O governo na sua sanha de desmantelar os serviços sociais empurrou para a oposição ao sistema o bloco interclassista que apoiou o regime democrático em Portugal nos últimos 35 anos. Esta é uma enorme responsabilidade histórica de Passos Coelho.
Às classes mais desfavorecidas existentes, que se manifestavam ritualmente, juntam-se outras que se consideravam ao abrigo da intempérie, e os protestos e as manifestações deixaram de ser conduzidos apenas por sindicatos e forças políticas de esquerda para tomarem formas mais inorgânicas e aparentemente espontâneas, de qualquer forma sem o mesmo tipo de enquadramento e conduta quando na rua. Faz mal, pois, Passos Coelho quando na AR se atira ao partido comunista acusando-o de instigar a violência latente na sociedade. Essa violência latente tem muito mais probabilidades de se desencadear quando desenquadrada do que promovida por instituições enraizadas no tecido social.
As cenas que se desenrolaram nas cerimónias do 5 de Outubro podem ilustrar o que pretendo dizer. Por um lado, tivemos um acto culto de uma jovem disciplinada, determinada e serena, manifestamente preparado com antecedência, que foi o cântico de uma peça de Lopes Graça logo no final dos discursos. Por outro lado, assistimos à manifestação de um protesto visceral de uma senhora aparentemente descontrolada e prestes a tudo para dizer o que lhe ia na alma. Escuso de acentuar para que lado vai pender o tipo de comportamento dessas novas forças vivas de indignados, sejam empresários falidos, assalariados desvalorizados, desempregados desesperados, ou reformados confiscados que descontaram durante mais de 30 anos para a aposentação. Os ex-presidentes da República já perceberam que o momento não é igual a outros em que o país e o regime atravessaram dificuldades, e cada um à sua maneira expressou as suas preocupações. Cavaco Silva deve meditar porque falam os ex-presidentes.
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