- 18 Fevereiro 2013
- Opinião
Luanda - Uma homenagem corre sempre o risco de cair em clichês. Conheci o João Van-Dúnem, o jornalista que acabou de falecer, há mais de vinte e quatro anos. Ele tinha imensa capacidade de detectar a ironia das coisas. O João Van-Dúnem não pode mesmo ser homenageado com clichês, porque ele foi uma pessoa profundamente séria, embora com um sentido de humor altamente refinado. Estou a ver o João a contar- -nos um episódios da história angolana – cenas que faziam parte da sua identidade – , imitando as personalidades envolvidas, coisas que sempre nos cativavam.
Fonte: SA
Fonte: SA
Fui para Londres em Março de 1986, com uma bolsa da UNITA, para ter uma formação em jornalismo. Na Zâmbia, onde tinha passado parte da minha infância, escutar a BBC de Londres era quase obrigatório. No meu caso, escutava também os serviços para á África em Inglês. Em Londres, de repente, estava no meio da recolha de informações e personalidades. O João Van-Dúnem trabalhava na famosa «Bush House», onde, dizia-se, o meu escritor favorito, George Orwell, também trabalhou e que lhe deu a inspiração para o famoso romance «1984».
Sempre que fosse à BBC, o João fazia questão de me apresentar aos seus colegas. Os serviços de Língua Portuguesa para a África eram como que uma família. Lá esta o João com o Suleman Kabir, o Lijo Monteiro, a São Lima, o Felipe Correia Sá, o Ayres Walter, o Carlos Araújo, a Teresa Guerreiro, a Teresa Lima e outros. O João Van-Dúnem foi me apresentando a estas pessoas. Ele tinha excelentíssimas relações com os jornalistas do serviço africano. Lembro- -me de o João me ter apresentado a jornalistas africanos, como o Max Bankole Jarret, o Farai Sevenzi, a Elizabeth Ohene, o Hassan Arouni e o então muito jovem Raage Omar, que acabaria por ser muito famoso no Iraque.
Sempre que fosse à BBC, o João fazia questão de me apresentar aos seus colegas. Os serviços de Língua Portuguesa para a África eram como que uma família. Lá esta o João com o Suleman Kabir, o Lijo Monteiro, a São Lima, o Felipe Correia Sá, o Ayres Walter, o Carlos Araújo, a Teresa Guerreiro, a Teresa Lima e outros. O João Van-Dúnem foi me apresentando a estas pessoas. Ele tinha excelentíssimas relações com os jornalistas do serviço africano. Lembro- -me de o João me ter apresentado a jornalistas africanos, como o Max Bankole Jarret, o Farai Sevenzi, a Elizabeth Ohene, o Hassan Arouni e o então muito jovem Raage Omar, que acabaria por ser muito famoso no Iraque.
Através do João, conheci também vários jornalistas ingleses, como a Mary Harper, o Julian Marshal e o Robyn White.
Uma das primeiras aulas que tive de jornalismo, na então Politécnica Central de Londres, é de que um jornalista tinha que ter muitos contactos – e geri-los bem. O João Van-Dúnem conhecia muita gente, e não só da África Lusófona. Ele era poliglota – falava fluentemente o Inglês, Português, Francês e Espanhol. Também tinha muitos amigos nos serviços para a América Latina da BBC. Eu, um pouco tímido, não entendendo aquele complicadíssimo mundo do jornalismo radiofônico da BBC, ia atrás do João, que me apresentava a varias personalidades.
Muitos jornalistas da BBC tinham escrito livros, sendo que alguns deles eram autênticas autoridades em assuntos de várias regiões do mundo.
Cheguei a conhecer um outro lado do João Van-Dúnem - lado patriota angolano. Ele vivia num apartamento duma área nobre de Londres chamada Clapham Common, que tinha ruas limpíssimas, relvados perfeitíssimos e jardins a pedirem para ser imortalizados em quadros. Nos fi ns de semana, o João gostava de dar um almoço à moda angolana, para o qual convidava várias pessoas. Como já disse, ele tinha amigos de muitas partes do mundo. Foi na casa do João que vi um aristocrata britânico, sentado no cantinho, com os olhos fechados para melhor apreciar o«nosso» mufete. E ele entendia muito bem o relacionamento entre a comida, a música e a conversa. Ele era um filho de Luanda, que levava dentro de si memórias cativantes. E, naqueles almoços, depois dos vários hospedes terem ido embora, a conversa virava-se mais para Angola – a nossa Angola.
A minha memória estava cheia de linhas do Shakespeare e Gerard Manley Hopkins, mas o João Van-Dúnem declamava poemas de Viriato da Cruz, António Jacinto e Agostinho Neto. Então, ele falava-nos de poesia que, inevitavelmente, levava à história, à política.
Cheguei a conhecer um outro lado do João Van-Dúnem - lado patriota angolano. Ele vivia num apartamento duma área nobre de Londres chamada Clapham Common, que tinha ruas limpíssimas, relvados perfeitíssimos e jardins a pedirem para ser imortalizados em quadros. Nos fi ns de semana, o João gostava de dar um almoço à moda angolana, para o qual convidava várias pessoas. Como já disse, ele tinha amigos de muitas partes do mundo. Foi na casa do João que vi um aristocrata britânico, sentado no cantinho, com os olhos fechados para melhor apreciar o«nosso» mufete. E ele entendia muito bem o relacionamento entre a comida, a música e a conversa. Ele era um filho de Luanda, que levava dentro de si memórias cativantes. E, naqueles almoços, depois dos vários hospedes terem ido embora, a conversa virava-se mais para Angola – a nossa Angola.
A minha memória estava cheia de linhas do Shakespeare e Gerard Manley Hopkins, mas o João Van-Dúnem declamava poemas de Viriato da Cruz, António Jacinto e Agostinho Neto. Então, ele falava-nos de poesia que, inevitavelmente, levava à história, à política.
Foi do João que soube da pequena burguesia – ligada à burocracia estatal – africana que surgiu no fim do século dezanovee que veio a ter uma imensa influência no nacionalismo angolano. Na altura, falou-me da casa de«pau a pique» em que viveu e de como, ainda jovem, teve um trabalho part-time como escrivão. O João contava-me também histórias dos Pinto de Andrade. Às vezes,sentávamos no jardim do seu apartamento e ele falava do Liceu Salvador Correia e do carnavalde Luanda.
Cá estava eu, angolano que não conhecia Luanda,a bombardeá-lo com perguntas e mais perguntas sobre a «banda». Eu queria mesmo que este Van--Dúnem este crioulo, me revelasse os segredos da sua casta. E ele não revelava apenas; ele declamava mesmo, com muito orgulho, a sua herança. O João traduzia-me algumas canções populares em kimbundu. Ensinou-me também que o patriotismo é, em parte, a celebração daquilo que era específico. Então falávamos do povo do Leste de Angola; lembro-me do João a falar sobre a simetria da grande obra artística Cokwe, o Pensador, da qual eu nunca tinhaouvido falar. Lembro-me ainda do João a falar de figuras do Planalto com quem ele tinha lidado: os irmãos Muteka, Mande e Moco.
E, claro, falávamos do «27 de Maio» noite adentro; do seu irmão José, da Sita Vales, do «Monstro Imortal», enfim. Falamos também dos anos em que o João passou na prisão. E aí ele ficava muito sério, profundamente triste. Ele ficava também muito triste quando falava do seu amigo Fernando Wilson dos Santos, antigo representante da UNITA em Portugal, que foi morto às mãos da sua própria organização em 1990. O João Van-Dúnem tinha uma capacidade imensa de fazer amizades; a trajectória dos vários amigos que ele teve enchia--lhe, às vezes, de uma profunda tristeza...
Mas havia momentos em que eu via o João Van-Dúnem a vibrar de alegria. Um deles é quando um seu sobrinho, que estudava numa cidade no interior da Inglaterra, ia a Londres. Ficava também muito animado na companhia do Reginaldo Silva: os dois partilhavam um senso de humor
cáustico, típico de uma dada geração de angolanos. O João Van--Dúnem foi, também, um grande amigo do General Lukamba Gato da UNITA.
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