No sábado, quando o juiz Délio Portugal (do Tribunal Judicial de Maputo) começou a maratona de interrogatório do arguido preso, que culminaria com a validação da prisão preventiva de 7 dos 8 suspeitos, ele mostrou aos advogados uma faceta sisuda, completamente opaca, não disposto a meter conversa, mesmo quando lhe alerta: sobre eventuais atropelos a preceitos básicos de processo penal. Conta quem esteve lá que Portugal fez uma coisa contrária aos cânones do direito processual. Por regra, o primeiro no interrogatório de réu preso, o juiz da instrução criminal coloca questões ao arguido, mas as respostas deste, que são transcritas para os autos, devem ter a sua concordância.
Ou seja, no fim do interrogatório, o juiz deve ler em voz alta e a bom som a sua transcrição das respostas dos arguidos, para que este altere, acrescente ou corrija. No sábado, contaram à "Carta", Délio Portugal violou, alegadamente, esse preceito. Quando os advogados lhe chamaram a atenção, Portugal disse que o mais importante era o que ele tinha entendido das declarações dos arguidos.
Outra coisa estranha que os advogados observaram foi a "rapidez" do juiz Délio Portugal na elaboração dos despachos contendo as medidas de caução.
Na maratona de sábado, o último arguido a ser ouvido foi Gregório Leão. Logo a seguir, pelas 19:15 h, o juiz informou aos advogados que iria ler seus despachos, um por um, às 20:5 h e, nessa altura, ele começou, efectivamente, a receber os advogados, anunciando a medida de caução para cada um dos arguidos. Em media cada um dos despachos apresentava cinco páginas com argumentos de doutrina, jurisprudência e fundamentação factual. Ou seja, Délio Portugal teria escrito em 45 minutos 8 despachos distintos, dado que a responsabilização criminal é individual e não colectiva. O que era praticamente impossível, levando a que os advogados começassem a crer que ele já tinha escrito os despachos previamente às audições. Ele terá trazido os despachos de casa. Se isso se comprovar, trata-se de uma grave ilegalidade.
Para adensar mais a suspeita, na segunda-feira, o Juiz Presidente-Substituto do Tribunal Judicial de Maputo, Almerinho Chiziane assinou um comunicado de imprensa informando que o processo 1/PGR/2015 foi remetido ao Ministério Público no sábado, 16 de Fevereiro. Ou seja, no mesmo dia da realização das audiências. Um advogado comentou que se assim foi era mesmo impossível o juiz elaborar aqueles despachos em tempo recorde, sem conhecer profundamente o processo. Ele insinuou que se estava perante um grande atropelo ao direito processual insistindo que este processo devia ser conduzido no mais estrito respeito da lei.
"Carta" sabe que parte dos advogados vai recorrer do despacho de prisão preventiva, com base em argumentos segundo os quais não há risco de fuga nem perturbação das investigações, tanto mais que se trata de um caso de criminalidade económica e não de sangue. Há também indicações de que a defesa de Gregório Leão e António Carlos Rosário vai tentar que a Lei 13/2012 seja cumprida, fazendo jus ao Estado de Direito, que rege a sociedade moçambicana.
A Lei 13/2012 aprova o Estatuto dos Membros do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e estabelece que um dos direitos dos membros do SISE é o de, quando indiciados ou acusados da prática de crimes, "responderem em liberdade provisória, independentemente da moldura penal aplicável, devendo ser-lhes fixado o termo de identidade e residência. (Marcelo Mosse)
CARTA – 20.02.2019
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