Quarta, 25 Fevereiro 2015
A MORTE do General na reserva José Moiane a 19 deste mês levou toda a nação moçambicana a recordar-se dos feitos heróicos deste guerreiro que colocou a sua juventude nas acções patrióticas, que culminaram com a conquista da independência nacional.
A sua dedicação à causa de autodeterminação, paz, unidade nacional e desenvolvimento do país rendeu-lhe a distinção de “herói da República de Moçambique”. Por isso, o seu corpo jaz na cripta onde estão depositados outros dos mais distintos filhos de Moçambique, aqueles que dedicaram a sua vida ao bem-estar do povo moçambicano e à defesa da soberania nacional.
Menino de Languene, distrito de Xai-Xai, na província de Gaza, José Phahlane Moiane, de seu nome completo, apascentou gado, trabalhou como empregado doméstico, e, depois, como mineiro na África do Sul.
Quando se apercebeu do movimento de luta pela independência africana, o General Moiane abandonou as minas do rand, cruzou fronteiras e foi-se juntar em 1963 a outros nacionalistas empenhados em aprender e desenhar estratégias para fazer frente à dominação colonial.
O percurso deste combatente foi longo e não existem palavras suficientes para descrever o quão foi fundamental a sua participação na conquista da liberdade, segundo testemunhos de familiares, amigos, colegas de batalha e governantes que falaram na homenagem do último adeus ao General, que teve lugar segunda-feira nos Paços do Concelho Municipal da cidade de Maputo.
“É um homem que deu muito de si para a libertação da pátria”, reconheceu Iolanda Cintura, Governadora da cidade de Maputo, agradecendo os ensinamentos do herói e apelando aos jovens moçambicanos a seguirem as suas lições, dedicando-se à pátria com humildade e simplicidade que eram algumas das características de Moiane.
Após a proclamação da independência nacional, em 1975, o Tenente-general José Moiane foi nomeado primeiro governador da província de Manica e posteriormente desempenhou as mesmas funções na província de Maputo, durante 11 anos. A sua contribuição foi bastante significativa na edificação da pátria, do Estado de Direito, na reconstrução nacional, bem como nos esforços de manutenção da integridade nacional e incremento do investimento entre outras causas e valores que defendeu até ao fim dos seus dias.
FOI-SE O “DORSO DO CAMELO” –ANTÓNIO HAMA THAI, DA FRENTE DE TETE
“O General Moiane compreendeu muito cedo a necessidade de se engajar decisivamente na luta de libertação nacional para a conquista da independência”, sublinhou o General António Hama Thai, falando em nome dos combatentes da Frente de Tete.
Na ocasião, Hama Thai fez saber que Moiane participou em várias formações militares e liderou com sucesso operações de combate. Citou a participação do General na reserva nos treinos militares na China integrando um grupo dirigido por Filipe Samuel Magaia, assim como aprimorou na Coreia do Norte a guerra de guerrilha.
Estes treinos militares contribuíram para a indicação do General Moiane aos cargos de chefe das operações no Niassa e depois chefe de Defesa em Tete, o equivalente a comandante provincial.
Em Tete, Moiane notabilizou-se ao conseguir expandir a luta à Frente de Manica, Sofala e Zambézia e outros pontos do país, o que culminou com a conquista da independência.
“José Moiane foi considerado por Samora Machel como sendo o “dorso do camelo” porque a luta alcançou Manica, Sofala e Zambézia. A Frente de Tete, Manica e Sofala, esta última dirigida por Fernando Matavele, estava incumbida das missões de explorar e atravessar o rio Save e avaliar as condições de abertura da nova frente de libertação nacional”, lembrou Hama Thai.
É que, segundo contou Hama Thai, Samora Machel, comandante supremo das forças de libertação de Moçambique, atribuía importância vital e estratégica à província de Tete, devido ao seu posicionamento geoestratégico nacional e produziu orientações específicas para esta província, tais como: “compreender e assumir a batalha de Tete, Nova década, Novos combates”.
É com base nessas orientações estratégicas, segundo Hama Thai, que José Moiane e o seu comando conceberam a expansão da luta de libertação nacional a sul do rio Zambeze estendendo-a para Manica e Sofala e a reabertura da frente da Zambézia.
“Podemos dizer sem margem de erro que a vitória da FRELIMO sobre o colonialismo português deveu-se, em medida grande, à Frente de Tete, comandada por José Moiane”, reconheceu Hama Thai, classificando-o de “comandante destemido” que gostava de dirigir pessoalmente os combates de grande envergadura.
Aos jovens, segundo Hama Thai, José Moiane é uma referência de coragem, patriotismo e dedicação à causa da nação.
ERA UMA ESCOLA DE VIDA –RUTH MOIANE, FILHA
Para os filhos do herói nacional, José Moiane foi uma escola de vida, pois teve de assumir um papel de pai e mãe, transmitindo de forma didáctica os valores éticos, morais como a honestidade, humildade e, acima de tudo, o amor ao próximo.
Quem o diz é uma das filhas do General, Ruth Moiane, que não poupou elogios ao falar da dedicação que o pai tinha aos interesses da nação, o que lhe levou em algumas situações a dar primazia à causa da nação em detrimento dos assuntos familiares.
“A título de exemplo, adiaste a tua ida ao estrangeiro para cuidar da tua saúde, porque tinhas um dever patriótico de participar em primeiro lugar na votação, no quadro das eleições gerais e provinciais de 2014. Disseste: “o meu voto é indispensável para o meu partido Frelimo”, recordou Ruth, para quem o pai era um homem honesto, leal, de fortes convicções, sempre atento às preocupações das pessoas e coerente nas palavras.
Segundo Ruth Moiane, é devido à trajectória do general na reserva que os filhos se enchem de orgulho e o país reconhece Moiane como herói da República de Moçambique.
“O reconhecimento, para além de ser um orgulho para nós, significa uma responsabilidade acrescida, pois temos a partir de hoje (segunda-feira) o desafio da sua valorização e preservação perante a sociedade. Guardaremos e aplicaremos todos os seus ensinamentos que foram os seus pilares de vida: patriotismo, integridade, humildade, respeito ao próximo e que a vida é uma luta”, prometeu Ruth Moiane no momento do adeus ao pai.
Segundo a filha do general, o pai dizia-lhes sempre que a vida é uma luta como forma de prepará-los para terem coragem suficiente de enfrentar as dificuldades, os desafios que ela coloca.
“Nos momentos de alegria ensinava-nos que os anos de vida de uma pessoa contados a dedos podem significar pouca coisa, mas o que importa é o modo como eles foram vividos”, lembrou Ruth, para quem homens como o pai “nunca morrem”, pois os seus feitos são eternizados por serem de uma dimensão imensurável.
O herói nacional morreu a 19 de Fevereiro vítima de doença, numa altura em que a família se preparava para comemorar os 80 anos de José Moiane que completaria a 28 de Novembro próximo.
MISSÃO CUMPRIDA –FERNANDO FAUSTINO, ACLLN
Fernando Faustino é secretário-geral da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLN). Em representação dos membros, Faustino frisou que o General na reserva José Moiane cumpriu sua missão em vida.
Segundo Faustino, a ACLLN recebeu com “muita mágoa” a notícia do desaparecimento físico de José Moiane, pois, com muito sacrifício, ele e outros combatentes da luta de libertação nacional conseguiram conquistar a independência nacional.
“Mais uma estrela dos libertadores da pátria se apagou… Os combatentes da luta de libertação nacional estão aqui representados para te render a última homenagem e dizer-te missão cumprida neste último adeus”, referiu Faustino.
Para ele, a partida de Moiane deixa patente na memória dos guerrilheiros presentes na cerimónia recordações de grandes batalhas travadas no Niassa, onde as tropas do exército colonial abriam ofensivas a partir da base naval de Metangula e se espalhavam nas matas.
“Sob o seu comando imprimiu golpes duros contra as ofensivas coloniais, o que tornou possível estabelecer zonas libertadas da FRELIMO, livres da ocupação e da administração colonial portuguesa no Niassa, que permitiram o estabelecimento da base Ngungunhane como algo estratégico militar”, enalteceu o representante da ACLLN.
Os guerrilheiros, segundo Faustino, viam em Moiane uma pessoa de coragem nas batalhas em que sempre dizia: “no combate avança-se, não se recua. Por isso, incutiste no seio dos guerrilheiros respeito, pois as tuas acções foram bem sucedidas”.
TENHO MUITO ORGULHO DESTE CAMARADA –GRAÇA MACHEL
Graça Machel, uma das figuras emblemáticas no panorama social e político do país, disse ter muito orgulho do General José Moiane por várias razões, entre as quais a humildade do herói.
“Tenho muito orgulho deste camarada, também por causa da sua humildade. A lição de humildade também é importante para vocês, jovens”, aconselhou Machel.
Segundo Graça Machel, o General José Moiane foi um dos pilares fundamentais da vitória do povo moçambicano contra o colonialismo português.
“Ele desempenhou um papel, como os colegas dele de Tete disseram, extremamente estratégico para a FRELIMO atravessar o Zambeze e, a partir daí, expandir a luta para Manica e Sofala e dali reabrir a Frente da Zambézia”, explicou Graça Machel.
Contudo, Graça Machel lamentou o facto de os moçambicanos não terem a cultura de criar espaços para que as pessoas, em particular os combatentes, ainda em vida possam falar das suas histórias de vida.
“Infelizmente, nós como moçambicanos temos um erro grave. Enquanto as pessoas estão vivas, quando as pessoas estão connosco, não sabemos colocá-las no patamar para serem elas de viva voz a contar o que foram, como foi, os obstáculos, as vitórias”, sublinhou, defendendo que “esta é a minha tristeza, porque não é só com José Moiane. Aconteceu com Mabote, aconteceu com Tazama, aconteceu com Matavele”.
Dada esta situação, Graça Machel apelou aos órgãos de informação a buscar e publicar histórias de vida dos combatentes, de modo a dar-lhes tempo de honra para o povo moçambicano saber e conhecer como é que a independência nacional foi conquistada.
EVELINA MUCHANGA
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