Em 2005 arderam 340 mil hectares. O primeiro-ministro tinha prometido
que as primeiras férias seriam no Quénia com os filhos e não voltou.
António Costa mandou em tudo pela primeira vez.
Os títulos dos jornais podiam ser os de agora, tal foi a força das
chamas naquele ano e tal era a seca que assolava o interior do país. As
críticas também são comparáveis às que se ouvem este Verão: o PSD
acusava o Governo de ser "passivo", a esquerda falava em falta de
"realismo", os bombeiros garantiam que havia descontrolo na Protecção
Civil, o Executivo dizia que havia matas por limpar, incendiários por
apanhar e muito para mudar.
Costuma dizer-se que a história se repete, mesmo quando todos juram que vão fazer tudo para que não se repita. São ciclos que se cruzam, muitos deles com os mesmos protagonistas. Naquele ido ano de 2005, um dos que contabiliza mais área ardida deste século, o protagonista à frente do país era António Costa, o “Super Costa” ou o “superministro” da Administração Interna, como lhe chamava o "Diário de Notícias". O primeiro-ministro era José Sócrates que, eleito há meia dúzia de meses, estava de férias no Quénia. E foi com o país a arder e o chefe do Governo ausente, que o país político entrou em ebulição.
A oposição até acordou com algum atraso para o cenário daquele mês de Agosto. Na verdade, os sociais-democratas, então liderados por Marques Mendes, estavam mais concentrados nas nomeações para a Caixa Geral de Depósitos. Os jornais também. A nomeação de Armando Vara para Caixa fez soar os alarmes de controlo do banco público pelos socialistas e este já era um ingrediante quanto baste para uma oposição entretida num mês de descanso.
Até que o descanso do primeiro-ministro, à época José Sócrates, foi ele próprio motivo de crítica. Se os portugueses estavam a banhos, José Sócrates preferiu cumprir uma promessa que tinha feito aos filhos e foi fazer um safari de 15 dias no Quénia, nas suas primeiras férias enquanto chefe de Governo. Poucas vezes umas férias de um primeiro-ministro foram tão faladas.
Sócrates foi atacado não só por se manter em férias enquanto o país ardia sem controlo, como pelas férias em si. Por que é que tinha escolhido um programa tão caro como um safari no Quénia, quando o país se batia para sair de uma crise? Pacheco Pereira, na sua coluna de opinião na revista "Sábado", admitia que a discussão já se fazia no campo “permeável à demagogia”, dando ele próprio argumentos para que aí continuasse, sobretudo porque havia perguntas que tinham de ser feitas, como os custos das férias do primeiro-ministro. “Teve o primeiro-ministro segurança in loco? Do governo do Quénia, ou portuguesa? Quem se deslocou com o primeiro-ministro de um país dos ‘cruzados’ para terras onde o terrorismo já actuou? Se não foi ninguém, foi irresponsabilidade; se foi alguém, devia ter-se pensado em sítios mais módicos do que as luxuosas estâncias africanas”, defendia.
António Costa defendia-se com o trabalho de preparação que tinha sido deixado pelo anterior Governo, uma vez que, em funções há poucos meses, pouco tempo tinha tido para aplicar outra política de combate. Mas até nesse ponto, 2005 foi semelhante a 2017: em Março, o Governo socialista tinha mudado os governadores civis, à época responsáveis em cada distrito pela Protecção Civil. Uma prática que tem sido levada a cabo por diferentes executivos. Em 2011, Passos Coelho fez as mesmas mudanças, mas foi um Verão que não correu mal em relação a incêndios e por isso as alterações passaram despercebidas.
As explicações de Costa não chegavam e o CDS chamou o Governo de urgência ao Parlamento. Na verdade, os centristas pediam que José Sócrates interrompesse as férias para explicar o que estava o Governo a fazer nos casos em que já se tinham verificado "perdas de vidas" e "avultados danos materiais". Nesse ano morreram 16 bombeiros a lutar contra as chamas, menos cinco pessoas que no fatídico ano de 2003, quando morreram 21 pessoas.
Nuno Melo insistia no regresso de Sócrates, questionando o que aconteceria se o Governo fosse outro. "O primeiro-ministro tem todo o direito de estar de férias durante todo o mês de Agosto - um momento complicado para Portugal -, mas os portugueses também têm todo o direito de o avaliar por isso. Imagine-se o que seria se o ministro da Defesa, Paulo Portas, que tinha férias marcadas no estrangeiro, tivesse optado por partir” durante a catástrofe ambiental causada pelo navio Prestige, "certamente que a oposição socialista não o teria poupado e o que dele não se teria dito!", salientava.
Quem respondia era António Costa, o primeiro-ministro em exercício.
Por que não voltava o primeiro-ministro, perguntavam PSD e CDS. E Costa respondia que apesar de longe, Sócrates estava preocupado e revelou que o primeiro-ministro lhe telefonou "por mais de duas vezes" e que por mais de duas vezes lhe disse para não voltar: "Eu disse-lhe [ao primeiro-ministro] sempre que não devia voltar. Se alguém cometeu um erro, assumo-o. O senhor primeiro-ministro não veio porque eu entendi que não se justificava”. E aplicou a mesma receita a Sampaio. "Também disse ao Presidente da República que a situação não se justificava".
Já na época, a visão do actual Presidente era diferente. "Acho maravilhoso como é que o primeiro-ministro, com o país nestas circunstâncias, consegue passar tanto tempo de férias", dizia Marcelo Rebelo de Sousa, que este ano, em Pedrógão Grande, foi o segundo a chegar ao local (depois do secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes) e a emocionar-se com os relatos das vítimas. Por falar em emoção, há 12 anos, Costa "odiava" esse tipo de gestos: "Se há coisa a que sou alérgico na vida política é aos políticos que correm para as câmaras da televisão a rasgar as suas vestes e a chorar. Odeio. Nunca me verá a fazer essas figuras”, assegurava.
Em vez disso, Costa anunciava a compra dos helicópteros KAMOV para substituir os de aluguer. Este ano, a resposta da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, começou por ser mais emocional, para dois meses depois da tragédia anunciar medidas, nomeadamente sobre as comunicações via SIRESP, a operadora da Rede Nacional de Emergência e Segurança.
Costa, naquela altura, também fez o seu caminho. Um ano depois, em mais um mês de Agosto enquanto primeiro-ministro, mostrava-se mais emocional: "Uma das coisas mais duras desta função é a habitualidade do convívio com a morte. No dia em que deixar de me emocionar com os fogos e com as tragédias humanas que estão associadas a esta função, devo deixá-la. Se estiver vacinado para a dor não vale a pena".
Costuma dizer-se que a história se repete, mesmo quando todos juram que vão fazer tudo para que não se repita. São ciclos que se cruzam, muitos deles com os mesmos protagonistas. Naquele ido ano de 2005, um dos que contabiliza mais área ardida deste século, o protagonista à frente do país era António Costa, o “Super Costa” ou o “superministro” da Administração Interna, como lhe chamava o "Diário de Notícias". O primeiro-ministro era José Sócrates que, eleito há meia dúzia de meses, estava de férias no Quénia. E foi com o país a arder e o chefe do Governo ausente, que o país político entrou em ebulição.
A oposição até acordou com algum atraso para o cenário daquele mês de Agosto. Na verdade, os sociais-democratas, então liderados por Marques Mendes, estavam mais concentrados nas nomeações para a Caixa Geral de Depósitos. Os jornais também. A nomeação de Armando Vara para Caixa fez soar os alarmes de controlo do banco público pelos socialistas e este já era um ingrediante quanto baste para uma oposição entretida num mês de descanso.
Até que o descanso do primeiro-ministro, à época José Sócrates, foi ele próprio motivo de crítica. Se os portugueses estavam a banhos, José Sócrates preferiu cumprir uma promessa que tinha feito aos filhos e foi fazer um safari de 15 dias no Quénia, nas suas primeiras férias enquanto chefe de Governo. Poucas vezes umas férias de um primeiro-ministro foram tão faladas.
Sócrates foi atacado não só por se manter em férias enquanto o país ardia sem controlo, como pelas férias em si. Por que é que tinha escolhido um programa tão caro como um safari no Quénia, quando o país se batia para sair de uma crise? Pacheco Pereira, na sua coluna de opinião na revista "Sábado", admitia que a discussão já se fazia no campo “permeável à demagogia”, dando ele próprio argumentos para que aí continuasse, sobretudo porque havia perguntas que tinham de ser feitas, como os custos das férias do primeiro-ministro. “Teve o primeiro-ministro segurança in loco? Do governo do Quénia, ou portuguesa? Quem se deslocou com o primeiro-ministro de um país dos ‘cruzados’ para terras onde o terrorismo já actuou? Se não foi ninguém, foi irresponsabilidade; se foi alguém, devia ter-se pensado em sítios mais módicos do que as luxuosas estâncias africanas”, defendia.
As férias em Agosto
No início, a oposição foi comedida. Ribeiro e Castro, então líder do CDS, até lembrava que "em matéria de incêndios deve haver consenso, pois é preciso responder à gravidade da crise”. Marques Mendes, em visita a áreas afectadas, disponibilizava-se para "fazer com que esta situação tenda a melhorar” e recusava "críticas políticas em torno do drama das pessoas". A esquerda era mais dura nas palavras. Em declarações ao PÚBLICO, a deputada do BE Alda Macedo pedia ao Governo que fosse "mais realista" e Os Verdes consideravam "ridículas" as declarações de Costa a pedir às populações para se mobilizarem.António Costa defendia-se com o trabalho de preparação que tinha sido deixado pelo anterior Governo, uma vez que, em funções há poucos meses, pouco tempo tinha tido para aplicar outra política de combate. Mas até nesse ponto, 2005 foi semelhante a 2017: em Março, o Governo socialista tinha mudado os governadores civis, à época responsáveis em cada distrito pela Protecção Civil. Uma prática que tem sido levada a cabo por diferentes executivos. Em 2011, Passos Coelho fez as mesmas mudanças, mas foi um Verão que não correu mal em relação a incêndios e por isso as alterações passaram despercebidas.
As explicações de Costa não chegavam e o CDS chamou o Governo de urgência ao Parlamento. Na verdade, os centristas pediam que José Sócrates interrompesse as férias para explicar o que estava o Governo a fazer nos casos em que já se tinham verificado "perdas de vidas" e "avultados danos materiais". Nesse ano morreram 16 bombeiros a lutar contra as chamas, menos cinco pessoas que no fatídico ano de 2003, quando morreram 21 pessoas.
Nuno Melo insistia no regresso de Sócrates, questionando o que aconteceria se o Governo fosse outro. "O primeiro-ministro tem todo o direito de estar de férias durante todo o mês de Agosto - um momento complicado para Portugal -, mas os portugueses também têm todo o direito de o avaliar por isso. Imagine-se o que seria se o ministro da Defesa, Paulo Portas, que tinha férias marcadas no estrangeiro, tivesse optado por partir” durante a catástrofe ambiental causada pelo navio Prestige, "certamente que a oposição socialista não o teria poupado e o que dele não se teria dito!", salientava.
Quem respondia era António Costa, o primeiro-ministro em exercício.
O país do "Super Costa"
Uma década antes de chegar à chefia do Governo, António Costa teve uma primeira experiência como primeiro-ministro (em exercício). Naquele negro ano de 2005, o inexperiente (no cargo) primeiro-ministro ia acudindo a todos os fogos do país como podia, desdobrando o casaco fluorescente da Protecção Civil pelos mais variados incêndios. António Costa assumiu as responsabilidades e ordenou (a avaliar pelo que disse, este verbo aplica-se) ao primeiro-ministro, José Sócrates, e o Presidente da República, Jorge Sampaio, que não se preocupassem e que continuassem de férias.Por que não voltava o primeiro-ministro, perguntavam PSD e CDS. E Costa respondia que apesar de longe, Sócrates estava preocupado e revelou que o primeiro-ministro lhe telefonou "por mais de duas vezes" e que por mais de duas vezes lhe disse para não voltar: "Eu disse-lhe [ao primeiro-ministro] sempre que não devia voltar. Se alguém cometeu um erro, assumo-o. O senhor primeiro-ministro não veio porque eu entendi que não se justificava”. E aplicou a mesma receita a Sampaio. "Também disse ao Presidente da República que a situação não se justificava".
Já na época, a visão do actual Presidente era diferente. "Acho maravilhoso como é que o primeiro-ministro, com o país nestas circunstâncias, consegue passar tanto tempo de férias", dizia Marcelo Rebelo de Sousa, que este ano, em Pedrógão Grande, foi o segundo a chegar ao local (depois do secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes) e a emocionar-se com os relatos das vítimas. Por falar em emoção, há 12 anos, Costa "odiava" esse tipo de gestos: "Se há coisa a que sou alérgico na vida política é aos políticos que correm para as câmaras da televisão a rasgar as suas vestes e a chorar. Odeio. Nunca me verá a fazer essas figuras”, assegurava.
Em vez disso, Costa anunciava a compra dos helicópteros KAMOV para substituir os de aluguer. Este ano, a resposta da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, começou por ser mais emocional, para dois meses depois da tragédia anunciar medidas, nomeadamente sobre as comunicações via SIRESP, a operadora da Rede Nacional de Emergência e Segurança.
Costa, naquela altura, também fez o seu caminho. Um ano depois, em mais um mês de Agosto enquanto primeiro-ministro, mostrava-se mais emocional: "Uma das coisas mais duras desta função é a habitualidade do convívio com a morte. No dia em que deixar de me emocionar com os fogos e com as tragédias humanas que estão associadas a esta função, devo deixá-la. Se estiver vacinado para a dor não vale a pena".
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