Pequim está a investir forte na segurança interna. Ler o que se passa nos telefones dos cidadãos faz parte do processo. A vigilância do Estado alastra e já há casos nos tribunais em que são citadas “investigações electrónicas".
Filip Liu, um programador de software de Pequim com 31 anos, viajava pela zona mais ocidental da China, na região de Xinjiang, quando foi abordado pela polícia ao sair de um autocarro.
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Os polícias tiraram-lhe o iPhone, ligaram-no a um aparelho de mão que parecia um computador portátil e informaram-no que estavam a “verificar se havia informações ilegais no telemóvel.”
A experiência de Liu em Urumqi, a capital de Xinjiang, não é assim tão incomum numa região atormentada por forças separatistas e repressão por parte das forças de segurança.
Mas estas tecnologias de vigilância, testadas em Xinjiang, estão agora a espalhar-se sub-repticiamente pela China.
Documentos de aprovisionamento do Governo recolhidos pela Reuters e relatos raros de agentes mostram que a tecnologia com que Liu se deparou em Xinjiang está a invadir cidades como Xangai e Pequim.
Esquadras da polícia em quase todas as províncias chinesas fizeram pedidos de compra dos dispositivos de extracção de dados para smartphones desde o início de 2016, coincidindo com o repentino aumento dos gastos em segurança interna e com a repressão de dissidentes, mostram os dados.
Os documentos dão um pequeno vislumbre dos números por trás do esforço chinês para armar as forças de segurança com instrumentos de monitorização de alta tecnologia à medida que o Governo combate a dissidência.
O Ministério da Indústria e Tecnologias de Informação e o Gabinete de Segurança Pública, que coordenam os projectos de segurança de alta tecnologia, não responderam aos pedidos para prestarem declarações.
Os scanners são dispositivos portáteis ou de secretária que podem entrar em smartphones e extrair e analisar listas de contactos, fotos, vídeos, publicações nas redes sociais e email.
Os dispositivos portáteis permitem à polícia verificar rapidamente o conteúdo dos telemóveis na rua. Liu, o programador de software, disse que a polícia analisou os seus dados no local. Aparentemente não encontraram nada de suspeito uma vez que não foi detido.
Os dados que a Reuters analisou incluem pedidos de 171 esquadras da polícia de 32 das 33 províncias, regiões e municípios oficiais da China continental e parecem mostrar apenas uma parte dos gastos totais.
Os dados mostram que foram gastos mais de 129 milhões de yuan (16 milhões de euros) em equipamento desde o início de 2016, com os valores a aumentar em 2017 e 2018.
Em Xangai, a brilhante cidade portuária internacional da China, dois distritos planearam gastar cerca de 600 mil yuan cada um e comprar scanners para os telemóveis e equipamentos que extraem dados. Os documentos mostram que a polícia ferroviária de Pequim planeou gastar um valor semelhante.
“Neste momento, daquilo que sei, apenas duas províncias no país inteiro não utilizam estes equipamentos”, disse um representante de vendas da Zhongke Ronghui Security Technology, uma empresa com sede em Shaanxi que fabrica o XDH-5200ª, um dos scanners identificados em muitos dos comprovativos de compra da polícia.
O representante disse que esquadras da polícia no país inteiro podiam consultar um repositório centralizado das informações extraídas. “Quase todas as esquadras da polícia terão o equipamento.”
Dispositivos fabricados na China custam tão pouco como 10 dez mil yuan (cerca de 1200 euros) para os dispositivos mais pequenos, e centenas de milhares de yuan pelos mais sofisticados, de acordo com os preços observados numa feira de equipamento policial no início do ano.
Os scanners ainda não foram muito utilizados em cidades como Xangai ou Pequim.
Em fiscalizações recentes em estações de autocarros e comboios em Pequim, e na fortemente guardada Praça da Paz Celestial, não foram vistos os equipamentos. Mas um agente da polícia na Estação Ferroviária de Pequim confirmou que “têm acesso quando necessário” a tecnologia forense para smartphones.
Dados do scanner
Este tipo de scanners é utilizado em países como os Estados Unidos mas continuam a gerar controvérsia e as forças de segurança precisam de passar por um longo processo legal para poderem entrar no telemóvel de um suspeito.
Na China, enquanto um número de empresas diz ter a capacidade de entrar nos telemóveis, a polícia consegue geralmente que os donos cedam as palavras-passe, dizem os peritos.
Os documentos de compra mostram que algumas esquadras pediram equipamentos capazes de extrair informação das contas do Twitter e Facebook, conversas no WhatsApp, da barra de pesquisas Alphabet Inc’s do Google Chrome e mensagens no Japan’s Line.
Um requerimento de 25 de Maio do serviço de alfândegas em Pequim tinha um orçamento de 5,7 milhões de yuan para gastar em tecnologia forense para smartphones de dois fabricantes, a Meiya Pico e a Resonant. Listava ainda quais as plataformas de serviços de mensagem e aplicações estrangeiras que conseguia ler.
“Funções básicas de recolha de conteúdos” devem incluir “palavras-passe de telemóveis, lista de contactos, registo de chamadas, histórico de mensagens, MMS, fotos, vídeos e áudios, calendários, lembretes e dados sobre aplicações,” dizia no documento.
Outros indicavam ferramentas que conseguem entrar em marcas de telemóveis conhecidas como a Samsung, Blackberry, Xiaomi, Huawei e também a dura de roer Apple. A Samsung, Blackberry, Xiaomi a Huawei não responderam aos pedidos de comentário. A Apple negou-se a comentar.
Wu Wangwei, um engenheiro da Dasi Kerui Technology em Pequim, que treina agentes da polícia para usar os scanners, diz que o equipamento se tornou “muito comum”. “O smartphone tornou-se a fonte de provas mais importante,” disse. A polícia irá utilizar o equipamento sempre que “o caso assim o exigir.”
Casos dos tribunais chineses citam muitas vezes “investigações electrónicas”, incluindo a recolha e acesso a smartphones e acesso a contas nas redes sociais, mas não especificam qual o equipamento utilizado.
Expandir para o estrangeiro
A China gastou aproximadamente 1, 24 biliões de yuan na segurança nacional em 2017, perfazendo 6,1% dos gastos totais do Governo e mais do que foi gasto nas Forças Armadas. Os valores orçamentais para a segurança interna, da qual a tecnologia de vigilância faz parte, duplicaram em algumas regiões incluindo Xinjiang e Pequim.
“Uma boa parte do orçamento foi para categorias de segurança obscuras e variadas… incluindo tecnologia”, disse Adrian Zenz, um académico especializado em despesas de segurança da China.
De acordo com dois altos funcionários do Ministério da Indústria e Tecnologias de Informação, incluindo um que trabalhou em projectos da polícia em Xinjiang, técnicas de vigilância são testadas na região antes de serem utlizadas noutras províncias.
Os projectos têm financiamento público e privado. Os projectos que foram testados em Xinjiang e mais tarde adoptados noutras províncias incluem sistemas de câmaras de vigilância, softwares de bases de dados e equipamento forense para smartphones, disse um dos funcionários que pediu anonimato dado que os planos não são públicos.
“Mesmo que não seja o plano inicial, se a tecnologia poder ser testada então será mais barata para que possa ser facilmente enviada para outro local”, disse a outra fonte.
Falhas no equipamento
Os dispositivos de vigilância de alta tecnologia chineses, por vezes chamados de “blach tech”, estão com frequência nas notícias. Incluem óculos de polícia que fazem reconhecimento facial, câmaras que analisam a forma de andar das pessoas, drones e robôs com inteligência artificial.
Uma indústria em rápido crescimento tem-se desenvolvido ao preencher as necessidades do Governo, impulsionando empresas como a fabricante de câmaras Hangzhou Hikvision e a SenseTime, uma empresa de dispositivos de reconhecimento facial em crescimento. Os scanners porém são essenciais para recolher informação de indivíduos, quer seja nas ruas militarizadas de Xinjiang quer seja por trás de portas fechadas em Xangai ou Pequim.
O scanner foi criado pela Cellebrite, uma empresa israelita, mas empresas como a Xiamen Meiya Pico, a Hisign Technology e a Pwnzen Infotech também fabricam versões muito utilizadas na China. O material publicitário promete que o produto é capaz de entrar em quase todos os smartphones, incluindo iPhones.
Contudo, pode não ser realmente assim, dizem os especialistas.
Os fabricantes chineses de scanners promovem a habilidade de entrar em sistemas de segurança inteligentes, incluindo o iPhone da Apple, mas pessoas da indústria admitem que os modelos mais recentes podem não estar abrangidos.
“Só consigo recuperar versões antigas do iPhone, as mais recentes não”, disse Zhang Baizheng, que dirige a escola de treino de tecnologia forense Beijing Judacheng, durante uma visita à escola.
A Apple também está a tomar medidas para impedir que dispositivos como os que são utilizados pela polícia chinesa entrem nos seus telemóveis. Novas versões do seu sistema iOS desactivam a entrada USB ao fim de uma hora sem inserir a palavra-passe, inutilizando uma das maneiras como entram nos telemóveis.
De acordo com um dos funcionários do Ministério da Indústria e Tecnologias de Informação, tais medidas podem não ser necessárias. A maior parte das pessoas na China obedeceriam às ordens da polícia para desbloquearem os seus equipamentos, disse.
“Na China não é muito inteligente recusar.”
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