O caso mais recente a envolver o nome de Álvaro Sobrinho fez com que a Presidente das Ilhas Maurícias se demitisse. Mas o que tem ele a ver com esta remota região do Índico?
É raro ouvir falar do lado de filantropia de Álvaro Sobrinho. O empresário angolano fundou o Planet Earth Institute (PEI), uma organização que diz ter como objetivo promover a ciência e produção científica em África. O Planet Earth Institute está sediado em Londres e conta com vários parceiros de renome, entre eles o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (PNUE), o British Council, o Governo de Angola e várias universidades. Mas o impacto parece ficar aquém do prometido.
Carlos Gonçalves, jornalista e comentador de Angola, conta que conhece a instituição mas que pouso se fala dela no seu país: "Embora Álvaro Sobrinho tenha sempre feito algumas intervenções relativamente aquilo que era a perspetiva dele relativamente ao futuro da ciência em África, o problema da energia, o facto é que a fundação propriamente, em Angola, tem tido pouca projecção, pouca intervenção.”
Na verdade, a instituição já teve impacto: levou à queda da Presidente das Maurícias Ameenah Gurib-Fakim, este mês. A ex-chefe de Estado usou um cartão da PEI para despesas pessoais de cerca de mais de 20 mil euros. Apesar das compras terem ocorrido em alturas diferentes durante o ano de 2016, Ameenah Gurib-Fakim diz que o fez inadvertidamente. No comunicado emitido sobre esta questão, acrescenta que ela própria informou o Planet Earth Institute do sucedido e restituiu o valor gasto. Mas isso não foi suficiente para dissipar suspeitas e Ameenah Gurib-Fakim acabou por se demitir.
O que faz a Planet Earth Institute nas Maurícias?
Foi o diário local das Maurícias, l'Express, que trouxe a público, no final de fevereiro deste ano, um documento com os detalhes do uso desse cartão. Em 2017, este jornal já investigava esta fundação e outros negócios de Álvaro Sobrinho naquele país.
As suspeitas começaram com um caso de bolsas de estudo que levariam estudantes de doutoramento locais para universidades estrangeiras reconhecidas, como Oxford e Edimburgo. Mas Anne-Lise Mestry, jornalista desta publicação, explica que não foi isso que aconteceu: "Fontes telefonaram e disseram-nos "obtivemos a bolsa e depois foi-nos dito que não iríamos para Edimburgo ou Oxford ou Universidade da Cidade do Cabo, que foram as anunciadas, disseram-nos que iríamos para universidades, por exemplo, no Gana e outras menos prestigiadas”, conta à DW.
A jornalista acrescenta que, no final, apenas um dos estudantes, filho de uma pessoa importante, chegou a ir para o estrangeiro com a bolsa de estudo da PEI enquanto os outros não prosseguiram com o programa. Além disso, tinha sido pedido aos estudantes que assinassem um termo de confidencialidade, o que Mestry considera estranho para este tipo de programas. Este é outro exemplo de um ambiente de secretismo à volta dos projetos que envolvem o Planet Earth Institute. Outro caso é o programa STEP (sigla para Science and Technoloy Enrolment Programme):
"Há o programa STEP, que foi implementado em duas escolas privadas – para dizer claramente, escolas de miúdos ricos. Mesmo aí há muito secretismo sobre a forma como foi organizado. Sei que o programa foi organizado em parceria com a embaixada da China. As escolas não dizem quanto é que contribuíram financeiramente para o programa nem o papel do Planet Earth Institute”, conta a jornalista das Maurícias.
O peso do nome "Sobrinho”
Anne-Lise Mestry acrescenta que, nas Maurícias, a pessoa mais associada à instituição era a Presidente da República, Ameenha Gurib Fakim. O nome de Álvaro Sobrinho só mais tarde viria a ser conhecido:
"Mesmo depois do lançamento da Planet Earth Institute, que foi em 2015, as pessoas não conheciam o nome Sobrinho. Esse nome só ficou amplamente conhecido do público em março de 2017, quando se levantaram suspeitas sobre como obteve a sua licença para operar na banca, se andou a corromper funcionários públicos. Foi aí que o nome ficou amplamente conhecido."
Para Carlos Gonçalves, o nome de Sobrinho teve influência na pressão para a demissão da Presidente.
"Os maurícios perceberam bem, investigaram o patrono da ideia, perceberam que havia provavelmente um interesse de fazer circular outros dinheiros que não fossem só os beneméritos da fundação e o facto de ter entrado a matar com aquelas ofertas de Range Rovers e Jaguares a algumas personalidades das Maurícias terá também criado toda essa aura de suspeição que depois se verificou e teve consequência com a saída da presidência de Amina Gurim[-Fakim]”, comenta.
Para um caso tão sério, a Planet Earth Institute pouco se pronuncia. Apresentando apenas um comunicado de poucas linhas em que confirma a versão dos factos da ex-chefe de Estado das Maurícias e não respondeu às tentativas de contacto da DW.
Já a Transparência Internacional (TI), uma organização que se dedica ao combate à corrupção, emitiu um comunicado em que pede uma comissão de inquérito para avaliar este caso. Rajen Bablee, da delegação desta organização nas Maurícias, explicou à DW que a comissão não foi implementada mas que está prevista a análise de uma comissão independente contra a corrupção.
Questionado se tinha conhecimento das atividades de Álvaro Sobrinho nas Maurícias, Bablee comentou que segue o caso, mas a sua organização não tem forma de investigar.
"Tentámos obter algumas informações mas infelizmente não há um ramo da Transparência Internacional (TI) em Angola. Tentámos através de um jornalista na África do sul sem muitos resultados. Como não temos formas de investigar por nós mesmos, não pudemos avançar mais”, explica.
As Ilhas Maurícias é tida como um dos países mais democráticos de África e, neste continente, é um dos mais bem classificados no Índice de Corrupção desenvolvido pela TI.
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- Data 29.03.2018
- Autoria Vera Covelo Tavares
- Assuntos relacionados China em África, Brasil em África, Corrupção, Corrupção em Angola, Corrupção em Cabo Verde, Corrupção na Guiné-Bissau, Corrupção em Moçambique, Corrupção em São Tomé e Príncipe, África, Egito
- Palavras-chave Álvaro Sobrinho, Maurícia, Ameenah Gurib-Fakim, Planet Earth Institute, Ciência, África, corrupção
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