Tenente-general PilAv
Eduardo Eugénio Silvestre dos Santos
Eduardo Eugénio Silvestre dos Santos
1. Introdução*
A civilização cristã europeia emergiu, como civilização distinta, a partir do século VIII. As civilizações chinesa e islâmica eram, nessa época, civilizações superiores, em riqueza, poder militar, territórios, cultura e ciência.
No século XI (1054), dá-se a separação entre a cristandade ocidental e oriental (ortodoxa) e, no século XV, os mouros são finalmente expulsos da Península Ibérica, iniciando-se, na mesma época, a expansão portuguesa em África e na Ásia e a espanhola nas Américas. Todo o hemisfério ocidental e partes significativas do continente asiático estiveram debaixo do domínio de potências europeias.
No final do século XVIII, os europeus começam a perder o controlo sobre o continente americano, inicialmente com a independência dos EUA e, posteriormente, de toda a América do Sul e Central. Porém, durante o século XIX, o domínio europeu ressurge em África, entendendo-se à quase totalidade do continente, consolida-se na Índia e, no início do século XX, estende-se ao Médio Oriente, com excepção da Turquia. Em 1900, como é atribuído à Rainha Vitória, “o Sol nunca se punha no Império Britânico”, que possuía mais de um quinto das terras do mundo.
Assim, durante cerca de quatro séculos, a civilização, cultura e religiões europeias dominaram e subjugaram outro tipo de sociedades. Samuel Huntington defende que a razão fundamental da expansão europeia foi tecnológica: descoberta de processos de navegação oceânica e desenvolvimento de meios militares para as conquistas.
“O Ocidente venceu o mundo, não pela superioridade das suas ideias, valores ou religião, (...) mas antes pela superioridade em aplicar a violência organizada. Os Ocidentais esquecem, com frequência, este facto; os não-ocidentais, nunca.”[1]
A seguir à II Guerra Mundial, iniciou-se o surto de independências das colónias das potências europeias. A Carta das Nações Unidas expressou o princípio da autodeterminação dos povos, mas a emancipação política das colónias e dos satélites não impediu a manutenção de outras formas de dominação imperialista, quer de natureza político-diplomática quer de natureza económica. Não é já possível separar, de forma clara, a não ser teoricamente, o domínio político do económico.
Derrubado o “muro de Berlim” e terminada a “guerra fria”, a URSS dissolveu-se e assistiu-se à autodeterminação da maior parte das suas repúblicas e países satélites da Europa de Leste.
Pensa-se ser útil e importante, nesta época de transformações nas relações internacionais, olhar um pouco para trás e analisar e reflectir sobre os conceitos de “colonialismo” e “imperialismo”, que dominaram aquela cena durante tantos séculos e que têm sido apontados como causadores de tantos malefícios à comunidade internacional.
Estará o problema definitivamente ultrapassado? O mundo inteiro é um mercado único e o comércio pacífico parece florescer. Não será isto a realização de um sonho da humanidade? Não estarão agora a paz e a harmonia globais ao nosso alcance? A resposta que se adianta, desde já, é negativa!
2. Investigação
Segundo Adriano Moreira, o ponto de partida para os conceitos que actualmente orientam a teorização destas matérias é o trabalho do economista britânico J. A. Hobson, “Imperialism: a study”. Este trabalho, publicado em 1902, no apogeu dos impérios europeus, não dá porém uma noção precisa de imperialismo. Todavia, de uma maneira muito tradicional, não deixa de pronunciar-se sobre o que entende por colonialismo, caracterizando-o fundamentalmente como uma forma de exploração, que não exclui uma actividade transplantadora de civilização e de cultura. De facto, quer os trabalhos publicados a este respeito quer as manifestações, posteriores à última guerra, nos organismos internacionais e nas Conferências de Estados recentes (Bandung – 1955 e Havana – 1960), não deixam de ligar o colonialismo ao imperialismo, como que adjectivando, para os novos tempos, uma prática antiga[2].
a. Definições
(1) Colonialismo clássico
Para Hubert Deschamps, é a vontade de criar e/ou manter um sistema de sujeição para as populações tecnicamente atrasadas[3].
Segundo a Enciclopédia Universal, é o domínio de uma minoria estrangeira num território sobre a população indígena de cultura divergente e em maioria. Esta imposição implica o reconhecimento do sistema político e judicial da sociedade dominante, sob o argumento da superioridade étnico-racial, ao mesmo tempo que legitima a exploração dos recursos e factores de produção existentes na sociedade dominada, em benefício do espaço económico explorador[4].
H. J. Horvath afirma que a principal diferença entre colonialismo e imperialismo é a presença de um número significativo de colonos da potência colonizadora no estado colonizado[5].
T. R. Adam define colonialismo como o controlo político de um povo subdesenvolvido, cuja vida social e económica é dirigida pela potência dominadora[6].
Para Adriano Moreira, a colonização traduz-se sempre na imposição de um poder superior alienígena sobre um povo e seu território, com um sistema cultural diferente, em regra de etnia diferente, e um projecto político diferente. A relação que se estabelece, além do domínio político pelo colonizador, implica que este leve eventualmente o capital e a técnica e exija a terra e o trabalho dos nativos. Este processo de expansão, que esteve sempre presente na história dos povos, é normalmente determinado pelo exclusivo interesse do colonizador, que procura novos espaços, ou novas matérias-primas, ou novos mercados, ou apoios estratégicos[7].
(2) Imperialismo
Michael Doyle define-o como o processo de estabelecer uma relação, formal ou informal, na qual um estado controla a soberania política efectiva de outra sociedade política. Esta relação pode ser alcançada pela força, por colaboração política, ou por dependência económica, social ou cultural. Para ele, o colonialismo é um dos possíveis resultados do imperialismo[8].
Para Sousa Lara, o imperialismo é “a expansão de uma potência para territórios que outrora não faziam parte do seu domínio, tendo como fundamento primeiro a força militar, mas prosseguindo-se, posteriormente, com a divulgação das estruturas políticas, jurídicas, económicas e sociais desse mesmo poder político para as novas áreas conquistadas ou tuteladas”[9].
Michael Parenti define o imperialismo como o processo pelo qual os interesses políticos e económicos dominantes de uma nação expropriam do seu próprio enriquecimento a terra, o trabalho, as matérias-primas e os mercados de outro povo[10].
Andrew Heywood vê o imperialismo como “a política de alargar o poder ou a autoridade de um Estado para além das suas fronteiras”[11].
A característica fundamental do imperialismo é a relação assimétrica entre a potência imperial e os seus territórios dominados. A potência imperial pode controlar aspectos do comportamento da sua colónia para o seu próprio interesse e não existe reciprocidade na influência exercida[12].
(3) Neocolonialismo
Forma disfarçada e mais diluída do colonialismo puro, que surgiu após a II Guerra Mundial, com o aparecimento de novos estados independentes e que se reveste de aspectos de natureza tecnológica, económica, militar e cultural. Mantêm-se no entanto as diferenças de tecnicidade económica e mental (divergência de estruturas filosóficas e tipos de raciocínio)[13].
De acordo com Sousa Lara, o neo-colonialismo relaciona-se com actividades e manifestações que, não cabendo na moldura formal do colonialismo, conduzem a resultados semelhantes. É o prosseguimento do colonialismo, mas sem o aspecto fundamental que é o controlo político, jurídico e administrativo formal. A subordinação directa não está presente, mas “existe uma subordinação material, consistente e identificável ”[14].
Andrew Heywood identifica neo-imperialismo com neo-colonialismo e caracteriza-o como “o processo pelo qual as potências industrialmente desenvolvidas controlam territórios estranhos pelo domínio económico e cultural, embora respeitando a independência política formal do território”[15].
3. Evoluçao dos conceitos ao longo dos tempos
Na linguagem corrente actual, as palavras “colonização”, “colonialismo” e “imperialismo” confundem-se. O império de uma potência é ou foi, para a maior parte, o conjunto das suas colónias. Porém, nem sempre foi assim. Ao princípio, colónias e império tinham significados muito diferentes[16].
a. Antiguidade
Os impérios da Antiguidade (Egipto, Mesopotâmia, Pérsia, Assíria, Roma, Bizâncio, Otomano, Mongol e várias dinastias chinesas) correspondiam ao modelo de Estado Universal, no sentido em que exerciam uma autoridade igual em relação a grupos humanos diferenciados pela cultura, pela etnia e até pela nacionalidade. A expansão territorial era legitimada pela conquista[17].
Na Antiguidade, “colónia” era, antes de tudo o mais, emigração, mas com um carácter político preciso: a criação de um Estado novo, conservando com a terra original uma comunidade de crenças e ligações sentimentais. A língua, os costumes e a religião dos colonos mantinham-se. A colónia era como que um ramo destacado do povo original. Foi assim, por exemplo, com os fenícios.
O “império” era algo diferente. Não tinha base demográfica, mas militar; não existia emigração, mas conquista. O termo foi utilizado para designar um povo forte que dominou territórios muito extensos, compreendendo grupos culturalmente distintos e concentrando a autoridade suprema. Exemplos clássicos foram os impérios egípcio, assírio, caldeu, persa, alexandrino e romano. Conhecem-se posteriormente os exemplos da China, dos mongóis e dos turco-tártaros. Segundo Sousa Lara, caracterizava-se por um sistema de contiguidade territorial e continha já aspectos de expansão cultural e religiosa fundamentais, não sendo inovador o carácter doutrinário ou ideológico da expansão política posterior[18].
O imperialismo anterior à era gâmica era fundamentalmente europeu, visando uma certa forma de organização da sociedade ocidental. Tratava-se de uma organização hierarquizada, primeiro centralizada, que foi evoluindo para uma descentralização em que o imperador, depois da renovação do império cristão por Carlos Magno, em 800, se foi transformando numa pura figura arbitral até à sua formal extinção pela intervenção napoleónica[19].
b. Das descobertas ao Congresso de Berlim
Depois do século XVI, uma “colónia” passa a ser uma terra distante, unida a um Estado metropolitano por uma ligação de dependência jurídica e económica. Assim se afirma o carácter político e económico da nova colonização, que passa então a confundir-se com o “imperialismo”. A dependência jurídica era afirmada pela presença de gente que administrava as terras conquistadas. A dependência económica fez da colónia um reservatório de matérias-primas e de produtos alimentares que pertenciam à metrópole; em troca, esta fornecia produtos industriais, mas mantinha o monopólio desse fornecimento[20].
Um outro factor essencial caracterizou as colónias modernas: a presença de uma população autóctone muito mais numerosa do que a europeia, mas dirigida por eles.
Sousa Lara defende que existem duas vagas de expansão colonial europeia:
– a primeira, renascentista, patrocinada por desígnios religiosos, de que são exemplos os portugueses e os espanhóis;
– a segunda, intimamente ligada à Revolução Industrial, ao desenvolvimento capitalista e, sobretudo, a uma lógica nova de disputa nacionalista, típica da Europa do século XIX, nitidamente expressa nas conclusões da Conferência de Berlim[21].
Nos séculos XV e XVI, operou-se na Europa uma revolução técnica: a utilização da arma de fogo! Ela deu aos estados ocidentais um meio de domínio. Desde aí, a expansão para procurar riquezas longínquas tornou-se possível. O comércio para assegurar a possessão desses bens cobiçados já não bastava. Era necessário impor a superioridade das armas. Nessa época, os interesses dos missionários e dos comerciantes entrechocaram-se: a abolição do comércio de escravos e a sua posterior emancipação era contrária aos interesses da mão de obra barata[22]. As colónias localizavam-se longe da Pátria e habitadas por populações cultural e racialmente diferentes dos colonizadores.
O primeiro “pico” do colonialismo moderno atingiu-se cerca de 1775, quando todo o continente americano e grandes partes da África e da Ásia eram governados da Europa. Nos 50 anos seguintes, enquanto as Américas se libertavam, os europeus alargaram o seu controlo na Ásia. A maior parte da África permaneceu inexplorada até ao último quartel do século XIX. Um segundo “pico” da expansão colonial europeia deu-se à volta de 1900, quando metade da superfície da Terra e um terço da sua população eram possessões coloniais[23].
Novos avanços surpreendentes se produzem na tecnologia europeia, no século XIX. Aperfeiçoou-se o armamento, a máquina a vapor fez reduzir as distâncias, a medicina já sabia lutar contra as doenças tropicais. A revolução industrial e as suas consequências (crescimento demográfico, busca de saídas para os novos produtos, etc.) fizeram acelerar os acontecimentos. Tanto como o capitalismo, o nacionalismo marcou o século XIX; o desejo de glória nacional empurrou as nações para a conquista ultramarina. Sobretudo, no final do século, quando posições estratégicas importantes ficaram em risco de serem tomadas por rivais e a concorrência industrial e política entre as nações europeias se agudizou, elas olharam para além do “velho mundo” à procura de uma expansão económica e militar que lhes permitisse manter ou elevar o prestígio e o orgulho nacionais[24].
Existem várias razões para as nações europeias terem competido entre si para possuírem colónias. Todas queriam adquirir poder e prestígio. Os novos territórios eram muito ricos em recursos naturais, que podiam ser trazidos para a Europa e transformados em bens manufacturados. Os europeus necessitavam também de mercados para aqueles bens.
A colonização foi, originariamente, na sua essência, o estabelecimento de colonos num país estrangeiro, com uma ligação política ou religiosa mais ou menos forte com a metrópole. É o que poderemos chamar a colonização-migração, uma forma de expansão demográfica.
Colonialismo é uma nova palavra carregada com os pecados do imperialismo. Mas, para alguns, se se quiser julgar imparcialmente os impérios, deve reconhecer-se que apresentaram duas faces: uma de domínio, conquista, comando, sobreposição social, sujeição, exploração económica e preponderância dos interesses metropolitanos, apoiando-se no conservadorismo político por receio da evolução dos indígenas; mas o império foi também união, suprimindo barreiras e o isolamento entre comunidades humanas; foi também organização, educação, transformação, progresso material, luta contra as doenças e alargamento intelectual. É a primeira destas duas faces que se condena actualmente sob o nome de “colonialismo” ou “imperialismo”[25].
O imperialismo renasceu no Ocidente com a emergência do estado-nação moderno e com a era das descobertas. A emigração de colonos europeus para a América e para África, conhecida como “colonização”, foi marcada pela mesma atitude de superioridade da parte dos recém-chegados para com as populações nativas.
Os grandes impérios modernos foram construídos pelas grandes democracias que tinham proclamado os direitos do homem (i.e., Inglaterra e França). A Conferência de Berlim fez com que esses Estados atribuíssem a si próprios o direito de ocupar as terras do continente africano ainda não ocupadas de acordo com o seu interesse.
Quando os europeus tomaram posse de terras distantes, viram as culturas das populações nativas como inferiores à sua. Este conceito tornou-se conhecido como “o fardo do homem branco”, frase retirada de um poema popular de Rudyard Kipling, publicado em 1899. A interpretação normalmente dada a este poema aponta para o dever das nações imperialistas de levar a cultura e sensibilidade ocidentais às populações nativas que encontravam nas novas terras. Esta posição é conhecida como “Darwinismo social”, ou a crença que todos os grupos humanos competem pela sobrevivência e que os mais fortes substituem os mais fracos. Outros, porém, viram-na como um aviso às nações ocidentais para pararem a prática perigosa do imperialismo[26].
Tal evolução do conceito de imperialismo implicou o aparecimento do nacionalismo como ideologia política fundamental de libertação dos povos, e, por isso, é neste sentido que normalmente o imperialismo moderno é associado no nacionalismo.
Estas observações revelam duas atitudes possíveis do poder político imperial: o exercício de uma função convergente, que procura formar uma sociedade integrada vertical e horizontalmente; ou uma função que procura impor uma subordinação apenas vertical, estabelecendo uma hierarquia que não dá dignidade igual, nem a todos os territórios nem a todos os povos integrados[27].
Esta identificação do imperialismo com o colonialismo aconselha a distinção entre o imperialismo anterior à era gâmica, que conviveria com o posterior a essa era, cujo ponto crítico foi a Conferência de Berlim de 1885, e que foi essencialmente um imperialismo colonial dos estados europeus sobre o resto do mundo[28].
c. Da Conferência de Berlim às independências
O último quartel do século XIX foi de procura desenfreada de colónias, por parte das potências europeias, o que marcou o início do imperialismo. Os efeitos da revolução industrial e o crescimento da capacidade de manufactura tornou desejável encontrar mais mercados para exportação dos produtos. Por outro lado, alguns produtos tropicais eram vendidos lucrativamente na Europa, havia séculos. Mas para assegurar um fornecimento regular e em larga escala desses produtos, era necessário construir caminhos de ferro e injectar organizações de tipo europeu em economias primitivas. Isto não podia ser levado a cabo sem tomar as rédeas da administração dessas regiões[29].
A chegada dos europeus colocou em desordem um equilíbrio social milenário; os deuses e os ancestrais deixaram de ser respeitados; os jovens foram trabalhar para longe por sua conta; surgiram novas classes sociais; os chefes tradicionais foram perdendo a sua hegemonia. As tradições feridas, a recordação de um mundo antigo concebido como um tempo de bem-estar, foi o terreno onde se foram desenvolvendo as sementes do nacionalismo.
Os europeus, mesmo quando os tratavam bem, não os misturavam na sua vida privada e social. Cada um vivia do seu lado. Por outro lado, o nível de vida dos europeus era mais elevado do que o seu. Nasceu assim um complexo de inferioridade, mesmo um ódio, uma vontade de mudança, o desejo legítimo de não serem tratados como inferiores na sua própria terra[30].
Esta colonização moderna teve como agentes as grandes democracias europeias e invocou justificação diferente da evangelização: o dever de civilizar, o triunfo na competição internacional, o “fardo do homem branco”. Na redacção do Pacto das Nações, a acção colonizadora já aparecia como uma função em nome dos interesses da comunidade internacional, destinada a conduzir os povos colonizados à capacidade de assumirem um lugar igual e responsável no concerto das nações. Foram então criados os “mandatos”, que eram justamente exercidos por potências colonizadoras em nome dos povos civilizados, para a integração final.
No longo processo colonizador que começou com a expansão peninsular, parece que se desenharam dois modelos fundamentais: o luso-espanhol e o anglo-saxónico. O primeiro de matriz católica, o segundo de matriz protestante, mas ambos de tradição cristã e europeia. O que significa que as escalas de valores, os interesses, as soluções, foram eurocêntricas, não foram definições tendo em vista um assumido interesse geral dos povos ao redor da Terra.
Este ponto de vista mundialista veio com a experiência crescente, mas entretanto o processo foi extremamente doloroso e carregado de conflitos. Basta pensar na escravatura e, sobretudo, no transporte dos escravos para outros continentes, especialmente para o americano.
Para além dos interesses da soberania e da economia, que exigem o uso da força para instaurarem os seus modelos, o simples contacto dos grupos, ética e culturalmente diferenciados, suscita graves problemas. Quando a eliminação ou a transferência não foram as soluções radicais aplicadas, o modelo anglo-saxónico orientou-se pela discriminação entre os grupos étnicos e pela solução final da independência[31].
Este imperialismo colonialista dos tempos modernos usou todos os instrumentos próprios da política internacional e foi especialmente determinado pela motivação económica referida. Foram as democracias estabilizadas da frente marítima europeia que construíram os impérios coloniais do século XIX: Inglaterra, França, Holanda, Bélgica e Portugal. Foi este imperialismo, de motivação essencialmente económica, que serviu de modelo para a meditação marxista sobre o fenómeno da colonização, levando à afirmação de que todo o imperialismo é uma fase necessária na expansão do capitalismo[32].
4. Teorias e Doutrinas
a. Conservadora
Cecil Rhodes, Disraeli e Kipling criam que o imperialismo era necessário para preservar a ordem social existente nos países mais desenvolvidos. Era necessário preservar o comércio, os mercados, manter o emprego e o capital das exportações, e canalizar as energias e os conflitos sociais das populações metropolitanas para países estrangeiros. Existia nesta teoria uma vertente ideológica e racial da superioridade ocidental[33].
b. Liberal
O economista britânico John A. Hobson (1858-1940) defendia que o imperialismo era resultante de ajustamentos desadequados dentro do sistema capitalista, no qual uma minoria abastada poupa demasiado enquanto uma maioria empobrecida, ou no limite da subsistência, não dispõe do poder de compra necessário para consumir todos os frutos da indústria moderna (teoria da acumulação). As sociedades capitalistas estão, por conseguinte, confrontadas com o dilema crítico da sobreprodução e subconsumo. Se os capitalistas estivessem dispostos a redistribuir as mais-valias na forma de assistência social, deixaria de haver problemas estruturais sérios. Contudo, os capitalistas procuram reinvestir o seu capital excedentário em empresas rendíveis no estrangeiro. O resultado é o imperialismo, “o esforço dos grandes senhores da indústria de aumentarem o campo de circulação do seu capital excedentário através da procura de mercados estrangeiros e investimentos estrangeiros para escoarem os bens e o capital que não conseguem vender ou aplicar internamente”[34].
Hobson estava consciente da existência de factores não económicos na expansão da Europa de finais do século XIX – forças de carácter político, militar, psicológico, religioso e filantrópico. Apesar disso, Hobson insistia em que o ingrediente essencial do imperialismo era o capitalismo financeiro que galvaniza e organiza as outras forças num todo coerente[35].
c. Marxistas
A maior parte dos dados sobre a teoria marxista do imperialismo no século XX foi fornecida por Hobson.
Lenine reconheceria claramente a influência que os estudos de Hobson exerceram sobre o seu próprio entendimento do fenómeno, pois antecipou o ataque que Lenine montaria mais tarde ao lucro capitalista como causa principal das guerras internacionais. A tese leninista de que o imperialismo é a principal causa da guerra na era capitalista acabou por não resistir à crítica dos especialistas. As maiores guerras, desde 1870, não foram desencadeadas primariamente por motivos económicos.
A velha forma de imperialismo político e militar deu lugar, na segunda metade do século XX, a um neo-imperialismo que abdicava do controlo directo do território em favor dos laços político-económicos e político-culturais baseados no conluio entre os capitalistas mundiais e as elites “compradoras” do Terceiro Mundo que beneficiavam da facilitação do comércio, do investimento e das relações laborais com os países industrializados.
Os marxistas, na sua generalidade, acusam o Ocidente – o sistema-mundo capitalista – de manter os países pobres numa posição de subordinação, dependência ou escravatura ao limitarem os seus investimentos às indústrias extractivas (de matérias-primas) e através da ocidentalização, subjugação e suborno das novas elites empenhadas em modernizar as suas sociedades.
As elites em ascensão nos países pobres são persuadidas a imitarem os padrões de consumo da burguesia dos países ricos e a gerarem a procura das importações ocidentais para satisfazer o consumo das elites e sem contribuírem para o desenvolvimento económico. Por outro lado, a fuga dos cientistas, engenheiros, gestores e outros técnicos qualificados dos países pobres para os países ricos aumenta a dependência dos países menos desenvolvidos em relação às regiões industrializadas (teoria da dependência).
A tese fundamental da teoria da dependência parte do princípio de que a dependência enquanto estrutura mundial é distinta do estado de dependência que liga os países uns aos outros e que a maior parte dos estudiosos contemporâneos associa a um mundo interdependente, mesmo quando reconhecem a desigualdade das relações interdependentes.
Na perspectiva dos teorizadores da dependência, a relação entre o Norte (o centro) e o Sul (a periferia), longe de ser uma relação de cooperação para alcançar interesses mútuos, implica a subordinação do segundo em relação ao primeiro e a exploração do segundo pelo primeiro. Assim, e aos olhos dos “dependentistas”, a questão não é a de que os países pobres não disponham de capital e fiquem atrás dos ricos, porque permanecem fora ou na margem do mundo capitalista; a questão é que esses países foram integrados na estrutura internacional de classes do sistema capitalista[36].
d. Políticas
No início da “guerra fria”, Hans Morgenthau, o mais importante crítico de Hobson e Lenine, definia que o imperialismo era simplesmente uma manifestação do equilíbrio de poderes e a sua finalidade era diminuir as vulnerabilidades estratégicas e políticas de uma nação.
Negava que todo o acréscimo de poder internacional de uma nação fosse necessariamente imperialista. Mais ainda, alertava para a tendência de considerar como imperialista toda a política externa que visa, de forma conservadora, a manutenção de um império já existente. A interpretação económica do imperialismo, argumentava Morgenthau, fracassava na tentativa de construir uma lei universal da história assente na experiência limitada de um punhado de casos isolados. No seu ponto de vista, este tipo de teoria ignora o problema do imperialismo pré-capitalista (onde se incluíam os impérios da Antiguidade, o imperialismo árabe dos séculos VII e VIII, o imperialismo europeu cristão das Cruzadas e os impérios de homens como Alexandre, o Grande, Napoleão e Hitler)[37].
e. Psicossocial
Schumpeter insistia que o imperialismo não pode ser reduzido a uma mera procura do interesse económico quando a história está repleta de exemplos de sociedades “que procuram a expansão pelo prazer de lutar, a vitória pelo prazer de ganhar, a dominação pelo prazer de mandar”. O imperialismo é antes “a disposição sem objecto definido da parte de um estado para a expansão sem limites e executada pela força”[38].
f. Teoria dos sistemas mundiais
A teoria contemporânea do teórico dos Sistemas Mundiais, Immanuel Wallenstein, contra-argumenta sem degradar as inferências sugeridas por Hobson.
A teoria de Hobson é pois útil para explicar o papel da sobre-acumulação no expansionismo económico e colonial ultramarino, enquanto Wallenstein explica, talvez melhor, a dinâmica da competição geopolítica inter-capitalista[39].
g. As interpretações dos teóricos contemporâneos
O historiador imperial contemporâneo Bernard Porter argumenta que o imperialismo formal britânico era um sintoma e um efeito do seu relativo declínio, e não da sua força. Joseph Chamberlain argumenta que o imperialismo formal era necessário à Grã-Bretanha devido ao declínio relativo da sua fatia do comércio exportador mundial e ao crescimento da competição alemã, americana e francesa.
Porter, ao contrário de Hobson, que faz a ligação entre o subconsumo e a má distribuição do poder de compra, argumenta que aquilo que a Grã-Bretanha deveria ter feito para corrigir a sua balança de pagamentos teria sido tornar a sua indústria mais competitiva: melhorar os seus métodos de manufactura para vender mais no estrangeiro[40].
h. Outras
Outros teorizadores, como Kenneth Waltz e Morton Kaplan, explicam o imperialismo como consequência normal da dinâmica estrutural própria de um sistema internacional em que os estados mais fortes se envolvem num processo de equilíbrio de poderes e, como tal, exercem a sua supremacia sobre os estados mais fracos[41].
5. Discussão
O imperialismo precedeu o capitalismo. Os imperadores e conquistadores estavam interessados principalmente no saque e no tributo, no ouro e na glória. O imperialismo capitalista difere das formas mais antigas, porque acumula sistematicamente capital através da exploração organizada do trabalho e da penetração nos mercados ultramarinos. O imperialismo capitalista investe noutros países, transformando e dominando as suas economias, culturas e vidas políticas, integrando as estruturas financeiras e produtivas num sistema internacional de acumulação de capital[42].
A corrida às colónias, entre 1870 e o início da I Guerra Mundial, por parte das potências europeias, marcou o início do imperialismo. Os efeitos da revolução industrial e o crescimento da capacidade de manufactura tornou desejável encontrar mais mercados para exportação dos produtos. Por outro lado, alguns produtos tropicais eram vendidos lucrativamente na Europa, havia séculos. Mas, para assegurar um fornecimento regular e em larga escala desses produtos, era necessário construir caminhos de ferro e injectar organizações de tipo europeu em economias primitivas. Isto não podia ser levado a cabo sem tomar as rédeas da administração dessas regiões.
Motivos económicos estiveram assim no recrudescer do imperialismo. Contudo, uma vez o processo em movimento, outras considerações se tornaram importantes, e o imperialismo passou a ter vida própria. As rotas comerciais tinham de ser protegidas contra os outros competidores europeus e passaram a ser necessários centros de reabastecimento para os navios e para as suas máquinas. Acima de tudo, as potências europeias começaram a sentir que, não só o seu poder e riqueza dependia da possessão de colónias, mas também o seu prestígio nacional. Assim, naquilo que, até então, tinha sido apenas a simples procura de riqueza e poder, foram introduzidos argumentos não racionais e emocionais que se tornaram no factor mais forte do imperialismo competitivo da parte final do século. Já não era suficiente possuir terras de valor económico e estratégico. Era igualmente importante não ceder possessões aos rivais, uma vez que tal envolveria perda de prestígio nacional[43].
Nesta nova forma de império, a dominação foi imposta por uma minoria externa, cuja cultura difere totalmente da dos povos colonizados, através de uma supremacia militar e tecnológica que levou ao exercício exclusivo do poder político pela minoria externa, subjugando os povos dominados aos seus interesses[44], negando aos povos subjugados a capacidade de se autogovernarem.
O imperialismo europeu trouxe, por um lado, expansão económica e novos padrões de administração e saúde públicas às regiões dominadas; por outro lado, significou exploração muitas vezes brutal e desumana. Em qualquer caso, a pressão de uma cultura estranha, com os seus valores e crenças religiosas diferentes, e a imposição de formas novas de organização social, significaram o colapso das formas de vida tradicionais e a ruptura da civilização nativa.
Os benefícios recebidos foram em grande parte subprodutos acidentais de medidas tomadas para benefício dos colonizadores, pois as medidas de saúde pública foram instituídas, principalmente nas cidades, onde a concentração de europeus era maior, e as estradas e caminhos de ferro construíram-se para que as tropas se movimentassem mais depressa e para que os produtos pudessem vir do interior mais rapidamente para serem exportados. As colónias foram grandes fontes de lucro e de poder para as nações que as controlavam. Forneceram matérias-primas em abundância e a preços baixos, e mercados protegidos para bens manufacturados. Deram mão-de-obra barata para empresas na respectiva colónia e mesmo tropas para utilização fora delas. Foram também utilizadas para fins militares e estratégicos (i.e., Gibraltar, Singapura, Suez, Panamá, etc.). A contribuição de alguma para o poder da nação dominadora foi e é ainda óbvia[45].
“A chave da relação colonial é o facto de ter sido uma relação entre superiores e inferiores. Foi, essencialmente, uma relação de exploração. A inferioridade da colónia é mais óbvia no âmbito político, mas estende-se também às esferas económica e social. (...) Sem ela, o colonialismo não poderia provavelmente ter existido, pois não se pode manter em subjugação e exploração permanentes quem se considera como igual“[46].
No início do século XX, a Europa ainda não se tinha apercebido das consequências longínquas deste progresso, gerador de igualdade e de revolta. Estava segura do seu domínio e orgulhosa da sua missão civilizadora. O seu “bardo” – Rudyard Kipling – torna famoso “o fardo do homem branco” que, “tal como Atlas, transporta o mundo sobre os seus ombros invencíveis”[47]. Esta afirmação não passa, contudo, de uma justificação moral, uma das fantasias favoritas do imperialismo.
A paz subsequente à II Guerra Mundial teve expressão formal na Carta das Nações Unidas, tendo sido proclamado o princípio da autodeterminação dos povos. Um dos passos primordiais para solidificar a autodeterminação conseguida era alcançar a independência económica. Porém, durante a “guerra fria”, a URSS continuou a praticar o imperialismo tradicional sobre as novas nações da Ásia Central e algumas da Europa Oriental, enquanto outros países, como os EUA, passaram a adoptar formas mais subtis de imperialismo com uma vertente predominantemente económica, através do controlo dos mercados de bens e matérias-primas em largas porções da América Central e do Sul e várias regiões da Ásia (Médio Oriente, Taiwan, Coreia do Sul, etc.).
Os EUA, ao mesmo tempo que defendem ostensivamente valores democráticos e igualitários, desenvolvem uma política de defesa dos seus interesses através da pressão económica, cultural e, por vezes, militar, directa ou indirecta. O colonialismo desapareceu com o domínio político, mas ficou um capitalismo de influências e de proteccionismo, a ideia de fortes e fracos, dentro de todos os campos ideológicos[48].
O domínio imperial territorial, levado a cabo por militares, foi substituído por um outro, executado por executivos de fato e gravata. Aos países pobres foram concedidos os adornos da soberania, enquanto o capital ocidental retém o controlo dos recursos rentáveis. A esta relação chama-se “neo-colonialismo” e “neo-imperialismo”[49].
No neo-colonialismo, um país pode conceder a independência a outro, continuando a controlá-lo através da dominação económica. Esta forma de colonialismo traduz a crescente dependência dos países “em vias de desenvolvimento” (ex-Terceiro Mundo) face à expansão dos países mais desenvolvidos de economia capitalista para novos mercados. As principais decisões respeitantes à economia daqueles são tomadas por nações mais desenvolvidas, originando uma deterioração dos termos de troca. Uma parte substancial do produto nacional dos países subdesenvolvidos destina-se ao pagamento de juros das dívidas externas acumuladas. Apesar de ter uma feição predominantemente económica, o neocolonialismo pode assumir cumulativamente a forma de domínio tecnológico, científico ou cultural[50].
Ora, era inevitável que, imediatamente após a independência, o antigo colonizador continuasse a ter forte influência na sua ex-colónia. Os novos canais de controlo eram mais económicos e sociais do que políticos, mas eram importantes de qualquer modo. Resultavam do facto que a nova nação não estava ainda em posição de gerir a complexa máquina de modernizar a economia. Necessitava, primeiro que tudo, de técnicos qualificados. Depois, precisava de capital e da educação política de uma elite. O ex-colonizador estava em óptima posição para continuar a fornecer as necessidades – por um preço!... Tinha já um investimento substancial no novo país e queria salvar o que pudesse através do controlo económico[51].
Os países saídos dos processos de descolonização posteriores à II Guerra Mundial ficaram assim prisioneiros de um conjunto de circunstâncias que as colocou num ciclo vicioso de pobreza e numa situação de sistemática dependência externa. Tal não tinha sucedido com os países que se tinham tornado independentes após as revoluções americana e francesa, que mantiveram a continuidade das elites e dos circuitos económicos[52].
Aquilo a que se chama “subdesenvolvimento” é um conjunto de relações sociais que foi imposto à força a esses países. A maior parte dos países não é “subdesenvolvido”, mas sim “sobre-explorado”. A sua riqueza é transferida para a Europa ou para a América do Norte por saque directo, pela expropriação dos recursos naturais, pela imposição de taxas e rendas ruinosas, pelo pagamento de salários miseráveis e pela importação forçada de bens manufacturados a preços elevados. Ao país colonizado é negada a liberdade de comércio e a oportunidade de desenvolver os seus recursos naturais, mercados e capacidade industrial.
A teoria dominante do último meio século, enunciada repetidamente, afirma que as nações ricas do Norte ajudam a “desenvolver” as nações retrógradas do Sul, fornecendo-lhes tecnologia e ensinando-lhes hábitos de trabalho correctos. Esta “teoria do desenvolvimento” ou “da modernização” é uma versão actualizada do “fardo do homem branco” de Kipling, que tem pouco a ver com a realidade. Os investidores vão para um país não para desenvolver, mas para enriquecer.
Com a implosão da ex-URSS, o debate contemporâneo centra-se no tema da globalização. Este fenómeno pode facilmente ser visto como um aspecto do neo-imperialismo, partilhando com este a característica da assimetria[53].
Luís Leitão Tomé define globalização como “o processo de diluição das fronteiras tradicionais, de aumento das interdependências e das interacções, o acréscimo de intercâmbios transnacionais e a intensificação dos processos e das actividades que fazem do mundo cada vez mais um único lugar”[54].
É inegável que a globalização, cujos motores dos seus processos económicos e financeiros são as nações industrializadas, levou a um desenvolvimento económico e social desigual, beneficiando principalmente o núcleo capitalista. No domínio cultural, a globalização tem um grande potencial destrutivo: reduz as culturas individuais a um denominador comum e padroniza identidades. O imperialismo cultural representa uma tentativa de influenciar a mente humana e revela-se “como um instrumento para alterar as relações de poder entre duas nações”[55]. Os progressos nas tecnologias dos “media”, da informação e das comunicações facilitaram o desenvolvimento de uma consciencialização global, mas fizeram também acentuar as diferenças de desenvolvimento entre as várias regiões do globo. Este avanço científico e tecnológico não foi acompanhado pelo respectivo avanço no comportamento moral e comportamental, quer do indivíduo quer da sociedade.
A globalização, cuja tese fundamental, baseada nas ideias do economista norte-americano Milton Friedman, é que o mercado é bom e as intervenções do Estado são más, é inequivocamente uma extensão e um acelerador do processo de transnacionalização, que contribui significativamente para a erosão das competências tradicionais do Estado soberano. Pouco a pouco, no mundo inteiro, os governos vão perdendo a faculdade de intervirem na evolução da sua própria nação. Enquanto o fluxo de mercadorias e do capital ficou disponível no mundo inteiro, a regulamentação e a supervisão permaneceram uma questão nacional. A economia devorou a política.
Em suma, o que temos é uma economia à escala mundial que pouco tem a ver com as necessidades económicas dos povos.
Ora, se isto é verdade para a maioria dos Estados, sê-lo-á certamente com mais acuidade para os países “em vias de desenvolvimento”, saídos do processo de descolonização, na segunda metade do século XX.
6. Conclusão
Do atrás exposto, pode concluir-se que a primeira forma de imperialismo foi motivada essencialmente pela glória da conquista e que as “colónias” da Antiguidade eram pouco mais do que extensões emigradas da terra-mãe sem outros objectivos que não fossem a manutenção dos laços culturais. Ainda hoje é assim nas diásporas emigradas.
As conquistas científicas e tecnológicas dos europeus no século XV possibilitaram a exploração de novos continentes e, com ela, a divulgação da sua fé religiosa, o controlo de populações cultural e etnicamente diferentes, e o comércio de produtos e matérias-primas ali existentes, iniciando assim um novo tipo de colonização.
Com o advento da Revolução Industrial e das suas consequências, nomeadamente, a económica e, posteriormente, a luta pela hegemonia política, o colonialismo e o imperialismo interpenetram-se e confundem-se, levando ao domínio político, económico e cultural dos territórios conquistados, exercido por uma minoria oriunda das potências colonizadoras, tendo atingido o zénite imediatamente antes da I Guerra Mundial.
Com o fim da II Guerra Mundial, a Carta das Nações Unidas consagrou o princípio da autodeterminação dos povos, iniciando o processo de independência política das ex-colónias europeias, quedando-se os novos países, contudo, dependentes da lógica económica das ex-potências e participando num jogo de equilíbrio de poder e influência política que não desejavam.
Deste modo, o colonialismo clássico extinguiu-se, mas novas formas ocuparam o seu lugar. As nações que alcançaram a independência política não são necessariamente livres. As independências políticas foram apenas formais, subsistindo formas mais subtis de controlo e de subjugação.
A vitória do capitalismo liberal, em 1989, originou um avanço exponencial da globalização da economia e da tecnologia de comunicação, agravando ainda mais o ciclo vicioso de dependência dos países ditos “em vias de desenvolvimento” e alargando o fosso entre países ricos e pobres.
A dependência económica, existente desde há muito, estava, até recentemente, escondida pela dependência política colonial clássica e tradicional. Uma nação nominalmente independente está dependente economicamente quando as suas empresas económicas mais importantes são controladas por um país estrangeiro. Oficialmente, o seu governo toma as decisões no interesse nacional. Praticamente, contudo, se estrangeiros controlam as maiores concentrações de poder económico, terão certamente uma influência poderosa nas decisões do governo, e este é realmente o caso[56].
A globalização está a realçar uma linha de fractura profunda entre grupos que têm competências e mobilidade para progredirem em mercados globais e aqueles que as não possuem. Vive-se o começo de uma época onde são evidentes a expansão e a prosperidade mas, ao mesmo tempo, também a pobreza, a destruição ecológica e a degenerescência cultural que caracterizam a vida quotidiana da maior parte da humanidade, pois o fosso entre países ricos e países pobres aumentou. O neoliberalismo veio agravar ainda mais este problema.
O colonialismo e o imperialismo não se desvaneceram com a quebra dos laços políticos entre colonizados e colonizadores. As novas nações continuam presas na rede da dependência económica e financeira que constitui o núcleo central daqueles dois conceitos e que dificulta seriamente o seu desenvolvimento, não se antevendo uma saída para esta ordem internacional no médio prazo.
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* Este texto baseia-se num trabalho académico elaborado no âmbito do Mestrado em Estratégia.
[1] Samuel P. Huntington, “O choque das civilizações e a mudança na Ordem Mundial”, Gradiva, Lisboa, 1996, p. 57.
[2] Adriano Moreira, “Teoria das relações internacionais”, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 79-80.
[3] Hubert Deschamps, “La fin des empires coloniaux”, Presses Universitaires de France, Paris, 1969, p. 117.
[4] Biblioteca Universal, www.universal.pt/scripts/eum.exe/, 2004-03-02.
[5] H.J. Horvath, “A definition of colonialism” em Current Anthropology, vol. 13, nº 1, February 1972, p. 47.
[6] T.R. Adam, “Modern colonialism: Institutions and policies”, Doubleday & Co, New York, 1955, p. 3.
[7] Adriano Moreira, ob. cit., p. 438.
[8] Michael Doyle, “Empires”, Ithaca University Press, citado em Edward Said, “Culture and imperialism”, London, Chatto & Windus, 1993, p. 8.
[9] António de Sousa Lara, “Imperialismo, descolonização, subversão e dependência”, ISCSP, Lisboa, 2002, p. 15.
[10] www.michaelparenti.org/Imperialism101.html, 2004-03-02.
[11] Andrew Heywood, “Key concepts in politics”, Palgrave, Bristol, 2000, p. 245.
[12] Michael Nicholson, “International relations – A concise introduction”, Palgrave, Bristol, 2002, p. 69.
[13] Biblioteca Universal. www.universal.pt/tematicos/dicionarios.dll/, 2004-03-02.
[14] Sousa Lara, ob. cit., p. 16.
[15] Heywood, ob. cit., p. 245.
[16] Deschamps, ob. cit., p. 8.
[17] Enciclopédia Universal, www.universal.pt/scripts/eum/eum.exe/, 2004-03-02.
[18] Sousa Lara, ob. cit., p. 21.
[19] Moreira, ob. cit., pp. 80-81.
[20] Deschamps, ob. cit., p. 13.
[21] Sousa Lara, ob. cit., p. 25.
[22] Easton, ob. cit., p. 10.
[23] Organsky, ob. cit., pp 224-225.
[24] Deschamps, ob. cit., pp. 10-12.
[25] Deschamps, ob. cit., pp. 115-117.
[26] http://regentsprep.org/Regents/global/themes/imperialism/index.cfm, 2004-03-02.
[27] Moreira, ob. cit., pp. 80-81.
[28] Moreira, ob. cit., p. 80.
[29] Easton, ob. cit., pp. 8-11.
[30] Deschamps, ob. cit., p. 52-53.
[31] Moreira, ob. cit., pp. 440-441.
[32] Moreira, ob. cit., p. 82.
[33] www.mtholyoke.edu/acad/intrel/pol116/imperial.htm, 2004-03-02.
[34] J. Hobson, “Imperialism: A study”, University of Michigan Press, Ann Arbor, 1965, p. 85.
[35] Dougherty & Pfalzgraff, ob. cit., pp 550-551.
[36] Dougherty & Pfalzgraff, ob. cit., pp. 549-579.
[37] Dougherty & Pfalzgraff, ob. cit., p. 557.
[38] Joseph ªSchumpeter, “Imperialism and social classes”. P.M. Sweezy, Oxford, 1951, pp 5-6, citado em Dougherty & Pfalzgraff, ob. cit., p. 558.
[39] www.tutorgig.com/encyclopedia/getdefn.jsp?Keywords=Theories_of_New_Imperialism, 2004-03-13.
[40] Ibidem.
[41] Dougherty & Pfalzgraff, ob. Cit., p. 562.
[42] www.michaelparenti.org/Imperialism101.html, 2004-03-02.
[43] Stewart C. Easton, “The rise and fall of Western colonization – A historical survey from the early 19th century to the present”, F. A. Praeger, New York, 1964, pp 8-12.
[44] Sousa Lara, ob. cit., p. 25.
[45] A.F.K. Organsky, “World politics”, Knopf, New York, 1968, p. 227.
[46] Organsky, ob. cit., p. 229.
[47] Deschamps, ob. cit., p. 14.
[48] Deschamps, ob. cit., p. 119.
[49] www.michaelparenti.org/Imperialism101.html, 2004-03-02.
[50] Biblioteca Universal. www.universal.pt/tematicos/dicionarios.dll/, 2004-03-02.
[51] Organsky, ob. cit., p. 242.
[52] Sousa Lara, ob. cit., p. 37.
[53] Nicholson, ob.cit., p. 88.
[54] Luís Leitão Tomé, “O Estado e a nova ordem internacional – Entre a fragmentação e a globalização”, UAL, Lisboa, 2003, p. 17.
[55] Dougherty, James E. & Pfalzgraff Jr, Robert L., “Relações Internacionais: As teorias em confronto”, Gradiva, Lisboa, 2003, p. 99.
[56] Organsky, ob. cit., pp 245-252.
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