quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Homem que gerou onda de solidariedade na Internet é acusado de burla




18/02/2015 - 18:33

(actualizado às 19:03) 


A publicação da história que Fernando contou esta terça-feira ao PÚBLICO, sobre como foi ajudado por desconhecidos depois de um apelo lançado no Reddit, fez surgir algumas denúncias que o associam a alegadas burlas. TIAGO MACHADO/ARQUIVO



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A história de Fernando Fonseca, de 43 anos, que deixou um pedido de ajuda numa rede social por estar supostamente a viver na rua, motivou uma onda de respostas solidárias, mas não só: na sequência da publicação do artigo no PÚBLICO, algumas pessoas acusaram o protagonista da prática de burlas. No fórum Reddit, onde foi feito o apelo inicial, também há comentários que põem em causa a veracidade da história de Fernando, que se identificava na rede social como "Sem Futuro". Esta quarta-feira, o PÚBLICO tentou várias vezes, sem sucesso, confrontar Fernando com estas acusações.

O caso de Fernando foi noticiado pelo PÚBLICO e provocou uma reacção de um grupo de pessoas que dizem ter reconhecido alguns pormenores da história, nomeadamente o nome, a idade e a profissão (consultor de comunicação) do protagonista, que assinava como "Sem Futuro". Na rede social onde Fernando lançou o apelo no passado fim-de-semana, foi esta quarta-feira publicado um post assinado por "SomeVerdade" que associa Fernando a alegadas fraudes cometidas em 2013 e que terão lesado várias pessoas. Confrontaram Fernando e outros intervenientes na rede social. 

Francisco e Marta (nomes fictícios), de 25 e 29 anos, são duas das pessoas que dizem ter sido lesadas por Fernando mas que preferem reservar a sua identidade, por já terem seguido com as suas vidas profissionais e, no caso de Marta, por algum receio de represálias. Admitem que nunca apresentaram queixa contra ele. Contaram ao PÚBLICO que, em meados de 2013, foram entrevistados para trabalhar numa empresa de Fernando ligada à área digital, com supostas sucursais em Londres, no Reino Unido, e Seattle, nos Estados Unidos. E queixam-se: os contratos de trabalho nunca chegaram, os pagamentos foram-se arrastando e eles acabaram por sair para o desemprego, depois de, alegam, terem descoberto, na sequência de várias diligências, que a empresa para a qual julgavam trabalhar nem sequer existia. Acrescentam que acabaram também por descobrir que Fernado, na sua presença, simulava chamadas telefónicas para sócios inexistentes.

Já Pedro, 33 anos e web developer, aceita identificar-se com o seu verdadeiro nome próprio. Cruzou-se com Fernando na mesma altura que Francisco e Marta, mas no seu caso foram os serviços da empresa em que trabalhava que foram contratados. "De início fomos acreditando e ele, mesmo com atraso, pagava-nos alguma coisa, ou os projectos eram suspensos. Foi através de um amigo nos Estados Unidos que percebi que a empresa não existia, mas era fácil acreditar nele - parece ser muito bom e competente -, com quem fiz até vida social. Assisti a uma conferência dele na Universidade Católica sobre redes sociais em que no final mais de cem pessoas aplaudiram de pé". No caso de Pedro a suspeita adensou-se por causa de um cheque sem cobertura. No entanto, a empresa de Pedro também não apresentou queixa, visto que o valor do cheque foi coberto pelo cliente final, que não queria que o trabalho se atrasasse.

A fotografia de Fernando disponível online e apresentada por este grupo de pessoas corresponde à mesma pessoa com quem o PÚBLICO se encontrou e que contou ter ido parar à rua na sequência do fim abrupto de uma relação. Como teria sempre vivido no estrangeiro, não tinha qualquer rede familiar ou de amigos em Lisboa.

Numa notícia que acompanha a fotografia de Fernando, no Fátima Missionária, com data de Julho de 2013, este apresentava-se como CEO e Chief Digital Strategist de uma empresa sediada nos Estados Unidos da América e encerrou a terceira sessão das “Conversas Contemporâneas da Consolata” falando sobre o poder das redes sociais.

“É muito fácil acreditar no Fernando, porque ele tem capacidades incríveis e nós estávamos a trabalhar com clientes concretos e grandes agências emPortugal. Sentia que a empresa podia ter dado certo, mas já deviam existir muitas mentiras”, explica Marta. “Ele não podia chegar ao pé de nós e dizer que Londres e Seattle afinal eram mentiras e, por isso, simplesmente desapareceu”, comenta Francisco, que adianta que o grupo afectado é de sete pessoas, três das quais acabaram por emigrar. Francisco saiu mas está de regresso a Portugal e acrescenta que há cerca de um mês um outro elemento do grupo encontrou Fernando em Lisboa, precisamente na zona do quarto que no domingo este disse que lhe arranjaram.

O PÚBLICO tomou conhecimento do apelo de Fernando no domingo. Nesse mesmo dia trocou mensagens com o “Sem Futuro”, falou telefonicamente com ele e combinou um encontro para terça-feira à tarde, que durou mais de duas horas. Entre domingo e terça-feira foram contactadas várias das pessoas que ajudaram Fernando. Nuno Soares e Pedro Santos falaram com o PÚBLICO e nunca suspeitaram de nada. Já Jorge Bastos forneceu um número de telemóvel, mas disse estar no estrangeiro. Rejeitou as tentativas de contacto explicando estar numa reunião e pediu para responder por email. Na resposta confirmou o encontro com Fernando e as formas de ajuda, que passaram por lhe arranjar um quarto temporário na casa dos tios. O PÚBLICO tem tentado contactar Fernando várias vezes, mas desde a manhã desta quarta-feira que não voltou a atender ou a responder às mensagens. Jorge também deixou de responder e na Internet o seu telemóvel aparece, afinal, associado a uma empresa de Fernando.

Tanto o "Sem Futuro" (Fernando) como o "ithinkandroid" (Jorge) apagaram, entretanto, as contas na rede social Reddit.

Rede social ajuda um "sem futuro" a deixar a rua



17/02/2015 - 22:25 

(actualizado às 16:37 de 18/02/2015)


Fernando contou esta terça-feira ao PÚBLICO como foi ajudado por desconhecidos depois de um apelo lançado no Reddit. A publicação da história fez surgir algumas denúncias que o associam a alegadas burlas. O PÚBLICO está a investigar estas acusações.Um sem-abrigo fotografado em Lisboa. Em 2013, foram contabilizadas 852 pessoas a viver nas ruas da capital portuguesaTIAGO MACHADO



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“A história, a haver, não é minha. É da onda de pessoas que me ajudaram.” Fernando sintetiza desta forma a reviravolta que a vida dele deu em 24 horas, depois do trambolhão de há duas semanas – e que o deixou a viver na rua. No sábado publicou um texto online, na rede social Reddit, com o título “Pedido urgente de ajuda: Lisboa” e em que assinava como “Sem Futuro”. Fez três perguntas: onde comer e tomar banho de forma gratuita e onde encontrar computadores de utilização livre para fazer o currículo em português e inglês. “Já tentei a Santa Casa da Misericórdia mas não podem ajudar, neste momento. Estou a viver na rua e necessito de sair desta situação o mais rapidamente possível”, explicava. As respostas trouxeram-lhe um bónus: asseguraram-lhe um quarto até sexta-feira e tem projectos de trabalho em vista.

Apesar de ser português, Fernando, de 43 anos, não tem ligação ao país. Viveu por cá cerca de oito anos, ainda pequeno. Esteve fora até há poucos meses e conta ao PÚBLICO que regressou por motivos familiares com uma namorada. Foi essa mesma relação que, sem aviso, acabou mal e o deixou a viver nove dias na rua. 

Sobre como se tornou um das centenas de sem-abrigo de Lisboa (no final de 2013, a Santa Casa da Misericórdia contabilizou 852 pessoas a viver na rua) não adianta pormenores. Pede para não ser fotografado nem se revelar o apelido, porque não quer expor-se num momento difícil da sua vida. Desconhecia os primeiros passos para apoios sociais imediatos – coisa que saberia fazer na Alemanha, onde até chegou a fazer voluntariado com sem-abrigo. Sem casa e sem trabalho em Lisboa, diz que vendeu o pouco que tinha. Restou o telemóvel, com o qual escreveu a mensagem que lhe devolveu o rumo.

“Quando escrevi no Reddit estava apenas a racionalizar como sair desta situação e ter novas rotinas, nunca esperei o resto. Mas sei que se há milagres é no Reddit (...) Depois de nove dias na rua, nunca pensei que aquele apelo trouxesse tanta gente solidária. Já tenho comida, roupa nova, pagaram-me uma noite num HOSTEL em Picoas e já tenho um quarto particular até sexta-feira”, adianta Fernando, que aceitou um encontro com o PÚBLICO. “Nunca tive como motivação nada disto. Limitei-me a escrever três perguntas que eram de facto as minhas preocupações”, sublinha este ex-consultor de comunicação, explicando que “Sem Futuro” foi o nome escolhido porque “sentia que não havia um futuro, que o dia a seguir era apenas igual”.

No Reddit multiplicaram-se os comentários. Algumas pessoas queriam saber mais pormenores, forma de contacto ou como transferir dinheiro. Outras foram disponibilizando informação de balneários públicos, associações ou até formas originais para contornar problemas: “No que toca ao banho, creio que podes tentar ir a um ginásio, dar conversa de adesão e pedir para fazer umtrial. Não irá funcionar em vários, mas podes ir rodando num aperto”, sugeriu alguém. Houve um barbeiro que lhe ofereceu os serviços para ficar apresentável para entrevistas e muitos outros disponibilizaram tempo para um café.

Algumas pessoas passaram de nicknames numa rede social para nomes concretos e rostos na nova vida de Fernando. Nuno Soares tem 30 anos e é engenheiro mecânico. Ainda não conhece Fernando, mas as mensagens que trocou com ele foram suficientes para transferir 100 euros para a nova conta bancária que o “Sem Futuro” entretanto conseguiu abrir, com o banco a abrir a excepção de não cobrar comissão inicial. “Claro que pensei nos riscos destas coisas pela Internet, mas no calor do momento aquilo marcou-me e fez-me pensar que pode ser qualquer um de nós [a ficar numa situação destas]”, diz Nuno Soares ao PÚBLICO.

Pedro Santos, 34 anos, informático, passou grande parte da tarde de domingo a comprar roupa e bens básicos para Fernando. Disponibilizou ainda um computador velho. Têm mantido o contacto e é provável que Fernando vá ajudar Pedro na sua empresa. “Vi três perguntas simples que só podiam ser feitas por alguém desesperado e pensei: tenho de conhecer esta pessoa”, diz Pedro. Assim foi. “É uma história real, fidedigna, emocionante e sensível. Mas sobretudo fiquei com a sensação de que podia ser eu, podia ser qualquer um de nós e não fazia sentido não dar uma muleta quando era tão simples ajudá-lo”.

Pedro destaca ainda o papel de Jorge, outro dos protagonistas da onda de solidariedade. Jorge Bastos, economista de 45 anos, foi o primeiro a ir ter com Fernando, a pagar-lhe uma noite num HOSTEL e a colocá-lo em casados tios, que têm um quarto livre até sexta-feira. Todos garantem que a rua não voltará a ser o destino de Fernando. “Não hesitei porque não pareceu ser um daqueles casos de alguém a sentir pena de si próprio. Depois de falar com ele, decidi ajudar mais, porque senti que era a atitude certa. Sem lhe ter pedido, ele disponibilizou-me a identificação. Senti sinceridade em tudo o que me disse, e uma educação e humildade extremas”, reforça Jorge. E repete a sensação de Nuno e Pedro: “A vida prega rasteiras e um caso destes pode acontecer a todos”.

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