Monday, March 5, 2018

O “meu 8 de Março”: Estaca V – Lidando com o “desastre” da Escola Secundária de Pemba 05-03-2018


Enquanto uma parte da “geração 8 de Março” estava a formar-se na UEM e no estrangeiro, muitos outros continuamos com os nossos “8 de Marços” ajudando “agarrar o barco para não afundar” até que salvação chegasse. E assim, nessa de “faztudo” no MEC, de entre as várias coisas que fiz também com gosto pela aventura que era e que me ensinaram muitas coisas foi viajar para as províncias em brigadas de controlo e monitoria das atividades de educação e cultura. Claro que sem nenhuma formação ou experiência que desse para tal!
A uma certa altura havia brigadas especializadas por províncias, cada uma com quadros médios e seniores, técnicos e dirigentes. Eu estava lá como um “faztudo”, nem técnico, nem dirigente.
A uma certa altura a “minha” Província foi Cabo Delgado. Lá estava o Governador Raimundo Pachimuapa, e o Diretor de Educação era o Miguel Nkaima (acho que depois de muitas voltas este agora está numa de Embaixador). Lá também conheci o Pereira (da Educação Física e Desportos, agora Diretor do Complexo Desportivo de Zimpeto) e que na altura era responsável provincial para a educação física e o desporto escolar. Viajei sempre com os seniores, mas pouco a pouco foram-me sendo confiadas missões, sozinho ou “chefiadas” por mim, incluindo outros “faztudo” como eu. Estamos aos 21 anos de idade.
O agora Arquitecto Luís Lage era professor do ensino secundário lá em Pemba (creio que de desenho, não estou recordado). Apesar de termos trabalhado juntos nessa altura, nunca cheguei a saber se ele é originariamente de lá ou foi para lá atirado no quando do “8 de Março”. Mais tarde lá ficou também o António Saia, que creio que era professor numa das “Noroestes” de Maputo, e acabou ficando destacado para Cabo Delgado para reforçar o elenco dos serviços provinciais. Estes dois ficaram amigos entre eles e comigo, e enquanto estiveram em Cabo Delgado aturraram muito das minhas presunções de “Chefe” vindo da “Nação” (era assim que Maputo era designada pelas pessoas nas Províncias: “Nação”!). E ficamos muito amigos. O Luís Lage sempre me chamou “Chefe” com um sarcasmo benigno e ria-se sempre que usava a palavra “Nação” em referência a Maputo. Acho que foram eles (o Luís Lage e o António Saia) que numa outra missão me levaram a comer os feijões de Montepuez a que me referi no post anterior, a pretesto de irmos trabalhar na escola secundária que lá se localizava.
Uma vez foi-me confiada uma missão muito difícil, de cuja dimensão real só me dou conta dela cada vez que me recordo dela e a medida que vou crescendo. Acho que estamos mesmo em 1979 (ou em 1978, mas certamente não mais tarde). A Escola Secundária de Pemba estava numa crise terrível. Ensino e aprendizagem totalmente desorganizados. Fome. Doenças gravíssimas. Creio que houve cólera e até meningite. Diarreias agudas tenho muito bem a certeza que houve. Isso tudo no centro da cidade, a cerca de 300 metros ou menos da Direcção Provincial de Educação e Cultura, e do Gabinete do Governador, e todas as direcções provinciais que compunham o governo provincial. Dalí daquela escola, certamente não sairia “Homem Novo” nenhum! Era o salve-se quem puder! Era um problema gravíssimo de gestão. Não sei porque carga da coisa as autoridades provinciais todas não conseguiam sanar aquela situação.
Não me recordo bem se fui lá sozinho, ou fui numa “brigade” e depois deixado lá ficar. O certo é que a uma certa altura eu estava lá para lidar com a situação pelo ministério da educação. Como sempre, deram-me “carta branca” para solicitar o apoio de todas as autoridades que tivessem que intervir. Tinha autoridade até de forçar o encerramento da escola se fosse necessário. Tinha acesso ao Governador que na altura era o Sr. Raimundo Pachimuapa, e a quem devia ir caso fosse necessário. Quando fui ter com ele pela primeira vez, ele pareceu-me totalmente desolado. De resto aquilo tinha acontecido sob o nariz dele. Naquela altura ele me pareceu um homem com coração e modesto, e por isso muito respeitado localmente. E estava sinceramente desesperado de ter aquela situação nas suas mãos. Aliás, parece ter sido ele que forçou o Ministério da Educação e Cultura a enviar lá uma equipa para resolver aquele problema.
Hoje, aos quase sessenta anos de idade, não sei como reagiria ao que vi. Tão séria era situação e problemática a missão, embora eu não creia que na altura tivesse a dimensão exata da coisa. Como dar uma tarefa destas a um jovem de 21 anos sem responsabilidade funcional nenhuma e sem formação de professor? Um “faztudo” a quem se deu autoridade somente para aquela tarefa!
Mas SAIMO-NOS bem. E digo SAIMO-NOS porque de facto foi um trabalho de equipa com o agora Arquitecto Luís Lage e o António Saia. Mas mais do que nós os três, foi decisivo o apoio e até orientação que tivemos das freiras (irmãs religiosas) que estavam lá desde os tempos de antes das nacionalizações de centros educacionais pelo gooverno da FRELIMO. [Eu de facto não me recordo se aquele centro antes havia pertencido a igreja, mas sei que as freiras estavam lá desde antes das nacionalizações]. Elas conheciam os cantos todos do centro: desde as salas de aulas, dormitórios, cozinhas, casas de banho, biblioteca (que já não existia senão em nome!), tudo. Sabiam o que estava lá antes e o que havia sido destruído ou roubado. Conheciam muitos meninos pelos primeiros nomes. Sabiam como gerir uma escola, como educar centenas de adolescentes e impor ordem e disciplina entre alunos e professores. Acho que fiquei lá uma ou duas semana, e tivemos dezenas de reuniões com professores e estudantes, e as vária estruturas da educação e saúde que tinham que intervir para sanar-se aquela situação melindrosa. Conferenciei várias vezes em privado com as freiras, para lhes pedir a sua ajuda. Na reunião decisiva ficamos numa plenária desde a tarde até madrugada, com alunos e professores. E tudo foi delineado.
Estava claro que os serviços provinciais de educação sozinhos não teriam capacidade de resolver aquela situação. Mandar as crianças de volta para as suas aldeias, não só as prejudicaria mais como até criaria um problema politico muito grave na província. É que muitas daquelas crianças vinham do campo, uma parte delas mesmo das antigas “Zonas Libertadas da FRELIMO”. Mas para além do mais, as irmãs religiosas tinham soluções, experiência e autoridade moral. Conheciam os pais de uma boa parte daquelas crianças e conheciam a comunidades de onde elas vinham. Portanto, a solução pendia entre fechar a escola (pelo menos temporariamente), ou aceitar dar um papel preponderante às freiras na sua gestão (mesmo que informalmente, dada a sensibilidade política desta opção numa altura em que o governo ainda tinha grandes atritos com a igreja católica). Para mim não havia dúvidas que esta última solução era preferível.
Mas como fazer isso, sabendo que o governo da FRELIMO estava em “rixas” com a igreja católica depois que nacionalizou as missões e outras do facilidades a ela pertencentes e estava contra o papel dos religiosos nas escolas? Como fazer isso em nome de um governo que de uma maneira ou outra naqueles anos empurrou os missionários para o lado, afastando-os das responsabilidades de educação e gestão dos estabelecimentos (pelo menos naquela escola havia sido esse o caso).
Agonizamos, mas para mim não havia dúvidas que a solução passava por aí. Os meus colegas concordaram comigo, ou simplesmente não se opuseram. Assim tomei o risco. Fui ter com o Governador e expus-lhes as opções expliquei qual era a minha escolha. O Governador Pachimuapa, pessoa sensata que era (pelo menos naquela altura me pareceu, ou simplesmente ele também viu que não tinha outra saída) acedeu facilmente e não viu problema absolutamente nenhum (!). A minha memória me diz que ele acabou nos encorajando nessa linha, embora eu não lhe possa comprometer nisso pois a memoria sempre trai! De qualquer modo, permitir que fizéssemos isso significa que ele tomava responsabilidade. Era o chefe máximo na província. E assim avançamos com a ajuda das irmãs religiosas. O que para mim foi um alívio muito grande. Podia voltar para a “Nação” com a sensação de missão cumprida.
Não tenho a memória exata dos detalhes do que na prática depois se seguiu. O certo porém é que as irmãs religiosas foram trazidas a um papel de maior autoridade e responsabilidade na reorganização e gestão da escola.
O “Chefe” regressou a “Nação”. O António Saia e o Luís Lage ficaram a acompanhar resto.
(Continua na Estaca VI – Primeira incursão pelas “Zonas Libertadas” da FRELIMO)
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5 comentários
Comentários
Nhamuche Nhamuche Aguardando...
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Jessemusse Cacinda Estou a seguir as memórias do 8 de Marco
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Gervasioa Absolone Chambo Eras um jovem raro e ou inteligente apesar de não ter formação melhor, um jeitoso "faztudo"...
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Roberto Julio Tibana Caro Gervasioa Absolone Chambo, nessa altura houve muitos "jeitosos faztudo". O que eu fiz nao constitui nenhuma raridade para muitos jovens desse tempo. Eu ate' acho que o meu "faztudo" nem era dos mais "jeitosos" seja o que for que com isso quer dizer! alguns dos nomes que menciono aqui fizeram um "faztudo" muito mais jeitoso (no sentido positivo do termo) do que o meu. Por isso ate' acho despropositado que pessoas me venham sugerir escrecver um livro de memorias, como muitos o tem feito desde que iniciei estas partihas. Se esses outros escrevessem os seus livros de memorias, acho que o amigo Gervasioa Absolone Chambo tiraria ferias so para ficar a ler! Um abraco.
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Gervasioa Absolone Chambo Roberto Julio Tibana, sou jovem com 33 anos e não me imagino que aos 21 seria capaz de fazer o que contas aqui. Não sei, podemos concluir que as circunstâncias da vida fazem-nos aprender a ser, a estar e a vencer desafios dos mais pesados a nossa frente. Lendo suas estacas, vejo-me sendo um jovem inútil, mimado pelos tempos actuais... enfim. Dai concluo que vocês foram grandes nas vossas missões e nõa era por dinheiro.
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Osvaldo Jocitala Quanta humildade a sua, Prof.Tibana - ESTIMO! Humildade VS Sabedoria= Homem bem sucedido. Que me parece k seja, Os caminhos por que trilhou, não poderão me desmentir! Lhe acompanho até a última estaca! O seu à vontade no pensamento e a ciência com que o externiza, só podem inspirar à qualquer jovem. E eu sou Candidato...

Àquela de ter trabalhado lado à lado com a ex Presidente da Libéria, a convite desta e naquele País, manter-me-á derrotado sempre. Quanta distinção e privilégio, moh Deus!!! Só homens do seu tamanho e obviamente eleitos, é que podem passar por isso!

O País, so o sob-aproveita (não sei se é com justa posição que se redige esta palavra).
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Firmino Zita INTERESSANTE,VENHAM AS ESTACAS EM FALTA...
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Claudino G. Nchumali " ... Eu de facto não me recordo se aquele centro antes havia pertencido a igreja, mas sei que as freiras estavam lá desde antes das nacionalizações ... - Aqueles edifícios ao redor da Escola Secundária Pemba (actual Universidade Católica de Moçambique, DPEDH) foram/sao da igreja católica. Recordo me que em 2006, no meio de uma confusão a igreja queria recuperar as suas infraestruturas nacionalizadas, e uma das infraestruturas visada era a Escola Secundária de Pemba e DPEDH (antigo centro/lar de estudantes).
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Roberto Julio Tibana Caro Claudino G. Nchumali, muito obrigado por ajudar a recuperar a minha memoria sobre aquele lugar..
Roberto Julio Tibana Cara Angela Maria Serras Pires, neste momento eu so estou a conversar comigo proprio sobre o "meu 8 de Marco", e quando menciono pessoas, faco-o somente na medida em que elas desempenharam algum papel que considero importante na construcao desse meu "8 de Marco". O resto, que os outros julguem Se ha pessoas que se jugam as mesmas desde que nasceram, cresceram e envelheceram (ou que acreditam que a vida e' assim), eu nao sou dessas pessoas. Uma das vantagens que eu tiro de "conversar comigo proprio" e' aprender do que fiz, bem ou mal. O meu recurso as irmas religiosas para aconselhamento e envolvimento na solucao daquel imbroglio foi risco meu, nao era posicao hipocrita da FRELIMO (pode chmar posicao hipocriga do Tibana se quiser). Pelo menos isso deve ficar claro. Eu poderia ter ido para a um centro de reeeducacao por apregoar essa solucao. Mas na minha ingenuidade o fiz. E nas circuntancia, deu certo. Quando fui comunicar as autoridades sobre o que nos na altura achavamos ue se devia fazer fi-lo com muito receio. Mas da mesma maneira que eu havia ficado chocado com a situacao dos estudades na Romenia, tambe'm fique com a situacao daquelas criancas naquele lugar. Eu nao estava naquele omento a fazer nenhum trabalho hipocrita da FRELIMO. Estava a lidar e a resolver um problema humano serio, e a solucao que fosse a melhor para o momento, para as vidas daquelas criancas, eu estava disposo a adopta-la, se as "estruturas me autorizasse" (ou melhor, se as "estruturas aceitassem a proposta). Temos que deixar de ser extremistas e olhar para a historia com um pouco de objectividade. Senao nao aprendemks dela. Portanto, nisso que disse DISCORDO REDONDAMENTE CONSIGO! Mas e' seu direito interpretar os factos como melhor acha.
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Angela Maria Serras Pires Roberto Julio Tibana acho interessante o seu percurso mas não se esqueça que estavam a destruir um país e continuam, por isso é trágico
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Roberto Julio Tibana Cara Angela Maria Serras Pires a quem se refere quando diz que "estavam a destruir um país e continuam, por isso é trágico"?
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Angela Maria Serras Pires Roberto Julio Tibana refiro me a frelimo claro ou não sabia que são os mesmos há 42 anos ???
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Angela Maria Serras Pires E ainda por cima o pachinuapa e seus camaradas continuam a roubar e destruir tal como no tempo das suas histórias
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Angela Maria Serras Pires Mas Roberto Julio Tibana quer que sejamos mais brandos ??? Não há margem para isso porque breve breve poderá haver um genocídio se não retirarmos a frelimo
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Angela Maria Serras Pires Leia o relatório do Centro de prevenção de genocidios que refere podermos ser a próxima Síria
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Roberto Julio Tibana Ja' agora, cara Angela Maria Serras Pires, onde e' que esteve quando a 27 de Agosto de 2016 eu e mais uma meia duzia de outros organizamos uma manifestacao pelo fim da guerra em Mocambique, exactamente no auge da actuacao dos esquadroes da morte? Onde estava? Espero sinceramente que diga que esteve la' connosco! Se esteve la conossco, tera visto que aquela foi a manifestacao que teve a maior "companhia" da policia em Maputo, policia que estava com dedo no gatilho, pronta a disparara para matar. Quer fotos? Eu posso dar-te! Quer videos. Eu posso dar-te. Eu estive la' a organizar no terreno. Eu escrevo muito no Facebook, mas nao me limito a fazer "activismo de Facebook". Por isso sou realista. Nao ando aqui a agitar pessoas. E nao sou nehum agitador profissional. Eu meto-me em causas que me estao no coracao. Portanto, eu sai a rua para ajudar a parar esse genocidio iminente de que fala, que de facto chegou a acontecer embora a essa escala bem dirigida visando a eliminacao dos membros da RENAMO. E nem sou da RENAMO! Era a paz em causa (e que ainda continua em causa). A Angela Maria Serras Pires tem orgulho de ser "Anti-Frelimo". Ser "anti-" nao pode ser uma credencial valida por si so'. Eu sou pela reconciliacao, e nao pela vinganca. Sou pela justica. Sou pela respnsabilizacao. A unica credencial valida de que as pessoas se devem orgulhar deve ser aquela de ser 'pro-vida", "pro-progresso", "pro-humanidade", e "pro-outras coisas boas" que todos devemos fazer. Ser "anti-", para mim nao e' o fundamental porque por si so nao e' construtivo. A Angela Maria Serras Pires acha que estou a ser "brando"? Pois entao se e' isso vai ter que viver com isso porque como eu ja' lhe disse nao opero por encomendas. Eu sou eu e as mnhas ideias e conviccoes. E nao sou agitador profissional. E mais nao digo!
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Angela Maria Serras Pires Roberto Julio Tibana eu acho que com o seu cv e também por ser de gema poderia facilmente ser dirigente deste país e por isso tem obrigação moral de lutar por isso senão continuaremos a ser governados por incompetentes e cleptocratas ou não concorda ?
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2 h
Roberto Julio Tibana Bem, isso ja' e' outra conversa... ate' diria que ja' esta' a "DESCONVERSAR" e acho que por hoje e' melhor pararmos por aqui! Saio!... Um abraco!🤣🤣😂😂😁😁
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