O regime conseguiu impedir a entrada de ajuda humanitária na Venezuela. Houve violência, mortes, militares a desertar. "Estou mais firme que nunca", garantiu Nicolás Maduro, numa manifestação em Caracas.
Várias mortes e camiões com alimentos e medicamentos incendiados marcaram o dia em que os apoiantes do presidente interino e o próprio Juan Guaidó tentaram fazer entrar na Venezuela a ajuda humanitária armazenada na Colômbia e no Brasil. Um dia de confrontos e violência, no qual pelo menos 23 polícias e militares venezuelanos decidiram desertar, deixando de apoiar o regime de Nicolás Maduro.
Existem versões diferentes sobre o número de mortes que resultaram dos confrontos. Enquanto algumas fontes confirmam apenas dois mortos, de acordo com a Foro Penal, organização não-governamental com sede em Caracas, quatro pessoas morreram este sábado, alegadamente alvejadas pelas forças de segurança venezuelanas, na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén.
Mais tarde, o deputado Juan Andrés Mejía confirmou a mesma informação. Segundo ele, verificou-se "um massacre contra o povo indígena", que culminou em "quatro pessoas assassinadas e mais de 20 feridos por balas". Na véspera, os confrontos tinham feitos outras duas vítimas mortais na mesma região, que faz fronteira entre o Brasil e a Venezuela.
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O encerramento das fronteiras da Venezuela, ordenado por Nicolás Maduro, elevou o clima de tensão ao longo do dia, com as pessoas a tentar saltar as barricadas para passar de um país para o outro e a ser repelidas pelos militares venezuelanos com gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Ao longo da tarde, pelo menos 23 polícias e militares venezuelanos decidiram desertar, deixando de apoiar o regime de Nicolás Maduro. Números avançados pela autoridade de migração da Colômbia, que apontam para mais dez do que o balanço inicialmente divulgado.
Respondiam assim ao pedido de Guaidó para que os militares do seu país se coloquem "do lado certo da história". No Twitter, o Presidente interino publicou o momento em que recebeu os militares da Guarda Nacional Bolivariana venezuelana que desertaram.
Sábado era a data limite anunciada pelo autoproclamado Presidente interino venezuelano para a entrada no país de 14 camiões e 200 toneladas de ajuda humanitária reunida para a Venezuela, onde há falta de bens alimentares e medicamentos. Mas a operação não foi bem sucedida.
Por volta das 16.00, Juan Guaidó anunciou através do Twitter que o primeiro camião, de dois, com ajuda humanitária proveniente do Brasil entrara na Venezuela. "Anunciamos oficialmente que a primeira remessa de ajuda humanitária já entrou pela nossa fronteira com o Brasil", escreveu a partir da cidade colombiana de Cúcuta onde assistiu à partida dos camiões.
Mas a informação não foi confirmada. Cerca das 14.00 locais (18.00 em Lisboa), a Lusa testemunhou que os dois camiões se mantinham na linha divisória na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Quase três horas mais tarde, pelas 16:45 locais, os camiões regressaram a território brasileiro. "Retirámos os camiões porque houve um conflito. Circulou a informação de que havia aqui um infiltrado tirando fotos e algumas pessoas foram tirar satisfações com ele", justificou, em declarações à Lusa, a deputada venezuelana Yuretzi Idrogo.
Na fronteira com a Colômbia
Dois dos quatro camiões que cruzaram a fronteira e se encontravam em território venezuelano terão sido incendiados, de acordo com a deputada da oposição Gaby Arellano, que acusa a polícia nacional bolivariana de atear as chamas. Imagens da televisão venezuelana mostravam pelo menos um camião em chamas, enquanto algumas pessoas tentavam retirar as caixas de ajuda - alimentos e medicamentos - de outro veículo na ponte Francisco de Paula Santander.
Antes disso, Juan Guaidó tinha usado o Twitter para dizer que os camiões que viajavam da Colômbia já se encontravam na Venezuela, mas tinham sido bloqueados. "O regime usurpador está a impedir a sua passagem", escreveu Guaidó. E voltou a manifestar-se sobre o incêndio, acusando o "regime usurpador" de violar "o protocolo de Genebra, onde se diz claramente que destruir a ajudar humanitária é um crime contra a humanidade".
Por volta das 17.00 na Venezuela (21.00 em Lisboa), Guaidó escreveu novamente no Twitter: "Disseram que não íamos chegar à fronteira: chegámos todos e o povo chegou a receber ajuda. Disseram que a ajuda não ia entrar: os camiões atravessam o país. Disseram que tinham povo: estão sós e dezenas de soldados abandonaram-nos".
No entanto, a maioria da ajuda humanitária não chegou a entrar no país. "Uma parte da ajuda conseguiu entrar, outra parte foi bloqueada pela violência do regime usurpador [de Caracas]", afirmou o presidente do Chile, Sebastián Piñera, numa conferência de imprensa ao lado de Luis Almagro, Iván Duque e Juan Guaidó. Já Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), disse que "a ditadura usurpadora foi covarde e indecente e bloqueou parcialmente a ajuda humanitária até agora. Paramilitares foram usados como meios repressivos, tiros foram disparados contra pessoas desarmadas".
Manifestação em Caracas
Na capital do país, os manifestantes prestaram apoio a Nicolás Maduro, que se juntou à população, enquanto a oposição se concentrou para pedir a entrada de ajuda humanitária na Venezuela.
"A Venezuela está nas ruas, mobilizada, porque estamos a lutar pela paz. Ou vocês querem que volte a violência? Estamos a batalhar pela paz, mas pela paz com independência, com justiça e igualdade social. Paz com dignidade nacional. É uma luta pela dignidade da Venezuela contra quem quer que nosso país se ajoelhe perante os gringos, perante a oligarquia decadente da Bolívia", disse Maduro, citado pelo El País. E acrescentou: "Não é tempo de traição".
Nas declarações aos manifestantes, Maduro chamou "presidente marionete" a Juan Guaidó e questionou quais as razões pelas quais ainda não tinha convocado eleições, uma vez que, se tinha o poder, devia tê-lo feito dentro de 30 dias, "como manda a Constituição" venezuelana.
"Estou mais firme que nunca, em pé, governando nossa pátria agora e por muitos anos", garante Nicolás Maduro, desafiando Guaidó a convocar eleições. "Vamos ver quem tem votos e quem ganha eleições nesse país!", afirmou.
Corte de relações com a Colômbia
Numa longa intervenção, Maduro teve ainda tempo para anunciar o corte de relações com a Colômbia, país que acusa de apoiar os Estados Unidos da América num golpe de Estado contra o seu regime. "A paciência chegou ao fim. Não aguento mais. Não podemos aceitar que o território colombiano esteja a ser usado para atacar a Venezuela", afirmou, ordenando de imediato o regresso dos funcionários diplomáticos e consulares presentes na Venezuela.
Mas segundo Luis Almagro, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Maduro não pode cortar relações com a Colômbia, uma vez que não é o presidente legítimo.
Sim à ajuda da UE
O presidente Maduro disse ainda que aceitará uma oferta da União Europeia para introduzir "legalmente" ajuda humanitária no país. Começou por explicar que tem grandes diferenças com a UE, mas que aceita a ajuda, com coordenação da ONU.
"A UE, com quem temos grandes diferenças, mandou uma comissão de diálogo, que foi recebida pelo ministro de Relações Exteriores (Jorge Arreaza) e a vice-presidente executiva (Delcy Rodriguez), e nos fez saber que estavam na disposição de dar assistência e apoio humanitário à Venezuela, legal e formalmente", explicou. "Estão (outros) a bloquear-nos os medicamentos, e entregámos-lhes a listagem completa de medicamentos. Estão a bloquear-nos os alimentos, e entregámos-lhes uma lista com as necessidades", detalhou Maduro.
"E dissemos-lhes: vamos coordenar com a ONU para ver se vocês cumprem com a oferta. Tudo o que enviarem, a Venezuela vai pagar, porque não somos mendigos de ninguém. Que cheguem aos nossos portos, de maneira legal. Aceitamos", frisou.
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