Passou um ano desde a realização das eleições gerais de 23 de Agosto de 2017, que levaram João Lourenço à Presidência da República e renovaram a maioria absolutíssima do MPLA.
A forma como este acto eleitoral decorreu – designadamente a contagem de votos, que gerou incontáveis acusações de fraude – levou a crer que se iria seguir mais um ano de José Eduardo dos Santos, sem José Eduardo dos Santos. De facto, depois de esbracejar sem esforço, a sempre leal oposição formal ao MPLA rapidamente deixou cair todas as acusações de fraude eleitoral para ocupar os seus lugares acolchoados no Parlamento. A velha história de manipulação e domínio eleitorais repetia-se.
João Lourenço tomou posse com uma equipa ainda imposta por José Eduardo dos Santos, apenas tendo realizado pequenas mexidas, como a não-recondução de Kopelipa na Segurança.
Discursos de Lourenço
Contudo, os discursos de Lourenço depressa indiciaram que este compreendia as mudanças reais que povo tinha pedido nas eleições (conhecendo ele os resultados reais) e que se exigiam nas redes sociais. Assim, começou a invectivar contra a corrupção e a impunidade em que Angola tinha vivido, tentando iniciar uma enérgica nova política externa.
Se estes discursos foram meramente cosméticos ou não, nunca saberemos, uma vez que não há uma janela aberta para a mente de Lourenço, mas o facto é que soltaram a opinião pública, as redes sociais e a livre expressão da população. Abriu-se um dique em que a crítica, a discussão e a atenção aos negócios públicos jorraram. Esse dique só será fechado com tanques e blindados na rua.
Angola acordou da modorra política em que se encontrava, da qual apenas se destacavam três ou quatro corajosos que diziam o que pensavam, com os quais o povo concordava, mas sem nada fazer. Hoje há um frenesim público permanente, exigindo-se resultados das palavras de João Lourenço. O povo angolano começou a despertar.
Além dos discursos, Lourenço entrou como um touro enraivecido na arena política. Exonerou, mandou investigar, processou, cortou vínculos com o Estado. Isabel dos Santos, Filomeno dos Santos, Tchizé dos Santos, Jean-Claude Bastos de Morais, são alguns dos que enfrentaram o bafo resfolegante de Lourenço.
Interrogações
Mas aqui começam muitas das interrogações. Lourenço parece ter os instintos certos, mas enreda-se e não confronta directamente o adversário. Parece jogar mais no bluff e na conversa do que na acção.
Um exemplo: em Fevereiro de 2018, o seu escolhido como presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Carlos Saturnino, proferiu uma conferência de imprensa em que assestou fortes golpes em Isabel dos Santos. Essencialmente, Saturnino disse que ela era uma criminosa. Ora, em Agosto de 2018, seis meses depois, a Procuradoria-Geral ainda transpira para a notificar para uma primeira inquirição sobre o tema. Ou Lourenço não teve coragem para consumar o ataque a Isabel, ou os elementos criminais não eram os que Saturnino pretendia. A imagem que fica é que o touro entrou na arena, levantou areia e saiu sem glória.
Outro exemplo: as acusações acerca da gestão de Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais no Fundo Soberano são demolidoras. Estes são suspeitos de se terem apropriado de biliões de dólares. E, no entanto, reina a timidez nas acções concretas do Estado angolano contra ambos. Há medo de quê?
Repete-se a imagem, o touro entra na arena, marra num lado, corre para outro, mas acaba por ser bandarilhado e retira-se para descansar, sem vitórias, apenas com muita euforia e barulho.
Amadorismo na política externa
Outro sector em que Lourenço tem apostado é na política externa. As viagens à Europa ocidental têm-se sucedido. No caso da República Democrática do Congo, Lourenço quer apresentar-se como pacificador. Na SADC, como líder regional. No entanto, a China continua a ser a grande referência externa de Angola, como comprova o recente anúncio de um empréstimo de mais de 10 biliões de dólares. E no Congo, Kabila parece desconsiderar os esforços de Lourenço. Basta lembrar que o presidente da República Democrática do Congo não apareceu em Luanda para a cimeira de 14 de Agosto, tendo enviado apenas o ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas Kabila apareceu poucos dias depois na cimeira da SADC de Windhoek. E a página da Presidência da República do Congo tinha em grande destaque Kabila com Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, sem dar relevo a Lourenço. Quer isto dizer que Lourenço tem pressa em se tornar um “arquitecto da paz” no Congo, mas não terá a subtileza necessária, permitindo que Kabila o despreze. Aliás, é a segunda vez que Kabila não aparece a Lourenço. Já no início de Agosto adiou um encontro entre os dois.
Em suma, temos uma Angola muito dependente da China, e que ainda não encontrou o tom certo para actuar como potência regional.
Conclusão: muitas dúvidas
Consequentemente, quer a nível doméstico, quer a nível internacional, este primeiro ano deixou mais interrogações do que certezas. João Lourenço parece ter os instintos certos: combater a corrupção e a impunidade, aproximar Angola da Europa ocidental, estabelecer a paz no Congo e tornar o país uma potência regional.
Contudo, há uma grande distância entre as palavras e os actos. Pode mesmo falar-se em inépcia.
Neste momento, Isabel dos Santos, Zenú e Jean-Claude “toureiam” Lourenço; a ser a China continua a dar cartas em Angola; Kabila parece não ligar a Lourenço… Os exemplos de abismo entre palavras e actos poderiam prolongar-se, numa longa lista.
O desafio de João Lourenço para o próximo ano não é ser eleito presidente do MPLA, é fazer com que as suas palavras se traduzam em actos reais, ou então dar lugar a outros que o façam.
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