Comissão Política da Frelimo terá decidido dar oportunidade à paz?
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Muitas vezes toma-se decisões que trazem consequências inesperadas e surpreendentes.
Os ataques contra a comitiva de Afonso Dlahkama, presidente da Renamo, poderiam ter alterado de maneira violenta a história de Moçambique.
Com ou sem a morte dele, a reacção esperada pelos que decidiram o ataque seria ver a Renamo optando pela retaliação directa e violenta. Isso traria a guerra de regresso, e o país mergulharia no caos.
Alguém quer o caos, embora venda a imagem de quem quer a Constituição vigorando e o país em paz. A soma de interesses que eventualmente podem entrar em risco ou mesmo em colapso é enorme para algumas pessoas.
Os malabarismos verbais e pretensões de outra natureza não escondem a realidade de quem manda em Moçambique.
Ainda se vive um presente com uma enorme carga do passado.
Existe um Governo submetido à agenda da Frelimo, comandada por uma poderosa Comissão Política.
Se as coisas chegaram ao perigoso ponto em que ataques ao líder da Renamo foram concretizados, é preciso ter a honestidade de dizer que nada disso teria acontecido sem o sancionamento de alguém. E logicamente que só sanciona quem tem poder.
Também é previsível que se levantem vozes exigindo provas disto e daquilo.
Mas para a “sabedoria popular” não restam dúvidas quanto à origem ou inspiração dos cobardes ataques ocorridos em Manica.
Quando se dizia que na Frelimo há alas em processo agudo de clivagem, embora fosse visível, os defensores da coesão corroída continuavam defendendo que isso era algo estranho à Frelimo.
Depois de processos complexos e negociados de transição do poder, parece que quem deveria estar gozando a reforma se recusa. AEG ressuscitou e demonstra-se politicamente activo.
O presidente honorário da Frelimo, Joaquim Chissano, continua no activo e espalhando a sua “sabedoria”.
Pessoas com um passado de combate anticolonial e calejado nas lides militares durante a guerra civil, na reserva ou no activo, aparecem na praça pública promovendo a intolerância, pelo menos verbal.
Num processo em que o PR Filipe Nyusi ainda “não domina os cantos da casa” nem tem influência decisiva nos meandros do seu partido, torna-se demasiado fácil forçar agendas variadas e conseguir que sejam implementadas.
Colocados entre admitir o facto de que a popularidade de Afonso Dlahkama era crescente e incontornável, alguém terá decidido que convinha eliminar fisicamente AMMD como forma de limpar o caminho.
Desse modo, vários objectivos seriam alcançados. Redefinição dos detentores reais do poder face à nova realidade, garantia de que interesses patrimoniais não seriam tocados nem molestados, segurança de que nenhum processo judicial seria iniciado, são alguns dos objectivos que a eventual morte de AMMD facilitaria.
A logística de uma operação da envergadura que tiveram os ataques só pode ser acessível a organizações com recursos de todo o tipo.
A bem da nação e por questões de lógica e realismo, é preciso olhar para a nossa situação com olhos de ver. De nada valerá lamentar amanhã o que sabíamos que alguém estava maquinando contra Moçambique. Também não vale a pena trazer para a mesa a tristemente famosa “mão externa”, quando tudo indica que é uma forte “mão interna” que acciona mecanismos que desestabilizam o país.
Existe percepção política ampla para identificar os interesses em jogo sem margem para erros ou dúvidas.
Então, o que atrasa a concórdia básica no país? Egos exacerbados e intolerância estão entravando a paz. Não é uma questão de ideologia que se apresenta defunta ou moribunda que afasta as pessoas de um diálogo genuíno a favor da paz e da estabilidade.
Está à vista de todos que as alegações que no passado levaram a emergência de divisões no movimento nacionalista eram de base falsa. Era o poder que estava em causa. E houve quem se decidisse pela via da eliminação física dos adversários que jamais foram inimigos.
Hoje queriam repetir as receitas do passado, mas viram suas intenções goradas.
Um país constrói-se com sacrifícios concretos, e os compatriotas que perderam a vida num quadro ainda não oficialmente explicado, são irmãos que tombaram porque a intolerância prevalece.
Cinismo camuflado em sabedoria e seriedade, em sentido de Estado e em teses estranhamente constitucionalistas colocaram o país em perigo de guerra.
Agora que se levantam as nuvens negras, esperemos que haja responsabilidade para travar e afastar os senhores ávidos e desejosos de guerra dos corredores do poder.
As FADM e a PRM, embora manifestamente partidarizadas, devem obedecer a um comando único. E só com o reconhecimento dessa realidade se pode partir para a construção de um exército único apartidário assim como uma Polícia nacional que não responda a comandos situados na Comissão Política da Frelimo.
Há que dar um “basta!” a tentativas de golpear o Estado de Direito em Moçambique.
O actual presidente da República do Congo tentou e conseguiu ascender ao poder através da utilização de uma milícia. Em Moçambique, é preciso evitar que gente à civil se organize e ataque partidos legalmente estabelecidos.
As justificações preparadas não servirão de muito quando o país estiver ardendo.
Falhada ou abortada a golpada constitucional desenhada em certos círculos, terá havido um “forcing” para uma solução militar, a despeito do reconhecimento implícito do novo PR pela oposição?
Face ao perigo iminente que o país atravessou, todas as perguntas são pertinentes.
Agora que parece que os ânimos amainaram e o líder da Renamo regressa ao convívio dos seus familiares e para a política pública, adivinham-se desafios novos.
Questões concretas devem estar preparadas para abordagem e decisão pelas lideranças da Frelimo e Renamo.
Os “jogos de empurra” visando prolongar a situação não servem para promover a paz tão propalada.
Há uma responsabilidade de o Governo remover os “executores de emboscadas” do terreno, sem “histórias nem historietas”.
A credibilidade dos mediadores e de outros facilitadores está em jogo mais uma vez, e o país aguarda ansioso pelos próximos desenvolvimentos.
Uma participação mais musculada dos parceiros externos é de desejar neste momento em que se registam hesitações internas quanto à via a seguir.
O conjunto dos partidos políticos da oposição, assim como segmentos da sociedade civil e confissões religiosas, podem ser instrumentais para o sucesso do diálogo no país. Mas qualquer intervenção e participação devem revestir-se de equidistância. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 09.10.2015
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