Distorcer informação e propagar mentiras deveria ser crime em Moçambique (se é que ainda não o é). Particularmente quando os seus perpetradores são órgãos de comunicação social como o jornal Magazine Independente, com a direcção editorial do deveras experiente jornalista Lourenço Jossias. Na edição de hoje, 16 de Julho de 2019, o Magazine Independente traz, na sua capa e em letras garrafais, um título mentiroso, calunioso e irresponsável. Associando o título à figura do político Venâncio Mondlane e a propósito da conferência de imprensa dada por ele no dia anterior, diz o jornal o seguinte: “Renamo zanga-se e coloca em risco DDR”. Portanto, o jornal dava a entender que a referida afirmação era da autoria de Venâncio Mondlane.
Ora, circula pelo WhatsApp a versão imprensa do comunicado de imprensa que Venâncio Mondlane trouxe a público, na qualidade de Mandatário Nacional da Renamo. Não sou nem membro, nem porta-voz da Renamo. No entanto, e porque nunca escondi a minha profunda admiração pela figura do Venâncio Mondlane – um “role model” de eleição para mim, no deserto indefinido de exemplos de referência para os jovens da minha geração – fiquei terrificado quando vi a capa e li a matéria que intitula o referido texto. Tenho perfeita consciência da seriedade do dossier DDR e não acreditei que tal título tivesse saído das palavras do Venâncio Mondlane que conheço e aprecio. Sem ter também a pretensão de falar por ele e pelo que se pode ler nele, o documento que foi apresentado na conferência de imprensa tinha como objectivos principais comunicar o seguinte:
1. As diligências legais encetadas pela Renamo para contestar os resultados do recenseamento eleitoral, nomeadamente:
a. o recurso ao Conselho Constitucional;
b. a queixa-crime submetida à PGR contra os agentes dos órgãos eleitorais que estiveram na autoria da manipulação;
c. a exigência de exoneração imediata do Director-geral do STAE;
d. os pedidos de parecer técnico-jurídico a várias instituições especializadas, nacionais e internacionais;
e. o ofício a ser submetido esta semana à PGR, solicitando uma auditoria externa e independente ao recenseamento eleitoral.
a. o recurso ao Conselho Constitucional;
b. a queixa-crime submetida à PGR contra os agentes dos órgãos eleitorais que estiveram na autoria da manipulação;
c. a exigência de exoneração imediata do Director-geral do STAE;
d. os pedidos de parecer técnico-jurídico a várias instituições especializadas, nacionais e internacionais;
e. o ofício a ser submetido esta semana à PGR, solicitando uma auditoria externa e independente ao recenseamento eleitoral.
2. A apresentação da análise técnica feita pelos Gabinetes de Estudos e Gabinete Central de Eleições da Renamo, em relação à disparidade de dados entre o INE e o STAE/CNE.
3. A apresentação de provas das várias reclamações da Renamo durante o processo de recenseamento, com enfoque aos ilícitos eleitorais de recenseamento de estrangeiros e de menores.
No que pude também acompanhar nos noticiários online sobre a referida conferência de imprensa, e após a apresentação dos pontos acima descritos, o Mandatário Nacional da Renamo ficou disponível à habitual sessão de perguntas. Não houve, no que eu vi, uma única resposta do Venâncio Mondlane que colocasse em causa o DDR e o processo negocial em curso entre o Governo e a Renamo. Aliás, a questão em apreço está, ao que se saiba, sob jurisdição de equipes especializadas das quais Venâncio Mondlane não faz parte. Portanto, além de ele não ter feito qualquer pronunciamento público nos termos apresentados pela capa do jornal Magazine Independente, está explicitamente claro que Venâncio Mondlane não possui nenhuma procuração e competência para se pronunciar à propósito do assunto.
Não há absolutamente dúvida alguma que se está a entrar para um momento crítico na nossa política pública, com a aproximação apaixonante do período eleitoral. Aliás, tem se dito que já há até uma pretensa “onda vermelha” em aquecimento e já a mobilizar os recorrentes recursos e meios do Estado para, a par da gestão organizada de batotas nos órgãos de gestão eleitoral, garantir mais uma “vitória retumbante” aos mesmos de sempre. Que essa máquina estruturante de cleptocracias e de ditaduras pretensamente democráticas tivesse as suas ramificações também no sector privado (onde se salienta a cooptação da imprensa outrora independente) não era novidade para os espectadores mais atentos. O que é de lamentar, denunciar e, sobretudo, processar judicialmente é a propaganda irresponsável que o Magazine Independente (?), outrora um jornal de referência em termos de jornalismo sério e imparcial, prefere diligentemente seguir por estes tempos.
Já agora, falando em propaganda e por uma questão de oportunidade, gostaria de deixar ficar aos cidadãos moçambicanos de bom senso um alerta básico sobre como ela funciona em sistemas políticos disfuncionais como o moçambicano. Propaganda, em essência, é o trabalho ideológico que algumas pessoas e organizações fazem, de modo propositado e malicioso, para influenciar ou para moldar o pensamento e a percepção das pessoas (que pensariam ou agiriam de outra forma, se não estivessem a ser manipuladas). Os seus agentes criam histórias e imagens fictícias, erradas ou deturpadas de uma determinada figura, organização ou evento, com o fim último de reforçar a narrativa ou os interesses (muitas das vezes ilegítimos) de quem representam. No caso da capa do Magazine Independente, claramente se nota que o jornal pretendia esvaziar a pertinência das legítimas reivindicações da Renamo sobre a gestão danosa das estatísticas públicas, por parte da CNE e do STAE, para beneficiar a vitória de um regime que nunca confiou na imaculada vontade popular expressa nas urnas para continuar a governar o país. Para tal, trouxeram como um não-assunto, para enfraquecer a cristalina razão da Renamo, o fantasma do DDR. Exercício clássico de distracção pública, esse.
Estejamos todos atentos a “ondas vermelhas” desse género que inundarão, nos próximos tempos, os nossos órgãos de comunicação social.
PS: Soube há bocado que o Venâncio Mondlane, na qualidade de Mandatário Nacional do seu partido, submeteu esta tarde à Procuradoria-Geral da República um pedido de auditoria externa independente ao processo de recenseamento eleitoral de 2019. Pessoalmente, gosto desse tipo de abordagens para o revigoramento da nossa cultura democrática. As nossas preguiçosas instituições de administração da justiça terão felizmente muito trabalho, por estes dias.
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