Major-general
João Jorge Botelho Vieira Borges
João Jorge Botelho Vieira Borges
1.Introdução*
No passado dia 6 de Fevereiro de 2015, foi publicada a nova Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy 2015 [1] – NSS 2015) dos Estados Unidos da América (EUA), a segunda da era Obama, desde a sua tomada de posse como Presidente, a 20 de Janeiro de 2009.
Aguardava-se, com alguma curiosidade, a publicação desta nova NSS (a última tinha sido publicada em Maio de 2010[2]), atrasada sistematicamente por questões internas, mas sobretudo pelos acontecimentos recentes, designadamente, pelo conflito da Ucrânia e pelo peso crescente do Estado Islâmico (na NSS 2015 citado como “Islamic State of Iraq and the Levant” – ISIL) enquanto pessoa coletiva não estadual.
Aparentemente “ganha” a batalha política do Iraque e do Afeganistão, com o cumprimento da prometida retração, o Presidente Obama e a administração democrata, precisavam de mostrar aos EUA e ao Mundo em geral as lições aprendidas da aplicabilidade da sua “Estratégia de Envolvimento Global” constante na NSS de 2010.
O facto de Obama ter assumido na praxis politica uma postura mais multilateral para enfrentar os conflitos internacionais, afastando-se, sempre que possível, de qualquer tipo de intervenção militar “direta”, nomeadamente, no que respeita aos conflitos na Síria, na Ucrânia ou decorrentes das múltiplas ações do Estado Islâmico, tem constituído uma fonte inesgotável de críticas, em especial por parte da oposição interna. Por outro lado, as opções recentes pelos cortes orçamentais na defesa e por uma aproximação estratégica ao Irão e a Cuba tem levado a debates internos, de tal modo intensos, que têm afetado inclusivamente a tradicional postura nacional de unidade relativamente às grandes questões de política externa ou de segurança e defesa nacional. Neste sentido, a nova NSS era esperada como “a resposta” estrutural, consistente, coerente e teórica a uma prática de difícil enquadramento conceptual em face do seu carácter de reatividade e discricionariedade.
Esta instabilidade ao nível da defesa, decorrente da retração do investimento numa área transversal e determinante para os EUA, mas também de opções estratégicas discutíveis, tem uma relação direta com o facto de Barack Obama já ter dado posse a quatro ministros da defesa (Secretary of Defense), desde que tomou posse em 2009, a saber: no início da sua administração, manteve o republicano Robert Gates no cargo (que vinha da administração Bush, desde 18 de dezembro de 2006), até Leon Panetta assumir funções, a 1 de julho de 2011; Panetta seria substituído por Chuck Hagel, a 27 de fevereiro de 2013, por razões ligadas aos sucessivos cortes orçamentais efetuados nas Forças Armadas; Hagel, por sua vez, deixaria as suas funções, menos de dois anos depois, por razões ligadas a stress e a opções estratégicas discutíveis ligadas ao Estado Islâmico; o novo ministro, Ashton B. Carter, foi secretário de estado da defesa entre 2011 e 2013 (como assumido “tecnocrata” fez carreira no ministério), tendo assumido as novas funções a 17 de Fevereiro de 2015, poucos dias depois da publicação da nova NSS (é um dos poucos Ministros da Defesa da História dos EUA que nunca usou uniforme).
Por outro lado, quer o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros (Secretary of State – John Kerry, que substituiu Hillary Clinton) quer a conselheira para a defesa nacional (National Security Adviser – Susan Rice, que substituiu Thomas Donilon) assumiram funções já em 2013, em plena segunda legislatura (Obama, a 21 de janeiro, Kerry, a 1 de fevereiro e Rice, a 1 de julho), denotando, ambos, alguma falta de “habilidade política” para resolverem as questões mais sensíveis.
Vejamos agora de modo mais objetivo as grandes linhas caracterizadoras da nova NSS 2015.
2. A nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA 2015
Para quem tem bem presente todas as NSS dos EUA e em particular a de 2010, a primeira constatação é que este documento, estruturante da estratégia nacional de segurança dos EUA, apresenta uma clara linha de continuidade política, ideológica e inclusivamente de forma e metodologia, com o documento de 2010.
A nova NSS 2015 constitui um dos mais reduzidos documentos dos últimos anos, com apenas 29 páginas, e começa pelo tradicional prefácio do Presidente, detentor de mensagens claramente políticas no que concerne ao trabalho desenvolvido pela sua administração, desde a retração do Iraque e Afeganistão (de 180.000 militares para os atuais 15.000), à criação de novos 11 milhões de empregos, passando pela melhoria da situação económica dos EUA. Destaca ainda, nas duas páginas da “Casa Branca”, as principais linhas estratégicas da NSS, desde o rebalancear estratégico para a Ásia e o Pacífico, até à imperiosidade da liderança global por parte dos EUA, passando pela paciência estratégica e persistência, enquanto modo de enfrentar os novos desafios. Aborda ainda, de modo particularmente irónico, e fundamentalmente para consumo interno, a necessidade de negociar os orçamentos para a defesa com o Congresso, assim como a importância da unidade nacional em termos de consensos, condição que considera indispensável para a necessária liderança global por parte dos EUA. Este texto está em clara sintonia com o discurso do Estado da União, que Barack Obama proferira a 20 de janeiro de 2015, na Câmara dos Representantes[3].
Em vez da “aproximação estratégica” constante na NSS de 2010, segue-se agora uma “introdução” relacionada com a caracterização das ações desenvolvidas pela administração Obama e com as ameaças e riscos ao Mundo liderado pelos EUA. Sublinha, com especial ênfase, a forma como os EUA devem continuar a liderar:
“ – com propósito;
– com força;
– pelo exemplo;
– com parceiros capazes;
– com todos os instrumentos do poder nacional;
– e com uma perspetiva de longo prazo”.
Depois de um conteúdo trabalhado metodologicamente na mesma linha dos interesses nacionais, constantes na NSS 2010, apresenta umas “conclusões” resumidas a pouco mais de uma dezena de linhas, que traduzem a agenda e os objetivos da NSS 2015, fundamentalmente do imperativo e da indispensabilidade dos EUA em liderarem o sistema político internacional.
Obama assume a superioridade militar para fazer face às ameaças múltiplas, mas também a necessidade de continuar a perseguir uma estratégia nacional de liderança global, o que é reforçado na última frase do documento, onde assume que “…a liderança dos EUA neste século, tal como no anterior, continua a ser indispensável”.
O conteúdo da NSS 2015 continua sustentado e organizado pelos mesmos quatro interesses nacionais dos EUA definidos em 2010, ou seja:
– Segurança (dos EUA, dos seus cidadãos, dos aliados e dos parceiros dos EUA);
– Prosperidade (economia forte, inovadora e em crescimento, num sistema económico internacional liberal e aberto);
– Valores (respeito pelos valores internacionais, quer internamente quer externamente);
– Ordem Internacional (que promova a paz, a segurança e a oportunidade, através de uma cooperação reforçada).
Os objetivos políticos, decorrentes dos referidos interesses nacionais, são ligeiramente diferentes dos explícitos na NSS 2010 e são agora materializados do seguinte modo:
“– Segurança; Fortalecer a segurança e defesa nacional; Reforçar a segurança interna; Combater a persistente ameaça do terrorismo; Construir capacidades para prevenir conflitos; Prevenir a proliferação e o uso das armas de destruição massiva; Enfrentar as mudanças climáticas; Assegurar o acesso a espaços partilhados; Incrementar a segurança global ao nível da Saúde;
– Prosperidade; Colocar a Economia a funcionar; Melhorar a segurança energética; Liderar em ciência, tecnologia e inovação; Moldar a ordem económica global; Acabar com a pobreza extrema;
– Valores; Viver os valores; Reforçar a equidade; Apoiar as democracias emergentes; Capacitar a sociedade civil e as lideranças jovens; Prevenir eventos catastróficos em massa;
– Ordem Internacional; Avançar com o reequilíbrio para a Ásia e o Pacífico; Fortalecer a aliança duradoura com a Europa; Buscar a estabilidade e a paz no médio-oriente e no norte de África; Investir no futuro de África; Aprofundar a cooperação económica e de segurança com as Américas”.
A nova NSS continua sem definir prioridades no que respeita aos interesses nacionais ou aos objetivos políticos nacionais. As linhas de ação estratégica não se traduzem em verdadeiras estratégias para atingir os objetivos, o que tem sido alvo das críticas dos republicanos, que traduzem os objetivos políticos numa espécie de “lista de desejos”. A ausência do estabelecimento de prioridades tem relação com o assumir de que os EUA não têm poder ilimitado. Por outro lado, o ritmo acelerado dos acontecimentos e a alteração rápida das conjunturas estratégicas e geopolíticas leva inevitavelmente a uma postura defensiva relativamente a listas de prioridades meramente conjunturais e idealistas. Foi o caso do apoio à oposição Síria, em 2011 e 2012, que pouco depois optava pelos extremistas jihadistas, colocando os EUA numa posição delicada.
Em geral, e para além desta “tradição” das NSS dos EUA (a ausência das prioridades), podemos associar a continuidade do planeamento e do pensamento estratégico de Obama aos seguintes aspetos:
– continua a salvaguardar os valores nacionais (liberdade, democracia, respeito pelos direitos do homem e estado de direito), os interesses nacionais e a American Way of Life (o liberalismo democrático republicano);
– continua a utilizar os três pilares do planeamento estratégico, desde o institucional (com o National Security Council e a hierarquia dos comités), à “Academia”, passando pelo Congresso (mantendo-se os conflitos relacionados com o orçamento…);
– continua a enfatizar as principais “questões democratas”, como as alterações climáticas, a pobreza extrema, os direitos humanos, e os abusos baseados no género e noutros tipos de discriminação;
– continua a reduzir a intervenção das Forças Armadas na resolução dos conflitos mundiais, em detrimento de intervenções que denomina de mais inteligentes e holísticas;
– continua a reinvestir na Ásia e no Pacífico em termos geopolíticos (a longo prazo e em várias áreas), apesar das questões prementes da Rússia (Ucrânia), do Estado Islâmico, do crescimento da China, da proliferação nuclear, da segurança cibernética, etc..
Em termos globais e comparando a nova grande estratégia com a NSS de 2010, nota-se, no entanto, a evolução para uma postura mais firme e assumida de liderança mundial, apesar de tudo, diferente da anterior administração Bush. Obama assume de modo explícito o papel da liderança dos EUA na construção da paz mundial, justificando que ninguém resolve os conflitos internacionais sem a participação dos EUA. Esta postura chega a ultrapassar os limites do aceitável (a palavra liderar – no contexto dos EUA –, aparece por 94 vezes ao longo do texto!) e a criar algumas reações menos positivas por parte de outros atores internacionais, como a Rússia.
Barack Obama opta pela denominada “paciência estratégica”, deliberadamente criticada pelos republicanos, que seriam certamente mais intervencionistas e menos “pacientes” relativamente à Rússia, ao Estado Islâmico, ao Irão e a Cuba. Na visão da administração democrata, a “paciência estratégica” não se traduz em contenção ou relutância, mas decorre da experiência consolidada de que os problemas importantes não se resolvem em dois dias, mas aliando a persistência ao fator tempo.
Na prática, e em primeira linha da grande estratégia norte-americana, está a necessidade dos EUA continuarem a liderar economicamente o Mundo, nem que seja necessário, como tem sido, alterar o rumo dos interesses nacionais para a Ásia e para o Pacífico (que representa um sentido de futuro pouco usual nas NSS dos EUA). Para sustentar esse desiderato, e de acordo com o disposto na NSS 2015, os EUA têm de saber “utilizar judiciosamente as suas Forças Armadas”. A “paciência estratégica” tem sido utilizada por Obama como o principal meio de resolução dos problemas estruturais que assolam o Mundo e que não se resolvem em dias, meses ou anos. Esta estratégia de cariz multilateral visa influenciar a evolução das situações, aproveitar as oportunidades que são criadas, e gerir os riscos que se apresentam. Na realidade, a nova estratégia resulta da aplicação das lições aprendidas do Vietname, do Iraque e do Afeganistão. Neste âmbito, podemos enquadrar a aplicação cuidada da reorientação estratégica para a Ásia e o Pacífico, opção estratégica que Obama assume ser algo estrutural, que não se pode circunscrever a uma ou duas administrações. No entanto, uma consequência claramente conjuntural diz respeito a situações complexas como as que se vivem na Síria e na Ucrânia, porque nunca se sabe qual o momento, o ponto ou a linha a partir da qual as reações podem assumir proporções inaceitáveis.
A NSS 2015 introduz novas questões como a corrida do espaço, a aproximação a Cuba e a estabilidade no continente americano, a prioridade económica e militar atribuída ao continente africano (inclusivamente, o apoio à União Africana – UA, um espaço de intervenção e procura de recursos por parte da China), o reforço da parceria estratégica e económica com a Índia (sem colocar em causa a relação deste país com a Rússia e a China), a tentativa de agregar a ASEAN, a utilização deliberada do G20 e da OMC para reforçar o peso económico e, entre outras, a complexidade das relações com a Rússia, que reforça o peso da geopolítica, entretanto esquecida do léxico das anteriores NSS. Uma questão inovadora e muito importante diz respeito à busca da “autonomia energética”, que tem ditado a baixa do preço do petróleo, e consequente uma maior estabilidade financeira dos EUA. Obama destaca, ainda, a necessidade de negociar com o Irão (xiita), fundamentalmente para reduzir a proliferação das armas de destruição massiva, mas também para agregar mais aliados na luta contra o ISIS (sunita) e para estabilizar a região do Médio-Oriente.
Em face da evolução da situação da Rússia no contexto do conflito da Ucrânia, a NSS 2015 deixou cair os denominados “centros chave de influência do século XXI”, que, em 2010, incluíam a Rússia, a China e a Índia. No entanto, a deslocalização económica e política para a Ásia e o Pacífico continua, designadamente, no esforço dirigido no sentido da China e muito particularmente da Índia.
Em detrimento desta reorientação, o Atlântico e a Europa perderem o peso estratégico e geopolítico de outros tempos. A relação com a Europa, pedra de toque do envolvimento dos EUA no Mundo, passou, no entanto, a ter um sentido de maior responsabilidade do que em 2010, considerando as consequências da instabilidade económica, que tem levado a aproximações geopolíticas por parte da Grécia à Rússia ou à “omissão parcial” do conflito da Ucrânia. Nas entrelinhas do documento consegue ler-se que cabe à Europa um papel muito mais interventivo na sua região de influência (Leste e Sul – do Mediterrâneo – da Europa).
A NSS de 2015 já não contempla as “nações influenciadoras” (que em 2010 incluía o Brasil, a África do Sul e a Indonésia), nem é tão explícita quanto ao esforço a desenvolver no sentido de reforçar parcerias específicas, como é o caso de Israel. Em linha com a NSS 2010, o G20 continua a ser considerado como o principal fórum internacional de cooperação económica, em detrimento do G8.
Em vez do enunciado das ameaças constantes na NSS de 2010[4], a nova Estratégia de Segurança Nacional identifica claramente os “riscos estratégicos aos interesses nacionais”, a saber:
“ – Ataque catastrófico ao território dos EUA ou a infraestruturas criticas;
– Ameaças ou ataques contra cidadãos norte-americanos no estrangeiro ou contra aliados;
– Crise económica global ou desaceleração económica generalizada;
– Proliferação e/ou uso de armas de destruição em massa;
– Surtos infeciosos globais de doenças graves;
– Mudança climática;
– Grandes perturbações do mercado energético;
– Consequências significativas para a segurança associadas as estados fracos e falhados (incluindo atrocidades em massa, conflitos regionais, e crime organizado transnacional)”.
A nova estratégia continua a não caracterizar devidamente as ameaças e os riscos. Na parte relativa ao interesse “Segurança”, a NSS refere inclusivamente que, para fazer face a estes riscos e ameaças, “o uso da força não será a primeira escolha, mas será uma escolha necessária em algumas situações”. Para além do terrorismo, a prioridade da segurança vai explicitamente para as armas de destruição massiva, a mudança climática, os espaços partilhados (e em especial o ciber) e as pandemias.
Relativamente ao interesse “Segurança”, é de sublinhar o objetivo político “combater a ameaça persistente do terrorismo”, perspetiva discutível e inclusivamente incorreta do ponto de vista conceptual, pois volta a colocar o terrorismo ao nível da ameaça, em vez da tática ou do modo de combate. Esta perspetiva, presente nas NSS de Bush e na “global war on terrorism”, tem sido alvo de debates internos e terá levado inclusivamente à demissão do último ministro da defesa. Sublinha, ainda, a necessidade de desenvolver operações contraterroristas com parceiros responsáveis, mas também a importância de medidas preventivas do extremismo religioso. Rejeitando deliberadamente que os EUA e os aliados estão em guerra contra o Islão, assume que a luta continuará a ser desenvolvida, de modo legal e não só com as armas, em países como a Somália, o Afeganistão e o Iraque. A al-Qaeda e o ISIL (citado por 11 vezes no documento), assim como os seus apoiantes ou filiados, são a verdadeira ameaça, que deve ser combatida em várias frentes e com o apoio dos aliados. O terrorismo transnacional, que foi determinante a partir de 2001 na definição da estratégia de segurança nacional dos EUA (muito para além do planeamento, e dos documentos e planos estratégicos), continua a ser importante, mesmo considerando que uma das piores opções por parte da administração americana continua a ser “dar espaço, tempo, visibilidade e importância aos terroristas e às suas ações”.
Tal como na “Estratégia de Envolvimento Global” de 2010, a nova “Paciência Estratégica” de 2015 faz uso de todos os instrumentos de poder, incluindo uma perspetiva assumidamente multilateral. Por outro lado, é percetível a redução gradual do peso do fator militar, relativamente ao económico, ao político e mesmo ao cultural. No entanto, os anúncios recentes de apoio militar à Ucrânia e de uma campanha militar contra o Estado Islâmico são demonstrativos de que também Obama pode perder a paciência (estratégica e não só). Assiste-se ao contraditório entre as boas intenções transcritas para a NSS e a realidade pura e dura. Se a contraparte não respeita as mesmas regras, o choque é inevitável. É a teoria realista das relações internacionais no seu melhor.
Depois de alguns troféus importantes, como a morte de Osama bin Laden, o final da missão no Iraque e no Afeganistão, e a campanha contra o Ébola, esta postura estratégica tem, no entanto, as limitações decorrentes de Obama já não poder concorrer a nova corrida eleitoral, e de os republicanos estarem em crescendo no Congresso. Por outro lado, pode dar-lhe uma liberdade de ação para novos caminhos, caso das aproximações, por razões diferentes, a Cuba e ao Irão.
3. Considerações finais
A nova Estratégia de Segurança dos EUA 2015 continua a ser um documento estruturante da Grande Estratégia da maior potência global, premeditadamente dissuasor para as ameaças e riscos, didaticamente orientador para todos os organismos dos EUA, e explicitamente mentor para todos os cidadãos americanos em geral.
A sua leitura e reflexão são importantes, apesar de termos a noção de que não será coincidente com apraxis política ou militar, ou seja, com as decisões críticas da Casa Branca e as ações de risco no “terreno”. Felizmente, nunca existiram, não existem, nem nunca existirão estratégias mais ou menos globais para intervenção ideal no sistema político internacional. Certamente que nunca haverá uma estratégia de segurança nacional perfeita que se substitua ao Presidente ou à sua administração. Seguramente que nem tudo poderá ser escrito num documento como este, pois isso constituiria um trunfo dos inimigos da liberdade, da igualdade e da democracia.
O planeamento estratégico dos EUA, materializado nas sucessivas NSS, continua a ser “determinado” pelos valores e interesses dos EUA e pelo “American Way of Life”, com estratégias baseadas em critérios de adequabilidade, de viabilidade e de aceitabilidade, dominadas pelo Presidente e pela responsabilidade de “Liderar” e/ou “Moldar” a Ordem Internacional.
Possivelmente, o futuro continuará a ser incerto, e o presente complexo, por muitas estratégias de segurança nacional que se publiquem. Nesse sentido, o poder discricionário dos líderes mundiais será sempre determinante na escolha dos meios para se atingirem determinados objetivos, em especial quando se trata do Presidente dos EUA. Barack Obama acredita numa ordem internacional sustentada em regras constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem. No entanto, a realidade do sistema político internacional é ditadora: continuaremos a ter estados, organizações e pessoas coletivas, ou não, que, para atingirem os seus objetivos políticos, optam pelo caos, desrespeitando sistematicamente o direito internacional. Nessas situações, a resposta aos déspotas, com mais ou menos paciência, com maior ou menor participação dos EUA, terá de ser prioritariamente multilateral, oportuna, realista e exequível.
A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA de 2015 parece longe de se apresentar como perfeita, mas representa uma visão e apresenta alguns caminhos que visam garantir a American Way of Life, salvaguardando valores preciosos como os da liberdade e da democracia.
Saibam os norte-americanos cumprir e teremos certamente um Mundo melhor.
* O presente artigo tem por base o texto complementar à obra “Borges, João Vieira, O Terrorismo Transnacional e o Planeamento Estratégico de Segurança Nacional dos EUA, Fronteira do Caos, Porto, 2013”, elaborado pelo autor e disponibilizado pela editora Fronteira do Caos no lançamento do livro, na Casa do Infante, na cidade do Porto, a 23 de Março de 2015. Um agradecimento muito especial ao Coronel Nuno Lemos Pires, pelos pertinentes comentários e sugestões.
[1] Ver em: https://www.whitehouse.gov/sites/default/files/docs/2015_national_security _strategy_2.pdf.
[2] De acordo com o Goldwater-Nichols Department of Defense Reorganization Act de 1986, o Presidente dos EUA passou a ser obrigado a apresentar anualmente, ao Congresso, um relatório da Estratégia de Segurança Nacional, documento em que o Presidente deve incluir “os valores, os interesses nacionais e os objetivos chave”. No entanto, a regularidade não tem sido apanágio dos diferentes presidentes (Barack Obama – 2015, 2010; George Bush – 2006, 2002; Bill Clinton – 2001, 2000, 1998, 1997, 1996, 1995, 1994; George H. Bush – 1993, 1991, 1990; Ronald Reagan – 1988, 1987). Ver em: http://nssarchive.us/.
[3] Consultar “President Obama`s 2015 State of the Union Address” em: https://www.whitehouse.gov/sotu. Este discurso, apesar de uma forte componente política tem um peso considerável em termos de política interna, constituindo uma referência da grande estratégia dos EUA para cada administração. Por outro lado, o discurso que o presidente normalmente profere na Academia Militar de West Point, durante o mês de maio de cada ano, constitui uma referência relativamente à estratégia militar (ver o discurso de Obama, em West Point, a 28 de maio de 2014, em https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2014/05/28/remarks-president-united-states-military-academy-commencement-ceremony).
[4] Descritas do seguinte modo: al-Qaeda; extremistas violentos (em especial os que usam o terrorismo como arma); mudança climática; conflitos armados; pandemias; proliferação de ADM (e em particular a sua posse por extremistas violentos); redes criminais globais (em especial tráfico de drogas e fluxo ilegal de pessoas e bens); ameaças assimétricas, como as que visam atingir a nossa dependência do espaço e do ciberespaço; e ameaças ao sistema financeiro global.
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