Analista Cláudio Silva acredita que MPLA dará numa boa oposição em Angola
Luanda
- Cláudio Silva é voluntário da Jiku, plataforma de monitoria
eleitoral, afecta à ONG Handeka, e falou ao ONgoma News sobre o
tratamento parcial que os meios de comunicação social públicos deram aos
partidos políticos angolanos ao longo do período de campanha eleitoral.
Para ele, por várias razões que considera óbvias, “o MPLA vai ganhar na
mesma [as eleições de 23 de Agosto]”, mas não crê que “venha a ter
maioria absoluta, com ou sem batota”. No entanto, defendeu, “uma das
melhores coisas que poderia acontecer ao MPLA é estar cinco anos na
oposição”, pois acha o Angola teria “uma oposição muito acutilante e
vigilante em relação à governação do partido no poder, o que seria
saudável para a nossa democracia”.
Fonte:ONgoma
Quem
acompanha a plataforma Jiku percebe que há uma série de irregularidades
no tratamento que tem sido dado pela comunicação social pública aos
partidos políticos. Acha que este facto por si só acaba por comprometer a
qualidade e lisura do processo eleitoral?
Sim,
acho. Nós vamos realizar as nossas quartas eleições, e estas são as
terceiras eleições que tenho acompanhado com muita atenção. No passado,
sempre lamentámos que a TPA não dava o mesmo tempo de antena ao partido
“x” ou “y”, mas era preciso contabilizar o tempo dedicado a cada partido
e compilar dados mais reais para podermos afirmar que em determinado
período os partidos mereceram “x” minutos. Isso passa uma visão muito
mais interessante e mais real, do que estarmos simplesmente a reclamar
da parcialidade da imprensa pública no tratamento aos partidos.
Entretanto, em termos gerais, o actual processo eleitoral está cheio de
irregularidades, mas não temos condições para monitorar todos os
aspectos envolventes, por isso nos restringimos na avaliação do
desempenho da comunicação social.
Mas um dos argumentos que têm sido
apresentados por defensores da CS pública é que, por um lado, os
partidos políticos comunicam mal as suas actividades, e por outro lado,
se num extremo está uma comunicação social pública a favor do partido no
poder [MPLA], no outro extremo estão os meios de comunicação social
privados, que assumem, de forma permanente, um posicionamento crítico em
relação à actual governação do país. O que é que tem a dizer sobre este
argumento?
É uma equivalência falsa. Não posso
comparar o Folha 8 com o Jornal de Angola. O primeiro é um jornal
privado que não conta com fundos públicos, ao passo que o segundo
dependente dos meus impostos enquanto contribuinte angolano, por isso
está errado e é ilegal que eles façam uma cobertura claramente
tendenciosa e a favor do partido no poder. Temos a Lei Eleitoral que é
muito clara em afirmar que os meoios de comunicação pública devem dar
tratamento igual aos partidos políticos. Portanto, a comparação entre
meios privados num extremo e os meios públicos noutro, não acho que seja
um argumento verdadeiro. O meio público não deve ser extremo, mas sim
imparcial.
E os meios de comunicação social privados podem ser extremos?
Não é que possam ser, mas a verdade é
que não somos nós os cidadãos que pagamos os salários dos jornalistas de
meios de comunicação social privados, daí que não nos compete a nós
monitorá-los. Continuo a defender que o jornalista tem que ser
imparcial, e há jornais privados em Angola que se portam muito mal, mas o
foco do Jiku são os meios públicos e os meios privados que alcançam as
massas, como é o caso da TV Zimbo, que é um meio privado, embora, tal
como os bancos, se debata até que ponto é privada, em função da origem
dos investimentos usados. Portanto, acho muito importante que se faça
essa monitoria, pois é importante que as pessoas percebam que recebem
informação de uma maneira tendenciosa e parcial.
Até que ponto é que o papel da
comunicação social poderá “influenciar”, se assim se pode dizer, os
resultados das eleições de quarta-feira?
Nos grandes centros urbanos,
nomeadamente Luanda, Benguela e Lubango (Huíla), os cidadãos têm acesso à
imprensa privada, mas os jornais privados não chegam a Luena e Saurimo,
por exemplo, com a mesma frequência que nós em Luanda vemos nas ruas
aos sábados. É muito mais fácil para mim, enquanto morador da cidade de
Mbanza Congo, ter acesso à TV Zimbo e à TPA. Entretanto, considerando os
níveis de escolaridade que ainda são baixos, é perigo os cidadãos
estarem a consumir apenas a TPA e o Jornal de Angola, porque a
informação passada por estes órgãos é muito tendenciosa, e não é um
espelho real da vida partidária e política no país. Muitas vezes ouvimos
o argumento de que a imprensa se limita apenas a cobrir os factos
noticiosos, mas todos que acompanham a televisão nas últimas semanas vêm
que os comícios do MPLA são transmitidos na íntegra, ao passo que as
actividades dos outros partidos apenas merecem resumos ou um “meio
ecrã”, mas em “mute”.
Essas são as terceiras eleições
que acompanhas em Angola. Qual é a tua predisposição a todo processo e
ao exercício do direito de voto, considerando que dele depende o rumo de
Angola?
Eu vou votar, mas compreendo as pessoas
que não vão votar porque não acreditam no processo em si, e acham que o
seu voto não vai valer. Percebo este argumento, mas não concordo. Eu vou
votar, mesmo sabendo que é possível que o meu voto não conte. É muito
importante que nós façamos este exercício regular de votar numa
democracia em construção, como é o nosso caso. Portanto, não obstante as
irregularidades e ilegalidades que vemos no processo eleitoral, eu
quero dar trabalho a alguém de invalidar o meu voto, se for isso que
acontecer.
E quais são as tuas expectativas em relação aos resultados e ao rumo que o cenário político angolano poderá tomar?
Eu acho que o MPLA vai ganhar na mesma,
mas não creio que venha a ter maioria absoluta, com ou sem batota. Creio
que tanto a UNITA quanto a CASA-CE vão ter uma boa percentagem de
votos, gostaria que ambos tivessem mais assentos na Assembleia do que o
MPLA, mas acho isso muito improvável devido às irregularidades e
ilegalidades que têm sido cometidas pela Comissão Nacional Eleitoral
(CNE) e pela imprensa pública. Acho que as eleições continuam a ser um
processo, e são de facto um processo, mas acho que o desempenho do
Governo nos últimos 15 anos foi bastante negativo. Perdemos uma
oportunidade de ouro de fazermos uma distribuição mais equitativa da
riqueza nacional, que atingiu níveis altíssimos aos quais não voltaremos
a médio prazo. Continuamos com os mesmos índices de pobreza e
desenvolvimento humano que país apresentava perto do fim da guerra, e
por isso faz sentido que em 2017 tenhamos muito mais contestação social,
principalmente nas camadas mais jovens. E, se não for feito um bom
trabalho nos próximos cinco anos, esta insatisfação vai aumentar, e quem
sabe, em 2022, seja possível tirar o MPLA do poder. Uma das melhores
coisas que poderia acontecer ao MPLA é estar cinco anos na oposição.
Acho que teríamos uma oposição muito acutilante e vigilante em relação à
governação do partido no poder, o que seria saudável para a nossa
democracia. Para tal, os angolanos devem estar engajados civicamente,
porque votar não é só pôr uma cruz num quadrado. É por isso que criámos o
Jiku, para explicar que votar também é estar atento à legalidade do
processo e às leis que regem o pleito eleitoral.
Não acha que o Jiku chega relativamente tarde?
Muito tarde. Infelizmente, nós também
não somos as pessoas mais organizadas do mundo. Cada um de nós tem a sua
família e emprego, e o Jiku é voluntariado. Chegou tarde, infelizmente.
Mas qual será o futuro do Jiku?
O Jiku só aparecerá em processos
eleitorais, nomeadamente antes das eleições autárquicas e das eleições
de 2022. Não somos necessariamente uma plataforma que sempre estará
activa a 100%.
Em relação aos anos anteriores,
acha que houve redução das irregularidades no processo eleitoral, de
acordo com o que o Jiku consegue apurar?
Não existe vontade política para
melhorar o processo. Eu estou a ler o “Livro Branco das Eleições de
2008”, e apercebi-me de que já naquela altura a sociedade civil e os
observadores internacionais alertavam para vários actos de incumprimento
da lei que continuam a ser vistos actualmente. Tivemos eleições em
2012, mas o comportamento foi o mesmo. Isso não é o comportamento de um
partido que esteja interessado em mudar este paradigma. Creio que existe
muita insegurança por parte do MPLA, devido à insatisfação popular
causada pela crise e pela percepção que os angolanos têm de que a crise
não foi apenas causada pela baixa do preço do petróleo no mercado
internacional. Os dirigentes estão expostos a escândalos de corrupção
quase semanalmente e isso afecta a reputação do partido. Portanto, a
ferramenta encontrada para contrapor a crescente onde de insatisfação na
sociedade é violando a lei.
E o que é que tens a dizer sobre a proibição de manifestações imposta pela Polícia Nacional?
Infelizmente a nossa Polícia não tem
noção do que é uma democracia plena. Os mais-velhos dizem sempre que
estamos num processo, e que não haverá melhorias do dia para a noite,
mas acho que a Polícia Nacional comete inúmeros erros e não tem vontade
de fazer melhor. Quando um partido político quiser manifestar-se deixam,
mas o real medo está em deixar a sociedade civil manifestar-se. A UNITA
ou o MPLA podem vir manifestar-se no 1º de Maio, mas os “revus” não
podem.
O teu posiciomente cívico condiciona, de algum modo, a tua actividade empresarial?
Eu acredito na sociedade civil. Acho
fundamental que ela exista num país, porque, enquanto cidadão, sou livre
de falar conforme eu quiser e sobre o que eu quiser. As minhas posições
não podem levar-me a ser conotado como membro ou apoiante de algum
partido. Nós devíamos ter mais cidadãos qualificados apartidários, ou
partidários, mas que deviam ter noção de que, quando uma coisa está
errada, deve ser denunciada. Se um jovem é espancado na rua por
manifestar-se, os angolanos não devem olhar para as suas escolhas
partidárias, mas sim denunciar esse tipo de actos.
Mas sofres algum tipo de consequência?
Apenas familiares, mas nada de grave. Acho que sou um pouco irrelevante, porque sou apenas um jovem a falar.
Mas cem jovens irrelevantes, civicamente activos, fazem diferença num país. Não achas?
Já é diferente. Tenho amigos
apartidários e amigos militantes da UNITA, e outros do MPLA, e acho que
esta convivência é salutar para a sociedade. As pessoas têm direito a
ter ideias diferentes, mas existem limites. Ou seja, não podemos
promover uma distorção do que é ser cidadão. Com pressão ou sem pressão,
é necessário falar sobre isso. Dizer que a saúde e a educação não têm
qualidade não pode levar-nos a ser conotados como oposição, porque é
apenas a nossa chamada de atenção como cidadãos, para que possam ser
feitas melhorias.
E como empreendedor nunca teve nenhum tipo de pressão?
Não... Se calhar alguma empresa optou
por não fazer negócio comigo porque não gostou da minha publicação no
Facebook, mas confesso que até agora nunca notei algum tipo de
represália. Entretanto, uma coisa é o meu trabalho, e a outra são as
minhas opiniões cívicas e políticas sobre o país. Portanto, as pessoas
têm que ser maduras o suficiente para separar as águas. Percebo que haja
pessoas que têm esse previlégio de poder emitir opiniões livremente...
Enquanto empresário, quais são
as suas expectativas em termos de políticas de promoção do
empreendedorismo e do empresariado nacional?
O nosso ambiente de negócios tem que
melhorar. O país não vai sair da crise se não forem feitas reformas
estruturais. Ainda somos um país extremamente fechado em si mesmo, pouco
capaz de atrair investimento externo, temos altos índices de corrupção e
por isso poucos investidores estrangeiros estão interessados em fazer
negócio em Angola. Como empresário, sei que somos um dos piores países
do mundo para se fazer negócio. Não temos uma boa rede de distribuição
de energia e água, ainda convivemos com doenças que já não existem na
maioria dos países do mundo, porque ainda temos esgotos e lixo a céu
aberto. Portanto, temos que melhorar significativamente o nosso ambiente
social e, por arrasto, o nosso ambiente de negócios.
O combate à corrupção faz partido do discurso eleitoral dos partidos, em particular do MPLA, que governa o país desde 1975...
Sim, mas gostaria de ver acções
concretas. Só no último ano, a quantidade de escândalos de corrupção que
vimos altamente difundidos pela imprensa, comparada com a quantidade de
julgamentos, mostra que não existe vontade de mudança. Não vi nenhum
único julgamento com base nos empréstimos milionários do BESA nos
desfalques do BPC... Nenhum de nós viu os culpados responsabilizados. A
impunidade em Angola ainda é galopante. É por este e outros factos que
Angola não tem uma boa imagem lá fora. O que o GRECIMA gasta num ano
para lavar a imagem de Angola na Euronews, bastava pôr um corrupto na
cadeia que o efeito seria muito melhor. Subtraiu do erário público, vai
preso. Isso dá um sinal muito melhor e muito mais forte do que as
propagandas que têm sido feitas em canais internacionais.
Há quem diga que a imagem que se tem de Angola lá fora acaba por ser pior do que a realidade. Concorda?
Acho que a realidade é má e não é muito
difícil as pessoas acederem à informação sobre a realidade do país. Por
mais que tentemos branquear a imagem do país, o que eu percebo quando
viajo para fora de Angola é que as pessoas sabem que nós temos altos
índices de corrupção. Não é necessário nenhum tipo de esforço para
apurar dados comprometedores sobre o país.
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