Na realidade, estes esquemas foram frequentes nos bancos portugueses e constituíram uma das causas da grave crise bancária que assolou este país e que levou à insolvência e venda de quase todos os bancos (uns de forma mais encapotada do que outros).
O esquema básico era simples: os controladores de um banco, donos ou administradores, emprestavam dinheiro aos empresários amigos (geralmente através de testas-de-ferro, mas nem sempre) com base em garantias sobreavaliadas por “avaliadores independentes”. O banco nunca recebia esse dinheiro de volta, ficando assim prejudicado. Quem enriquecia eram os amigos, que recebiam os empréstimos e não os pagavam, e os próprios donos e administradores dos bancos, uma vez que também, através de comissões ou doações, embolsavam pessoalmente uma parte do dinheiro emprestado.
Para o esquema funcionar, eram necessários quatro parceiros:
- os controladores dos bancos (donos ou administradores);
- os amigos (verdadeiros ou falsos empresários);
- os testas-de-ferro (habitualmente advogados prestigiados ou associados);
- os avaliadores (empresas com boa reputação e marcas em língua inglesa).
Mas existem outros casos em curso nos tribunais ou sob investigação na justiça portuguesa.
No caso concreto do Banco Espírito Santo, a história é mais elaborada. A família Espírito Santo, após o 25 de Abril de 1974, não tinha o músculo financeiro suficiente para financiar o seu regresso a Portugal e comprar o BES – que tinha sido nacionalizado após a Revolução. Na verdade, o seu alegado poderio capitalista baseou-se em ficções, a partir do momento em que recuperou o banco. Ricardo Salgado, que sucedeu a Manuel Ricardo Espírito Santo como líder da família, sabia bem das deficiências da estrutura financeira da família que comandava. Por isso, implementou uma política de crescimento orgânico da instituição bancária, nunca deixando ninguém espreitar para dentro, o que lhe permitiu forjar várias efabulações contabilísticas. Ao mesmo tempo, politizou a actividade. Vários ministros portugueses e outros próceres do regime encontraram assento no BES: Durão Barroso, António Mexia, Miguel Frasquilho, Manuel Pinho, Maria de Belém, Rui Machete, Rui Vilar, Murteira Nabo, e a lista poderia continuar.
A rede que Ricardo Salgado estabeleceu permitiu-lhe ter acesso a variados negócios que teoricamente iriam trazer músculo financeiro ao grupo. No entanto, isto não aconteceu, porque ao mesmo tempo existiam projectos que sugavam o dinheiro recebido. Em Miami, há que lembrar o projecto Santa Ulisseia, que tardou a ter rentabilidade, ou a Quinta do Peru, em Portugal, com as contas sempre a descoberto e a desencadear todas as angústias do Centro de Empresas BES de Setúbal.
Uma das relações que Salgado vai cultivar é com Angola. Angola vai ser chave no BES e permitir toda uma série de circularização de fluxos financeiros sem controlo. Como se vê no artigo de Rafael Marques, até ao fim subsistiram as engenharias financeiras para manter o grupo Espírito Santo.
Como nota final enfatize-se que a situação reportada se refere a crimes que terão sido cometidos em solo angolano, mas com ramificações e ligações a Portugal e a empresas portuguesas. Isto demonstra que a grande criminalidade ligada à corrupção, burla e branqueamento de capitais em Angola raras vezes é meramente um fenómeno nacional, envolvendo, pelo menos, Angola e Portugal. Muitas vezes, também o Brasil.
A queda do BESA em Angola está intimamente ligada à queda do BES em Portugal. Os piores corruptos em Angola têm sempre a sua contraparte e os seus avençados em Portugal, o que significa que só quando existir verdadeira colaboração e cooperação entre as Procuradorias-Gerais da República de Angola e Portugal, constituindo equipas mistas de investigação para pessoas e factos dos dois países, poderá haver verdadeira eficácia no combate à grande criminalidade económica.
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