04.01.2018 às 9h20
Reconhecendo pela primeira vez a existência de prisioneiros políticos no país, o primeiro-ministro etíope garantiu que todos serão libertados e que um famoso campo de tortura de opositores será encerrado
O primeiro-ministro da Etiópia anunciou na quarta-feira que o país vai libertar todos os presos políticos e encerrar um famigerado centro de tortura de opositores, reconhecendo pela primeira vez a existência desses presos e desse campo de detenção. O anúncio foi recebido com espanto e agrado por ativistas e grupos de Direitos Humanos, após Hailemariam Desalegn ter prometido "alargar o espaço democrático para todos" e pôr fim a uma era de repressão e violência no país.
"Os presos políticos que enfrentam julgamento ou que já foram condenados a prisão ou terão as suas acusações anuladas ou serão perdoados", prometeu Desalegn em conferência de imprensa. "O famoso centro de detenção tradicionalmente chamado Maekelawi será encerrado e transformado num museu", acrescentou o chefe do governo.
O anúncio surge dois anos depois de ter começado uma onda de protestos em massa contra o executivo, em novembro de 2015, durante a qual centenas de pessoas foram mortas e dezenas de milhares detidas, de acordo com uma investigação da Comissão de Direitos Humanos da Etiópia. Ao longo dos últimos meses, manifestantes das regiões de Amhara e Oromia queixaram-se de estarem a ser política e economicamente marginalizados, saindo às ruas para protestar contra o governo.
As manifestações, que começaram naquelas duas regiões mas que rapidamente se alastraram a outras zonas do país, forçaram o encerramento de vários negócios, universidades e redes de transporte, levando o governo a impôr estado de emergência em todo o país durante dez meses, até agosto passado.
Depois de ter passado vários meses a ligar a rebelião e protestos ao terrorismo, ontem Desalegn sublinhou que a libertação dos presos políticos tem como objetivo "fomentar a reconciliação nacional". Para já, não se sabe quantas pessoas serão libertadas, sob que condições nem quando. Também não é certo como é que as autoridades definem quem é ou não um preso político, nem se só serão libertados aqueles que estão em Maekelawi ou também os de outros centros de detenção espalhados pelo território etíope.
No seu blogue, Befeqadu Hailu, um ativista de Direitos Humanos que foi preso em 2014 juntamente com outros cinco parceiros do coletivo Zona 9, exigiu que "as promessas sejam implementadas imediatamente". A partir da prisão de Maekelawi, acrescentou: "[Os meus interrogadores] passam grande parte do tempo a fingir que já sabem dos males que cometi. Se não conseguem extrair informações desta forma, forçam confissões à força de murros, espancamentos, exercício físico extremo e flagelação."
Segundo Felix Horne, da Human Rights Watch, o recurso a tortura e às detenções em solitárias é comum em Maekelawi, para onde as autoridades enviam grande parte dos presos políticos, muitas vezes sem serem julgados ou condenados por qualquer crime. "Tornou-se quase um símbolo de repressão dentro do país e da luta dos prisioneiros políticos para serem ouvidos".
Ao "Guardian", Horne admitiu que não estava à espera do anúncio do primeiro-ministro etíope, um que classifica como "bastante significativo". "Isto pode marcar um ponto de viragem na forma como o Estado lida com vozes dissidentes. É muito surpreendente. O governo tem zero tolerância para a dissidência e muitas vezes tem usado a legislação de combate ao terrorismo para calar expressões legítimas de dissidência política. Os etíopes, regra geral, não protestam [mas] desde 2015 têm-no feito e pagado o preço por isso — houve dezenas de milhares de detenções e centrnas de pessoas abatidas pelas forças de segurança. Nos últimos dois anos, a Etiópia deixou de ser um Estado repressivo que aparentava ser estável para ser um Estado à beira do colapso."
Também em reação ao anúncio, a Amnistia Internacional divulgou um comunicado a pedir que a decisão de Desalegn seja implementada imediatamente. "Pedimos às autoridades etíopes que implementem a decisão de hoje o mais rápido possível, libertando [os presos políticos] imediatamente e sem pré-condições. As autoridades devem igualmente revogar ou emendar substancialmente as leis repressivas sob as quais as pessoas foram presas, incluindo a sua draconiana proclamação anti-terrorismo. Só será possível inaugurar um novo capítulo para os Direitos Humanos se todas as alegações de tortura e violações forem efetivamente investigadas e se os responsáveis forem presentes à Justiça. Pedimos também que se investiguem as dezenas de desaparecimentos forçados que tiveram lugar desde 1991 — não basta libertar alguns dissidentes pacíficos sem se conhecer o destino de tantos outros."
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