os Acordos de Lusaka, na Zâmbia, com o governo português, em 7 de Setembro do mesmo ano para a independência nacional da 25 de Junho de 1975, estava em caça aos dissidentes políticos. Em Outubro de 1974, Uria Simango abandonou o País e foi exílar-se na África do Sul, Zimbabwe e no Quénia, de Jomo Kenyata, seu amigo pessoal.
Entretanto, uma conspiração de dois ministros do então governo malawiano, de Kamuzu Banda, nomeadamente Albert Muwalo Nqumaio e Focus Martin Gwede com os serviços secretos da Frelimo, permitiriam que Uria Simango caisse brutalmente nas mãos da Frelimo.
Explique-se que o reverendo Uria Simango recebeu, em Novembro de 1974, a partir, do Quénia, um telegrama do ministro Nqumaio solicitando a sua urgente presença naquele País, para discutir a negociação com a Frelimo. À sua chegada ao Aeroporto de Chileka, Simango foi recebido pelas autoridades malawianas, entrando numa viatura que o encaminhou à fronteira com Moçambique, através das regiões de Nsanje e Milange, onde era esperado pelos comandantes João Honwana e Mabuko Feitotudo, da base Mongwe, Zambézia.
Depois de ser encarcerado provisoriamente em Nachingweia e introduzido no País, em Maio de 1975, Uria Simango, juntamente com Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Faustino Cambeu, Paulo Gumane, Basílio Bande, Adelino Gwambe, Júlio Razão Nihia, padre Mateus Pinho Gwengere, Joana Simeão, João Unhai, Verónica e outros prisioneiros políticos, viriam a ser executados sumariamente e enterrados numa vala comum, em M`telela, distrito de Majune, província do Niassa, em 25 de junho de 1977.
No centenário da Igreja Cristo Unida em Moçambique foi homenageado o reverendo Kamba Simango, um protonacionalista africano e primeiro moçambicano doutorado nos Estados Unidos da América.
Ao lado de William Dubois, Marc Garvey e outros Kamba Simango tomou parte no final da primeira guerra mundial, que decorreu de 1914 a 1918, em alguns eventos internacionais sobre a renascença africana.
Regressado ao país em finais da década de vinte, Kamba Simango já como pastor da Igreja Cristo Unida em Moçambique, instalou-se por longo período em Maxemedje, distrito do Búzi e mais tarde na Beira, passando por Gogoia, onde para além de evangelizar a palavra do senhor, cultivou o espírito nacionalista de libertar a alma e a terra da opressão colonial portuguesa.
Devido às suas ideias nacionalistas, Kamba Simango foi perseguido pelo governo fascita colonial de Salazar e fugiu nos finais da década de trinta para Gana.
Na pátria de Kwame Nkrumah, Kamba Simango foi director dum colégio e da Rádio Gana até à sua reforma. Casado com uma ganesa, morreu em 1967, vítima de atropelamento por uma viatura, pouco tempo depois de ter se encontrado com Eduardo Mondlane.
Os feitos do reverendo Pedro Simango, também, foram memorizados por ter assegurado aquela igreja nos momentos difícieis que se seguiram à fuga de Uria Simango para Rodésia para Tanganyika, para além de ter assegurado a barra nos primeiros anos da independência nacional, altura em que o primeiro governo marxista-leninista da Frelimo, cometeu muitos excessos contra as diferentes religiões existentes no país.
Pedro Simango que, igualmente, se notabilizou pela expansão daquela igreja para outras regiões do País, morreu em 1985, vítima duma emboscada militar, no decurso da última guerra dos 16 anos.
O reverendo Tapera Nkomo, tido como um dos grandes impulsionadores da Igreja Cristo Unida em Moçambique, American Board, também preencheu um tempo considerável de elogios nas cerimónias do centenário daquela confissão religiosa, que contou com a presença de algumas destacadas figuras do País.
Dessas presenças destacam-se Arão Zacarias Ngwenha, Samuel Simango, Emille Kaltenried (Suiço), Filipe Foia, Pierre Loze, Chimene e outros, também foram recordados em festejos que juntaram crentes de diferentes igrejas na Beira.
Isaías Natal
5 Correcções por João Craveirinha
1ª Correcção: Outros membros fundadores da Frelimo são: Eduardo Mondlane (links ONU, Kenedys e Missão Suíça),
Uria Simango (links norte - americanos teológicos),
David Mabunda, Paulo Gumane,
Adelino Gwambe (links pan-africanos - Gana, Egipto, Tanzania),
Silvério Nungu, Filipe Samuel Magaia, Fanuel Malhuza, Calvino Malhayeye, Leo Milas, Lourenço Mutaca,Matew Mmole,
Marcelino dos Santos (links exteriores importantes - Marrocos, Europa, Cuba),
Jaime Rivaz Sigauke, Lawrence Millinga, João Munguambe, João Unhai,
Baltazar Chagonga(único com links interiores a sul e centro - LM, Tete, Zambézia, Malauí e Tanzania),
Miguel Murupa, Joaquim Chissano entre outros. (in zambeze)
......................................................................
( a cores e tamanho o grau de destaque na Fundação)
2. Leo Milas não foi um dos fundadores da Frente. Era um elemento afro-americano da CIA destacado na Frelimo. Surge na Frelimo após a Fundação pela mão de Eduardo Mondlane que acreditava que ele era de origem Moçambicana da Beira. (ler em livro de João Craveirinha no prelo)
3. Adelino Gwambe(UDENAMO), Uria Simango, Marcelino dos Santos(CONCEP), Matew Mmole(MANU), Baltazar Chagonga(UNAMI), 5 dos "mais" principais líderes que fundaram a Frelimo em 1962... destacando-se ADELINO GUAMBE...como chefe destacado apesar de jovem...
4. Pascoal Mocumbi e Jorge Rebelo foram elementos muito importantes na Fundação da Frelimo em 1962 e destacados na Segurança e na Informação e Propaganda (DS e DIP) e continuando Jorge Rebelo até depois da Independência como Ministro e chefe do Trabalho Ideológico da Frelimo e da Comunicação Social (DTI).
5. O padre Mateus Pinho Gwengere não estava no grupo dos condenados de Nachingueia (Tanzania) de Janeiro de 1975...que partiria para Niassa e Cabo Delgado em Agosto/Setembro de 1975 e não em Maio de 1975...como vem descrita...
Por hoje chega...
João Craveirinha - 16 Julho 2005 - Maputo
15-07-2005
Sobre Tomás Antônio Gonzaga*
PREFÁCIO
Alberto da Costa e Silva
Alberto da Costa e Silva
A primeira imagem que guardei de Tomás Antônio Gonzaga foi a de um jovem de perfil, tristonhamente belo, os longos cabelos ondulados a caírem sobre os ombros, a escrever versos no cárcere. O quadro é de João Maximiano Mafra, e os traços do poeta, inteiramente imaginados. Quando preso, provavelmente não era assim, nem tampouco, talvez, um senhor de amplo ventre, a disfarçar o começo da calvície. De cada uma das numerosíssimas feições com que se reconheceu, a olhar-se, ao longo dos anos, nos espelhos, e que mostrou ao afeto, à simpatia, à indiferença, ao aborrecimento, à irritação e à hostilidade de seus contemporâneos, não podia ficar memória, a não ser que algum retrato nos preservasse uma delas, antes que se findasse no momento.
É possível que se visse como, a partir de seus poemas, o imaginou o artista e talvez soubesse, já no exílio, que seus versos eram o que de melhor sobrava de sua biografia, uma biografia a que não faltava a infâmia de haver participado de uma conspiração contra a Coroa.
Adelto Gonçalves não nos redesenha o retrato que não temos. Mas, de certa forma, refaz a imagem que intimamente cada um de nós foi formando do poeta, ao recontar, da perspectiva que lhe deu a leitura rigorosa dos documentos (muitos deles examinados pela primeira vez), a história de Gonzaga, das Marílias que amou ou supôs amar e os poemas que escreveu.
Ao fazê-lo, foi reconstituindo e, portanto, reinventando, como se fosse Frans Hals a pintar os seus grupos de guardas cívicos de Haarlem, não só a comunidade dos conjurados mineiros, mas também Vila Rica, o Brasil e o império de que era parte. Nos grandes quadros coletivos que se sucedem neste livro, nem uma só das figuras aparece, contudo, imóvel, e a maioria está quase sempre a mudar de posição, pobremente humana, tristemente débil nas tentativas de dar realidade às ambições pequeninas e a um grande sonho.
Esta personagem procura a sombra; aquela disfarça um riso maroto; e aquela outra trapaceia sem rebuço. Não falta sequer um iluminado de voz alta e franca, nem quem sempre se atrase, por indeciso ou covarde. Alguns não chegam a anti-heróis, mas quase todos deviam pedir desculpas ao futuro. Adelto Gonçalves não os castiga nem os veste de piedade; mostra-os como lhe parece que foram, enredados na fantasia, na inveja, no engodo, na suspeita mútua, na intriga, na ânsia de enricar, no gosto do mando e das gloríolas, na prevaricação, no peculato e na rapina. Despidos da aura da História, aparecem como gente de seu tempo e de sempre. Desamparados ou esperançosos. Contraditórios. Exuberantes. Amargos. Ofendidos pela pobreza do dia-a-dia ou visionários. Muito menores do que, já os sabendo frágeis, os julgávamos.
Tinham o ouro por húmus. Não ignoravam que era matéria podre, mas esperavam que regenerasse as suas vidas, pois, embora se sentissem americanos brasileiros, continuavam a perseguir o sonho da riqueza rápida, pelo achamento do ouro, da prata e das pedras preciosas – o sonho que habitava o espírito de cada descendente daqueles europeus que a tinham ido buscar, primeiro, na Índia e na pimenta e, depois, no Brasil e no açúcar, em Angola e no escravo. Não nega Adelto Gonçalves que, além de quererem soltar-se das exações da Metrópole, desejavam os inconfidentes a independência e a liberdade. No que parecia o isolamento das montanhas mineiras, três ou quatro deles estavam, aliás, em dia com o pensamento de seu tempo. Aspiravam a continuar no Brasil o processo de libertação do continente que os norte-americanos haviam iniciado havia pouco mais de 20 anos. E sua conjura – e disto às vezes nos esquecemos – antecedeu à Revolução Francesa.
Estavam, ainda que não o soubessem, na vanguarda do século, mas não incluíram nas suas intenções revolucionárias a abolição da escravatura, nisto acompanhando também os próceres que fizeram a independência dos Estados Unidos: nem George Washington nem Thomas Jefferson pensaram em libertar os seus escravos. E não há como esquecer que o próprio Tiradentes possuía quatro negros. Adelto Gonçalves desfaz, porém, a lenda de um Tomás Antônio Gonzaga envolvido com o mercadejo de alma e corpos em Moçambique.
E nos conta como a um outro contemporâneo – que, embora participante das conspirações pela independência, escapou da rede repressora lusitana – foi reservado o destino de tornar-se um dos grandes traficantes negreiros da Contra-Costa. É possível que não passasse pela mente de Eleutério José Delfim que o comércio a que se entregara contrariava inteiramente as suas convicções de republicano, liberal e maçom, pois, ao que parece, a liberdade, a igualdade e a fraternidade não incluíam os africanos. Não deve, por sinal, ter sido ele uma exceção, ainda estando por estudar-se a participação de maços e afrancesados no tráfico negreiro até as vésperas de sua extinção.
Talvez não venhamos a saber jamais, por exemplo, se aquele Domingos José Martins, que foi um dos maiores mercadores de escravos da África Atlântica, herdou, juntamente com o nome, algumas das idéias de seu pai, fuzilado pelos portugueses, por haver sido um dos cabeças da Revolução Pernambucana de 1817.
Uma das boas surpresas deste livro é a reconstrução dos dias moçambicanos de Tomás Antônio Gonzaga. Como tantos outros degredados políticos brasileiros, o poeta seria prontamente admitido na vida local, em funções de responsabilidade. Faltavam pessoas instruídas nas colônias de um Portugal pequeno, pouco povoado e pobre para as exigências de seu enorme império. Por isso, Adelto Gonçalves pode mostrar-nos o poeta, novamente servidor da justiça, a olhar da janela de um prédio do governo as ruas poeirentas do exílio, a acostumar-se a ser novo meio e a emaranhar-se em suas maledicências, animosidades, discórdias e ressentimentos.
Moçambique era em tudo muitíssimo mais magro do que a Vila Rica de onde Gonzaga fora retirado, a Vila Rica que Adelto Gonçalves também traz da História para os nossos olhos, em páginas em que se alternam a descrição contida e o relato afetuoso, o sarcasmo e a comiseração, o entusiasmo e a elegia. Sucedem-se ou se juntam nas ruas e salas da cidade mineira as personagens que ajudariam a entretecer o destino de Gonzaga.
Entram e saem pelas suas portas não só o alferes Joaquim José da Silva Xavier, a pregar idéias nele fortalecidas por José Álvares Maciel, mas também os governadores dom Rodrigo José de Meneses, dom Luís da Cunha Meneses e o visconde de Barbacena, os poetas Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, a mulher deste. Bárbara Eliodora, o cônego Luís Vieira da Silva, os padres Carlos Correia de Toledo e Melo e José da Silva de Oliveira Rolim, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade e o coronel Joaquim Silvério dos Reis. As musas de Gonzaga, entre as quais Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, aparecem nas varandas, espreguiçam-se nas redes ou se abanam com leques nas festas do palácio.
Eis que esta obra não é apenas uma nova biografia de Tomás Antônio Gonzaga. É a primeira grande biografia do poeta. Nela, Adelto Gonçalves amplia, completa e retifica as páginas iluminadoras que escreveu, há mais de 57 anos, Rodrigues Lapa. Mas Adelto não se restringe a essa tarefa já por demais importante para os que sabem que Marília de Dirceu é a coleção de poemas líricos mais popular da literatura de língua portuguesa, com um número de edições só superado por Os Lusíadas, conforme nos recordou Manuel Bandeira. Adelto entrega-nos também um instigante ensaio de história social das Minas Gerais e do Moçambique da segunda metade do século XVIII.
Haverá quem estranhe estas ou aquelas conclusões do livro, as considere afoitas, tímidas, exorbitantes ou exageradas e com elas não concorde. Para opor-se, porém, às teses de Adelto Gonçalves e com ele abrir polêmica – ainda que aquele tipo de debate que o leitor pode manter silenciosamente com a página escrita --, terá, para confirmar a interpretação correta dos documentos que as abonam, de reler Gonzaga, um poeta do Iluminismo, nota de pé de página por nota de pé de página. Pois, se este é um livro com o gosto de um jornalista pelo ineditismo e pela surpresa, assenta-se na aplicação e no rigor de um scholar.
Rio de Janeiro, 1998.
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Alberto da Costa e Silva, ex-embaixador do Brasil em Portugal, Nigéria, Colômbia e Paraguai e presidente da Academia Brasileira de Letras em 2002-2003, é autor de A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, 1992, A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700, 2002, Um rio chamado Atlântico, 2003, Poemas Reunidos, 2000, Espelho do Príncipe, 1994, e O pardal na janela, 2002, entre outros.
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* Prefácio de Alberto da Costa e Silva escrito para o livro "Gonzaga, um Poeta do Iluminismo" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), de Adelto Gonçalves, e que consta das págs. 21 a 24 do livro "Das mãos do oleiro" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005), que acaba de chegar às livrarias
* Prefácio de Alberto da Costa e Silva escrito para o livro "Gonzaga, um Poeta do Iluminismo" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), de Adelto Gonçalves, e que consta das págs. 21 a 24 do livro "Das mãos do oleiro" (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005), que acaba de chegar às livrarias
Adelto Gonçalves
13-07-2005
Pedido de contribuições para a revista Lusotopie
A revista Lusotopie. Recherches politiques sur les espaces issus de l’histoire et de la colonisation portugaises procura, para os seus dois números do ano de 2006, artigos sobre questões contemporâneas e acontecimentos políticos recentes nos países de língua portuguesa, ou interessando aos países de língua portuguesa.
Os artigos serão submetidos à avaliação e podem ser em francês, português, ou inglês; excepcionalmente, também numa outra língua de alfabeto latino.
Entre os temas que interessam à revista, podemos citar :
– a derrota da direita portuguesa e o contexto europeu
– as eleições gerais na Guiné-Bissau
– a terceira vitória da Frelimo em Moçambique : estabilidade política ou marginalização maciça ?
– Angola na paz, Angola na miséria?
– Lula I a caminho de Lula II?
– o PT na governação [gouvernance] ?
– Lula face ao projecto ZLEA (ALCA)
– Galiza sem Fraga
– Portugal, Angola e Brasil face à guerra no Iraque (análise comparativa)
– Portugal, Espanha, França e o referendo impossível de encontrar (a constituição europeia)
– Cabo Verde na União Europeia?
– etc.
Qualquer outro tema relativo a questões contemporâneas pode ser apresentado. Os autores ficam desde já informados de que a sua autorização para serem publicados na revista é igualmente válida para a colocação dos respectivos artigos em fila de espera. Atenção: os prazos são muito curtos! Os artigos devem chegar à secretaria da redacção durante o mês de Agosto ou, o mais tardar, no início de Setembro de 2005 para o primeiro número de 2006 (a sair em Abril de 2006); em Novembro, para o segundo número (a sair em Novembro de 2006). As propostas de artigos devem ser enviadas exclusivamente a Brigitte Lachartre : <lachartre.b@wanadoo.fr>. É obrigatório que os artigos venham acompanhados de um resumo de cerca de quinze linhas em estilo impessoal (esse resumo será publicado nas três línguas).
Os artigos serão submetidos à avaliação e podem ser em francês, português, ou inglês; excepcionalmente, também numa outra língua de alfabeto latino.
Entre os temas que interessam à revista, podemos citar :
– a derrota da direita portuguesa e o contexto europeu
– as eleições gerais na Guiné-Bissau
– a terceira vitória da Frelimo em Moçambique : estabilidade política ou marginalização maciça ?
– Angola na paz, Angola na miséria?
– Lula I a caminho de Lula II?
– o PT na governação [gouvernance] ?
– Lula face ao projecto ZLEA (ALCA)
– Galiza sem Fraga
– Portugal, Angola e Brasil face à guerra no Iraque (análise comparativa)
– Portugal, Espanha, França e o referendo impossível de encontrar (a constituição europeia)
– Cabo Verde na União Europeia?
– etc.
Qualquer outro tema relativo a questões contemporâneas pode ser apresentado. Os autores ficam desde já informados de que a sua autorização para serem publicados na revista é igualmente válida para a colocação dos respectivos artigos em fila de espera. Atenção: os prazos são muito curtos! Os artigos devem chegar à secretaria da redacção durante o mês de Agosto ou, o mais tardar, no início de Setembro de 2005 para o primeiro número de 2006 (a sair em Abril de 2006); em Novembro, para o segundo número (a sair em Novembro de 2006). As propostas de artigos devem ser enviadas exclusivamente a Brigitte Lachartre : <lachartre.b@wanadoo.fr>. É obrigatório que os artigos venham acompanhados de um resumo de cerca de quinze linhas em estilo impessoal (esse resumo será publicado nas três línguas).
* * *
Para conhecer melhor Lusotopie, pode visitar a página da revista na Internet (http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/).
Lusotopie é a partir de agora publicada por Brill (Leiden), mas a orientação científica da revista não mudou. O volume 2004 (último volume publicado por Karthala, Paris) contém um dossier sobre “Médias, identidades, poder” (nas bancas em Setembro de 2005). O primeiro volume a publicar por Brill (Novembro de 2005) contém um dossier sobre « Genre et rapports sociaux dans les espaces lusophones / Gênero e relações sociais nos espaços lusófonos / Gendered social relationships in Portuguese-speaking spaces ».
Para conhecer melhor Lusotopie, pode visitar a página da revista na Internet (http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/).
Lusotopie é a partir de agora publicada por Brill (Leiden), mas a orientação científica da revista não mudou. O volume 2004 (último volume publicado por Karthala, Paris) contém um dossier sobre “Médias, identidades, poder” (nas bancas em Setembro de 2005). O primeiro volume a publicar por Brill (Novembro de 2005) contém um dossier sobre « Genre et rapports sociaux dans les espaces lusophones / Gênero e relações sociais nos espaços lusófonos / Gendered social relationships in Portuguese-speaking spaces ».
28 de Junho de 2005
09-07-2005
SOBRE A RENAMO, O APARTHEID E A GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE
Por: Barnabé Lucas Ncomo
Recentemente, reflectindo sobre o Ser e o Estar de algumas pessoas no nosso país, escreviamos que um dos grandes males que grassam na nossa sociedade é o fazer de conta, descambado este na institucionalização do acto de saber fingir colectivamente.
Numa comunicação feita na Suíça por ocasião do 30° aniversário da independência nacional, o jornalista/escritor moçambicano Mia Couto, a certa altura da sua dissertação afirmou:
“Hoje fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos. É preciso não esquecer nunca: essa guerra foi gerada no ventre do apartheid, estava desde o início inscrita na chamada estratégia de agressão total contra os vizinhos da África do Sul” (Mia Couto, 16 de junho de 2005. o sublinhado é nosso).
Em última análise, Couto tenta transferir as responsabilidades do regime da Frelimo no surgimento da guerra civil mocambicana para terceiros. Concretamente, defende a tese de que a determinação dos mocambicanos em lutar pelo estabelecimento duma ordem democratica foi inspirada no apartheid e não nas condições específicas criadas em Mocambique na sequência do estabelecimento de um regime totalitário de índole marxista-leninista. Tal como Salazar, que repetia amiúde que durante a vigência do regime fascista não havia uma oposição em Portugal, também a Frelimo e os seus “acólitos” defendiam a mesma posição relativamente a Moçambique no pós-independência. Mia Couto apenas apresenta-a de uma forma diferente.
Embora implicitamente Couto admita que o conflito moçambicano teve igualmente razões endógenas ao afirmar que“...fala-se da guerra civil em Moçambique como se esse conflito tivesse tido apenas contornos endógenos”, peca por minimizar, ou, por outra, não relevar os “contornos endógenos” por detrás da guerra civil em Moçambique, resumindo tudo a uma estratégia global de agressão concebida do exterior como se o que ele chama de “contornos endógenos” jamais constituiu razão para uma guerra entre irmãos. Por outras palavras, Couto está a “pedir-nos” que não nos esqueçamos nunca que existem opressores bons e maus. A partir do momento em que o opressor se vestiu de pele negra, mulata ou branca e se chamou moçambicano, tudo andou maravilhosamente em Moçambique: não havia razão de se guerrear contra o compreensível e bonzinho opressor.
Mas o que “é preciso não esquecer nunca” é que a guerra civil moçambicana foi gerada no ventre duma ditadura imposta à Nação por uma Frelimo que fez tábua rasa do seu próprio programa de acção adoptado no 1° Congresso em Setembro de 1962 e que dizia, entre outras coisas, que visava:
- A instauração de um Regime Democrático na base da Independência total, e no qual todos os moçambicanos estarão no mesmo plano de igualdade perante a Lei, com os mesmos direitos e deveres;
- A formação de um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação seja fundamentada na vontade popular e;
- O respeito da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A independência significou no fundo a transição de uma ditadura fascista para uma de índole comunista. O partido único de Salazar/Caetano – a União Nacional (ANP) – foi substituído por uma auto-intitulada vanguarda revolucionária; a PIDE/DGS passou a designar-se por SNASP. E o decreto presidencial que instituiu esta nova polícia política foi descrito por um sonante jurista moçambicano, como uma “monstruosidade jurídica” pois conferia-lhe amplos poderes para prender e mandar prender à revelia dos tribunais; e impedir que as pessoas que caíssem sob sua alçada estivessem abrangidas pela cláusula do Processo Penal que estipulava que um detido tinha 7 dias para constituir defesa e de arrolar testemunhas.
A insistência em atirar culpas aos regimes minoritários da Rodésia e da África do Sul, longe de esclarecer o que se passou neste país de forma a que as gerações vindouras embrenhem-se na procura de alicerces para uma sociadade mais justa, torna os seus mentores em palhaços da pior espécie aos olhos da própria opinião pública que se pretende conquistar e manter ideologicamente cativo.
Na verdade, o que “é preciso não esquecer nunca” (e isto é para jovens de hoje e os de amanhã) é que em nome de uma justiça popular o regime totalitário imposto pela Frelimo mandou executar sumariamente pessoas. Não há memória de que qualquer instância jurídica moçambicana tivesse julgado ou condenado os presos políticos moçambicanos que cairam nas malhas da Frelimo. De que há memória, isso sim, é Mia Couto, como editor de um diário estatizado, ter dado o seu contributo à campanha de perseguição, difamação e calúnia contra todos os presos políticos moçambicanos, apelidando-os de reaccionários.
O que “é preciso não esquer nunca” é que a exploração desenfreada de camponeses nas plantações de algodão deu lugar à brutalidade das machambas estatais, e que as aldeias comunais – muitas delas erguidas dos escombros dos aldeamentos do exército colonial de ocupação – destinavam-se a ser verdadeiros reservatórios de mão de obra barata para alimentar projectos megalómanos e que a comunicação estatizada – incluindo aquela onde pontificava Mia Couto – apresentava como laboratórios da criação do homem novo.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome da democracia popular, insistentemente propalada em editoriais assinados por Mia Couto, se prenderem homens e mulheres que foram desterrados para campos, ditos de reeducação.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que em nome dos direitos humanos se deportaram milhares de cidadãos moçambicanos para zonas remotas do País no âmbito da Operação Produção, igualmente idolatrada nas páginas do Notícias cujo editor era o próprio Mia Couto.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que não obstante a promessa gravada com o sangue de milhares de moçambicanos que se bateram pelo ideal da independência de se “formar um Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo, em que a soberania da Nação se fundamentasse na vontade popular” em Moçambique a democracia só surgiu 19 anos depois de conquistada da independência nacional.
O que “é preciso não esquecer nunca” é que apesar da promessa de se respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, esta foi sistemática e totalmente violada pelo regime da Frelimo. Não existiu o direito à livre expressão do pensamento e o da associação, pois o partido único impunha – e a imprensa estatizada em criminosa conivência com o regime dava o seu aval – o “pensamento comum” e reprimia toda e qualquer manifestação de independência ideológica.
O que“é preciso não esquecer nunca” é que a ditadura da Frelimo reprimiu e perseguiu religiosos de todas as crenças e confissões; combateu os valores culturais dos cidadãos em nome duma campanha bem definida contra os “vestígios da sociedade tradicional-feudal” e que, novamente – e sempre presentes – jornalistas como Mia Couto concederam o seu apoio.
A essência dum regime totalitário como o que a Frelimo impôs à Nação certamente que não arrepiou pessoas como Mia Couto que ainda hoje acreditam que a revolta do povo moçambicano contra a injustiça, a prepotência, o abuso de poder, a arbitrariedade, em suma, a monstruosidade, não só jurídica, mas também política, foi gerada no ventre do apartheid.
A verdade, porém, manda dizer que tal como sobreviveu a Frelimo à queda do regime comunista na Rússia, sobreviveu a Renamo à queda do Smith (na Rodésia) e do apartheid (na África do Sul). E não se precisa de lupas para perceber este fenómeno que se instiste em atribuir a terceiros.
É curioso como frente a toda uma realidade sobejamente conhecida e vivida por muitos; com tudo exposto e provado, algumas pessoas insistem em sustentar historietas que fazem rir crianças. Outro dia rímos à “bandeiras despregadas” quando um amigo nosso, proveniente do outro extremo deste mundo, arranjou uma forma inteligente de acabar com uma discussão: “...nós fomos a Lua e as provas foram sobejamente apresentadas e, basta. Não se fala mais no assunto!”. Quer dizer, quando no século XXI se prova que essa missão seria impossível naquela época e nas condições então existentes, o pobre no nosso amigo insiste que passeou na Lua. Trata-se de mentalidades alienadas, frustradas e tementes, porque a história condenar-lhes-à. Afinal, foram eles a razão da discórdia entre os homens.
ZAMBEZE - 07.07.2005
Veja o texto de Mia Couto em
02-07-2005
Quando Moçambique ganhou o direito à utopia
Dois homens das letras contam como, em 1975, viveram o dia da independência
Kátia Catulo
Kátia Catulo
"Às zero horas de hoje, 25 de Junho de 1975, o Comité Central da Frelimo declara a independência da República Popular de Moçambique." No Estádio de Machava, em Lourenço Marques (Maputo), as palavras de Samora Moisés Machel provocam um coro barulhento de alegria. No meio da multidão, Luís Carlos Patraquim - sem saber como - está a um palmo e meio de distância do primeiro presidente da República moçambicano e assusta-se com as rajadas de Kalashnikov que festejam a alvorada de um novo país. Do outro lado do hemisfério, em Lisboa, Guilherme de Melo sintoniza a Emissora Nacional. Com os ouvidos colados à telefonia, a família apertada no sofá, sente o arriar da bandeira portuguesa e o hastear da moçambicana.
Luís é hoje poeta e Guilherme, contador de histórias. Há 30 anos, um regressou a Moçambique para encontrar a liberdade e outro saiu para evitar a prisão. O poeta chegou a Maputo em Janeiro de 1973; o escritor partiu em Outubro de 1974. Luís Carlos Patraquim refugiou-se na Suécia. A Voz de Moçambique, onde trabalhava, deixou de ser "oposição tolerada" para passar a jornal com ordem para silenciar "Não queria fazer a guerra colonial e era do lado da Frelimo que deveria estar." Guilherme de Melo apanhou o barco para Lisboa. Pressentiu que os ventos da mudança iriam ser demasiado instáveis para quem tinha ao seu cuidado uma mãe de 83 anos: "Se estivesse sozinho, era capaz de arriscar..."
Hoje, com 74 anos, o contador de histórias olha para trás e aponta o dedo aos colonos. "A luta pela independência foi feita pela Frelimo de armas na mão. É por isso que se torna o único interlocutor legítimo para assinar o acordo de 7 de Setembro, em Lusaca, que daria a liberdade ao meu país." Mas, nesse mesmo dia, um movimento influenciado pela Rodésia (hoje Zimbabwe) assalta, em Lourenço Marques e noutras cidades, as instalações do Rádio Clube de Moçambique, declarando, em contínua emissão radiofónica, a "independência branca" e pedindo a intervenção da África do Sul. As Forças Armadas actuam e a tentativa fracassa "Só que era tarde de mais e o processo de independência acabou por ficar inquinado com aquele episódio."
Hoje, com 52 anos, Luís Carlos Patraquim olha para a frente e vê um país que rompeu amarras "O que interessa salvar deste processo é um momento de ruptura com o regime colonial. Isso foi conseguido." O resto, explica, é o percurso inevitável que Moçambique tinha de fazer. Afinal, "a assunção de um país é o pleno direito de assumir as suas utopias e os seus erros. Os seus enganos e os seus desenganos".
Guilherme de Melo voltou a Maputo dez anos depois a convite de Samora Machel para participar no 10.º aniversário da independência. Não havia necessidade de reconciliação, pois "nunca guardou rancor" da sua gente. Houve, sim, o reencontro com um amigo. Samora era um velho companheiro que conheceu na década de 60, quando teve um acidente de viação e ficou estendido numa cama do Hospital de Lourenço Marques "Ele era auxiliar de enfermeiro porque, como era preto, não tinha direito a um diploma*." O futuro Presidente cuidou de Guilherme: lia-lhe os jornais e discutia política; levava-lhe a arrastadeira, dado que o escritor estava impossibilitado de usar a casa de banho.
Muitos anos depois, seria o próprio chefe de Estado de Moçambique a recordar-lhe "Este malandro é o único português que teve um Presidente que lhe limpou o rabo!", contou Machel perante os antigos colegas de Guilherme, ao som das suas sonoras gargalhadas.
Luís Carlos Patraquim veio para Lisboa em 1996. Desde então, vai regressando a Maputo em trabalho ou sempre que consegue um "milagre financeiro". A distância geográfica dá-lhe outro olhar. Do lado de cá, percebeu que as guerras deixaram marcas, sobretudo o conflito civil que, após 1975, dividiu o país "Há uma espécie de esquecimento tácito em relação a este passado e, por isso, a guerra passou para o plano dos espíritos." Os vivos, esclarece, são mais pragmáticos e, "através da purificação", acolheram todos os "filhos da terra".
O colonialismo, esse, "tem as costas largas". Serve para explicar todas as enfermidades do país - as mais antigas e as mais recentes. "Enquanto as elites não conseguirem fazer uma leitura histórica do que foi o colonialismo, nunca se percebem como elite. A ocupação, apesar de injusta, trouxe elementos de modernidade, permitindo pensar o país como um todo."
E só há futuro quando o passado se reencontra com o presente. Foi o caso do contador de histórias que, quando voltou a Maputo, tinha à sua espera os colegas do jornal Notícias de Lourenço Marques. A um canto da redacção, Simone, o contínuo, abriu-lhe os braços. "Tinha a carapinha toda branca. E, quando a carapinha de um preto fica branca, é porque ele é mesmo velho..."
Luís é hoje poeta e Guilherme, contador de histórias. Há 30 anos, um regressou a Moçambique para encontrar a liberdade e outro saiu para evitar a prisão. O poeta chegou a Maputo em Janeiro de 1973; o escritor partiu em Outubro de 1974. Luís Carlos Patraquim refugiou-se na Suécia. A Voz de Moçambique, onde trabalhava, deixou de ser "oposição tolerada" para passar a jornal com ordem para silenciar "Não queria fazer a guerra colonial e era do lado da Frelimo que deveria estar." Guilherme de Melo apanhou o barco para Lisboa. Pressentiu que os ventos da mudança iriam ser demasiado instáveis para quem tinha ao seu cuidado uma mãe de 83 anos: "Se estivesse sozinho, era capaz de arriscar..."
Hoje, com 74 anos, o contador de histórias olha para trás e aponta o dedo aos colonos. "A luta pela independência foi feita pela Frelimo de armas na mão. É por isso que se torna o único interlocutor legítimo para assinar o acordo de 7 de Setembro, em Lusaca, que daria a liberdade ao meu país." Mas, nesse mesmo dia, um movimento influenciado pela Rodésia (hoje Zimbabwe) assalta, em Lourenço Marques e noutras cidades, as instalações do Rádio Clube de Moçambique, declarando, em contínua emissão radiofónica, a "independência branca" e pedindo a intervenção da África do Sul. As Forças Armadas actuam e a tentativa fracassa "Só que era tarde de mais e o processo de independência acabou por ficar inquinado com aquele episódio."
Hoje, com 52 anos, Luís Carlos Patraquim olha para a frente e vê um país que rompeu amarras "O que interessa salvar deste processo é um momento de ruptura com o regime colonial. Isso foi conseguido." O resto, explica, é o percurso inevitável que Moçambique tinha de fazer. Afinal, "a assunção de um país é o pleno direito de assumir as suas utopias e os seus erros. Os seus enganos e os seus desenganos".
Guilherme de Melo voltou a Maputo dez anos depois a convite de Samora Machel para participar no 10.º aniversário da independência. Não havia necessidade de reconciliação, pois "nunca guardou rancor" da sua gente. Houve, sim, o reencontro com um amigo. Samora era um velho companheiro que conheceu na década de 60, quando teve um acidente de viação e ficou estendido numa cama do Hospital de Lourenço Marques "Ele era auxiliar de enfermeiro porque, como era preto, não tinha direito a um diploma*." O futuro Presidente cuidou de Guilherme: lia-lhe os jornais e discutia política; levava-lhe a arrastadeira, dado que o escritor estava impossibilitado de usar a casa de banho.
Muitos anos depois, seria o próprio chefe de Estado de Moçambique a recordar-lhe "Este malandro é o único português que teve um Presidente que lhe limpou o rabo!", contou Machel perante os antigos colegas de Guilherme, ao som das suas sonoras gargalhadas.
Luís Carlos Patraquim veio para Lisboa em 1996. Desde então, vai regressando a Maputo em trabalho ou sempre que consegue um "milagre financeiro". A distância geográfica dá-lhe outro olhar. Do lado de cá, percebeu que as guerras deixaram marcas, sobretudo o conflito civil que, após 1975, dividiu o país "Há uma espécie de esquecimento tácito em relação a este passado e, por isso, a guerra passou para o plano dos espíritos." Os vivos, esclarece, são mais pragmáticos e, "através da purificação", acolheram todos os "filhos da terra".
O colonialismo, esse, "tem as costas largas". Serve para explicar todas as enfermidades do país - as mais antigas e as mais recentes. "Enquanto as elites não conseguirem fazer uma leitura histórica do que foi o colonialismo, nunca se percebem como elite. A ocupação, apesar de injusta, trouxe elementos de modernidade, permitindo pensar o país como um todo."
E só há futuro quando o passado se reencontra com o presente. Foi o caso do contador de histórias que, quando voltou a Maputo, tinha à sua espera os colegas do jornal Notícias de Lourenço Marques. A um canto da redacção, Simone, o contínuo, abriu-lhe os braços. "Tinha a carapinha toda branca. E, quando a carapinha de um preto fica branca, é porque ele é mesmo velho..."
DIÁRIO DE NOTÍCIAS - 25.06.2005
* Nota do autor do blog: Continuo a não entender o repisar desta tese sendo que Armando Guebuza, actual Presidente de Moçambique é filho de um enfermeiro diplomado e tem como padrinho de casamento outro enfermeiro diplomado (que muitas injecções me deu), ambos já falecidos mas de uma geração anterior à de Samora Machel.
Fernando Gil
01-07-2005
Torres de marfim
Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Ao observar a rudeza com que Afonso Dhlakama tratou o mais velho Marcelino dos Santos, só posso concluir que avançámos muito em 30 anos de independência. Nas liberdades individuais, avançámos sobretudo depois da aprovação da constituição de 1990.
O bom do Afonso, nos primeiros anos da independência, arriscava-se a ir recambiado para um campo de reeducação sem guia de marcha de retorno, pelos piropos com que resolveu responder aos “mimos” que lhe dedicou Marcelino umas semanas antes, no mesmo espaço televisivo. Amor com amor se paga, estamos em democracia, logo o mais velho estava mesmo a pedi-las. Teve o troco.
Moçambique não é caso único. Em muitos outros sítios do planeta, as torres de marfim pertencem ao passado, pertencem à história. O debate de ideias e pontos de vista, não é monopólio de uns quantos eleitos e donos das verdades absolutas. Os excessos de linguagem são, por assim dizer, pequenos acidentes de percurso.
Este pequeno duelo verbal é parte de um debate mais global que finalmente está a tomar corpo no país.
Quando em 2004 foi lançada a obra sobre Uria Simango, muitos reagiram escandalizados ao “best seller” instantâneo em que se tornou o livro, mesmo sem recorrer às tradicionais chancelas, que miseravelmente, como muitos outros “businesses”, têm de andar sempre atreladas ao poder. Mais escandaloso, muitos foram os que, apesar de não renegarem o “kraal” real, discretamente mandaram comprar o livro, pedindo mesmo dedicatória de autor. Não vá o diabo tecê-las em épocas vindouras e de ventos contrários.
Os das verdades imutáveis viram-se acossados no seu próprio reduto, na versão que de algum modo foram paternalisticamente divulgando da saga recente da nação construída.
O “abanão” da obra de Nkomo, com os “mas” e os “ses” de ocasião, veio pôr a nu um fenómeno muito claro e objectivo. Há um espaço que deve, que precisa ser preenchido. Se os tais das torres de marfim não ocupam, agora que há mais liberdade e debate, alguém acaba inevitavelmente por ocupar esse espaço. Acabou o tempo dos lugares marcados “ad eternum” como naquelas reuniões em que as cadeiras da frente estão sempre desocupadas à espera das estruturas ... que muitas vezes não chegam.
O aniversário dos trinta anos de independência trouxe-nos essa lufada de ar fresco. Alguns velhos camaradas, que afinal não são tão velhos assim, foram ao baú das memórias trazer-nos as suas vivências, angústias, retalhos de história.
É bom saber mais de Nashingwea, Oyster Bay, das conversas que antecederam Lusaka, de Sitatonga, da Casa Banana. É bom cruzar os testemunhos de Marcelino, Dhlakama, Óscar Monteiro, Cristina Tembe, Mário Soares.
Nós outros agradecemos e queremos mais. Como as memórias que Janeth Mondlane continua a adiar, os relatos dos generais do apartheid, os bastidores das lutas de libertação.
Só assim poderemos fazer de facto o puzzle desafio que é a nossa história recente, um graffitti de cores carregadas, mas, por isso mesmo, mais representativo dos anos de braza da África Austral nossa.
SAVANA - 01.07.2005
Por Fernando Lima
Ao observar a rudeza com que Afonso Dhlakama tratou o mais velho Marcelino dos Santos, só posso concluir que avançámos muito em 30 anos de independência. Nas liberdades individuais, avançámos sobretudo depois da aprovação da constituição de 1990.
O bom do Afonso, nos primeiros anos da independência, arriscava-se a ir recambiado para um campo de reeducação sem guia de marcha de retorno, pelos piropos com que resolveu responder aos “mimos” que lhe dedicou Marcelino umas semanas antes, no mesmo espaço televisivo. Amor com amor se paga, estamos em democracia, logo o mais velho estava mesmo a pedi-las. Teve o troco.
Moçambique não é caso único. Em muitos outros sítios do planeta, as torres de marfim pertencem ao passado, pertencem à história. O debate de ideias e pontos de vista, não é monopólio de uns quantos eleitos e donos das verdades absolutas. Os excessos de linguagem são, por assim dizer, pequenos acidentes de percurso.
Este pequeno duelo verbal é parte de um debate mais global que finalmente está a tomar corpo no país.
Quando em 2004 foi lançada a obra sobre Uria Simango, muitos reagiram escandalizados ao “best seller” instantâneo em que se tornou o livro, mesmo sem recorrer às tradicionais chancelas, que miseravelmente, como muitos outros “businesses”, têm de andar sempre atreladas ao poder. Mais escandaloso, muitos foram os que, apesar de não renegarem o “kraal” real, discretamente mandaram comprar o livro, pedindo mesmo dedicatória de autor. Não vá o diabo tecê-las em épocas vindouras e de ventos contrários.
Os das verdades imutáveis viram-se acossados no seu próprio reduto, na versão que de algum modo foram paternalisticamente divulgando da saga recente da nação construída.
O “abanão” da obra de Nkomo, com os “mas” e os “ses” de ocasião, veio pôr a nu um fenómeno muito claro e objectivo. Há um espaço que deve, que precisa ser preenchido. Se os tais das torres de marfim não ocupam, agora que há mais liberdade e debate, alguém acaba inevitavelmente por ocupar esse espaço. Acabou o tempo dos lugares marcados “ad eternum” como naquelas reuniões em que as cadeiras da frente estão sempre desocupadas à espera das estruturas ... que muitas vezes não chegam.
O aniversário dos trinta anos de independência trouxe-nos essa lufada de ar fresco. Alguns velhos camaradas, que afinal não são tão velhos assim, foram ao baú das memórias trazer-nos as suas vivências, angústias, retalhos de história.
É bom saber mais de Nashingwea, Oyster Bay, das conversas que antecederam Lusaka, de Sitatonga, da Casa Banana. É bom cruzar os testemunhos de Marcelino, Dhlakama, Óscar Monteiro, Cristina Tembe, Mário Soares.
Nós outros agradecemos e queremos mais. Como as memórias que Janeth Mondlane continua a adiar, os relatos dos generais do apartheid, os bastidores das lutas de libertação.
Só assim poderemos fazer de facto o puzzle desafio que é a nossa história recente, um graffitti de cores carregadas, mas, por isso mesmo, mais representativo dos anos de braza da África Austral nossa.
SAVANA - 01.07.2005
30-06-2005
“NÃO HAVIA CONDIÇÕES PARA CHISSANO CONTINUAR!”
Numa entrevista inusitada, Marcelino dos Santos abriu o repositório da memória colectiva da história deste país que é, afinal, a sua trajectória política. Porque a história deste homem é a História de Moçambique pela simples razão de que não se pode falar nem de uma nem de outra sem uma alusão mútua. Dir-se-ia que estamos em presença do Sr. História de Moçambique.
Marcelino dos Santos fala de si, dos seus companheiros, do passado, do presente, mas sobretudo do que espera que seja o futuro de um pais que "ajudou a nascer e a criar". Eis as partes significativas de uma entrevista de hora e meia, que pode ser integralmente acompanhada, na próxima terça-feira, na STV.
As razões para nunca ter sido Presidente
- Quando Samora morreu, o senhor era o número dois do país, mas foi Chissano que passou a Presidente. Foi por opção pessoal ou do partido?
- Eu compreendo essa pergunta. Muita gente já me questionou porque é que não fui presidente da Frelimo. Não tenham problemas, não há conflito nenhum entre eu e Chissano, entre eu e qualquer outro membro da Frelimo. Foi uma necessidade que nós sentimos de pôr o Presidente Chissano. Se vocês querem saber mais, aí terão que esperar um pouco mais. Mas acreditem, estávamos e permanecemos unidos. O povo moçambicano dá-me uma certa liberdade para eu não falar tudo sobre este assunto.
- Coloquei essa questão porque durante muito tempo o senhor foi o número dois da Frelimo, mas não avançou após a morte de Mondlane e voltou a não avançar após a morte de Machel...
- Eu falo para dizer ao povo moçambicano que não se preocupe com isso. Não há nada de grave nisso. Um dia, quando chegar o momento, vão saber porquê.
- Esse esclarecimento será feito por si ou após a sua morte?
- Sei lá, nunca por mim sozinho mesmo se for pela minha boca, terá sempre a voz do partido.
Negociar com "bandidos armados"
- Joaquim Chissano encetou negociações com a Renamo para o fim da guerra, sobretudo por via da igreja. Havia consenso, dentro da Frelimo, para se negociar com os "bandidos armados" como chamavam à Renamo?
- Consenso havia, talvez houvesse alguma relutância por ambas as partes, porque muitos de nós pensávamos o seguinte: a Renamo é uma construção da segurança rodesiana, É muito importante que nós sublinhemos este facto: a Renamo era e é um instrumento criado pela Rodésia do Sul e que depois passou para as mãos do Apartheid.
- Mas mesmo assim, foram sentar-se à mesma mesa com esta gente...
- Pois, mas mesmo entre nós perguntávamo-nos porque é que a gente não vai falar com o criador, o apartheid, em vez da Renamo, se o patrão é o apartheid. Naturalmente que ao nível do mundo era muito difícil, já que o apartheid era o Estado da África do Sul. Era difícil as Nações Unidas aceitarem que o apartheid é que era o dono da Renamo, sendo por isso que houve consenso em aceitar-se que sim, façamos negociações com a Renamo, mas sabendo muito bem que os patrões não são eles, o dono era o apartheid.
- O senhor disse em Malehice, na homenagem a Joaquim Chissano, que não teria tido a paciência de Chissano para negociar durante 27 meses...
- Isso é verdade... (risos), porque cada um é como é. Um partido tem a responsabilidade de escolher os seus quadros em função das exigências do tempo e não há dúvida nenhuma que o camarada Presidente Joaquim Chissano tem uma paciência enorme. Nós discutimos coisas fortes no Comité Central e houve momentos em que começamos a gritar, elevando a voz sempre respeitosamente, mas Chissano sempre falava calmamente. Então, não há dúvida nenhuma que para esse período, Chissano foi, realmente, a pessoa indicada.
- Se tivesse sido Marcelino dos Santos teria roído a corda...
- Se o partido me tivesse indigitado para ir lá negociar, creio que teria feito o papel de membro do partido, mas era preciso uma luta interna muito grande para eu conseguir ser disciplinado, confesso muito francamente.
- O senhor disse também que nunca iria apertar a mão a Afonso Dhlakama. Mantém a ideia?
- Naturalmente.
- Mas porquê?
- Um indivíduo que foi criado pelo apartheid, um instrumento do apartheid, que nem personalidade moçambicana tem, com que base eu vou aceitá-lo na nossa comunidade? Normalmente, nós pensamos o seguinte: eu fiz muitos erros, traí, etc, mas pelo menos eu devo ser capaz de chegar diante do povo moçambicano e pedir desculpas por ter feito isso, pedir para ser perdoado e ser reintegrado na família moçambicana.
Os erros da Frelimo e da Renamo
- A Frelimo também cometeu erros...
- Enquanto na Frelimo cinco por cento são maus, na Renamo cinco por cento são bons e 95 são criminosos. Como é que você pode fazer uma comparação dessas?
- Eu coloco esta pergunta porque há situações de erros que a Frelimo também, se fosse por uma questão de lógica, ia pedir desculpas ao povo.
- Não, não.
- Por exemplo a Operação Produção. A Frelimo não deve pedir desculpas ao povo?
- Não, antes pelo contrário, há muitas pessoas que estão a pedir Operação Produção. Você vai a muitas províncias e encontra o povo que foi organizado no tempo da Operação Produção.
- Mas nos moldes em que ela foi conduzida, raptando pessoas nas ruas e à noite em casa das pessoas?
- Fizemos muitos erros desses, mas não para negar o princípio.
- Mas colocava na lógica de pedir desculpas.
- Na Renamo é preciso negar, é preciso recusar o princípio e a prática, mas na Frelimo não.
- Chissano saiu e entrou Guebuza. Estava-se à espera, provavelmente, de uma liderança nova. A Frelimo não é capaz de avançar para uma liderança nova no sentido de gente toda nova, completamente descomprometida com o passado do partido?
- Você tem medo do seu passado? Que gente é você? (risos), Não é por ser gente nova que se é revolucionário! Há gente jovem reaccionária. Há ou não há? É capaz de dizer o contrário? Não se pode pôr do lado dos reaccionários, mas o problema é esse, companheiro. É errado pensar que o processo de desenvolvimento de um país passa por, num momento, rejeitar os que são antigos. Há que sempre fazer a ligação entre as gerações.
- E essa ligação está sendo feita?
- Está sendo feita, sim. Mesmo que a gente a esteja a fazer com muitos erros, o princípio é este, camarada, não pode ser gente nova... gente nova... chamar qualquer reaccionário, assim? Vejamos, por exemplo, o que aconteceu com o Conselho Na- cional da Juventude. Viram de perto a evolução do Conselho Nacional da Juventude, o trabalho que foi feito pela direcção anterior. Vocês viram o trabalho que foi necessário fazer para recompor a situação no CNJ?
Nova postura para o governo
- Quando Armando Guebuza tomou posse, o Sr. Marcelino dos Santos disse que tinha entrado o governo do povo, O que quis dizer com isso?
- Porque é um governo para fazer trabalho do povo, para respeitar os interesses das massas populares.
- Chissano não estava a fazer isso?
- Chissano estava, mas ele entrou num momento muito difícil em que nós tivemos que negociar com toda essa gente, incluindo o Banco Mundial. Ora, sabe muito bem que a aceitação das relações com o Banco Mundial foi o abrir as portas à invasão do capitalismo e do imperialismo no nosso país, quer dizer, abrimos a porta para aquilo que se chama capitalismo liberal para as economias de mercado.
- Acha que foi isso que desgastou Chissano?
- Não. Foi o momento difícil que nós tivemos que suportar e, naturalmente, há coisas que eu considero que realmente não foram das melhores. Nós temos agora essa questão que se está a pôr sobre as areias pesadas em que se diz que não há espaço para os empresários moçambicanos. Como é que é possível uma coisa dessas, nem para carregar areia? De modo que é isso que nós temos que ver. É preciso criar condições para que os moçambicanos possam participar em todos os projectos que tenham lugar neste país.
- Acha que Chissano foi muito condescendente com o poder financeiro?
- Eu acho que sim, mas eram daquelas coisas… você entra num sistema e não é fácil sair de lá e realmente, nós na Frelimo, tivemos essa capacidade de que podemos transformar a situação pondo Guebuza lá para ser um homem da recuperação.
- Havia condições para Chissano avançar para um terceiro mandato?
- Eu creio que não havia condições para Chissano continuar. Precisamente porque era exigida uma nova postura do Governo. Não estou a condenar Chissano... você sabe que Chissano granjeou um prestígio imenso no planeta, Marcelino nunca seria capaz de fazer isso, daquela maneira. Todo e qualquer moçambicano deve ter orgulho disso, isso nós temos que preservar.
- Foi uma decisão pessoal de Chissano ou também do próprio partido que ele não avançasse para um terceiro mandato?
- Bom, segundo aquilo que sei, foi por vontade própria dele, porque quando o camarada Presidente Chissano apresenta ao Comité Central a sua vontade, ou melhor quando a Comissão Política informa o camarada Presidente desta mesma situação, porque foi preciso a Comissão política pedir para ser ele próprio a apresentar a coisa nasceu até ele próprio consagrar que era tempo de deixar.
- Ou seja...
- Era também sentimento nosso que para se efectivar uma real mudança, para permitir que o país passasse para a recuperação de muitos degraus perdidos, era preciso que mudássemos a direcção.
- Objectivamente, o que espera de Armando Guebuza?
- Espero que nós assumamos finalmente o poder. Que a Frelimo retome a linha que consagrou nos seus estatutos, no seu número dois: a Frelimo congrega no seu seio todos os moçambicanos de todas as classes e camadas sociais que aprovam os estatutos e programas do partido Frelimo"
- Parte significativa da classe política actual está aburguesada ou para lá caminha e, em contrapartida, o povo vegeta. Não acha que isto distorce o discurso que apregoam, em público, de combate à pobreza?
- Não, não, agora há necessidade de nos fazermos compreender a toda classe social moçambicana que todos temos interesses em estarmos juntos porque todos somos oprimidos pela mesma força, que é trazida através dum Banco Mundial e dum fundo monetário que são instrumentos do grande capital mundial.
SEMANÁRIO “O PAÍS”(Maputo) – Junho de 2005
29-06-2005
O último construtor do Império
Foi o construtor da barragem de Cahora-Bassa, assim lhe tendo cabido a sina de ter posto de pé o mais colossal empreendimento deixado por Portugal em todo o seu antigo império, que, segundo os cronistas da época, foi de Sofala a Meaco, no Japão, considerado apogeu máximo na imensidão do Índico. Em 1968, quando Castro Fontes, director do Gabinete do Plano do Zambeze e colega de profissão, o sondou sobre a hipótese de ir construir Cabora-Bassa (grafia então usada), isso só podia ter-lhe acontecido a ele. Tinha apreciável experiência na construção de barragens, incluindo a de Cambambe, no rio Cuanza, em Angola, inaugurada em 1963, por Américo Tomás.
Fernando Braz de Oliveira, de ofício engenheiro civil, tem 83 anos. Sabia dele e um pouco da história da sua vida. Mas não o conhecia nem sabia do seu paradeiro. Está aqui, à minha frente, na casa que habita em Sesimbra, incrustada numa encosta virada ao mar e àquela imensidão azul que leva para longe os pensamentos que marcaram a sua vida. Para o Songo, do outro lado do mundo.
Vê-se que já lhe falta vigor e viço à memória. Tem com ele uma espécie de «anjo-da-guarda», que lhe colmata as insuficiências e vela pelo seu bem-estar: Bacar, um negro cor de chocolate, nascido na ilha de Moçambique, com a particularidade de ser muçulmano - o que o distingue mas ao mesmo tempo o aparenta com um patrão que, sendo católico, viveu uma vida inteira de convivência ecuménica. Bacar também vale naquele cenário como uma reminiscência viva de Moçambique - representado em muitas evocações plásticas espalhadas pela casa.
O homem
Cahora-Bassa foi erguida num sítio do curso do Zambeze, situado 250 kms para cá da sua entrada em Moçambique, que a Natureza, prodigiosa e ordenada como só ela é, pareceu, com milénios de avanço, destinar a uma barragem como aquela. Foi Gago Coutinho quem primeiro deu com a magnificência do local, quando, na década de 20, a sobrevoou e por ali deambulou a pé em trabalhos de demarcação da linha de fronteira de Moçambique.
Mas uma coisa eram as providenciais condições naturais para a construção de uma barragem, outra coisa era, no fim da década de sessenta, reunir condições que permitissem avançar. Ou seja, vontade política, muitíssimo dinheiro e grande primor em segurança, dado que a zona tenderia a ser afectada pela guerrilha. A Frelimo não andava longe e, mesmo que andasse, não desdenharia atingir Cahora-Bassa.
A obra que Marcello Caetano tomou a decisão final de mandar construir (muito influenciado por Arantes e Oliveira, a seguir nomeado governador-geral de Moçambique), não é uma barragem qualquer. A construção implicava um desmesurado esforço financeiro. Mas havia severos requisitos de segurança para que tudo corresse bem. Na escolha de Braz de Oliveira está implícita a certeza de que ele «é o homem».
A sua chegada ao Songo cedo se torna notória, investido no cargo de director dos Serviços Regionais de Fiscalização da Obra de Cabora-Bassa (SRFOBC), que traduzido por miúdos significava representante local do dono da obra - o Estado Português -, por intermédio do Gabinete do Plano do Zambeze. Notória não pelos polainitos que usa invariavelmente mas por que é ele que comanda, apoiado em atributos que todos lhe reconhecem: a competência profissional, a autoridade moral oriunda do estilo de vida simples que leva, a sensibilidade humana e social que revela.
Castro Fontes, director do Gabinete do Plano do Zambeze, que primeiro lhe falou na hipótese de ir construir Cahora-Bassa, refere-se a ele em termos muito próximos: «Tinha grande competência profissional, em especial na construção de barragens; mas tinha também grandes qualidades humanas». O subdirector do gabinete, Falcão e Cunha, que acompanhou de perto as obras, faz de Fernando Braz de Oliveira um retrato ainda mais encomiástico - a que não é estranha uma antiga amizade pessoal.
O mundo do Songo
No auge dos trabalhos é um exército de mais de 7.000 formiguinhas (5.000 moçambicanos, mais 2.000 europeus de muitas proveniências) que Braz de Oliveira comanda a partir do Songo. E comanda mesmo, no sentido mais prático que a palavra pode ter. Dá sempre o exemplo e vai à frente; é acutilante na fiscalização e não facilita perante um empreiteiro que é um consórcio, a Zamco, constituído por poderosas empresas alemãs, francesas, italianas, suecas e sul-africanas.
Apesar dos efeitos erosivos do tempo nas memórias que se guardam das coisas antigas, ainda perduram em gente desse tempo e daquele lugar ecos de episódios do mando seguro de Braz de Oliveira. O paredão da barragem já oferece solidez para se começar a fazer o enchimento controlado da albufeira. O consórcio não concorda com o parecer nem com o parecer do director; as razões que invoca são teoricamente ponderosas. Braz de Oliveira não transige, ordena por escrito a operação e assume os riscos.
À frente da equipa que dirige a operação de fecho da galeria de derivação - era preciso activar remotamente mastodônticas comportas - está Braz de Oliveira. Para o seu lado convidou o bispo de Tete, D. César Augusto, que descreve assim a ansiedade daquele momento e logo a seguir o júbilo da abertura do descarregador que expeliu o primeiro jacto de água represada: «(...) empreiteiro, pessoal, autoridades, tudo atento e sustendo a respiração. Depois das comportas descerem lentamente e sem qualquer entrave, eclodiram palmas, enquanto pelas faces do director corriam lágrimas de satisfação e gratidão».
A vila do Songo, levantada de raiz para acolher em boa ordem o formigueiro humano para ali destacado, mais a parentela que veio na peugada, distava cerca de 750 quilómetros do porto da Beira, destinado a ser o ponto de descarga de material que era preciso transportar para o longínquo estaleiro da obra. A partir do Songo também era preciso implantar uma linha (dupla) com cerca de 1.000 quilómetros de extensão, que transportaria a energia produzida em Cahora-Bassa para a central Apollo, em Pretória.
O calcanhar de Aquiles
Os intrincados constrangimentos técnicos e logísticos a que a obra estava sujeita, eram, porém, muito agravados pela ameaça que a Frelimo representava como força subversiva, cuja acção se desenvolvia especialmente no Norte do território. Tendo em conta o tipo de objectivos que a sua acção visava, o modo como operava e os meios de que dispunha, era de esperar que tentasse prejudicar os trabalhos e atrasar o seu andamento, de modo a explorar politicamente isso a seu favor.
A barragem, naquela forma que tem - um paredão em forma de meia-lua a ligar dois maciços rochedos que faziam de garganta ao Zambeze - começou a ser construída em 1969. Quando ocorreu o 25 de Abril, os trabalhos de construção civil estavam praticamente concluídos. As linhas de transporte até Pretória tinham sido estendidas com um avanço de um ano. Todos os prazos do projecto foram cumpridos e o orçamento não precisou de ser reforçado. A Frelimo nunca conseguiu afectar a obra, a nenhum título.
No dia em que me encontrei com Braz de Oliveira estava presente um homem que lhe é próximo, o coronel Rodrigo da Silveira, a quem couberam responsabilidades primaciais na montagem e operação do dispositivo de defesa e segurança para cuidar de Cahora-Bassa. A concepção militar do sistema e o empenhamento para que funcionasse, ligaram a Cahora-Bassa outro homem: Kaúlza de Arriaga.
O abencerragem
Braz de Oliveira é um típico abencerragem desses exaltados «construtores do império». A revolução e a sanha anticolonialista que a marcou fizeram dele e de outros como ele gente votada ao esquecimento, de cuja memória ninguém cuida ou quer saber. Os santos, heróis e mártires são agora outros - até as efemérides, de cuja lista não fazem parte evocações do passado.
A seguir ao 25 de Abril e por todo o tempo ainda que foi preciso para dar inteiramente por concluído o empreendimento (faltava a central), Braz de Oliveira manteve-se no «seu» Songo de anos passados. Como julgou que lhe competia, indiferente às conturbações que aí vinham. E é desse Songo e daquele monstro imponente que pôs de pé que lhe devem vir as saudades que o vão moendo no refúgio de Sesimbra, na companhia de um negro que com ele veio de Moçambique.
Xavier de Figueiredo
EXPRESSO ÁFRICA -18 Junho 2005
28-06-2005
«Nada me pesa na consciência», afirma o ex-presidente Mário Soares
O ex-Presidente português Mário Soares, um dos principais negociadores da independência de Moçambique, de que passam hoje 30 anos, afirmou em Maputo que não se sente arrependido do processo e que nada lhe pesa na consciência.
Durante uma palestra que proferiu na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Soares recordou as negociações de Lusaca, em 1974, entre o Estado português e a FRELIMO.
"Eu não dei, nós negociámos a independência", afirmou, respondendo a uma pergunta do porta-voz da RENAMO, Fernando Mazanga, sobre a opção tomada em 1974, que privilegiou na negociação a FRELIMO, então o movimento de guerrilha em Moçambique.
"Não estou arrependido, nada me pesa na consciência", afirmou Soares, que se encontrava rodeado pelo reitor da Universidade Eduardo Mondlane e pelo ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano.
"Obrigado, moçambicanos, por vos terdes tornado independentes, por que não é livre um povo que oprime outro", acrescentou o ex- Presidente da República portuguesa, associando as lutas anti-coloniais às dos portugueses que combatiam o regime de ditadura de António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano.
Num balanço sobre os últimos 30 anos no continente africano, Soares considerou, no entanto, que "as populações não vivem melhor do que viviam, talvez pelo contrário" e criticou a globalização que disse ter apenas um sentido.
"A globalização, na sua versão neo-liberal, que é a dominante, não tem sido nada favorável para África", considerou Soares.
"Não é possível impor uma boa governação de que tanto falam certos politólogos e burocratas sem resolver a fome no Mundo", defendeu.
"Não é o G-7, ou G-8, que confunde cooperação com caridade, que pode resolver esses problemas. É a ONU e as suas agências especializadas", acrescentou.
Na ocasião, foi assinado um protocolo de cooperação entre a Fundação Mário Soares e a Universidade Eduardo Mondlane, a maior instituição académica de Moçambique, que incide no apoio mútuo na área da recuperação de arquivos e na história contemporânea dos dois países, bem como em outras acções.
A Fundação Mário Soares é um dos principais promotores das iniciativas que, no próximo ano, vão assinalar os 70 anos do pintor moçambicano Malangatana Valente, com acções em Moçambique e em Portugal.
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 25.06.2005
Durante uma palestra que proferiu na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Soares recordou as negociações de Lusaca, em 1974, entre o Estado português e a FRELIMO.
"Eu não dei, nós negociámos a independência", afirmou, respondendo a uma pergunta do porta-voz da RENAMO, Fernando Mazanga, sobre a opção tomada em 1974, que privilegiou na negociação a FRELIMO, então o movimento de guerrilha em Moçambique.
"Não estou arrependido, nada me pesa na consciência", afirmou Soares, que se encontrava rodeado pelo reitor da Universidade Eduardo Mondlane e pelo ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano.
"Obrigado, moçambicanos, por vos terdes tornado independentes, por que não é livre um povo que oprime outro", acrescentou o ex- Presidente da República portuguesa, associando as lutas anti-coloniais às dos portugueses que combatiam o regime de ditadura de António de Oliveira Salazar e Marcello Caetano.
Num balanço sobre os últimos 30 anos no continente africano, Soares considerou, no entanto, que "as populações não vivem melhor do que viviam, talvez pelo contrário" e criticou a globalização que disse ter apenas um sentido.
"A globalização, na sua versão neo-liberal, que é a dominante, não tem sido nada favorável para África", considerou Soares.
"Não é possível impor uma boa governação de que tanto falam certos politólogos e burocratas sem resolver a fome no Mundo", defendeu.
"Não é o G-7, ou G-8, que confunde cooperação com caridade, que pode resolver esses problemas. É a ONU e as suas agências especializadas", acrescentou.
Na ocasião, foi assinado um protocolo de cooperação entre a Fundação Mário Soares e a Universidade Eduardo Mondlane, a maior instituição académica de Moçambique, que incide no apoio mútuo na área da recuperação de arquivos e na história contemporânea dos dois países, bem como em outras acções.
A Fundação Mário Soares é um dos principais promotores das iniciativas que, no próximo ano, vão assinalar os 70 anos do pintor moçambicano Malangatana Valente, com acções em Moçambique e em Portugal.
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 25.06.2005
25-06-2005
Mário Soares e o processo de descolonização
«Foi uma coisa espectacular e inesperada porque o (ex-presidente Zambiano Keneth) Kaunda estava a espera que aquilo fosse uma coisa formal à inglesa (...) e nós avançamos um pouco e demos um abraço com a maior fraternidade», disse Soares ao EXPRESSO África referindo-se ao início das negociações.
O ex-presidente de Portugal e que liderou as negociações de Lusaka afirmou que tal aproximação se deveu ao desejo mútuo de um rápido acordo e porque ambas as partes combatiam por uma causa que era comum: o colonialismo e o fascismo português.
O clima permitiu que «a descolonização e transição para a independência (de Moçambique) fossem concretizados com relativa facilidade e enorme rapidez», acrescentou.
Aliás, Mário Soares considera que «a descolonização foi muito tardia» e ocorreu «num quadro internacional pouco favorável», o que explica as dificuldades que se seguiram.
Soares explicou que se a descolonização tivesse sido realizada cerca de duas décadas antes «teria sido preparada com tempo e em diálogo aberto com as populações, evitado as guerras de parte a parte» e os subsequentes traumas.
O ex-presidente português afirmou voltar a Moçambique «com muita emoção» para assistir a uma cerimónia de celebração da independência, depois de ter integrado também a delegação portuguesa que se deslocou a Maputo para a transferência do poder, a 25 de Junho de 1975.
Depois deste «lapso histórico para Moçambique, mas também para Portugal», o ex-governante português considera que «as coisas correram bem, com baixos e altos, mas estão a andar».
«A democracia em Moçambique está a consolidar-se, já há paz há uns anos a esta parte e portanto há todas as condições para que agora haja um surto de maior progresso para Moçambique», disse Mário Soares, que lamentou no entanto que 30 anos depois da descolonização e devido a um processo de globalização neo-liberal que não favorece África, as populações africanas no geral não estejam a viver melhor do que viviam.
EXPRESSO ONLINE - 24.06.2005
20-06-2005
Brava herança lusitana
MARCELO HENRIQUES DE BRITO*
Hoje é o Dia de Portugal, Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, ocasião propícia para refletir sobre o legado português. Ao longo da história, os portugueses demonstraram uma enorme determinação, capacidade e habilidade para "fazer mais com menos" ao administrar desde grandes e longínquos territórios (como colônias) até negócios pequenos e próximos de residências (como padarias). Vários portugueses comerciantes apresentaram uma louvável disposição para iniciar e desenvolver negócios com êxito. Para tal, enfrentavam longas jornadas de trabalho, sem esmorecer e com muita organização. Este estilo de gestão era também adotado por suas esposas que, com arte, planejamento e dedicação amorosa, preparavam receitas deliciosas, costuravam roupas bonitas e educavam seus descendentes para serem pessoas "d"honra e vergonha" bem-sucedidas. Luís de Camões cantou o perfil desse povo que tivera coragem para vencer o medo do descon! hecido e desenvolvera navios e técnicas de navegação na Escola de Sagres, constituindo um brilhante exemplo de gestão da inovação com objetivo empresarial. Enquanto realizava comércio lucrativo, buscava novos mercados e ampliava fontes de matérias-primas, a reduzida população defendia a integridade da pequena terra na Europa e valorizava a vida bucólica, o que também fez Eça de Queiroz em "A Cidade e as Serras". Ao conciliarem a centralização com a descentralização (quando se decide com agilidade e escassez de recursos), os portugueses conseguiram, durante séculos, gerir grandes áreas no mundo, miscigenando-se em geral com a população local na solução de problemas. É exemplar a união de escravos e índios aos portugueses e luso-descendentes para expulsar os holandeses de Pernambuco em 1648 na vitoriosa Batalha dos Guararapes, que lançou as bases do ideal de ser brasileiro.
Habilidade portuguesa
Em 1808, o estadista D.João VI, antecipando-se ao Commonwealth (que até hoje une ao Reino Unido países como Canadá e Austrália), concebeu uma estratégia de preservação da integridade de territórios sob influência portuguesa, a qual impediu o desmembramento do Brasil, na contramão do ocorrido na América Espanhola. Sua vinda ao Brasil transformou o Rio de Janeiro de forma memorável, como registrei no livro "Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política". O reconhecimento em 1825 da independência do Brasil revelou a habilidade portuguesa para negociar situações difíceis.
Por saber negociar, Portugal mediou entre 1864 e 1865 o restabelecimento das relações entre o Império brasileiro e a Inglaterra, após o Governo brasileiro ter cortado relações em 1863, devido a um infeliz incidente diplomático em 1861 (Caso Christie). Foi ainda mais importante a ação incisiva de Portugal para fazer os ingleses reconhecerem, em 1896, a soberania brasileira sobre a Ilha da Trindade na costa do Espírito Santo, que os ingleses haviam ocupado em 1895.
Felizmente, o Brasil não tem hoje uma tensão diplomática similar àquela em torno das Ilhas Malvinas. É preciso reconhecer a contribuição generosa do Governo português, lembrando que o Brasil rompera relações diplomáticas com Portugal entre 1894 e 1895, devido ao fato de a Marinha portuguesa ter acolhido protagonistas da Revolta da Armada, embora a Monarquia portuguesa houvesse reconhecido a República brasileira, dias após a primeira eleição republicana em setembro de 1890.
Apesar da neutralidade na Segunda Guerra Mundial, Portugal aceitou em 1942 o encargo de representar o Brasil perante os Países do Eixo, no caso de rompimento de relações diplomáticas. Continuando a tradição de evitar rupturas com conseqüências nefastas, um regime ditatorial e colonialista foi encerrado com profícuas negociações na chamada Revolução dos Cravos de 1974, a qual pode te! r influenciado a transi ção política na Espanha e a abertura democráti ca no Brasil n! a década de 70.
Surge a reflexão: a inata capacidade brasileira para gerir conflitos teria raízes lusitanas?
Finalizando, saltam aos olhos os laços de amizade, cooperação e consulta viabilizados pela escrita e fala da língua portuguesa. O belo idioma fortalece o entendimento e o afeto entre inúmeras pessoas dispersas pelo mundo. Por compartilhar esse idioma, "taí", a portuguesa Carmen Miranda fez tudo para o mundo gostar dos brasileiros! E os brasileiros têm motivos para cultivar relacionamentos sólidos com a Comunidade Portuguesa, com a qual devem ser desenvolvidas relações políticas e econômicas de forma a zelar por uma identidade, pois como já exprimiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é minha língua".
Por saber negociar, Portugal mediou entre 1864 e 1865 o restabelecimento das relações entre o Império brasileiro e a Inglaterra, após o Governo brasileiro ter cortado relações em 1863, devido a um infeliz incidente diplomático em 1861 (Caso Christie). Foi ainda mais importante a ação incisiva de Portugal para fazer os ingleses reconhecerem, em 1896, a soberania brasileira sobre a Ilha da Trindade na costa do Espírito Santo, que os ingleses haviam ocupado em 1895.
Felizmente, o Brasil não tem hoje uma tensão diplomática similar àquela em torno das Ilhas Malvinas. É preciso reconhecer a contribuição generosa do Governo português, lembrando que o Brasil rompera relações diplomáticas com Portugal entre 1894 e 1895, devido ao fato de a Marinha portuguesa ter acolhido protagonistas da Revolta da Armada, embora a Monarquia portuguesa houvesse reconhecido a República brasileira, dias após a primeira eleição republicana em setembro de 1890.
Apesar da neutralidade na Segunda Guerra Mundial, Portugal aceitou em 1942 o encargo de representar o Brasil perante os Países do Eixo, no caso de rompimento de relações diplomáticas. Continuando a tradição de evitar rupturas com conseqüências nefastas, um regime ditatorial e colonialista foi encerrado com profícuas negociações na chamada Revolução dos Cravos de 1974, a qual pode te! r influenciado a transi ção política na Espanha e a abertura democráti ca no Brasil n! a década de 70.
Surge a reflexão: a inata capacidade brasileira para gerir conflitos teria raízes lusitanas?
Finalizando, saltam aos olhos os laços de amizade, cooperação e consulta viabilizados pela escrita e fala da língua portuguesa. O belo idioma fortalece o entendimento e o afeto entre inúmeras pessoas dispersas pelo mundo. Por compartilhar esse idioma, "taí", a portuguesa Carmen Miranda fez tudo para o mundo gostar dos brasileiros! E os brasileiros têm motivos para cultivar relacionamentos sólidos com a Comunidade Portuguesa, com a qual devem ser desenvolvidas relações políticas e econômicas de forma a zelar por uma identidade, pois como já exprimiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é minha língua".
*Administrador, engenheiro, diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e sócio da Probatus
19-06-2005
Negros e livres no Brasil colonial
Adelto Gonçalves*
Escravos e libertos no Brasil colonial (The Black Man in Slavery and Freedom in Colonial Brazil), de A.J.R. Russel-Wood, foi um livro extremamente importante no estudo dos indivíduos livres e libertos de origem e ascendência africana quando saiu à luz, nos Estados Unidos, em 1982. Tanto que é largamente citado nas bibliografias dos trabalhos que se escreveram sobre o tema nos últimos 23 anos. Mas, desde então, acumulou-se uma rica e crescente bibliografia, não só empreendida por alguns historiadores norte-americanos como, principalmente, por pesquisadores brasileiros, baseada em pesquisas meticulosas de arquivos numa dimensão que não havia sido alcançada por Russel-Wood.
Que um livro tão importante para a historiografia brasileira seja publicado só agora no Brasil, é culpa que, obviamente, não cabe ao seu autor, mas apenas à miopia dos editores brasileiros especializados em História. Tivesse obtido tradução em português em seu devido tempo, na década de 80, por certo, teria sido muito mais útil aos pesquisadores que desenvolveram trabalhos de mestrado e doutorado em História, ainda que muitos se tenham valido da edição em inglês.
Nem por isso deixa de ser leitura importante e fecunda que ainda pode oferecer algumas idéias e pistas para novos trabalhos, tal a enormidade de fontes e conclusões que o pesquisador norte-americano apresenta. Figura afável, Russel-Wood, 76 anos, é sempre lembrado com carinho por aqueles que tiveram a sorte de cruzar com ele nos arquivos do Brasil e Portugal. E, embora ainda em atividade, já deixou sucessores de grande porte como o pesquisador Ernst Pijning, holandês de origem e hoje professor da Minot State University, em Dakota do Norte, EUA, especialista na questão do contrabando no Brasil do século XVIII, de quem o brazilianist foi orientador no doutoramento na Johns Hopkins University.
Pesquisador responsável e atento, Russel-Wood, em razão das descobertas mais recentes, decidiu que, se o seu livro teria de, finalmente, ganhar edição brasileira, não poderia mais sair do jeito que havia sido publicado em 1982. Por isso, escreveu um epílogo que é mais um novo capítulo, de 54 páginas, em que admite que teve de fazer uma revisão completa de seu entendimento do processo de manumissão e da contribuição dos libertos (nos documentos da época, quase sempre, chamados de forros) e dos não-brancos livres à economia, à sociedade e à cultura do Brasil colonial.
Em seu epílogo, Russel-Wood tratou de rever a nova historiografia concernente aos tópicos discutidos em seu livro, sem deixar de ressaltar como os novos achados acadêmicos o levaram a modificar suas abordagens anteriores. De fato, à época em que escreveu seu livro, ainda estavam presentes na historiografia alguns estereótipos sobre a família patricarcal, as condições da escravatura e a posição dos indivíduos de ascendência africana livres na sociedade escravocrata do Brasil colonial.
Como observa Russel-Wood, há dois temas que percorrem o seu livro. Um é até que ponto os escravos e pessoas livres negociavam e tomavam decisões com base em suas prioridades e não no contexto de um dono ou como reflexo de valores europeus. O outro tema diz respeito à fluidez das relações no Brasil colonial. A essa época, o fato de algo ser legal ou ilegal podia depender menos do ato que da posição do indivíduo ou do contexto da suposta transgressão.
Para Russel-Wood, não estava menos sujeito a interpretações o conceito de “corrupção”. Quais eram as circunstâncias que determinavam se uma prática comercial era lícita ou ilícita? Pensando bem, ainda hoje é assim no Brasil: há uma classe social que sempre paira acima da lei. Ou, como se dizia à época da conjuração mineira de 1789: a lei é sempre para os que estão por baixo.
Russel-Wood lembra que os indivíduos de ascendência africana que nasceram livres ou conquistaram a liberdade viveram uma época e num lugar em que sua posição era ambígua e incerta. De fato, no Brasil colonial, a distinção legal entre um escravo e uma pessoa livre era nebulosa ou ignorada em alguns decretos reais e éditos de governadores, enquanto em outros casos o fato de um infrator ser escravo ou livre era decisivo para determinar sua punição.
Diz o pesquisador que exatamente por serem indivíduos livres aos olhos da lei mas ainda inalienavelmente associados ao fato de que seus antepassados haviam sido escravos, para os nascidos livres ou alforriados a cor da pele assumia importância adicional. A pele mais escura ou mais clara poderia alterar a escala pela qual teriam negado ou garantido o acesso a certas oportunidades. Ou seja, a liberdade dessas pessoas era vulnerável e podia ser revogada ou alterada.
Em conclusão, Russel-Wood diz que há indícios suficientes de que as pessoas livres e libertas, homens e mulheres, nascidas na África e no Brasil, tiveram a oportunidade de toma decisões, negociar e, por seus atos, assumir certo grau de controle sobre a vida. Ou seja, no Brasil, “houve um mundo que o africano criou”, diz Russel-Wood, parodiando famosa frase do antropólogo Gilberto Freyre. Muitos, mesmo enfrentando um ambiente hostil, montaram negócios e constituíram famílias. Mas pouquíssimos ficaram muito ricos e tornaram-se famosos além de seu local de residência. Para a maioria, a condição legal de ser livre não os poupou de uma vida cotidiana precária, de pobreza e até de miséria.
Ainda hoje no Brasil, o panorama não é muito diferente. A igualdade das pessoas perante a lei ainda é fluida, ou seja, varia de acordo com a condição social, o que vale para negros, pardos e brancos. Recentemente, no dia 14 de abril de 2005, num jogo de futebol entre São Paulo e Quilmes, da Argentina, no estádio do Morumbi, em São Paulo, pela Taça Libertadores da América, o jogador argentino Desábato xingou o atacante brasileiro Grafite com palavras racistas, o que motivou a sua prisão por um delegado de polícia a pedido do jogador são-paulino. Tudo feito à frente das câmeras da TV com muito estardalhaço.
Aproveitando esse fato numa aula de Antropologia, perguntei numa prova aos alunos se eles acreditavam que a reação de Grafite faria eclodir um novo paradigma na sociedade brasileira. Ou seja: se a partir daquele fato as diferentes situações de discriminação e constrangimento a que estão expostas as pessoas negras no Brasil receberiam o mesmo tratamento dado àquele caso?
A resposta unânime foi de que aquilo só acontecera porque, primeiro, o jogador Grafite era rico e famoso e, depois, porque se dera sob os olhos da mídia. E que, em circunstâncias normais, um negro pobre ou remediado, mesmo se insultado em seu cotidiano, não levaria o caso adiante não só porque teria de contratar os serviços (sempre custosos) de algum advogado como também não acreditaria na boa fé das autoridades policiais e muito menos da Justiça. Em outras palavras: não mudamos muito desde a época do Brasil colônia.
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ESCRAVOS E LIBERTOS NO BRASIL COLONIAL, de A.J.R. Russell-Wood, tradução de Maria Beatriz Medina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 473 págs., 2005. E-mail: record@record.com.br
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*Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail:adelto@unisanta.br
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