Moçambique existe mas a nação tarda em nascer
Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
O tambor tocou, mas logo depois furou-se.
Todos rejubilaram a 25 de Junho de 1975, mas foi “Sol de pouca dura”.
Após um “parto” difícil e complexo, Moçambique ascendeu à sua Independência, mas a sua génese por vezes atrapalha os passos subsequentes.
Se olharmos para trás teremos de reconhecer que o nosso país surge sob o signo da exclusão política. Uma descolonização atabalhoada, apressada e sob fortes influências dos titulares da Guerra Fria deu azo a que os grupos negociadores assinassem acordos discriminatórios. Havia que resolver o assunto rapidamente, independentemente do que pensassem ou sentissem os outros. Este desprezo manifesto da existência dos outros tem sido a contínua fonte de desavenças e crise no país.
Por mais que alguns queriam atribuir razões históricas e políticas para o ocorrido, torna-se evidente que a conjuntura, naquele longínquo 1975, só contribuiu, mas não foi decisiva para o que veio depois da proclamação da Independência. Havia uma predisposição de excluir que se foi construindo ao longo dos anos em que se travou a batalha pela libertação nacional.
Conceitos e posturas colocaram moçambicanos contra moçambicanos num processo artificial e de inspiração endógena e exógena. Emularam-se valores que promoviam a separação, a classificação de uns como revolucionários e defensores da linha correcta e outros como reaccionários e agentes do imperialismo.
Onde estão os revolucionários hoje? Quem afinal é que é reaccionário?
Assiste-se a um espectáculo folclórico denominado “Chama da Unidade”, e isso só consubstancia a tese de que o país existe, mas que a nação tarda em nascer. Onde há sentido de pátria, não se recorre a espectáculos mediatizados para mostrar que se está unido. A unidade tarda em surgir e manifestar-se porque houve, durante décadas, a tendência de que tudo se fazia e se resumia a “palavras de ordem”.
Impor de cima para baixo que o tribalismo acabasse não determinou a sua erradicação. As assimetrias concretas que se verificam no país, os compadrios e a dita “confiança política”, eleitas forma de escolher quem ocupa os cargos apetecíveis, acabam por desmentir todo um discurso de unidade e de destino comum.
Até nem é preciso telescópio para ver que os destinos divergem e que até o apelido ostentado serve para ganhar vantagens sobre os outros. Quando isso não basta, exibe-se o cartão vermelho para se ter os problemas resolvidos.
Quarenta anos de Independência são algo para comemorar, mas sobretudo para reflectir. Aparentemente, os meios de comunicação social públicos e outros dão primazia a entrevistas com “ilustres veteranos” da luta independentista, e nesse aspecto não há como fugir.
Mas o conteúdo das entrevistas é que se torna problemático ao revelar que ainda se continua a acreditar nos fundamentos da exclusão. Os entrevistados dizem que se construiu o Estado moçambicano, mas não são capazes de dizer com frontalidade que, no processo, se cometeram erros graves, que se cometeram crimes contra os Direitos Humanos, que se estabeleceu uma ditadura política, que se abraçou um monocromatismo político debilitante e contra a moçambicanidade.
Não há moçambicano que conteste os benefícios e razão de ser da Independência.
Mas existe toda a razão em questionar as coisas, quando um grupo de pessoas se assenhora do país e o transforma em sua propriedade privada.
Olhar para atrás e para os dias de hoje com olhos de ver significa assumir que se tem de continuar a trabalhar para construir a nação moçambicana.
Os brilhantes teóricos de esquerda moscovita ou de Pequim que assumiram papel de relevo nos primórdios da Independência precisam de testemunhar, mas também de serem humildes e reconhecerem que o seu legado histórico fica manchado sempre que se colocam ao lado de supostos “puros revolucionários” que não erram e que tudo fizeram bem.
“Escangalharam o aparelho de Estado colonial” e, em seu lugar, estabeleceram um sistema de governação baseado em orientações de uma cúpula que se supunha omnisciente e omnipotente.
Hoje, quarenta anos depois, chocamos com a triste realidade de que ainda não somos uma nação.
Não se pode reduzir tudo a expressões como “não havia outra maneira” de fazer as coisas.
Não é justificável que se tenha morto pessoas por razões ideológicas. A unidade nacional propalada precisa de cimento aglutinador, que se pode resumir na capacidade de assumir que a pátria, a bandeira, o território pertence a todos moçambicanos.
Tem sido uma persistente e irredutível postura de superioridade e de direitos especiais de certas pessoas que complicam a emergência daquela moçambicanidade ansiada.
Os processos históricos não são lineares, mas cabe às lideranças políticas e sociais aligeirarem e aperfeiçoarem modelos de coabitação político-sociais promotores da paz e concórdia.
Na discussão actual sobre assuntos de suma importância para o país, ainda se revelam resquícios daquela maneira de estar e fazer similares aos tempos do partido único. Parece que as “cedências” não são fruto do entendimento de que temos um destino comum. Existe um manifesto jogo demagógico e contraproducente na mesa. Querem listas de forças ditas residuais a desmobilizar e a integrar, mas, quando tinham aquele Exército unificado do pós-Roma, apressaram-se em delinear formas de encostar à parede os militares provenientes da guerrilha da Renamo. Souberam transferir e enquadrar operativos do antigo SNASP na PRM para continuarem a possuir peças-chave no aparato de defesa e segurança. Colocaram na reserva o oficialato proveniente da Renamo numa acção que praticamente ressuscitou as FPLM. Numa estratégia desenhada para a manutenção do poder por todos os meios, enveredaram pelo formalismo e constitucionalismo, reduzindo e limitando a emergência de entendimentos estruturantes.
As reclamações na esfera política denotam e demonstram que existe fome de democracia, escasseia a honestidade negocial e que prevalece a cultura da superioridade ideológica, mesmo quando esta realmente morreu e foi enterrada.
Recolocar o país nos carris passa pela aceitação dos outros e pela flexibilidade política.
Ninguém está contra as comemorações dos 40 anos da Independência, mas tal deve ser feito sob um paradigma diferente. Embandeirar em arco e excluir os outros como se tem visto, é perigoso.
Estado-nação e não partido-Estado deve ser a batalha de todos os moçambicanos.
É preciso assumir o nosso percurso histórico, e não alimentar ou contribuir para a lavagem da nossa história.
Estado-nação faz-se com frontalidade e abertura num processo em que as pessoas se reconciliam e se aceitam como iguais perante as leis do país.
Moçambique não pode ser aprisionado por leis que só beneficiam e colocam os outros nas margens.
Há que romper com o ciclo da impunidade e da suposta superioridade de uns, para que se estabeleça um ambiente dinâmico e inclusivo.
Só assim e com a plena participação de todos, relegando a demagogia e as manobras dilatórias para o caixote de lixo, veremos Moçambique se reerguendo.
Ninguém tenha medos ou receios de “vendettas”. Quem tenha pesadelos sobre o passado e sobre factos em que tenha participado, que consulte um psicólogo, mas não continue semeando ventos de discórdia sob alegações comprovadamente falsas.
Poesia romântico-política e quejandos, elogios e auto-elogios, megalomania obtusa e irredutibilidade constituem os travões concretos do sucesso do projecto-Moçambique. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 25.05.2015
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