JORNAL DEBATE
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“É preciso que haja uma renovação ideológica para eliminar o medo que ainda persiste em alguns membros”, Felício Zacarias. O antigo ministro das Obras Públicas e Habitação e membro do partido Frelimo, Felício Zacarias, revelou recentemente ao debate, em Maputo, que o fenómeno de bajulação ao ex-Chefe de Estado, Armando Guebuza, em vários quadrantes do governo e do partido, corrompeu a máquina governativa do país nos últimos seis anos.
Em entrevista exclusiva ao Debate, Felício Zacarias disse que muitos funcionários públicos ficaram “anestesiados” em termos de produtividade no governo devido ao culto de personalidade a Armando Guebuza e, como consequência disso, os índices de corrupção aumentaram, a educação desqualificou-se de forma acentuada.
Adiante, segundo entende, as deficientes condições de vida da população agudizaram, a agricultura continuou a ser marginalizada mesmo sendo propalada como a alavanca da economia nacional.
“ O Governo abdicou da sua função de prover bens e serviços para a população e limitou-se a obedecer o seu líder, e o resultado disto é que houve recrudescimento da insatisfação popular porque as promessas prometidas não eram implementadas, com enfoque para os sectores dos transportes, água, infra-estruturas, alimentar, educação e saúde, que não registaram melhorias”, desabafou Felício Zacarias.
A fonte vai mais longe e afirma que a queda do ex-Chefe de Estado, Armando Guebuza abre espaço para a renovação do partido no poder, e consequentemente do governo, através do rompimento do autoritarismo, arrogância e da imposição que caracterizaram a Frelimo nos últimos seis anos.
“ Nyusi está a renovar o partido com vista a fazer dele mais dialogante e desta forma criar alicerces para o fortalecimento da democracia”, afirmou.
Para Zacarias, não há e nunca houve uma Frelimo dura, mas sim ela (a Frelimo) fragilizou-se por causa do servilismo que começou a tomar conta do partido, que teve o seu início nos finais do primeiro mandato do ex-Chefe do Estado, que não obedecia os princípios que regem o funcionamento das instituições públicas e do partido.
Zacarias acusa igualmente que os secretários provinciais e distritais deixaram de trabalhar para satisfazer somente os interesses do “chefe”.
Conforme explicou ainda a nossa fonte, foi a própria fragilidade da Frelimo que contribuiu para que o partido perdesse credibilidade do seu eleitorado em algumas regiões do país.
Naquela altura, recordou Felício Zacarias, não havia vontade política para responder ou atenuar os problemas do deficiente saneamento do meio, de acesso ao ensino, da provisão de serviços públicos de qualidade e humanos, a eliminação da prática da mão estendida (corrupção), e a burocracia excessiva que afugentava investidores nacionais e estrangeiros.
Novo executivo resgata sinais de existência
Por outro lado, de acordo com Felício Zacarias, o actual executivo já mostra algum sinal de existência e funcionalidade, porque mudou a sua actuação do Governo, principalmente na abertura ao diálogo, que no seu entender, está a contribuir, ainda que de forma precoce, para a implantação de pilares para a ruptura da visão de hostilidade política que ainda persiste no seio dos partidos nacionais.
Aliás, anteriormente, segundo Felício Zacarias, as ideias contrárias eram ostracizadas, descartadas e vistas como nulas, o que acabou gerando um sentimento de exclusão dos actores políticos, insatisfação dos servidores e dirigentes públicos.
Os servidores públicos, para a nossa fonte (ministro, governador, administrador, entre outros), não tinham poder de decisão, somente, deviam “obedecer a imposição, a arrogância e o autoritarismo que tinham na sua agenda a conquista de prestígio e não busca de solução para sanar os problemas da população”, revelou.
Entretanto, Felício Zacarias acredita que o actual Governo não está a olhar apenas para o seu “umbigo”, mas tem criado uma plataforma para o diálogo com todos os partidos políticos, sociedade e a própria população.
“Esta mudança pode vir a acontecer no seio da Frelimo, porque é preciso que haja uma renovação ideológica para eliminar o medo que ainda persiste em alguns membros”.
Na era “guebuziana”, prossegue a nossa fonte, a descentralização era camuflada, apenas existia no papel, todos os dirigentes de nível central, provincial e distrital não tomavam decisões de acordo com os programas locais, mas eram impostos pelo líder (Guebuza).
“Volvidos mais de 100 dias de governação, há sinais de melhorias e funcionalidade das instituições políticas e públicas, porque há uma cedência e acomodação de algumas exigências da oposição e da sociedade civil, o que anteriormente era impensável”, disse Filécio Zacarias.
Nesta senda, o grande desafio para o nosso interlocutor passa por reestruturar a máquina administrativa que deixou de funcionar nos últimos anos.
“Corrupção deve ser combatida na função pública e não fora dela...”
O nosso entrevistado apontou ainda como causas da inactividade do Estado moçambicano a corrupção, improdutividade dos funcionários públicos, gerada pela ociosidade fomentada pelo antigo executivo.
Para inverter esta tendência, segundo Felício Zacarias deve-se purificar as mentes dos dirigentes e dos servidores públicos.
“ Não é fora do executivo que o combate deve ser iniciado, mas dentro das fileiras do Estado, através do resgate do espírito de entrega e abnegação ao trabalho, da competência que entrou em desuso, criação de incentivos que desencorajem a prática e a fiscalização e monitoria eficiente, eficaz e imparcial”, disse ainda Zacarias.
Critérios de nomeação de governadores e administradores violados
Na sua radiografia pela governação do país Felício Zacarias acusa ainda que o critério para a nomeação de governadores e administradores foi violado, alegadamente porque estes eram nomeados com base na confiança e não em competência como vem plasmado nos critérios para a sua nomeação.
“Com esta enfermidade, o Estado mostrou-se incapaz, incompetente para assegurar a protecção de pessoas e bens, a implementação das acções definidas, porque a prioridade era o líder e não a população”, concluiu.
Resgate de valores democráticos e de inclusividade
É neste diapasão que Felício Zacarias considera que o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, poderá “trair” Armando Guebuza, ao entregar o poder, autonomia e responsabilidade aos dirigentes locais, para que desta forma, eles sejam capazes de tomar decisões para resolver os problemas predominantes no seu distrito e ou província, de modo a melhorar a administração pública que em algum momento deixou de existir.
“Na altura que havia liberdade de expressão, poder e autonomia, os governantes tomavam decisões e não esperavam pela ordem central para elaborar, implementar e ou buscar parcerias para colmatar o défice financeiro para a materialização de qualquer projecto de desenvolvimento no nosso território”, recordou.
Zacarias acrescenta que há necessidade do actual Governo fortalecer e implantar o princípio do diálogo em curso, da inclusão e respeito das opiniões da oposição, sociedade civil, que são cruciais para acabar com a intolerância política que constitui a principal causa da instabilidade no país.
Coutinho Fernando
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