"... muito cedo ainda, aderi à linha política da Frelimo, sendo seu presidente o Dr. Eduardo Mondlane... viver num país sem médicos, sem religião, sem advogados nem tribunais, é coisa que não me passa pela cabeça e que não lembrava ao próprio diabo... não posso dar o meu aval a um desvio da
linha nacional, que pugna pela expulsão indiscriminada de brancos de África, e até de negros, pelo total atropelo de todos os direitos dos cidadãos moçambicanos e estrangeiros, pela negação da liberdade de expressão, religião, associação e, fundamentalmente, pela imposição violenta duma política totalmente divorciada da realidade, não só de Moçambique mas de toda a África. Na verdade, pode-se afirmar que o Governo actual de Moçambique não actua como um movimento de libertação do meu povo, mas como um bando de invasores que pretende perseguir, destruir e lançar os moçambicanos na mais abjecta miséria moral e económica. A Frelimo já não é um partido político mas um clube de uma pequena burguesia negra e de meia dúzia de brancos...
... Dois meses depois da independência, as cadeias de Moçambique tinham já mais presos do que nos períodos mais negros da era colonialista... As prisões são feitas da maneira mais arbitrária: pode--se ser preso por o bilhete de identidade não possuir capa de plástico, porque sem plástico já não é bilhete de identidade... Uma vez preso, não se é ouvido não é permitida assistência jurídica aos presos. Aliás, advogados e tribunais é coisa que não existe realmente em Moçambique...
... E discute-se cá, todos os dias, o que se passa no Chile, na Argentina e nos confins da Papuásia e faz-se silêncio quase absoluto, em determinada imprensa, com o que se passa na nossa própria carne...
... Vivem em palácios, mandam vir alfaiates de Paris... sapateiros de Londres... e põem o povo na maior miséria e desespero a cavar à força nas machambas prisionais de tão triste fama. Infelizmente, tais notícias são mais do que verdadeiras.
A Frelimo é contra toda e qualquer religião, uma vez que pretende criar em Moçambique um Estado Totalitário Ateu... Ora vir um Samora Machel qualquer proclamar o fim de todas as religiões em Moçambique, é a maior afronta que se pode fazer a um povo...
... Há já muito tempo que grupos de moçambicanos vêm cantando, junto de esquadras de polícia da Frelimo, como aconteceu na Beira e na cidade de João Belo, o hino nacional português... Em várias regiões apareceu, por vezes, a flutuar a bandeira portuguesa...
Eu sei que foram transportadas tropas da Frelimo para esmagar a sublevação do território dos macondes e dos macuas...
... Os guerrilheiros e não soldados, hoje existentes em Moçambique e impropriamente chamados de exército moçambicano, são homens quase todos marginais, de países vizinhos de Moçambique, onde a Frelimo recruta guerrilheiros e que, se foram úteis na guerrilha, estão completamente fora da actual fase revolucionária em curso. Com efeito, tal exército não fala nem percebe a língua portuguesa como não fala nem compreende nenhum dos dialectos moçambicanos."
Esta era a imagem real de Moçambique, pouco mais de um ano depois da independência. Como realçou o Dr. Domingos Arouca, em Portugal, "em determinada imprensa" nada se dizia sobre tão clamorosa situação. Mais deplorável, porém, era o facto de alguns correspondentes em Moçambique transmitirem para Portugal uma imagem totalmente deturpada, na linha da propaganda frelimista, segundo a qual todos os males eram produto da "pesada herança" do colonialismo português. A nível internacional, também a Imprensa difundia uma imagem distorcida da situação em Moçambique. Assim, com o apoio aberto dos países comunistas e o "namoro" interesseiro de alguns países ocidentais, Samora Machel prosseguia a sua missão internacionalista e a política de terror, sem embaraços. Enquanto a "unidade e trabalho" tardavam a aparecer, a "vigilância" funcionava a todo o gás, através dos esbirros da PIC, dos grupos dinamizadores, da comissões de trabalhadores, etc, dominando toda a vida moçambicana, onde todos vigiavam todos, nos escritórios, nas oficinas, nos campos, nas escolas, em casa, na rua... Todos os dias, por todo o Moçambique, reuniões, comités, seminários, conferências, onde se entoavam as "palavras de ordem" e os vivas à Frelimo e a Samora Machel, não deixavam dúvidas sobre o caminho único a seguir e as consequências no caso de discordância.
Nesse tempo, encontravam-se detidas em Moçambique mais de 40.000 pessoas e já tinham fugido 250.000, entre portugueses e outros, dos quais 200.000 para Portugal, 20.000 para a Rodésia, 12.500 para a África do Sul, 10.000 para o Brasil e 7.500 para outros países. De todos os que haviam saído, cerca de 80.000 eram pretos, mulatos, indianos e chineses. Em Agosto de 1976, apenas permaneciam em Moçambique cerca de 25.000 portugueses. Enquanto os técnicos de outros países (russos, búlgaros, alemães orientais, etc.) eram autorizados a depositar nos países de origem, mensalmente, metade dos ordenados (que recebiam em moeda forte), os técnicos portugueses só podiam transferir 35%. Os médicos portugueses recebiam cerca de 30 contos por mês, enquanto os médicos estrangeiros ganhavam 90 contos.
Discursando no estádio da Machava, na comemoração do primeiro aniversário da independência, Samora Machel afirmou que as prisões estavam cheias de reaccionários que se opunham à descolonização e de ladrões e assassinos, acrescentando que seriam criados tribunais populares para julgar criminosos em público. Virando a página, Machel anunciou que 1977 seria o ano da felicidade e abundância em Moçambique e exortou cada um dos dez milhões de habitantes a matar trinta moscas por dia como contribuição para a saúde. ...
In DESCOLONIZAÇÃO E INDEPENDÊNCIA EM MOÇAMBIQUE – FACTOS E ARGUMENTOS, de Henrique Terreiro Galha (págs 198 e seguintes)
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