Monday, August 28, 2017

COMUNICADO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE EM FACE DA ACTUAÇÃO DA PRM COM RELAÇÃO ÀS VIATURAS COM VIDROS ESCUROS


A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) tem acompanhado, com crescente preocupação, a atmosfera de incerteza, insegrança jurídica e repúdio que reina entre os automobilistas, em virtude de uma prática recorrente assumida pelos agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) e secundada pelo Instituto Nacional dos Transportes Terrestres (INATTER), que culmina com a aplicação de multas aos automobilistas que se fazem transportar em viaturas com vidros escuros, comummente denominados “vidros fumados”, bem como com a remoção das películas escurecedoras.
A PRM refere, por um lado, que esta actuação justifica-se pelo facto de as viaturas com vidros escuros serem utilizadas para transportar criminosos e para servir de meio de prática de crimes. Por outro, a PRM, sustenta a sua actuação justificando que a colocação de películas escurecdoras nos vidros das viaturas consubstancia uma “alteração das características do veículo” e, portanto, uma transgressão ao Código da Estrada, passível de sanção.
A OAM, em cumprimento dos deveres que emanam do artigo 4.º do respectivo estatuto, aprovado pela Lei n.º 28/2009, de 29 de Setembro, designadamente “defender o Estado de Direito Democrático, os direitos e liberdades fundamentais…”, “contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica, para o conhecimento e aperfeiçoamento do direito…” e “…promover o respeito pela legalidade”, vem, através do presente comunicado, emitir o seu posicionamento em face da actuação da PRM com à proibição de circulação de viaturas com vidros fumados:
1. O n.º 1 do artigo 118 do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 1/2011, de 23 de Março, considera “…transformação de veículo qualquer alteração das suas características construtivas ou funcionais” que, nos termos do n.º 1 do artigo 117 do mesmo código, são fixadas em regulamento específico.
2. As características dos veículos automóveis foram fixadas pelo artigo 27 do Decreto n.º 39.987, de 22 de Dezembro de 1954, que aprova o Regulamento do Código da Estrada, que elenca taxativamente as seguintes: 
a) Quanto à classificação: classe, tipo, caixa, peso bruto, peso bruto por eixo (à frente e à retaguarda), peso bruto a rebocar, tara, lotação, peso do quadro sem cabina, serviço a que se destina;
b) Quanto à identificação: marca, modelo, número do quadro, distância entre os eixos, número de eixos, número de eixos motores, número de rodas, medida dos pneumáticos, motor (marca, modelo, sistema, número, cilindros, cilindrada, potência, número de rotações e localização), situação da direcção, dimensões da caixa, gasogénio (marca, tipo do gerador, número, localização), ano, cor, país de origem e data da primeira matrícula.
3. Estas características dos veículos automóveis devem, por imposição legal, constar dos respectivos livretes, de modo a permitir a sua identificação e fiscalização.
4. A alteração destas características carece de averbamento e é objecto de exame pelos competentes serviços de inspecção, tal como previsto nas alíneas c) e d), dos n.ºs 1 e 2, do artigo 119 do Código da Estrada.
5. A composição e cor dos vidros dos veículos automóveis não constam da lista das características definidas na lei, pelo que a colocação das películas escurecedoras não consubstancia, legalmente, uma alteração das características dos veículos e, nestes termos, a Ordem dos Advogados entende que a actuação da PRM é ilegal, inaceitável e violadora do princípio de legalidade a que os agentes da lei e ordem estão vinculados.
6. A OAM entende que as proibições, porque restritivas dos direitos dos cidadãos, não se presumem e devem resultar expressa e inequivocamente da Lei, de tal sorte que se determinada conduta é tida como proibida, é na Lei onde se deve buscar os fundamentos da proibição, em obediência ao princípio da tipicidade.
7. No ordenamento jurídico vigente na República de Moçambique, não existe qualquer dispositivo legal que proíba a circulação de veículos com películas escurecedoras e, consequentemente, no caso em apreço, apenas constituiria transgressão (e como tal, passível de multa) a conduta descrita como tal no Código de Estrada ou outra legislação relevante.
8. Por um lado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 249 da Constituição da República de Moçambique, “a Administração Pública serve o interesse público e na sua actuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadão” e, por outro, “a Polícia da República de Moçambique, em colaboração com outras instituições do Estado, tem como função garantir a lei e a ordem, salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos”, conforme o disposto no nº 1 do artigo 254 da mesma Constituição. Para além disso, o Estatuto da PRM, aprovado pela Lei n.º 16/2013, de 12 de Agosto, preceitua no n.º 1 do artigo 2 que “a PRM no seu funcionamento e actuação observa os princípios do respeito pela Constituição leis e demais normas vigentes na República de Moçambique”.
9. A Ordem dos Advogados considera que a actuação dos agentes da PRM constitui violação do princípio do Estado do Direito Democrático, caracterizado pelo escrupuloso cumprimento das leis, respeito pelos direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos.
10. A Ordem dos Advogados condena o Comando-Geral da PRM e a Direcção do Ministério do Interior, por permitir que os agentes da PRM atropelem impunemente a lei.
11. A Ordem dos Advogados insta a Suas Excelências o Ministro do Interior e o Comandante-Geral da PRM a orientarem aos agentes da PRM no sentido de, no seu funcionamento e actuação no combate ao crime, de garantia da lei e da ordem, da salvaguarda da segurança de pessoas e bens e da tranquilidade pública, respeitarem o princípio do Estado de Direito Democrático e a observarem estritamente os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos previstos na Constituição e demais normas vigentes na República de Moçambique.
12. A Ordem dos Advogados apela ao Ministério Público a exercer de forma efectiva a sua função de controlo da legalidade, consagrada no artigo 236 da Constituição da República, iniciando os competentes procedimentos legais visando a defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos afectados por esta actuação da PRM, bem como responsabilizando os agentes que sejam denunciados como resultado desta e de outras actuações ilícitas.
13. A Ordem dos Advogados manifesta a sua disponibilidade para assistir aos cidadãos que têm sido vítimas desta censurável, porque ilegal, actuação da PRM e encoraja-os a usar os mecanismos previstos na lei para a melhor defesa dos seus direitos e liberdades.
Por uma Ordem dinâmica, inclusiva e descentralizada.
Maputo, 28 de Agosto de 2017
Disponível no website: http://bit.ly/2vBHVfC
Versão PDF: http://bit.ly/2iBLK3e
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