Exclusivo: “Precisamos de mudar o modelo do sistema político”
- Adverte Raúl Domingos, negociador dos Acordos Gerais de Paz
Aos 33 anos de idade chefiou a delegação da Renamo nas negociações com o Governo, que culminaram, dois anos e quatro meses depois, com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz, a 4 de Outubro de 1992, em Roma.
O Presidente do Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD), Raúl Domingos, concedeu uma entrevista exclusiva à Ídolo, onde analisou a actual situação política de Moçambique e avançou possíveis soluções.
Ídolo (I) - Que apreciação faz da actual situação política do país?
Raúl Domingos (RD) - Há alguns anos, vaticinei uma situação de conflito armado tendo em conta a intolerância política, falta de diálogo, exclusão, partidarização do Estado e das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
Disse, na altura, que Moçambique estava sentado sobre um barril de pólvora e a qualquer momento poderia explodir. Depois ficou confirmado. Tivemos um conflito político-militar de dois anos em Muxúnguè. Felizmente terminou no ano passado.
Todavia, o fim do conflito não representou a vinda de uma paz efectiva. Cessou por conveniência de momento. Interessava ao Presidente Guebuza passar o testemunho em clima de paz, uma vez que foi nesse ambiente que assumiu a presidência do país.
Havia sectores que olhavam com simpatia a morte do Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. Não tendo conseguido o objectivo e com o aproximar das eleições foi necessário acomodar certos interesses para criar condições para a realização das V Eleições Gerais.
Por isso houve aquele precipitado Acordo de Cessação das Hostilidades. Depois de muitos encontros sem sucesso, de repente as sessões de diálogo entre o Governo e a Renamo começaram a trazer resultados.
Tudo para criar condições para realização de eleições e legitimar a continuação da Frelimo no poder. Tanto que o escrutínio não foi livre, justo e transparente como seria de desejar.
Após o Presidente da República, Filipe Nyusi, tomar posse, fez um discurso de inclusão e de esperança aplaudido por todos moçambicanos.
Entretanto, logo a seguir vimos uma prática contrária e uma tentativa de interpretação do discurso de inclusão para acomodar interesses de pessoas pertencentes a corrente ortodoxa da Frelimo.
Aliás, este é o problema, as divisões no partido Frelimo. Há uma ala que vê o país como refém da luta de libertação, pensa que tudo deve acontecer como eles quiserem, e olha os outros partidos como figuras cosméticas. E esse grupo, infelizmente, ainda, tem uma força na Frelimo.
Portanto, estamos a correr de novo um risco. Ou nos entendemos ou levamos o país ao conflito armado e ao consequente caos sociopolítico e económico. Eles mesmos já conhecem a receita. Sabem que precisamos de uma inclusão verdadeira para permitir a participação de todos neste processo de desenvolvimento e encontrarmos uma paz efectiva para o país.
Foi um erro reprovar o
"Projecto das Autarquias Provinciais".
I - Está, em outras palavras, a dizer que os impasses no diálogo entre o Governo e a Renamo, deve-se ao facto de já se ter alcançado o objectivo?
RD - Sim! O objectivo era fazer eleições. E transmitir, à comunidade internacional, a imagem de um país que regularmente realiza o escrutínio e há sucessões no poder.
Esse exercício dá imagem de um país normal aos olhos de pessoas menos atentas.
Por exemplo, um dos problemas que enferma o diálogo é a despartidarização da função pública. Esse problema é fictício, porque já existe a Lei da Probidade Pública, que pode servir de base de trabalho para o alcance do almejado consenso sobre esta matéria.
I - Que leitura faz da reprovação do "Projecto das Autarquias Provinciais"?
RD - Foi um erro. A bancada da Frelimo, que é a maioritária na Assembleia da República, não deu sinais de querer aprovar o projecto. Simplesmente pegou o documento, disse que é inconstitucional e chumbou.
A inconstitucionalidade pode ser expurgada (corrigida) com vista a viabilizar a aprovação da lei havendo vontade politica. E neste caso faltou vontade política.
Corremos o risco
de voltarmos a registar mais um conflito armado,
temos de apostar numa inclusão verdadeira urgentemente
I - A criação de autarquias provinciais resolveria o estágio actual da política no país?
RD - Quando votamos, estamos a escolher quem deve nos governar. Porquê no fim do dia a província escolhe alguém, mas porque o sistema numa contagem global dá vitória ao outro é esse que deve governar tudo?
Os resultados das eleições em Moçambique, desde 1994, mostram que a província de Gaza vota quase que a 100 % na Frelimo e as populações de Nampula, Manica, Tete, Zambézia, Sofala, Niassa votam maioritariamente na Renamo.
Esses resultados expressam a vontade, portanto o modelo do sistema político deve responder a esse desejo da população. Não se pode impor. Se o povo é o patrão, temos de escutar o que ele quer.
O povo está dizer, em Gaza, que só quer um Governo da Frelimo. Mas há certas províncias que de forma sistemática dizem não a governação da Frelimo e dão o seu voto à Renamo. Porque não desenhar um modelo de sistema político que responde a essa vontade?
Atenção! Não é uma intenção manifestada numa eleição. É algo cíclico. Portanto, temos que reflectir e estudar um modelo que responde ao desejo manifestado pelo eleitorado moçambicano.
I - Que modelo democrático seria consensual?
RD - Descentralizar pressupõe atribuir determinados poderes que estavam acumulados ao nível central à outros níveis. Essa passagem de poderes pressupõe eleição directa dos governadores provinciais.
Outra alternativa seria a democracia convencional a nível provincial, ou seja, as assembleias provinciais elegem o governador da província com poderes específicos que podem ser previstos na constituição.
Frelimo esqueceu a sua origem
"A Frelimo esqueceu-se que resulta da união de três movimentos de libertação e autoproclamou-se único representante legítimo do povo moçambicano após a conquista da independência. A partir daí incubou uma guerra que explodiu em 1977.
Vencido o colonialismo deveria ter havido abertura para que diferentes vontades políticas pudessem se manifestar. O que não aconteceu. As pessoas que manifestavam opiniões políticas diferentes foram perseguidas e mortas.
Se fizermos uma análise de como iniciou a guerra civil, iremos concluir que os nossos conflitos resultam da intolerância política, ausência de diálogo, falta de reconciliação nacional e exclusão.
Quando você diz que sou o único e legítimo representante do povo, está negar a possibilidade do outro dar opinião. Sempre que surgir este comportamento fiquemos a saber que a seguir vem conflito."
GANHOS E PREJUIZOS POLÍTICOS PARA A RENAMO SOBRE O DESAPARECIMENTO DA FIGURA DO DLHAKAMA NO MERCADO DA OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL
A fragilização política da Renamo, assim como à promoção da sua imagem, está e sempre esteve nas mãos da Frelimo!
Dlhakama nunca se preocupou em elaborar um discurso ou plano estratégico para arrancar o eleitorado à Frelimo!
Quem oferece e ajuda à promoção da imagem do Líder da Renamo é a própria Frelimo que desde 1986, tem jogado uma táctica suja contra a Renamo, que no fim ao cabo acaba criando uma grande espectactiva das várias multidões em torno de Afonso DLHAKAMA!
Quando a Frelimo torna-se terrorista de Estado contra a Renamo e começa a governar o país na base das mentiras, por exemplo:
a) A criação do chamado G40, como uma potência de marketing político para denegrir Afonso DLHAKAMA, acabou tornando o num herói procurado por todos, principalmente quando em Setembro do ano passado sai do mato, muito bem saudável sem nenhumas sintomas de trombose e de diabetes agudas!
b) Desta vez quando a Frelimo decidiu rasgar o Discurso de Nyusi sobre a PAZ e Esperança para a construção de um "NOVO MOÇAMBIQUE", para substituí-lo por uma Declaração de guerra que acabou levando o Líder da Renamo, à escapar milagrosamente para mais uma parte incerta, a Frelimo, acaba de investir gratuitamente mais uma vez na imagem do Dlhakama!
c) Dlhakama aparecerá mais uma vez como um fenómeno milagroso enviado por forças sobrenaturais para vir salvar os moçambicanos do regime esclavagista da Frelimo!
A recente declaração de guerra do Governo contra a Renamo em nome de desarmamento das forças residuais deste movimento, à recua do Governo para a posição inicial de um desarmamento negociado politicamente, constitui um marketing gratuito para mais uma promoção da imagem de Dlhakama, graças à precipitação da Frelimo! Pois para o público moçambicano, ficou à mensagem de incapacidade e medo da Frelimo de vencer militarmente à Renamo!
Recorde-se que o Padre Couto, acabou afirmando na sua história entrevista que Dlhakama, também é querido por algumas pessoas no seio da própria Frelimo!
COMO CONTORNAR À SITUAÇÃO?
À única oportunidade que a Frelimo tem para sobreviver, é tornar prático o Discurso da tomada de posse do Presidente Nyusi :
1 - Governar o país com à inclusão de todos moçambicanos sem xenofobia política;
2 - Partilhar às riquezas nacionais com outros moçambicanos sem xenofobia política;
3 - Criar uma comissão para a reapreciação de todos protocolos do Acordo Geral de Paz, assinado em 1992, em Roma, afim de reconstituir tudo o que pode ser matéria de reclamações da Renamo até à presente data, afim de produzir mais uma resolução que garante à confiança política nacional entre os moçambicanos com vista a pôr termo à presente tensão político militar entre o Governo e a Renamo!
4 - A Referida Comissão de Reapreciação do AGP, deverá voltar a incluir, Joaquim Chissano, Afonso Dlhakama, Raul Domingos, Armando Guebuza, os mediadores do Santo Egidio, a Igreja Católica moçambicana, Assembleia da República de Moçambique, Nações Unidas, União Africana, Governo da República de Moçambique, Sociedade académica de Moçambique, assim como os partidos Renamo, Frelimo e outras forças políticas devidamente reconhecidos no xadrez político nacional!
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