Almoço de apoio ao ex-primeiro-ministro juntou, segundo a organização, mais de 400 pessoas em Lisboa. Mário Soares e Almeida Santos entre os presentes. Sócrates falou de Justiça e de política. Criticou Cavaco, diz estar a preparar a campanha eleitoral da direita.
OPINIÃO
Cartas à Directora
Um editorial diferente
Gostei imenso do editorial do PÚBLICO de 18/11. Decididamente (curioso, o título também assim começava) denunciou um ponto crucial da cultura das nossas sociedades chamadas de ocidentais: porque aceitamos factos de ficção que, quando a realidade imita ou ultrapassa esta, nos fazem "encolher" e censurar como excessos que devemos esconder para não lembrar más ideias? Porquê retirar ou titular eufemisticamente filmes e canções quando o terrorismo desaba sobre nós? Má consciência dos interesses económicos que nunca se importam de mostrar massacres e traições como "divertimento" mas que, por pudor ou outra razão, não podem ser mostrados ou cantados quando se tornam realidades recentes?
Tenho para mim que esta atitude ambivalente faz parte dum statu quopertencente à mesma "família" de pensamento em que tudo é defensável desde que seja na "casa do vizinho" ou, dum modo mais popular, "pimenta no cu dos outros...". Saibamos o que queremos mas, culturalmente, haja coerência em que palavras como "explosões", "tiroteios" "bombas" signifiquem sempre a mesma coisa e não coisas diferentes ora sejam divertimento ficcional ora tragédia real.
Fernando Cardoso Rodrigues, Porto
Os feriados e o aborto
Enquanto alguém decide, ou ajuda a decidir, se interessa ou não este país ter um Governo, o Parlamento, para não estar só à espera, rectifica o que “antes” não havia que ter sido mexido. (…)
Relativamente aos 4 feriados que foram abolidos, suspensos ou retirados para a troika ver que se estava muito tempo no local de trabalho, mesmo sem trabalhar, é urgente que sejam repostos. A propósito, “cortar” quatro feriados para fazer a produtividade aumentar, foi um erro. A nossa produtividade diminuiu. E porquê? Porque temos que ter melhor organização empresarial, melhor vontade de fazer mais e melhor em menos tempo e não o contrário, que é estar muito tempo no local de trabalho – quase como castigo – para não produzir.
Espera-se, assim, que a reposição dos quatro feriados seja um facto. A Alemanha tem muitos mais feriados que nós e tem uma produtividade superior em 32%!
Quanto ao aborto, que nunca por nunca deve ser um método anticonceptivo, só é feito pela mulher que livremente o quer fazer, e não tem que se ir alterando o que foi aprovado em referendo de forma a acabar com que aí foi decidido, ou seja, vir a proibir o aborto.
Temos que, todos neste país, (…) que mudar mentalidades e atitudes, pensar, pensar, e fazer, fazer.
Não nos deixarmos arrebanhar, formatar. Termos vontade de ser diferentes para melhor. De actuar sempre que seja para obter resultados positivos e não só por parecer que se vai agradar a alguém ou magoar outrem.
Temos, todos, que ajudar a fazer um País melhor, com causas de máxima importância e positivos efeitos/resultados, em vez de andarmos crispadamente a perder tempo com o secundário por não haver coragem em tratar do essencial.
Augusto Küttner de Magalhães, Porto
Um ano e um dia depois de ter sido detido no aeroporto de Lisboa, o antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates esteve neste domingo a almoçar com centenas de pessoas, na antiga FIL, em Lisboa. Antes de todos se sentarem nas mesas redondas, e depois de muitas palmas e vivas a Sócrates, o homenageado fez um discurso de meia hora, no qual leu passagens do inquérito sobre violação do segredo de Justiça e ainda finalizou a intervenção, falando sobre a actual situação política: “A minha voz está de volta ao debate público”, avisou. “Se o objectivo de alguém foi” que ela “fosse calada”, tal não vai acontecer, garantiu várias vezes.
Foi no final do discurso, dentro da sala, que teceu duas considerações sobre o actual momento político: segundo José Sócrates, golpe político não é o que o PS, apoiado pela esquerda, está agora a fazer, como consideram algumas vozes discordantes, mas sim o que a direita fez em 2011. Referia-se à crise política que levou o seu Executivo a demitir-se, após o chumbo do PEC IV - "acordo que protegia o nosso país da chegada da troika", disse - e que levou à marcação de eleições antecipadas.
Sobre o “impasse” e a “demora” do Presidente da República em tomar uma decisão sobre a situação política do país, ironizou: se Cavaco Silva quisesse ser aconselhado, convocava o Conselho de Estado. A intenção, diz, é só “enfraquecer” a solução governativa à esquerda (a "única solução"), “é mostrar que ela é muito anormal, muito estranha, para construir as bases da campanha eleitoral que a direita um dia fará contra o futuro Governo que ainda não o é.”
Um Presidente, continuou, “que se comporta com base no ressentimento” leva "sempre ao isolamento". E José Sócrates “nunca” viu “um Presidente tão só”. A terminar “tão só”. Antes tinha dito que foi “uma década perdida” para a Presidência da República, “a instituição de que o país precisava e faltou nos momentos críticos e chave” e que “está a faltar”.
Também quando falou sobre Cavaco, recuou até 2011: “Afinal de contas, deu-lhe tanto trabalho pôr lá a direita em 2011 que agora lhe custa o trabalho de tirar de lá a direita e pôr de novo a esquerda em 2015."
Quando José Sócrates saiu do carro, acompanhado pelo histórico socialista Mário Soares, a comunicação social desatou a correr. Soares entrou por outra porta, os jornalistas cercaram o ex-primeiro-ministro. Prometeu falar mais lá dentro. E falou: de Justiça, da actual situação política.
Já Mário Soares disse apenas, na sala, que estava ali por amizade, não quis falar mais. O ex-primeiro-ministro não o esqueceu, quando discursou, e dirigiu-lhe uma palavra, ao amigo que esteve com ele desde início. Antes, e à entrada para o almoço, outro histórico socialista, Almeida Santos, explicou aos jornalistas que estava ali, porque Sócrates “merece”.
"Celebrar a amizade"
A fila para o almoço avança devagar. Misturam-se rostos conhecidos da política nacional, socialistas - Alberto Costa, Mário Lino, Paulo Campos, Vitalino Canas, o secretário-geral da UGT, Carlos Silva - com os de gente anónima. Teresa Oliveira, reformada de 66 anos, a viver em Lisboa, decidiu participar no almoço organizado pelo movimento cívico “José Sócrates Sempre”. “Ele foi o nosso melhor primeiro-ministro. Foi um reformista. Melhorou tudo, até o meu estado de alma”, diz. E acrescenta: “Não houve nenhum como ele.” Ao lado, Fátima Ferraz, que se deslocou do Porto, concorda: “As reformas que ele fez pelo país, é preciso coragem. É um indivíduo com visão de futuro. Pelo progresso, que pôs o país à frente”, diz a professora reformada de 65 anos.
Quando entra na sala, toda a gente aplaude o antigo-primeiro-ministra. Grita-se: “Sócrates, Sócrates, Sócrates” ou “Sócrates, amigo, o povo está contigo.” Ouve-se também: “Soares é fixe.” Mário Soares e Almeida Santos cruzam-se e abraçam-se. José Sócrates desdobra-se em cumprimentos.
Pouco depois, começa a falar. Nem sabe para onde se virar, vai ter de ficar de costas para alguém, pede desculpa por isso. Agradece a todos por “nunca” terem deixado de o apoiar. Agradece o que fizeram por ele e pelo “Estado de Direito”, pela “Justiça”. Está ali para “celebrar a amizade”. E ao longo do discurso vai sempre deixando claro que não se vai calar nem dar por vencido: “Aqueles que quiseram isolar-me não tiveram sucesso.”
Na intervenção não faltaram, claro, inúmeras críticas ao sistema de Justiça, por haver quem ache “normal” prenderem um ex-primeiro-ministro e, “ao fim de um ano, nem os factos, nem as provas, nem a acusação”. Sócrates lamenta que tal “desprestigie internacionalmente o Estado de Direito português” e fira “os valores” do Estado de Direito. Por que não apresentam provas? “Porque não as têm”, garantiu.
“Se há provas neste processo é de que todas as alegações foram falsas, gratuitas, que não tinham fundamentação e que foram injustas”, frisou. “É uma vergonha que um ano depois nem provas, nem factos”, reiterou mais à frente nas palavras que dirigiu aos apoiantes.
Foi na parte relativa à Justiça que Sócrates aproveitou para ler partes do inquérito. Começou por salientar que “hoje toda a gente tem acesso ao processo", porque "deixou de estar em segredo de justiça interno e vários jornalistas, como são assistentes, encarregaram-se" de o divulgar. "Bom, gostaria de vos ler umas frasezinhas do inquérito, não correndo o risco de violar o segredo de justiça, pela simples razão de que o que vou dizer já veio nos jornais e já passou na televisão".
E leu de seguida frases do "principal investigador": “Descobrir o autor ou autores da reiterada divulgação dos factos em investigação não nos parece difícil de apurar, porque de forma directa ou indirecta, intencional ou negligente, só poderá haver três responsáveis, eu próprio, o titular do inquérito, o procurador ou o juíz do tribunal de instrução criminal." "Afinal de contas", questiona Sócrates: "Quem é que andava a perturbar o inquérito?”. E lamentou que tal não tivesse sido investigado.
Um ano e um dia depois de ter sido detido, o ex-primeiro-ministro garante que vai dar entrevistas, defender-se: “Se acharam que me calava, estavam enganados”. De pé a ouvi-lo, os apoiantes batem palmas e gritam de vez em quando: “Sócrates, Sócrates, Sócrates”. Por vezes é até difícil perceber bem o que diz o ex-primeiro-ministro. A prisão, continuou, “serviu para aterrorizar, desmoralizar”. Mas, e volta a garantir: “Eu não me vou calar.”
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