A Renamo, maior partido de oposição moçambicana, boicotou hoje a tomada de posse nas assembleias provinciais e ameaçou seguir a mesma postura na investidura do novo parlamento por não reconhecer os resultados das eleições gerais de 15 de outubro.
"Os membros da Renamo foram eleitos por uma lista do partido e o partido que os patrocinou diz que não podem tomar posse. Temos um mandatário (Afonso Dhlakama) que aceitamos que ele nos representasse e a direção desse mandatário está a dizer que não devemos tomar posse. Então, é só cumprir", disse o porta-voz da Renamo, António Muchanga, em declarações à Lusa.
Os 294 membros da Renamo eleitos PARA as 10 assembleias provinciais moçambicanas não tomaram parte na cerimónia de investidura em cumprimento de uma diretiva da última sessão da Comissão Política do partido, realizada em dezembro.
LUSA – 07.01.2015
Atenção: O texto é longo. Quem se atrever a lê-lo, deve o fazer até o fim. E comentar deopis.
BOICOTE PARLAMENTAR: Uma criatividade sem estratégia
__________________________
Criatividade é a capacidade que os indivíduos têm em produzir ou inventar coisas
novas, não importam o mérito. Na nossa jovem democracia, a Renamo pode igualmente se considerar um partido criativo. Tão criativa cuja lógica desafia todo pensamento político moderno.
Estou aqui para falar da sua invenção que já dura uns bons 20 anos. O BOICOTE.
Aconteceu que em 1994, no segundo dia das eleições Afonso Dhlakama notou uma série de irregularidades no processo leitoral. Anunciou a sua retirada da corrida. Foi preciso a mediação de Aldo Ajelo e Brazão Mazula para trazê-lo de volta a corrida. Por conta disso, as eleições de 1994 foram as únicas realizadas em três dias.
Quatro anos mais tarde, em 1998, a Renamo BOICOTOU as eleições autárquicas, as primeiras na história. As eleições de 1998 foram conhecidas pelos seus mais altos e vergonhosos índices de abstenção: 85%. Foi o boicote mais eficaz, apesar de não ter produzido as desejadas consequências. Na verdade, a Renamo perdeu a oportunidade de se inserir na máquina do Estado e arrancar pequenos pedaços de território passando-o para a sua administração. A renamo pensava que sem ela, não haveria eleições. Enganou-se.
Desde as eleições de 1999 que a Renamo boicota sistematicamente as sessões da Assembleia da República, como mecanismo de protesto contra aquilo que acham ser a ditadura do voto. Por exemplo, porque não concordava com o pacote eleitoral que regulava as eleições autárquicas de 2013, a Renamo boicotou, ficando sozinha fora da corrida. De referir que em 2003 a Renamo conseguiu controlar cinco municípios. Em 2008 perdeu-os quase todos, tendo conseguido assegurar Beira e Marromeu (AM) apenas. Em 2013 boicotou e perdeu todos municípios sem concorrer. No Parlamento, a situação é mesma. Em 2009 a Renamo boicotou a tomada solene do assento parlamentar. Mas depois, um a um, foram assinar os termos de tomada de posse e voltaram ao Parlamento. Nestas eleições, parece que o processo será idêntico. Um a um ou, cada deputado eleito irá sozinho ou em grupo assinar o termo de posse e trabalhar. A todos níveis, independentemente de como o boicote irá terminar.
Ora, para qualquer pensador ou estratega, há momentos em que deve reflectir, medir o impacto e a eficácia de cada decisão tomada, de cada ideia ou estratégia montada. Para cada ideia criativa, deve se-lhe acoplar uma estratégia. Para cada invenção, uma táctica deve estar disposta a avaliar e abandonar, quando ela se afigurar prejudicial.
O que me parece é que a Renamo tem muitas ideias criativas mas despidas de uma estratégia ganhadora. Ou pelo menos as decisões tomadas nunca foram depois avaliadas; nunca as consequências destas mesmas decisões foram criticamente avaliadas e nunca aparentemente se tiraram as ilações.
Voltemos a história do boicote.
Então, desde as eleições de 1994 a Renamo sofreu por causa desta medida. Porque então a estratégia do boicote não é abandonada? Ou no mínimo, porque não a aperfeiçoa
Em 1994 Dhlakama ameaçou sair da corrida e perdeu. As pouco menos de 24 horas que durou o boicote desmoralizam o eleitorado, os seus técnicos (por já acreditarem que não valia a pena continuar a velar pelos votos da Renamo uma vez que ela tinha saído da corrida, etc.). Apesar de a abstenção ter-se situado em 12%, a Renamo conseguiu o seu melhor resultado de sempre: 112. Nas eleições autárquicas de 1994 a Renamo saiu a perder porque todos os municípios foram tomados pela Frelimo. E o seu boicote não teve nenhum impacto sobre a governação. Nas eleições de 2003 a Renamo conseguiu cinco municípios que os perdeu em 2008. Em 2013 a Renamo voltou a boicotar e agora não gere nenhum município.
Se fosse possível reflectir, seria de sugerir que podemos estabelecer aqui um nexo de causalidade entre o boicote da Renamo e a perda das eleições. Também é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a afluência às urnas e os bons resultados da Renamo e da oposição no geral.
Concluindo, era possível dizer que o boicote jamais ajudou a Renamo a seguir os seus planos. O boicote sempre foi um exercício fútil, inútil e marginal. Não acrescenta nada ao conjunto de pressão que se quer impor sobre a Frelimo. Em 1994 boicotou e perdeu; 1998 boicotou e ficou sem nenhum município; em 2013 boicotou as eleições e perdeu todos municípios; em 2009 boicotou a tomada de posse na AR mas voltaram a sentar-se na mesa e agora boicotarão mas por fim voltarão lá.
Também podemos ver que em todas as eleições em que a Renamo teve bons resultados os índices de abstenção foram relativamente menores: 112 deputados em 1994 e índice de abstenção 12%. 117 deputados em 1999 (RUE) e taxa de abstenção 32%; 89 deputados em 2014 e índices de abstenção pouco mais de 50%. As duas vitórias de Guebuza foram marcadas por abstenções que roçavam os 70%: 64% em 2004 e 61% em 2009. Nestas, a Renamo teve seus piores resultados das cinco eleições já realizadas.
QUANTO CUSTA O BOICOTE DA RENAMO AOS SEUS MEMBROS?
QUANTO CUSTA O BOICOTE DA RENAMO AOS CIDADÃOS QUE GOSTARIAM DE VOTAR NELA?
Pelo menos tenho três respostas. Primeiro o boicote da Renamo sempre abre espaço para a emergência de outros actores e acima de tudo, para o fortalecimento da própria Frelimo. Segundo, o boicote da Renamo em processos eleitorais representa um grande custo financeiro para ela própria, na medida em que lhe impossibilita fortalecer-se e fidelizar as suas fileiras, através de um sistema clientelista de acomodação e cooptação. E a terceira resposta é que tal como provado em processos eleitorais autárquicos, por enquanto, o caminho mais seguro de tomar de assalto o poder é indo assegurando os municípios. Aqui, os membros da oposição não só se integrariam no sistema estatal como apreenderiam com verdade e prática o conhecimento prático da realidade da administração do Estado. Por um lado viveriam do Estado e por outro estudariam e assimilariam a cultura de Estado.
Em 2014 serão 383 indivíduos da Renamo integrados na folha de salários do Estado como deputados (294 deputados provinciais e 89 da AR). Imaginemos se tivessem concorrido às municipais! Quão espalhados estariam estes pelo país todo, ajudando na dinamização da campanha e na moralização das bases e acima de tudo, na viabilização económica da própria Renamo?
O boicote é um verdadeiro harakiri para a Renamo; ritual suicida japonês que ocorre por esventramento. É um acto cobarde e denota falta de inteligência de quem decide neste sentido. É um exercício tão oneroso para cada deputado afectado - na medida em que ficará dias sem o salário e regalias conexas; tão oneroso para a própria Assembleia da República – na medida em que desorganizará a agenda de trabalhos e integração destes; tão oneroso para o partido que precisa de se viabilizar financeiramente e acima de tudo contraproducente porque no boicote, encontramos a palavra-chave que a acompanha: ATRASO.
O boicote representa o atraso para a Renamo, em todos sentidos; esforçam-se bastante, mobilizam-se para atrasar; de resto uma prática única na história dos partidos políticos cujo enfoque se posiciona exactamente no campo contrário: avanço e velocidade. Mudança e constante aperfeiçoamento. Em 20 anos da democracia moçambicana, a liderança da Renamo deve pensar seriamente em encontrar outras formas criativas de fazer política abandonando sem reservas e nostalgia o boicote.
O membro e apoiante da Renamo não podem viver eternamente zangados e revoltados. Eles precisam também de ver algum progresso no partido que apoia; precisa de ter referências de governação a nível dos municípios; precisa de ver seus deputados a participar regularmente nos trabalhos da assembleia; precisa de ver seu partido com um calendário político mobilizador; concentrador e aglutinador; o membro e simpatizante da Renamo precisam ter esperanças de que um dia o poder chegará ao seu partido. Mas isso não se faz no esconderijo do boicote mas sim na participação plena e no exercício regular dos mandatos. O que acabei de dizer não anula outras formas de negociação; pelo contrário reforça-as; não nulifica as negociações; não trivializa a pressão política em prol do governo de gestão ou qualquer que seja; não falseia a ideia da inclusão. É que os deputados eleitos pela Renamo precisam eles próprios lutar já dentro do sistema para maior inclusão. Isto não se faz alheando-se a própria inclusão. Faz-se lá dentro, a partir de uma plataforma.
Urge remodelar a imagem do membro da Renamo. O membro ou simpatizante ou apoiante da Renamo deve deixar de ser visto como estando sempre zangado e quase a explodir; marginal à todos processos governativos e desconfiante de tudo quanto venha do Estado, com um pé no mato e outro na cidade; confiante das forças de Dhlakama; o simpatizante da Renamo precisa de ter uma outra imagem: de um interlocutor, do cuidador da voz do povo e do conhecedor do que ele precisa de facto; de um líder de mudança; de quem conhece as melhores estratégias, do futuro dirigente, de alguém que domina os comandos constitucionais, que discute até a exaustão sem recorrer à porrada; que expõe a imbecilidade do adversário e compromete as instituições de justiça, enfim, que muda por dentro. Mas como vão mudar por dentro se estão sempre a sair dele?
Saibam que sempre que disserem “a Renamo não vai participar”, é uma franja de adeptos que perdem. Quando saem da sala de sessões plenárias os adeptos ficam desmobilizados e quando não participam nos processos eleitorais, colocam os simpatizantes numa posição muito frágil e desprotegidos.
CRIATIVIDADE SEM ESTRATÉGIA É PIOR QUE NÃO FAZER NADA. ÉAUTO-DESTRUTIVA.
No comments:
Post a Comment