Tuesday, October 28, 2014

O Farol do Macúti e o Acidente de Mbuzini - III (conclusão)

O Farol do Macúti e o Acidente de Mbuzini - III (conclusão)
Tal como os faróis de ajuda à navegação marítima, que servem para auxiliar os barcos a dirigirem-se para a zona onde pretendem atracar, os radiofaróis (VOR) servem para ajudar as aeronaves a seguir em direcção aos aeródromos onde pretendem aterrar. Da mesma forma que o farol do Macúti não fornece aos comandantes dos navios orientações para navegarem ao longo do canal de acesso da Beira e atracar no porto desta cidade, a rádio-ajuda VOR do aeródromo de Maputo (Gravura 1) não tem a função de fazer com que um avião desça, nem faz, pelos seus próprios meios, com que ele efectue uma descida. A decisão de efectuar uma descida é do piloto apenas.
O VOR, ou Rádio Omnidireccional de Frequência Muito Alta, fornece a um piloto a direcção a seguir no plano horizontal. O piloto apenas inicia a descida quando estiveram reunidas as condições para fazê-lo. Designadamente, o piloto necessita de ter uma referência visual com o solo para descer abaixo da Altitude Mínima de Descida (MDA) que no caso do aeródromo de Maputo é de 3,000 pés. Uma vez obtida essa referência visual, o piloto tem de interceptar o ILS (Sistema de Aterragem por Instrumentos), o que é feito a 1,700 pés. E com recurso a duas componentes do ILS – o localizador e a ladeira do ILS – o piloto obtém uma orientação horizontal e vertical, respectivamente, para poder aterrar.
Na noite do acidente de Mbuzini os pilotos do Tupolev presidencial não dispunham da referência visual com o solo (as luzes da pista) e não conseguiam interceptar o ILS, nem tão pouco os Faróis não Direccionais (NDB), por estarem fora do raio de acção destas ajudas à navegação. Todavia, optaram por descer. E mais: desrespeitaram o sinal de alarme fornecido pelo GPWS (Sistema de Aviso de Proximidade do Solo) de que deviam abortar a descida.
Em suma, quem pretendesse provocar o acidente de Mbuzini com recurso a um VOR falso veria gorada a tentativa dado que inevitavelmente os pilotos necessitariam dos meios acima referidos para iniciarem a descida, aproximação e aterragem em segurança.
  • 5 pessoas gostam disto.
  • Joao Cabrita Gravura 2: VOR de Maputo. Avenida Sebastião Marcos Mabote à direita.
  • António Botelho de Melo Muito bem, fácil de entender...
  • Raul Neto Falta só referir o radar do Tupolev que também poderia ser usado para cruzar as informações,de resto o texto está bastante bem escrito. Parabéns Joao Cabrita!
  • Yussuf Adam O vor e um engodo. Foi engolido tambem por especialistas diletantes de Maputo. O aviao foi desviado com o uso de equipamento mais sofisticado fabricado pela British Aerospaciale e que os ingleses venderam a RSA. Abdul Minty tinha os documentos e entregou os ao governo mocambicano antes do 19 de outubro e depois da queda. O SV ja disse que receberam os papeis mas nao tinham capacidades tecnicas para entender se percebi o que ele disse. Uma comissao de historiadores para clarificarem a serio o que se passou...
  • Raul Neto Nesse caso seria mais simples e mais fiável para qualquer sabotador avariar os instrumentos de bordo com recurso a empastelemento electromagnético,o Yussuf Adam recorda-se do desvio do «Achille Lauro» e da subsequente operação de desvio do avião no qual seguiam os sequestradores do navio para Sigonella ?
  • Raul Neto Mas para lhe ser sincero, dada a gravação do CVR, o historial deste Tupolev e sobretudo da sua tripulação não creio minimamente que tenha sido o caso. É necessário recordar que dias antes este avião saiu da pista em Mocímboa da Praia, voltou para o ar sabendo-se lá em que condições, o combustível na noite do acidente, esse estava "nas lonas ", como o Joao Cabrita já explicou aquela tripulação não captou os restantes rádio-ajudas de Maputo nem sequer referências visuais exteriores, o alerta de proximidade de terreno soou e qual foi a reacção deles perante todos esses avisos ? Nada! Rigorosamente nada! Mas eu acrescento mais, porque motivo os alegados sabotadores ainda socorreriam os sobreviventes deste acidente, nomeadamente o Engenheiro de bordo ? A África do Sul do Apartheid foi o que a História demonstra e ninguém que a analise friamente o nega, e se analisarmos também este acidente friamente e com o necessário distanciamento político, chegaremos à conclusão que foi um triste e lamentável acidente no qual um familiar meu podia também ter perecido caso embarcasse na aeronave acidentada! Cordialmente, Raul Neto.
  • Joao Cabrita Yussuf Adam, os documentos de Abdul Minty a que te referes relacionam-se com a estação AR-30 da Plessey, instalada em Mariepskop no norte do Transvaal. Começaram por ser divulgados pelo Movimento Anti-Apartheid (AAM) em 1979. A seguir ao acidente de Mbuzini, sem que as investigações tivessem entrado na fase crucial (abertura, leitura e análise das caixas negras), Abdul Minty, que era secretário do AAM, pretendeu estabelecer uma ligação entre o sistema de radares de Mariepskop e a morte de Samora Machel. Especulava, portanto.

    O argumento do Minty, a que o Paul Fauvet deu ampla cobertura através da AIM em 14 e 20 de Novembro de 1986 (as caixas negras começaram por ser abertas em 24 de Novembro tendo o processo acima referido ficado concluído na primeira semana de Dezembro), foi o de que a estação de radar de Mariepskop não havia alertado o Tupolev de que estava na rota errada e prestes a chocar contra os montes dos Libombos em Mbuzini.

    De referir que há 2 tipos de estações de radar: de detecção de violações de espaços aéreos e de controlo de tráfego aéreo. A estação de Mariepskop é do primeiro tipo.

    O Tupolev "violou" o espaço a aéreo sul-africano por uns escassos 150 metros e a uma altitude que já não era detectável pela estação de Mariepskop. Além do mais, o desvio da rota do Tupolev ocorreu dentro do espaço aéreo moçambicano, excepto nos últimos 150 metros. Esta distância foi percorrida em menos de 1 segundo e 3 décimos! Obviamente, cabia às estações de radar moçambicanas alertar os pilotos do Tupolev, e não à estação de Mariepskop. Na zona Sul de Moçambique funcionavam na altura 18 estações de radar.

    Admitindo que tivesse detectado essa violação a estação de Mariepskop tinha apenas a função de alertar a central da força aérea sul-africana em Devon, sensivelmente a sul de Joanesburgo, cabendo a esta tomar as medidas que achasse necessárias.

    Os investigadores de acidentes de aviação são unânimes em afirmar que os acidentes resultam de uma acumulação de erros. O primeiro erro dos pilotos do Tupolev foi cometido à partida de Mbala ao iniciarem a viagem sem o combustível regulamentar. As regras da ICAO são precisas: combustível para chegar ao destino e, na eventualidade de qualquer imprevisto, combustível para desviar o avião para o aeroporto alternante, e ainda para mais 45 minutos em voo de espera sobre o aeroporto alternante.

    Quando surgiu o imprevisto em Mbuzini, o Tupolev não dispunha de combustível suficiente para desviar para o aeroporto alternante, que era a Beira. Os pilotos depararam com uma realidade nua e crua: tinham de aterrar no local onde se encontravam, entrando assim na fase de acumulação de erros. Nomeadamente, desceram abaixo da Altitude Mínima de Descida (3,000 pés) sem terem as luzes da pista à vista, e depois desrespeitaram o sinal de alarme do GPWS de que deviam abortar a descida. 

    "There is nowhere to go" (Não há para onde ir) – foram as palavras do Navegador do Tupolev, três segundos antes da colisão. 

    P.S. Porque será que a Comissão Nacional de Inquérito, presidida pelo Sr. Armando Emílio Guebuza, até hoje nunca pediu, quer a soviéticos, quer a russos, o depoimento do mecânico de bordo do Tupolev presidencial? Como é sabido, a parte soviética impediu que o mecânico de bordo prestasse declarações às comissões de inquérito sul-africana e moçambicana, tratando da sua evacuação para Moscovo dias após o acidente.
  • Yussuf Adam Muito obrigado Raul Neto e Joao Cabriita. Eu pessoalmente nao estou convencido da tese do acidente mas sim de um desvio propositado e inducao da queda do aviao. As informacoes complementares / o plano da renamo aceitar que foi ela que atingiu o aviao, a minucia na preparacao do VOR, alguns testemunhos de pilotos zimbabweanos, etc... apontam para uma sabotagem. Nao faz sentido que o Magnus Malan que tinha aceite uma reuniao com o Aquino de Braganca para discutir a sua percepcao de que havia misseis no tectos dos predios d Maputo tenha cancelado o enncontro a 17 para deixa lo em aberto.... Vou continuar a investigar...
  • Joao Cabrita Acredito se tivesse havido desvio propositado e indução da queda do avião a ICAO teria actuado. Aliás, o advogado de Graça Machel falou pessoalmente com entidades da ICAO durante uma conferência desta organização das Nações Unidas em Joanesburgo já depois do ANC estar no poder. Graça Machel estava presente.

    De facto, Paulo Oliveira revelou ter recebido um telefonema dos sul-africanos pois poderia ser necessário a Renamo reclamar o abate do avião. De imediato levantam-se duas questões: Primeira, os sul-africanos desconhecem se o avião foi abatido ou desviado por um VOR falso, o que põe em causa a tese de sabotagem por parte da África do Sul. 

    Segunda, há que contextualizar o telefonema. Se a Renamo tivesse abatido o avião, seria necessário aguardar que ela comunicasse o sucedido à base regional e esta à base central, na altura em Sofala. Isto leva tempo, daí a necessidade de Paulo Oliveira ficar "a aguardar".

    Yussuf Adam não sei a que "minúcia" te referes quanto "à preparação do VOR". Como historiador concordarás que em qualquer investigação não se pode descurar os factos. Estes indicam claramente que não houve nenhum VOR falso. A tese do VOR falso, como acima referido, nasceu de uma especulação. Além do mais, a partir da volta prematura à direita o avião passou a navegar com recurso ao Doppler, sistema que não depende de qualquer dispositivo em terra. E de novo as palavras do Navegador e do Comandante, a três segundos da colisão:

    NAVEGADOR: Não, não, não há para onde ir, não há NDB (Faróis Não-Direccionais), não há nada.

    COMANDANTE: Nem NDB, nem ILS.

    Se "não há nada", como diz o Navegador, aonde é que estaria o VOR ?
  • Raul Neto Outra questão que na altura se colocou foi a de aquela tripulação poder ter sintonizado por engano o VOR do aeroporto de Matsapha na Swazilândia (112.3 MHz) em vez do de Maputo (112.7MHz).
  • Joao Cabrita Depois de ter sido reconstituída - em Moscovo - a trajectória do voo, a parte sul-africana defendeu que o piloto ou o co-piloto poderia ter sintonizado a frequência de Matsapha, por engano ou como ponto de referência. Por norma, o Navegador é quem manobra o avião mediante a frequência do VOR seleccionada pelo piloto ou pelo co-piloto. 

    Disse-me o investigador-chefe da parte sul-africana, Rennie van Zyl, que os soviéticos aceitaram essa hipótese, descartando-a posteriormente quando concluíram que Matsapha não era na África do Sul. A parte soviética passou a defender que não era possível o Tupolev ter captado o VOR de Matsapha à distância em que se encontrava e devido a obstruções causadas pelos montes dos Libombos à propagação das ondas dessa ajuda à navegação.

    A parte sul-africana pediu que fosse feita a experiência. A Suazilândia aceitou. Moçambique nunca autorizou a utilização do espaço aéreo moçambicano para esse fim. (Mais uma questão a esclarecer pelo senhor presidente da Comissão de Inquérito moçambicana.)

    Em face disso, os sul-africanos pediram a uma transportadora que efectuava voos do PMA de Nairobi para Maputo para que tentasse sintonizar o VOR de Matsapha na mesma posição em que o Tupolev se encontrava no momento em que efectuou a volta prematura à direita. Os resultados demonstraram que era possível captar o VOR de Matsapha. Resultados idênticos foram obtidos por 2 aviões Mirage da Força Aérea Sul-Africana.

    Em todo o caso, se o Tupolev tivesse continuado a voar, iria dar a Matsapha, de acordo com a reconstituição da trajectória do voo.
  • Raul Neto Curiosas, Joao Cabrita, são as declarações de um membro da Autoridade de Aviação Civil Sul Africana à época, segundo as quais a estação VOR móvel, equipamento pensado para substituir as estações fixas quando inoperacionais ter estado apreendida num depósito da Polícia Sul Africana à data do acidente, em virtude de o veículo que a transportava ter um problema com as luzes e ter sido apanhado numa operação de controlo rodoviário. É curioso notar que os militares usam o sistema TACAN que funciona em Ultra Alta Frequência (UHF) enquanto que o VOR funciona em Muito Alta Frequência (VHF), daí que a questão colocada pelo investigador Norte-Americano ao responsável Sul-Africano não ser totalmente ingénua.

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