Uma das coisas mais interessantes,
hoje, em Moçambique
é que quase todas as pessoas
com algum título universitá-
rio (não importa de qual universidade)
reclamam-se académicas, intelectuais
e comentadores. Todos podem se dizem
poder analisar. Isso é encorajador
e pode ser esclarecedor do conteúdo
político da nossa sociedade.
Talvez sejamos um país democrático
(reduzo para esse caso democracia
como possibilidade de exercer a liberdade
negativa e positiva sem constri-
ção)!!!! Mas uma das questões que me
tenho colocado nos últimos tempos
em relação a essa «evolução» é se esse
movimento significa mais debate em
Moçambique.
Ao questionar-me dessa forma é
porque estou perplexo em relação ao
conteúdo dessas «discussões», desses
comentários. Estou no fundo a interrogar-me
sobre a validade e a consequencialidade
desses ditos «debates»,
sobretudo daqueles que, deveras vezes,
se tem intitulado de académicos ou
ainda de intelectuais.
Em Moçambique há um grupo de
pessoas que está a estruturar o seu
pensamento dentro de uma matriz
do rigor científico, que produzem um
trabalho intelectual e análises que nascem
do seu trabalho que vem com eles
com mais de 20 ou 30 ou mesmo 10
ou mais anos de trabalho. Não é a esses
que este pequeno texto se dirige.
O meu texto pretende reflectir sobre
o que é que o dito debate público nos
traz em termos de reestruturação da
nossa compreensão dos fenómenos
no país. Como é que é possível que
um Historiador que nunca trabalhou
sobre o ambiente aceite discutir sobre
questões ambientais, sabendo que o
seu conhecimento é apenas «conhecimento
ordinário» como diz Michel. Ao mesmo tempo coloca as
suas opiniões em forma de sentenças
explicativas e menos compreensivas
ou ao menos interrogativas, ou seja,
transforma a sua «ilusão do imediato»
(Bourdieu) em verdades ou imperativos
categóricos (Kant).
Maior parte das discussões que passam
na nossa esfera pública, sempre excepcionando
algumas, muitas vezes estão
carregadas de muita carga normativa
ou mesmo acabam transformando o
espaço público num lugar de «normação»
e «normalização» (Foucault),
o que significa que os seus posicionamentos
estão carregados de conteúdos
a-estruturados ou ainda a-investigados.
Isso faz-me recordar que em 1989,
quando Gaston Bachelard publicou «la
formation de l’esprit scientifique», logo
nas primeiras páginas chamava-nos
atenção para evitarmos o entusiasmo
fácil e construirmos aquilo que ele
chamou de «paciência científica».
Ao olhar para a forma como a maior
parte dos debates são feitos na nossa
esfera pública, fico com a impressão
que se banalizou o espaço público
tornando-o num estado concreto,
aquela fase em que o espírito humano
confia nas primeiras imagens que lhe
aparecem. No fundo os nossos debates
públicos, na sua grande maioria, não
sendo capazes de construir a consci-
ência científica dolorosa que põe em
causa todo o dogmatismo e rapidez de
análise, criam e espalham a «ignorância
pública».
Penso que quando Platão se reclamava
dos imediatistas (sofistas) através
do mito da caverna (VII livro da A
República) tinha razão, pois que essas
pessoas, que são imediatistas que
estão ainda dominadas por certezas
imediatas e às vezes com poucos fundamentos,
são perigosas para aquilo
que Oskar Negt chamou de «espaço
público oposicional».
Se um espaço público oposicional é um
espaço de debate de ideias, de reflexividade,
de costuração de um pensamento
que consigo traz modificações profundas
na compreensão do que é o nosso
país, podemos dizer que o debate em
Moçambique existe em poucas circunstâncias
naquilo que chamamos de
esfera pública. Quando Habermas publicitou
o conceito de espaço público
queria frisar que a modernidade tinha
produzido o sujeito capaz de pensar e
de reflectir criticamente, aliás, esse é o
sentido que a modernidade deu a esse
conceito de sujeito. Há sujeitos críticos
nesses debates? Um debate é igualmente
uma questão de coerência de
posicionamentos diferentes que valem
pela sua capacidade de produzir visões
críticas sobre um determinado processo
ou fenómeno. Em Moçambique
é bastante comum e até normal que
um mesmo indivíduo quando estiver,
por exemplo, discutindo, digamos, o
problema da democracia ou da liberdade
em Moçambique, ser ao mesmo
tempo liberal, neo-liberal, comunista,
anti-capitalista sem que compreenda
as contradições, dimensões contraditórias
que está a cometer e que acompanham
os conceitos fundamentais
que usa para discutir. Isso para mim
pode revelar que mesmo que se tenha
dado espaço a todos para participarem
dessa «esfera pública», essa participa-
ção é ou tem sido pouco substancial
em termos do seu conteúdo. Longe de
discutirmos os fundamentos mesmo
dos nossos posicionamentos e verifi-
carmos se os nossos argumentos são
sistemáticos, fica-se no pitoresco ou
naquilo que Campanella e Maquiavel
de formas diferentes chamaram de pitoresco
e traduzido hoje pour Bouvier
como simples demagogia. Maior parte
dos debates em Moçambique são fundados
em opiniões sem conteúdo analítico
e com problemas profundos de
abstração e demonstração. O debate
transforma-se em a-debate.
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