A ingerência desabrida que Portugal faz nos assuntos da soberania de Angola está a ultrapassar todos os limites.
A cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada. O nível que atinge a ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002. Nesses dois momentos, a raiva cravada e sempre latente na sociedade portuguesa, pronta a declarar-se à mínima oportunidade, manifestou-se de forma prejudicial para as relações entre os dois países.
Os ataques diários e injustos desferidos a partir de Portugal surgem agora revestidos da fina película da luta pelos direitos humanos. Mas antes lançaram os processos judiciais contra os dirigentes angolanos, estratégia que fracassou redondamente.
Portugal atravessa uma profunda crise. Todos os projectos nacionais, dos europeístas aos atlantistas e africanistas, estão bloqueados. Na prática, a economia portuguesa já não existe e a crise social profunda tende a agravar-se com a falta de patriotismo e de entendimento entre os políticos. A única saída que resta é procurar culpados e para isso, como há mais de 60 anos, só resta uma porta: Angola, o país com mais ligações “tradicionais” e “afectivas” com Portugal.
É isso que explica a operação de guerra feroz, lenta mas sistemática, que vem diariamente de Portugal contra o Estado angolano e que se aproveita agora do caso judicial que envolve o angolano Luaty Beirão, que nunca foi músico nem activista político, como antes se aproveitou de Rafael Marques, que nunca foi jornalista em Angola e é um avençado de poderosos círculos financeiros internacionais. A central mediática que está na primeira linha dessa operação em Portugal pertence a Francisco Pinto Balsemão, militante com o cartão n.º1 do Partido Social Democrata (PSD) e articula-se entre os canais SIC, o semanário “Expresso” e toda a rede de publicações do Grupo Impresa. Estamos apenas perante um episódio produzido pelos profissionais que garantiram a melhor cobertura à guerra do criminoso Jonas Savimbi e do regime de apartheid e hoje se apresentam travestidos de democratas e defensores dos direitos humanos.
Esta história vem de muito longe. Em 1975, os portugueses que se opunham ao fim da colonização deram as mãos aos invasores e mercenários vindos do Norte, do Sul e do Leste, para impedirem a proclamação da independência de Angola. As relações com Portugal evoluíram nessa ocasião até um ponto de ruptura e apenas chegaram à normalização com o encontro do Sal entre os Presidentes Agostinho Neto e Ramalho Eanes.
Até 2002, quando estava iminente a derrota de Jonas Savimbi, novamente os portugueses se levantaram para tentarem travar a tão desejada paz e reconciliação em Angola. Mas, ao contrário do que sucedeu por altura da independência, entre os sectores da sociedade portuguesa que vieram em socorro de Savimbi no final da sua aventura estavam alguns daqueles políticos de “esquerda”, ligados ao Bloco de Esquerda, que hoje voltam a envenenar as relações entre os dois países. Luís Fazenda, Francisco Louçã e alguns iniciados da política contra Angola, Daniel Oliveira, Catarina Martins, Mariana Mortágua, que hoje aparecem ao lado de gente que foi aliada de Jonas Savimbi, como Agualusa e Rafael Marques, que naquela altura ombreavam nas manifestações à frente da Embaixada de Angola com os rebeldes Morgado, Wambembe, Oliveira, Adalberto, Catchiungo e outros. As suas acções não impediram que o povo angolano conquistasse a paz, o maior feito a favor dos direitos humanos que alguém pode realizar. Essa mesma paz que permite a Francisco Louçã, autor da maior falta de respeito que se pode fazer a um Chefe de Estado, ao abandonar o Parlamento português à entrada do nosso Presidente, vem hoje ganhar dinheiro em Angola.
A partir da paz de 2002, o que se esperava era que os Estados e os cidadãos dos dois países vivessem num quadro de convivência democrática e cooperação. Mas o rumo de cada país, o ciclo virtuoso em Angola, a crise acentuada em Portugal e o ambiente de intriga e conflitualidade nas relações não trazem nada de bom. Por ignorância e despeito das elites portuguesas, concorrência entre elas próprias e inveja de poderes externos, a parceria estratégica que se começou a traçar com Portugal e que era uma boa solução para o futuro de Portugal, foi por água abaixo.
Esperar pela compreensão dos portugueses para se trilhar um caminho comum de cooperação mutuamente vantajosa é pura perda de tempo e prova que foi correcta a decisão tomada pelo Governo de Angola de suspender a construção dessa parceria estratégica com Portugal. Hoje nada mais resta a fazer senão trabalhar com o poder de Bruxelas, que é quem manda de facto em Lisboa. São os próprios portugueses que o dizem. Para Portugal, está apenas reservado o papel de caixa de ressonância dos diferentes interesses que se digladiam. Essa é porventura a razão por que o Governo português não condena as actuais acções de desestabilização de Angola e pactua com a ingerência. Está de braços amarrados.
A visita que o embaixador português realizou na semana passada a um cidadão que aguarda julgamento abre um precedente grave. Sobre esse cidadão recaem acusações gravíssimas da PGR de envolvimento em actos de perturbação de ordem pública em Angola, no quadro de uma acção mais vasta de transformar o país numa nova Líbia em África. O diplomata português acaba de legitimar toda a ingerência personificada nas manifestações em Portugal. O Governo português, depois de tanto tempo, volta a cair na asneira de se pôr do lado errado.
Angola tem tribunais competentes para julgar processos judiciais. Em Angola ninguém está acima da lei. Durante o regime colonial, o Estado português mandou cortar a cabeça a muitos angolanos suspeitos de “subversão” e “terrorismo” quando lutavam pela liberdade e a dignidade do seu povo. Hoje Angola é um Estado de Direito. Quando se comemoram os 40 anos da independência de Angola, de Portugal continuamos a não poder esperar nada de bom. (jornaldeangola.sapo.ao)
por José Ribeiro
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