A visita de Estado do Presidente
Nyusi à África
do Sul de 21 a 23 de Outubro
teve no seu fulcro
uma humilhação inesperada. Levaram
o Presidente Nyusi e a sua
comitiva com uns 60 empresários,
mais os altos funcionários que o
acompanhavam ao local das obras
da futura central térmica de carvão
de Medupi, a 360 quilómetros de
Pretória.
Medupi é um monumento gigantesco
à alta corrupção do reino de
Zuma. Com mais de cinco anos de
atraso na obra e um excedente de
já 50% sobre a verba orçamentada,
serviu para encher as caixas do
partido ANC, por intermédio do
seu braço empresarial “Chancellor
House”, imposto como parceiro
BEE (emponderamento negro) na
obra. A partir de 2018, Medupi deverá
produzir 4.000 MW (4 GW)
de energia eléctrica queimando
mega quantidades de carvão de
baixo teor calorífico. Contribuirá
assim substancialmente à degradação do ambiente e dos recursos de
água na nossa região, aumentando
mesmo os riscos do aquecimento
global.
A visita a Medupi serviu para confrontar
a delegação moçambicana
com a brutalidade das opções energéticas
do ANC. A estratégia energética
do ANC, baseada no carvão
e no nuclear, fundamenta-se nos
interesses da indústria do carvão na
África do Sul e nos favores sem limites
que os lobbies da energia nuclear
estão a prometer. Estas opções
na realidade rejeitam a opção regional
da produção de energia limpa e
económica a partir dos jazigos do
gás natural do Rovuma, quinta ou
sexta maior reserva de gás natural
no mundo.
Na melhor das hipóteses, o custo da
ESKOM para a geração de energia
a partir de Medupi será de 1,22
Randes por KWh, mas é provável
que atinja 1,60 Randes por KWh.
Um cálculo recente dum eventual
custo da energia que poderia ser
produzida na África do Sul a partir
do gás fornecido através dum gasoduto
Norte-sul (com um período
de implementação de apenas dois
anos), conclui num preço máximo
de 1,10 Randes por KW/h, inclu-
ída a amortização do investimento
(totalizando uns 10 mil milhões de
Dólares).
Para a opção nuclear do ANC, que
prevê a instalação de oito centrais
nucleares a partir de 2016 e dentro
de um período mínimo de constru-
ção de 14 anos, o investimento não
será inferior a 120 mil milhões de
Dólares. Este investimento é pelo
menos dez vezes superior ao custo
da opção da integração energética
a partir do gás do Rovuma, sem
sequer ter em conta o benefício
económico indirecto que poderia
resultar dum aumento das transferências
entre as economias dos dois
países.
A visita a Medupi manifestou o
tradicional papel da África sul de
valentão regional. Mas exactamente
por isso, levanta a importante
questão sobre a partilha dos benefí-
cios resultantes do fornecimento de
energia a partir de Cahora Bassa.
Cahora Bassa
Desde o novo acordo de fornecimento
de 2007, a ESKOM da
África do Sul compra a energia de
Cahora Bassa ao preço de 0,1256
Randes por KW/h, um preço que
já em 2007 era absurdo, tendo em
conta os níveis de preço da energia
produzida na África do Sul bem
como ao nível mundial. Correntemente,
os preços médios da energia
estão a 32 cêntimos do Dólar na
Alemanha, 20 cêntimos na França,
16 no Brasil e 14 na Rússia. Quer
isso dizer que um preço realista
seria de pelo menos 1,80 Randes
por KW/h, em vez de ser 0,1256
Randes.
A energia a partir da Central Térmica
de Ressano Garcia está a ser
vendida na base de 1,49 Randes
por KW/h. A enorme diferença
entre os 0,1256 cêntimos do Rand
vencidos pela energia de Cahora
Bassa e os 1,49 Randes cobrados
pela energia de Ressano Garcia re-
flecte o verdadeiro valor da energia
no mercado.
O preço da energia de Cahora Bassa
anterior a 2007 era inicialmente
de 0,036 Randes por kwh, um
montante na realidade simbólico.
O preço de 0,036 Randes tinha
sido imposto pela África do Sul
na base da guerra de destabilização
que promovia em Moçambique,
tendo a África do Sul a partir de
1982 arruinado e paralisado por
completo a economia de Moçambique.
Em 1982 a quantia de 0,036 Randes
era equivalente a 3 cêntimos no
dólar americano, estando o Rand
quase a 1:1, ou seja a par com o
Dólar. O preço a partir de 2007,
de 0,1256 Randes, era na altura
equivalente a 0,017 USD. Hoje, em
2015, é equivalente a 0.009 USD.
Quer dizer que o preço caiu de um
nível de pouco menos de 2 cêntimos
do Dólar para pouco menos de
1 cêntimo no Dólar.
Quer dizer que hoje em dia a
ESKOM só está a pagar 1/3 do
que pagava pela mesma energia em
1982. Ou em outras palavras, o governo
do ANC triplicou a injustiça
praticada pelo governo do Apartheid!
Para se ter a noção da dimensão
da pilhagem da energia de Cahora
Bassa, é preciso lembrar que o pre-
ço real e valor de mercado da energia
eléctrica, mesmo no contexto
regional do SADC, é 15 vezes superior
ao que está a vencer na venda
dessa energia à África do Sul através
da longa linha de transmissão a
partir da Cahora Bassa.
Para dificultar a prevalência de
considerações comercias normais,
a linha de transmissão da Cahora
Bassa foi concebida e construída
propositadamente de tal forma a
tornar inviável qualquer abastecimento
de energia no território nacional
moçambicano a partir dessa
linha de transmissão.
Isto quer dizer que a África do Sul
continua confortavelmente e sem
risco de competitividade a receber
1,3 GW (o que representa uns 5%
do seu consumo nacional de energia)
a partir de Cahora Bassa. Ao
preço actual, equivale a um valor
anual de 1.430.332.800 Randes,
ou seja, 106 milhões de Dólares.
Ao preço real de mercado deveria
somar em 1.576.413 milhões ou
1,576 biliões de dólares.
Se Moçambique estivesse a receber
o preço real e de mercado pela
energia, em vez de receber só uns
7,5% desse valor, Moçambique
hoje seria um país em boas vias de
desenvolvimento. A diferença é de
aproximadamente 1 300 milhões
de dólares em vencimentos do Estado
por ano.
Assim, Moçambique, o quarto
dos países menos desenvolvidos
no mundo, continua a subsidiar
a economia da África do Sul, um
país com um nível de desenvolvimento
médio e um PIB per capita
20 vezes superior ao PIB per capita
de Moçambique. Ao longo das dé-
cadas, o prejuízo de Moçambique
facilmente soma em 40 biliões (em
Brasileiro 40 triliões) de dólares, ou
seja 4012. Este montante significa
que aproximadamente a receita do
Estado durante as últimas duas dé-
cadas poderia ter sido em cada ano
o dobro de que na realidade foi.
A triste conclusão é que o irmão gigante
de Moçambique, a África do
Sul, em grande parte goza do seu
desenvolvimento e da sua relativa
riqueza à custa de ao menos duas
gerações de moçambicanos que não
tiveram acesso à educação, saúde e
geralmente à oportunidade ao desenvolvimento.
O desafio político está em convencer
os irmãos da luta pela independência
na África do Sul que a integração
energética regional na base
das fontes de energia em Moçambique
terá maior vantagem para todos,
incluindo o partido ANC.
*Professor Catedrático do Direito
Internacional e Comparado na University
of South Africa (Unisa)
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