Cada um de nós possui um sol interior e é a esperança
quem o faz nascer. Quando a esperança esmorece, as noites se acumulam no solo
da emoção. A esse amontoado de noites há quem chame de diversos nomes, os médicos
o chamam “depressão”. Quero contar que
já passei por isso e que, acreditem, Rubem Alves, em dia de máxima angústia,
salvou a minha vida.
Descobrir a verdadeira face do mundo, da vida,
despir a máscara que camufla os sentimentos hostis, a vaidade histérica, a
deficiência do afeto, isso é tarefa de
gigante. E gigantes são todos aqueles que penetram a natureza das coisas,
que não temem conhecer os abismos do
mundo e de si.
Minha vida é marcada por uma sucessão de fatos que
me fizeram conhecer muitos abismos. A
falta de recursos materiais e o excesso de reflexões prematuras roubou-me, em
parte, a infância. A religião aprisionou-me a adolescência numa redoma de culpa e de medo.
O excesso, o transbordar do sentimento me roubou o gozo do efêmero. E tudo isso, somado a uma gravidez de risco,
um casamento fracassado, um divórcio dolorido, a problemas de saúde de natureza
grave que me fizeram passar por três cirurgias seguidas, somado ainda a
trabalhos que não me realizavam e ainda não me realizam, somado à solidão de me
ver incompreendida pelo mundo, somada à dor de não conseguir ser nada daquilo
que sonhei, acarretou na minha desistência de tudo.
Foram dias, meses, mais de três anos sem sonho. Sem
nenhum projeto. Eu mal conseguia descer do apartamento em que morava. Advogada,
ao me lembrar de que necessitava ir ao fórum, tinha náuseas. Desliguei
telefones. Passei meses sem olhar noticiários. E a única coisa que me ligava a
mim mesma era a minha escrita. Eu escrevi, nesse tempo, centenas de poemas. A necessidade
cotidiana me fazia a cada dia ainda mais derrotada. Não conseguia prover as
necessidades minhas e de minha filha; já havia gasto todas as minhas economias.
Então, nesse ápice de angústia, decidi que não mais viveria. Foi quando me
deparei, em meu e-mail, com um vídeo de Rubem Alves, no qual ele dizia:
“Uma vez um aluno me pediu
uma entrevista, chegou na minha casa e me fez essa pergunta: ‘como é que o
senhor se preparou, como é que o senhor planejou a sua vida para chegar aonde
chegou?’ Eu percebi logo que ele me admirava, que queria o mapa do caminho e eu
disse a ele, ‘eu cheguei aonde cheguei porque tudo o que planejei deu errado.
Então eu sou escritor por acidente. Já fui outras coisas, já fui professor de
filosofia, já fui teólogo, já fui pastor. Agora eu sou um velho.”
Creio que muitos desconheçam a força de suas
palavras, a contundência, a capacidade que elas possuem de ser, no outro, a alavanca que faz reerguer o sol interior
que jaz adormecido. Essas palavras do Rubem, em mim, dissiparam a noite
angustiosa da culpa por meus fracassos e me fizeram valorar o sol (o meu sol)
que ainda estava a nascer.
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