Parte I
O meu interlocutor começou assim:
- Custa-me confiar plenamente naquele escroque!
Foi ele mesmo quem nos deu um escracho do tamanho do inferno, por causa dele eu ainda estou com um prurido chato no cotovelo, sem motivo nenhum eu sofri como um condenado.
E continuou:
- Meu pai foi envenenado mortalmente, ele era mineiro e morreu na África do Sul, depois de 1979 o que vimos dele só foi um caixão de chumbo, daí nem uma foto recente. Eu como filho primogénito, cresci com tanta responsabilidade porque devia ajudar a minha mãe que ficou viuva aos 32 anos, devia ajudar alimentar 5 meus irmãos mais novos. A vida não estava fácil, macacos me mordam! os males do sofrimento vinham em fila e eram infinitos. Em 1983 depois de tentar fazer tudo para minha familia sobreviver da fome, como chefe de familia eu aprendi a pescar, ia de Mussengue para Banguene. Por semana, de lá eu conseguia trazer para casa cerca de 70-100 kg de pescado para alimentar a minha familia e vender ou trocar o excedente com milho e outros productos necessários, em alguma ocasião, podiamos pagar com aquele peixe a mão de obra pelos trabalhos que nossos vizinhos faziam nas nossas machambas. A minha mãe é uma mulher de ouro, ela vale por mil, ela sempre trabalhou duramente para que não perecessemos de fome e doenças endémicas, familias com esposos vinham à nossa casa pedir sal, açucar e outras coisas. Certo dia, logo de manhã, apareceram homens armados em Mussengue e começaram a disparar, queimaram palhotas e mataram muitas pessoas indefesas. Eu e meus irmãozinhos escondemo-nos numa cova, que meu pai ainda em vida fisera, para extrair areia para construir a nossa casa de alvenaria. Minha mãe teve muita sorte, ela tinha ido ao poço cartar água e não viu aquelas incursões sem precedentes que nós vimos, ela não viu as atrocidades que eu vou-te contar agora, talvez minha mãe não suportaria ver como eu fui torturado, ela era capaz de ter sofrido uma embolia. Quando os insurrectos descobriram onde estávamos escondidos, vieram e pegaram em mim, amarraram-me os braços e comeaçram brutalmente a bate-me até eu desmaiar. Quando recuperei, vi que meu corpo estava empapado de sangue, eu tinha uma racha na cabeça a verter sangue e quando olhava para longe via tudo a mover-se, estava com vertigens do tamanho do universo e apetecia-me vomitar, o mundo parecia um corpo amorfo ou areias movediças. Maior parte daqueles energúmenos assaltantes falavam em lingua ndau e alguns em português de muita má qualidade, eu percebi que minha vida estava pendurada num fio quase a cortar-se e só pensava na sorte dos meus irmãozinhos que cairiam numa dupla orfandade, se eu fosse morto seria uma grande tragádia para eles. Na minha aldeia éramos 7 rapazes capturados e mais um velho de corpo forte e duro eles queriam gente para ajudar-lhes a carregar os trofeus roubados, entre eles, comida e roupa, principalmente cobertores e animais mortos. Tenho que confessar que eu tive sorte, não mataram meus irmãozinhos porque eles eram pequeninos demais, o maior deles tinha somente 7 anos e luzia ter menos idade que isso, porque frequentemente adoecia. Eu nessa altura tinha 16 anos e eles desconfiaram-me de ser soldado da Frelimo porque eu estava calçado de botas altas que herdei depois da morte do meu pai e porque eu era musculoso por alar frequemente a rede pesqueira munida de chumbo e às vezes carregada de peixe para tira-la fora do rio. Depois daqueles abusos demasiados, os canalhas obrigaram-nos carregar os bens que eles roubaram à população e obrigaram a seguir-lhes em direcção à Mangundzo, uma aldeia há cerca de 30 Km de Mussengue. Pelo caminho, eles continuavam a bater-nos e a fazer-nos interrogatórios. Porém, de entre eles os que falavam português cometeram um erro grande e grave, eles faziam planos de atacar o quartel de Mangundzo na madrugada do dia seguinte às 4 horas e discutiam em português e depois se interpretavam em ndau. Eu ouvi nitidamente esse plano, apesar do velho da minha aldeia ser quase analfabeto, ele também ouviu aqueles planos que enfatizavam em matar mais indefesos para meter medo e dar entender aos nativos que eles eram invenciveis, frequentemente diziam que o comandante supremo deles insistia em que seus soldados matassem mais civis indefesos, eles diziam que era uma ordem a cumprir-se e ninguém devia ter pena dos "Mapalapatos" uma giria que eles usavam para designar a gente do sul do Rio Save. Quando estavamos há uns escassos 5 km de Mangundzo o comandante deles ordenou-nos para acamparmos, os raptores não fizeram lume porque tinham medo de serem descobertos, eu dormi perto do velho forte capturado na minha aldeia, como todos estavamos muito cansados, logo pusemo-nos a dormir, Não haviamos comido nem bido nada, apesar de haver comida e água suficientes, eles proibiam-nos, mas eles e seus soldados comiam e bebiam. Ao total eles eram cerca de 47 homens armados com bazucas, AKM e outras armas ligeiras, o comandante deles tinha duas pistolas nas ancas . Por causa do suor e porque não lavarem a roupa, aqueles assaltantes cheiravam como um canino húmedo e onde acampamos o olor era como duma latrina destampada. Quando eram cerca de meia noite, eu vi que todos estavam completamente no sono, como eu estava na periferia do grupo, com um lento empurrão dispertei aquele velho forte capturado na minha aldeia que estava ao meu lado e começamos a rastejar aos poucos, o plano era de fugirmos e aquele velho entendeu a minha intenção com meio gesto, não havia tempo a perder-se. Quando distanciamo-nos cerca de 20 metros do lugar onde acampamos levantamos e começamos a correr em direcção a Mangundzo, a distância de 5 km que faltava para a vila foi como meio passo para nós, conheciamos perfeitamente o lugar e com ajuda do velho não necessitavamos de seguir caminhos, aquele velho dominava de cor aquela região. Quando chegamos perto do quartel notamos que tinhamos as pernas cheias de feridas corriamos pelo mato e estavamos ambos de calções e recebemos muitos ferimentos de plantas espinhosas. Logo, eu pedi aos centinelas do quartel para falar com o comandante, mas como fomos desconfiados, logo, levaram-nos para o interrogatório e ao examinar como estávamos e o que diziamos logo trouxeram uns soldados da nossa zona Mussengue, que logo nos reconheceram e um deles era nosso vizinho na aldeia de Musengue, o Mangavani que jurou pela alma da sua mãe, que nós eramos paisanos e gente de máxima confiança. O comandante ordenou para que nos dessem lugar para tomar banho e algo de beber e comer. Enquanto as tropas se desdobravam a espera que os energúmenos chegassem, uma parte das tropas de reconhecimento avançou ao encontro dos forasteiros, tudo foi tão rápido que pelo tratamento que iam nos dando no quartel, percebemos que o comando já tinha plena confirmação da nossa informação. Quando os atacantes chegaram chutaram o pau da barraca e foram bem recebidos pelas tropas governamentais e ninguém dos atacantes saiu de Mangundzo em posição vertical, todos foram abatidos ai, excluido os que foram capturados. O combate durou cerca de 9 horas, as tropas governamentais receberam reforço das tropas do terrível Comandante Satane, é quando os intrusos arrumaram sarna para se coçar, alguns corpos dos assaltantes foram crivados de tiros como escopos no campo de treinos e ficaram totalmente irreconheciveis. Os assaltantes que foram capturados vivos começaram a dar com a língua nos dentes, cantavam como papagaios e deverão ter-se arrependido da hora em que nasceram, os soldados do comandante Satane agarravam de minga aqueles malfeitores e davam-lhes uma retaliação de inveja eterna. O próprio comandante Satane estava a comandar as operações em pessoa. (A VA SOLANGA= NÃO DESDENHARAM). (continua)
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