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Anteontem à noite, na véspera da sua tomada de posse, Filipe Nyusi era um homem desesperado. E exasperado. O choque brutal da realidade perpassava-lhe na pele. No dia seguinte ele estaria num palanque de luxo e se sentaria na cadeira mais alta da nação. Mas na Zambézia, no interior profundo do país, muitos moçambicanos estavam mergulhados na lama das chuvas, empoleirados para sobreviver; crianças ficaram isoladas em ilhas por entre as torrentes malvadas e ninguém sabe da sua sina.
A tomada posse não podia ser cancelada por esse motivo. Nem que ele quisesse, o sistema não lho permitiria. Mas ele tinha de fazer qualquer coisa. E fez. Telefonou para uns amigos para ver se lhe arranjavam helicópteros e barcaças insufláveis para mandar para a Zambézia. Era preciso salvar vidas! E os amigos satisfizeram-lhe a vontade. A factura será calculada mais tarde. Engenheiro de formação, Nyusi teve essa tirada pragmática de belo efeito. E tomou, se calhar, com aqueles telefonemas, a sua primeira grande decisão como Presidente mesmo antes de sê-lo.
Mas agora, depois da euforia da sua inauguração ontem, que embeveceu meio mundo, sobretudo nas camadas urbanas, talvez seja o momento para regressarmos à tragédia. Na Zambézia, as cheias isolaram povoações, cortaram vias de acesso. Não há luz nem comida nem internet. E o Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC) mostrou-se impotente para fazer o seu trabalho. Como solução, o Governo pediu esmola à vizinha África do Sul, que só ontem começou a estudar o terreno para saber como operar. Mas como não há energia elétrica (e nunca ninguém pensou nas redundâncias, apesar dos lucros fabulosos da HCB) as coisas continuam pretas e as pessoas empoleiradas. A solidariedade sul africana, no entanto, é bem vinda. Nyusi deve estar agradecido. Também aos amigos, não importa a conta. Mas estes episódios podem ter-lhe feito perceber que este pais é uma batata quente. Ele acabou herdando um fardo de políticas erradas e escolhas de racionalidade duvidosa.
Dois exemplos, sempre colocados em paralelo com a realidade anualmente cíclica das cheias e a incapacidade de logística do INGC.
•O Governo de Armando Guebuza contratou dívida de 850 milhões de USD para criar uma empresa chamada Ematum, vocacionada para pesca de Ematum e fiscalização costeira. A Ematum iniciou operações recentemente mas ela está a relevar-se um elefante branco. A despesa para esta operação foi decidida por uma meia dúzia de pessoas e a dívida podia ter sido tomada a juros mais baixos....Ematum é um daqueles negócios públicos celebrados na calada e em condições comerciais que remetem para a ideia de que nem sempre o interesse do Estado pesou. E o INGC continua paupérrimo. E Nyusi tem de pedir esmola aos amigos. E os moçambicanos na Zambézia estão a viver uma tragédia.
•Nos últimos três anos, Guebuza iniciou um plano de reabilitação do aparato das Forças Armadas, que se consubstanciou num aumento substancial da fatia orçamental dedicada ao exército. Em 2014, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) tiveram um incremento orçamental de 17.8%. E quanto a equipamento para a Força Aérea, em Setembro de 2013 , o Governo recebeu, em segunda mão, um Hawker 850 XP Business Jet, construído em 2005. E em Novembro de 2013 foram adquiridos dois Antonovs An-26Bs, oito MiG-21, seis MIG 21 Bis e dois MIG 21 UM para instrução, ao mesmo tempo que uma aeronave L-39 e duas denominadas “Festival”. O executivo manifestou também o interesse de adquirir à Rússia dois helicópteros da marca Kazan Ansat-U e quatro Mi-17, entre outras coisas. E o INGC continua sem capacidade logística para resgatar os moçambicanos que todos os anos são vítimas de cheias, limitando o Governo a apelar as populações para saírem das zonas baixas.
O Presidente Nyusi está agora confrontado com essas decisões erradas e duvidosas que marcaram a Governação de Armando Guebuza. Hoje, não importa que ele também tenha estado lá no Conselho de Ministros de Guebuza. Importa é que ele arregace as mangas e comece a corrigir estas tremendas gafes. No seu discurso ontem, ele falou em reduzir o despesismo. Essa foi uma grande pedra de toque, designadamente se isso significa a priorizar despesas que realmente contam para o bem de todos e não para uma minoria. E esperamos que daqui a um ano ele não tenha que recorrer aos amigos para lhe adiantarem o serviço de socorro das vitimas das cheias, com factura a remeter a posterior.
Mas a realidade dura e brutal está aí, pungente. A cada dia que passa, Nyusi irá dar-se conta da sua gravidade. Estamos aqui para apoiar o novo Presidente da República.
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