NO ENTENDER DO INVESTIGADOR DE POLÍTICA AFRICANA ANDRÉ THOMASHAUSEN
O voto maioritário em favor da oposição nas províncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é manifestação de determinadas expectativas e reivindicações dos eleitores, e a frustração dessas expectativas e reivindicações só pode provocar novas tensões e a contestação da actuação governamental a nível nacional, até ao ponto em que poderá haver apoios significativos de quebrar aunidade nacional e promover a constituição duma república secessionista.
Os resultados das eleições de 15 de Outubro 2014 aprofundaram a expressão territorial da divisão política de Moçambique.
Indiferentemente à contestação dos resultados, em muitos aspectos justificada, os resultados atribuem uma vantagem incontestável ao partido da oposição Renamo em Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa, onde a Renamo, com ou sem coligação com o MDM, pode bloquear os trabalhos das assembleias provinciais.
Esta expressão territorial dessa clivagem política profunda tem correlação com os níveis relativamente mais fracos de desenvolvimento económico e social justamente nesses territórios, Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa.
A votação em protesto contra o Governo nacional não teve expressão a nível do poder local nas eleições municipais porque a Renamo tinha boicotado as eleições autárquicas.
Assim existem uma distribuição e concentração de preferências e alianças político-partidárias que não encontram expressão institucional efectiva.
Onde a oposição tem uma clara vantagem sobre o partido do Governo isso reflecte-se unicamente na composição das assembleias provinciais. Porém, como determina o Artigo 142 (Assembleias provinciais) da Constituição, no seu número 2, a competência das assembleias provinciais é estritamente reduzida e limitada a fiscalizar e controlar a observância dos princípios e normas estabelecidas na Constituição e nas leis, bem como das decisões do Conselho de Ministros referentes à respectiva província;e limitada a aprovar o programa do governo provincial, fiscalizar e controlar o seu cumprimento.
Desta forma, as assembleias provinciais estão condenadas a funcionarem como órgão de acalmação do Conselho de Ministros e do governador provincial, nomeado pelo Governo nacional.
Esta regra constitucional do artigo 142 já não corresponde à realidade resultante da eleição por sufrágio livre e igual dos membros das assembleias provinciais.
O voto maioritário em favor da oposição nas províncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é manifestação de determinadas expectativas e reivindicações dos eleitores, e a frustração dessas expectativas e reivindicações só pode provocar novas tensões e a contestação da actuação governamental a nível nacional, até ao ponto em que poderá haver apoios significativos de quebrar a unidade nacional e promover a constituição duma república secessionista.
As cinco variantes da Renamo
A Renamo desde o fim do ano de 2014 tem vindo a sugerir cinco principais variantes de reformas institucionais para responder à anomalia acima identificada.
1) Estado secessionista
Em primeiro lugar tem havido apelos à constituição dum novo estado e de uma república secessionista. Estes apelos desanuviaram-se mediante a falta de reacções positivas na região e a nível internacional indicando assim o risco de uma tal estratégia vir a desencadear uma guerra secessionista com consequências desastrosas, tal como no caso da guerra do Biafra na Nigéria.
2) Regiões ou região autónoma
Em segundo lugar, a Renamo fez exigências de que as províncias em que a oposição obteve clara vantagem eleitoral deveriam ser reconstituídas em regiões autónomas, seguindo o exemplo constitucional das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, em Portugal. O principal defeito desta proposta é de criar dois tipos ou duas categorias bem diferentes de órgãos da administração territorial, as províncias tal como existem e as regiões autónomas que se iriam sobrepor às seis províncias visadas (Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa) pondo em causa princípios fundamentais da Constituição tal como a unidade nacional, a proibição de discriminação na base da naturalidade, origem ou associação tribal, podendo encorajar uma “somalização” do país.
3) Proclamação de “outras autarquias” nos termos do artigo 273, n.º 4 da Constituição
A sugestão é de se poder constituir as “regiões autónomas” desejadas pela Renamo em termos do número 4 do artigo 273 da Constituição, sobre as “categorias das autarquias locais”, considerando que este dispositivo da lei constitucional determina que “a lei pode estabelecer outras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação”. Assim, em vez de “regiões autónomas”, passariam as novas entidades administrativas a ser denominadas “províncias autónomas”, mas em termos de direito administrativo seriam consideradas “autarquias locais”.
A sugestão é da autoria dum professor da UEM, um ex-cooperante francês, Gilles Cistac. O plano sofre do defeito fundamental de se tratar duma sugestão de aplicação oportunista e contra senso da lei constitucional, nomeadamente do disposto no artigo 273 da Constituição. A restante redacção do artigo 273 define as autarquias locais como sendo os municípios (cidades e vilas) e as povoações (postos administrativos) ficando assim excluído que as “outras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação” poderiam incluir províncias.
A norma do artigo nunca fora concebida nem permite conceber a criação de estruturas administrativas paralelas ao nível das províncias, ou criar autoridades “provinciais” que poderiam substituir-se às províncias existentes, sem alteração do texto constitucional.
Os efeitos práticos dum plano que inevitavelmente resultaria na criação de administrações provinciais paralelas e a concorrer uma com a outra, sendo uma vinculada ao Governo central e a outra a representantes ou delgados eleitos, seriam desastrosos para a boa administração e preservação dos mais básicos princípios do Estado de Direito. Inevitavelmente iriam provocar os mais sérios conflitos entre diferentes braços da administração estadual qua acabariam por paralisar todo e qualquer progresso do desenvolvimento humano e económico. É alarmante imaginar-se que a mais simples actividade do cidadão iria ficar sujeita ao licenciamento e fiscalização por duas administrações que iriam concorrer uma com a outra, ficando o indivíduo sujeito a obter licenças de ambas as administrações da Renamo e ainda da administração do Estado, vinculada ao Governo nacional (da Frelimo), podendo se imaginar facilmente que uma delas poderá cancelar ou retirar a sua autorização, enquanto a outra administração poderia decidir exactamente o contrário. Deve-se descartar por essas razões este “Plano Cistac”.
4) Reforma da Administração Territorial
Para evitar o aparecimento de desigualdades fundamentais na administração territorial, pode considerar-se uma reforma mais profunda, em que as 11 províncias de Moçambique poderiam ser transformadas e absorvidas em 4 regiões administrativas autónomas (região Norte constituída por Niassa e Cabo Delgado, regiões Centro Norte e Centro Sul, e região Sul).
As novas regiões administrativas autónomas corresponderiam às tendências globalmente seguidas e implementadas em mais de 100 países para racionalizar, modernizar e descentralizar a administração territorial do Estado. Este tipo de reforma constitucional iria beneficiar de vastos apoios materiais e técnicos de organismos especializados nesta matéria do Banco Mundial, e de apoio dos maiores parceiros económicos de Moçambique. Porém, tratando-se duma reforma constitucional e da organização do estado bastante profundas, necessitará de ao menos um período de reflexão, adopção e implementação de dois a três anos.
5) Alternativa Conselho Nacional das Províncias
A quinta alternativa orienta-se no modelo constitucional da África do Sul onde existe um segundo órgão legislativo que representa o poder e os interesses regionais constituídos em províncias. O artigo 60 da Constituição da África do Sul estabelece um Conselho Nacional das Províncias constituído por dez delegados por cada província. Visto que na África do Sul os governos provinciais são eleitos pelas assembleias provinciais, não existe entrave contra a nomeação de parte dos delegados para o Conselho Nacional das Províncias a partir do governo provincial. Em Moçambique onde o governador e o governo provincial são efectivamente nomeados pelo Conselho de Ministros a nível nacional, a nomeação dos delegados para um futuro conselho nacional das províncias teria de ser feita pelas assembleias provinciais nas 10 províncias que têm assembleias provinciais.
Desta forma, um futuro conselho nacional das províncias em Moçambique poderia criar a curto prazo e ainda no decorrer da actual legislatura um órgão cuja composição dependeria das assembleias provinciais e seria assim maioritariamente constituído por delegados pertencentes à oposição. Em consequência, o lugar de presidente desse conselho nacional das províncias caberia ao primeiro e mais favorecido candidato dos partidos da oposição.
Em termos de protocolo, em estados com estrutura semelhante bicameral, o presidente da segunda câmara legislativa seria sempre o número 3, a seguir ao chefe do Estado e presidente da assembleia nacional.
As funções do futuro conselho nacional das províncias em Moçambique poderiam ser equilibradas e mistas, de participação no processo legislativo, com direito de veto suspensivo, direito de interpelação para a fiscalização de normas pelo Conselho Constitucional, bem como de fiscalização da boa governação, por exemplo na matéria de atribuição de licenças para a exploração dos recursos naturais e endividamento do país, e ainda de participação nas nomeações para o preenchimento de vagas no Conselho Constitucional, e outros tribunais, e possivelmente um direito de veto em relação ao preenchimento de certos cargos tal como os ministérios-chave da defesa, interior e finanças.
A opção da criação duma representatividade das assembleias provinciais a nível nacional tem vantagens evidentes. Não requer uma reforma da administração territorial profunda e imediata. Pode ser implementada com relativa facilidade e em curto prazo por meio duma curta reforma constitucional que acrescentaria uns 4 ou 5 artigos a seguir ao artigo 199, artigos 199a, 199b, 199c, e 199d, bem como uma alteração do artigo 133 no que diz respeito à enumeração dos órgãos de soberania.
No mais importante, este projecto ultrapassa um bloqueio institucional corrente que pode pôr em perigo a unidade nacional.
O conselho nacional das províncias poderá aliviar a pressão secessionista, criando um órgão de expressão a nível da política nacional para as reivindicações agudas em certas regiões do país, desta forma reinseridas no debate e foco da política nacional. Este aspecto é fundamental em Moçambique onde todas as decisões orçamentais e sobre a concentração e distribuição do desenvolvimento são tomadas a nível central. Não é solução suficiente de o governo nacional tentar do seu melhor entendimento responder às carências a nível regional ou de certas províncias. É necessário permitir que os delegados eleitos nessas províncias tenham a oportunidade de apresentar e defender posições e propostas próprias, ficando assim integrados no processo das tomadas de decisões e vinculados a essas decisões.
Dessa forma poderia conseguir-se ultrapassar o sentimento de vitimização e exclusão da oposição, abrindo-se a oportunidade duma democracia mais participativa e inclusiva.
Em última consequência, a instituição dum conselho nacional das províncias iria contribuir de maneira decisiva ao melhoramento da imagem do país como destino saudável e de estabilidade para os grandes investimentos projectados.
in AMI
CORREIO DA MANHÃ – 26.02.2015
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