ANA DIAS CORDEIRO
27/02/2015 - 15:57
A criança esteve desde Maio de 2014 com duas famílias de acolhimento, antes de ser entregue ao pai e avó paterna. Tribunal decidiu a favor da mãe em Janeiro.O sistema que vigora em Inglaterra e País de Gales foi apontado como "único" por eurodeputados do Comité das Petições de Bruxelas DANIEL ROCHA
A bebé retirada à mãe portuguesa e entregue a uma família de acolhimento inglesa em Maio do ano passado voltou para os cuidados maternos, por decisão do Tribunal de Família de Southend-on-Sea. A medida, com data de 15 de Janeiro, reverte a anterior, aplicada pelo mesmo tribunal de família quando a menina tinha cinco meses.
Na altura, na urgência do hospital da mesma cidade, um hematoma na cabeça levantou suspeitas de uma pancada não acidental. A criança, de dupla nacionalidade, vivia com a mãe (então com 29 anos) e a avó materna nesta cidade localizada 60 quilómetros a leste de Londres e mantinha um contacto regular com o pai inglês, separado da mãe.
“O Tribunal de Família de Southend concluiu que a lesão não tinha sido causada por negligência ou um acto de violência da mãe, mas pela fragilidade genética presente nos ossos da bebé”, disse ao PÚBLICO a cônsul-geral de Portugal em Londres, Joana Gaspar.
A possibilidade de a fragilidade óssea ter agravado um hematoma provocado por uma queda acidental já tinha sido colocada no parecer de um dos especialistas consultados e que observaram a bebé: Alan Sprigg, radiologista pediátrico, considerou que, sob o hematoma, aquilo que parecia ser uma fractura podia ser apenas uma linha de estrutura óssea.
O especialista descreveu como possível, embora improvável, a versão de que a criança tinha sofrido uma simples queda, ao contrário do médico pediatra de serviço naquele dia 16 de Abril, para quem o hematoma na cabeça da menina não podia ser acidental. Os serviços sociais foram chamados à urgência do hospital e a criança, acompanhada pela mãe, ficou sinalizada.
O relatório produzido nos dias seguintes, entregue e aceite pelo tribunal, apontava “os potenciais riscos” de a menina ficar com a mãe, excluía o pai como possível cuidador por este ter estado com a filha três dias antes do aparecimento do hematoma (e ser assim também considerado suspeito) e recomendava a colocação numa família de acolhimento noutra cidade, até à eventualidade de surgir um familiar que fosse avaliado positivamente como alternativa aos pais. O tribunal acatou a recomendação e a menina foi retirada no início de Maio de 2014.
Superior interesse da criança
O PÚBLICO tentou esclarecer, na altura, junto dos Serviços Sociais de Southend os fundamentos da acusação contra a mãe, que sempre negou as alegações de maus tratos. Diane Keens, uma das responsáveis do departamento de colocação em famílias de acolhimento, disse não poder falar deste caso “por razões de confidencialidade”. Mas garantiu: “As decisões que envolvem o cuidado de crianças são tomadas depois de investigações muito detalhadas sobre cada caso individual. Damos sempre prioridade, no processo, ao superior interesse da criança.”
De novo contactada, por telefone e por email, para comentar a decisão do tribunal de entregar a bebé à mãe em Janeiro, Diane Keens remeteu para o gabinete de imprensa, que não respondeu. Também sobre a família Pedro, a quem foram retirados os cinco filhos em 2013 em Grantham, os serviços sociais desta cidade no Norte de Inglaterra nunca prestaram informações. Ainda não teve resposta a proposta feita no ano passado pela Embaixada de Portugal em Londres para que as crianças venham juntas para Portugal e sejam acolhidas numa instituição, para não ficarem separadas em famílias de acolhimento, como estão actualmente.
“Tenho visto vitórias inesperadas”, diz a jornalista belga Florence Bellone, que vive em Inglaterra, investiga há vários anos o sistema de adopções em Inglaterra e País de Gales e recebeu o prémio europeu de jornalismo Lorenzo Natali, em 2011, pela série de reportagens sobre o tema. “Raramente vi que fosse feita marcha atrás [na decisão inicial do juiz e na posição defendida desde logo pelos serviços sociais]”, afirmava ao PÚBLICO no ano passado.
Agora, Florence Bellone diz ter tido conhecimento, nos últimos seis meses, de quatro ou cinco casos em que as crianças foram devolvidas às famílias. “São vitórias individuais dos pais, mas ainda são em pequeno número. Para as famílias britânicas, não tem havido grandes mudanças. Quem contesta as decisões judiciais são as famílias estrangeiras.”
Algumas fazem-no com o apoio dos seus países. O Governo da Eslováquia ameaçou levar o país ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, conseguindo assim que duas crianças eslovacas voltassem para a sua família em Janeiro de 2014. Mais recentemente, também o Governo da Letónia se tem envolvido directamente. Por isso, admite Florence Bellone: “Podemos imaginar que começa a haver uma pressão.”Texto completo
27/02/2015 - 15:57
A criança esteve desde Maio de 2014 com duas famílias de acolhimento, antes de ser entregue ao pai e avó paterna. Tribunal decidiu a favor da mãe em Janeiro.O sistema que vigora em Inglaterra e País de Gales foi apontado como "único" por eurodeputados do Comité das Petições de Bruxelas DANIEL ROCHA
A bebé retirada à mãe portuguesa e entregue a uma família de acolhimento inglesa em Maio do ano passado voltou para os cuidados maternos, por decisão do Tribunal de Família de Southend-on-Sea. A medida, com data de 15 de Janeiro, reverte a anterior, aplicada pelo mesmo tribunal de família quando a menina tinha cinco meses.
Na altura, na urgência do hospital da mesma cidade, um hematoma na cabeça levantou suspeitas de uma pancada não acidental. A criança, de dupla nacionalidade, vivia com a mãe (então com 29 anos) e a avó materna nesta cidade localizada 60 quilómetros a leste de Londres e mantinha um contacto regular com o pai inglês, separado da mãe.
“O Tribunal de Família de Southend concluiu que a lesão não tinha sido causada por negligência ou um acto de violência da mãe, mas pela fragilidade genética presente nos ossos da bebé”, disse ao PÚBLICO a cônsul-geral de Portugal em Londres, Joana Gaspar.
A possibilidade de a fragilidade óssea ter agravado um hematoma provocado por uma queda acidental já tinha sido colocada no parecer de um dos especialistas consultados e que observaram a bebé: Alan Sprigg, radiologista pediátrico, considerou que, sob o hematoma, aquilo que parecia ser uma fractura podia ser apenas uma linha de estrutura óssea.
O especialista descreveu como possível, embora improvável, a versão de que a criança tinha sofrido uma simples queda, ao contrário do médico pediatra de serviço naquele dia 16 de Abril, para quem o hematoma na cabeça da menina não podia ser acidental. Os serviços sociais foram chamados à urgência do hospital e a criança, acompanhada pela mãe, ficou sinalizada.
O relatório produzido nos dias seguintes, entregue e aceite pelo tribunal, apontava “os potenciais riscos” de a menina ficar com a mãe, excluía o pai como possível cuidador por este ter estado com a filha três dias antes do aparecimento do hematoma (e ser assim também considerado suspeito) e recomendava a colocação numa família de acolhimento noutra cidade, até à eventualidade de surgir um familiar que fosse avaliado positivamente como alternativa aos pais. O tribunal acatou a recomendação e a menina foi retirada no início de Maio de 2014.
Superior interesse da criança
O PÚBLICO tentou esclarecer, na altura, junto dos Serviços Sociais de Southend os fundamentos da acusação contra a mãe, que sempre negou as alegações de maus tratos. Diane Keens, uma das responsáveis do departamento de colocação em famílias de acolhimento, disse não poder falar deste caso “por razões de confidencialidade”. Mas garantiu: “As decisões que envolvem o cuidado de crianças são tomadas depois de investigações muito detalhadas sobre cada caso individual. Damos sempre prioridade, no processo, ao superior interesse da criança.”
De novo contactada, por telefone e por email, para comentar a decisão do tribunal de entregar a bebé à mãe em Janeiro, Diane Keens remeteu para o gabinete de imprensa, que não respondeu. Também sobre a família Pedro, a quem foram retirados os cinco filhos em 2013 em Grantham, os serviços sociais desta cidade no Norte de Inglaterra nunca prestaram informações. Ainda não teve resposta a proposta feita no ano passado pela Embaixada de Portugal em Londres para que as crianças venham juntas para Portugal e sejam acolhidas numa instituição, para não ficarem separadas em famílias de acolhimento, como estão actualmente.
“Tenho visto vitórias inesperadas”, diz a jornalista belga Florence Bellone, que vive em Inglaterra, investiga há vários anos o sistema de adopções em Inglaterra e País de Gales e recebeu o prémio europeu de jornalismo Lorenzo Natali, em 2011, pela série de reportagens sobre o tema. “Raramente vi que fosse feita marcha atrás [na decisão inicial do juiz e na posição defendida desde logo pelos serviços sociais]”, afirmava ao PÚBLICO no ano passado.
Agora, Florence Bellone diz ter tido conhecimento, nos últimos seis meses, de quatro ou cinco casos em que as crianças foram devolvidas às famílias. “São vitórias individuais dos pais, mas ainda são em pequeno número. Para as famílias britânicas, não tem havido grandes mudanças. Quem contesta as decisões judiciais são as famílias estrangeiras.”
Algumas fazem-no com o apoio dos seus países. O Governo da Eslováquia ameaçou levar o país ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, conseguindo assim que duas crianças eslovacas voltassem para a sua família em Janeiro de 2014. Mais recentemente, também o Governo da Letónia se tem envolvido directamente. Por isso, admite Florence Bellone: “Podemos imaginar que começa a haver uma pressão.”Texto completo
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