segunda-feira, 15 de julho de 2019

VazaJato: a crise chega ao TRF4

Sábado, 13 de julho de 2019
#VazaJato: a crise chega ao TRF4

O maior argumento do ex-juiz Sergio Moro para defender suas sentenças de primeira instância – intoxicadas por inegáveis odores ilegais – é de que elas foram confirmadas por tribunais superiores. Moro tem repetido isso em entrevistas, e disse o mesmo quando foi tentar explicar o inexplicável no Senado e na Câmara. Mas e se os tribunais superiores estiverem, também eles, contaminados pelo relacionamento ilegal entre acusadores e juízes?

Depois de se mostrarem inconstitucionalmente íntimos de ministros do Supremo Tribunal Federal (como mostramos nos episódios “in Fux we trust” e “Aha uhu o Fachin é nosso”), nesta semana foi a vez dos chats secretos enrolarem o Tribunal Regional Federal 4, a instância que confirmou a maior parte das sentenças de Moro. Em parceria com os repórteres da revista Veja, nós abrimos mais uma janela da #VazaJato. Do outro lado está o desembargador João Pedro Gebran Neto.

Em julho de 2017, o repórter Andreas Müller escreveu sobre Gebran no site da revista piauí:

“Sua trajetória reconhecida não o poupou de polêmicas, sobretudo por um detalhe pessoal nada irrelevante entre os réus condenados na Lava Jato: Gebran é amigo de Sérgio Moro, de quem foi colega de mestrado na Universidade Federal do Paraná, no início dos anos 2000. Os dois foram orientados pelo mesmo professor, o renomado constitucionalista Clèmerson Merlin Clève.
(...)
Na seção de agradecimentos do livro A Aplicação Imediata dos Direitos e Garantias Individuais, com base na sua tese de mestrado, Gebran descreve Moro como um “homem culto e perspicaz”. “Nossa afinidade e amizade só fizeram crescer nesse período, sendo certo que [Moro] colaborou decisivamente com sugestões e críticas para o resultado deste trabalho”, escreveu Gebran.
(...)
“Se sou ou não sou amigo do juiz Sérgio Moro, isso é uma questão juridicamente irrelevante”, declarou Gebran, em abril, a uma emissora de tevê do Paraná.”


Os chats revelados essa semana, que mostram que também o TRF4 está sob suspeição, passam longe de revelar imparcialidade apenas no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos diálogos nos quais Gebran é citado, o personagem é Adir Assad, um dos operadores de propinas da Petrobras e de governos estaduais, preso pela primeira vez em 2015. E que conversas são essas? Uma tabelinha entre o desembargador – que deveria ser independente – e o procurador, uma costura de ambos para melhor atender a seus interesses, deixando as defesas dos réus em julgamentos às cegas, destruindo assim a confiança em todo o sistema judiciário.

“Cinco meses antes do julgamento do caso em segunda instância no TRF4, o procurador Deltan Dalla­gnol, chefe da força-tarefa em Curitiba, comenta em um chat com outros colegas do MPF: “O Gebran tá fazendo o voto e acha provas de autoria fracas em relação ao Assad”. O assunto é tema de outra conversa, de 5 de junho de 2017, entre Dalla­gnol e o procurador Carlos Augusto da Silva Cazarré, da força-tarefa da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, que atua junto ao TRF4. No diálogo, ocorrido às vésperas do julgamento da apelação de Assad, Dalla­gnol mostra-se novamente preocupado com a possibilidade de Gebran absolver o condenado. Naquele momento, em paralelo, a força-tarefa negociava com o condenado um acordo de delação (esse acordo seria fechado em 21 de agosto de 2017). Daí a preocupação do MPF com a possibilidade de Assad ser absolvido e voltar atrás nas conversas sobre delação. No chat, Dallagnol aciona Cazarré, que fica em Porto Alegre, sede do TRF4. “Cazarré, tem como sondar se absolverão assad? (…) se for esse o caso, talvez fosse melhor pedir pra adiar agilizar o acordo ao máximo para garantir a manutenção da condenação…”, escreve Dalla­gnol. “Olha Quando falei com ele, há uns 2 meses, não achei q fisse (sic) absolver… Acho difícil adiar”, responde Cazarré. Na sequência, Dalla­gnol volta a citar Gebran: “Falei com ele umas duas vezes, em encontros fortuitos, e ele mostrou preocupação em relação à prova de autoria sobre Assad…”. Dalla­gnol termina pedindo ao colega que não comente com Gebran o episódio do encontro fortuito “para evitar ruído”(leia a íntegra da reportagem na Veja, aberta para não-assinantes)

8 de fevereiro de 2017
Grupo Filhos do Januario 1
18:22:02 Deltan Tenho dúvidas. Tem que ver o que ele fala... pelo que Vc disse ele não falava nada... 
18:22:30 Deltan O Gebran tá fazendo o voto e acha provas de autoria fracas em relação ao Assad 
18:22:40 Deltan Pode ser uma solução para isso

5 Jun 17 
Chat ADIR ASSAD
00:14:25 Cazarre PRR4 Pessoal Terça trf4 julga apelação de adir, duque, vaccari etc 
00:14:40 Cazarre PRR4 Estarei na sessão e informo desdibramentos 
00:30:40 Deltan Cazarré, tem como sondar se absolverão assad? Parece que o Gebran tava tendendo a absolver... se for esse o caso, talvez fosse melhor pedir pra adiar agilizar o acordo ao máximo para garantir a manutenção da condenação... 
00:33:43 Cazarre PRR4 Olha Quando falei com ele, há uns 2 meses, não achei q fisse absolver... Acho difícil adiar. O processo está com ele desde fev/16 e nos últimos dias negou pedidos de afianento das defesas. Mas Vou ver o que descubro amanhã. 
00:37:11 Deltan Falei com ele umas duas vezes, em encontros fortuitos, e ele mostrou preocupação em relação à prova de autoria sobre Assad... 
00:37:34 Deltan Nova modalidade de investigação: encontro fortuito de desembargador  
00:37:47 Cazarre PRR4 Hahahaha 
00:38:09 Deltan Só não menciona que comentei, para evitar ruído... melhor perguntar se ele entende conveniente espeara em relação a Assad ou se sente seguro, dizendo que quer colocá-lo a par do andamento do acordo rs

A série jornalística publicada pelo Intercept e seus parceiros virou um escândalo global e expôs as relações íntimas entre poderes que deveriam ser independentes. O combate à corrupção não pode se valer de decisões no escuro que sejam, elas próprias, corrupções no sistema. As atitudes de Sergio Moro & Cia colocaram boa parte da Lava Jato em risco. A eles, e só a eles, cabe essa responsabilidade.

FAÇA PARTE DO TIB →  
Editor Executivo

Proteger e fortalecer a imprensa independente é mais importante do que nunca. Junte-se aos mais de 10.000 apoiadores do Intercept. Contribua hoje.


FAÇA PARTE DO TIB →  

Destaques

Um mês de #VazaJato: ouça agora áudio inédito dos arquivos do InterceptBrasil
Leandro Demori, Glenn Greenwald, Alexandre de Santi, Rafael Moro Martins, Andrew Fishman, Amanda Audi, Tatiana Dias, Bruna de Lara
Deltan Dallagnol comemorou com alívio decisão que barrou entrevista de Lula nas vésperas da eleição de 2018.
As mensagens secretas da Lava Jato
Lava Jato tramou vazamento de delação para interferir na política da Venezuela após sugestão de Sergio Moro

Leandro Demori, Andrew Fishman, Amanda Audi
A principal motivação era política. Os procuradores sabiam que teriam que agir às escondidas. “Naõ dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá pra enviar informação espontãnea [à Venezuela] e isso torna provável que em algum lugar no caminho alguém possa tornar público”, escreveu Deltan Dallagnol.
Leia a série com as mensagens secretas da Lava Jato
The Intercept Brasil
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção mundial.
A tropa de choque de Sergio Moro no Congresso é um desfile de homens com problemas com a lei
João Filho
Pelo menos sete parlamentares que defenderam o ministro e herói do combate ao crime estão enrolados em denúncias e condenações por corrupção e fraude.
Dossiês inéditos da ditadura mostram que militares sabiam que políticos traficavam armas e drogas na fronteira
Lázaro Thor Borges
Não. Na ditadura não era diferente.
Joga pedra na Tabata
Amanda Audi
De prodígio a ‘traidora’: Tabata Amaral foi o voto mais pesado a favor da Reforma da Previdência.
O bolsonarismo trava uma guerra perdida: as novas gerações não engolem a agenda moralista
Rosana Pinheiro-Machado
Apoio ao governo só se mantém firme entre os mais velhos e no sul do Brasil, diz novas pesquisas do Datafolha e do Ibope.
Ninguém perguntou às meninas que trabalham em casas de família do Nordeste se elas queriam estar ali
Nayara Felizardo
Longe da família, sem estudo e vulneráveis a abusos: a história de Ana é a realidade de trabalho infantil de outras 200 mil meninas no país.
A luta de uma Guarani Kaiowá: ‘Fui expulsa da minha terra seis vezes e perdi marido, filhos e neto’
Leandro Barbosa
A líder Guarani Kaiowá Damiana Cavanha luta por um pedaço de terra com uma usina falida em Mato Grosso do Sul.
Nosso boletim semanal é enviado aos sábados.
Recebeu este e-mail encaminhado por alguém? Assine! É grátis.
Mudou de ideia e não quer receber nossa newsletter?
Clique aqui para cancelar a inscrição.
Obrigado por nos ler! Que tal nos dizer o que achou?
Nosso e-mail é: newsletter@emails.theintercept.com

Acompanhe o TIB nas redes sociais:

Sem comentários: