A Voz da Verdade:
30Quarta-feiraMar 2016
A Frelimo, num passado bem recente, preferiu 40. Era preciso fazer a guerra da propaganda. Não a guerra ideológica como havia nos anos 80. Um regimento de Goebbels de todas as feições foi formado. Alguns mais seguidistas que outros. Mas na lista, nem todos assumiram a função com zelo. Outros viram os seus nomes lá dentro sem consulta. O facto é que a estratégia era atacar por todos os lados. Utilizar tanta tropa, no entanto, nem sempre é eficiente, já dizia Sun Tzu.
A Renamo preferiu criar um personagem que se posta sob a efígie sacralizada, no grupo, de Matsangaiça: Unay Cambuma. Ele dá voz a uma rede de informação e desinformação. É na verdade um personagem colectivo com nome fictício. Os 40 também usavam e abusavam de todos os ardis imagináveis. A manipulação, a descaracterização, o insulto e a descontextualização propositada de abordagens distintas da linha oficial.
A Renamo fez, agora, uma meia inflexão. Para dar mais face a sua propaganda, escolheu o nome de uma pessoa de carne osso: Zeca Caliate. A partir de um blog intitulado a Voz da Verdade, ele ataca todos os que criticam as opções belicistas da Renamo. Foi esse Zeca Caliate que assinou as recentes farpas contra o escritor Mia Couto. Zeca, como disse, existe em carne e osso mas quem lhe conhece cre que ele não tem capacidade para gerar aquele tipo de texto. Suspeita-se por isso que anda por aí um grupo de intelectuais da Renamo que, tal como faz com Unay Cambuma, se esconde sob a capa de Caliate.
Mas quem é Zeca Caliate? Este homem desertou da Frelimo em plena luta de libertação, em 1973, e se entregou aos colonialistas. Quando os moçambicanos lutavam pela autodeterminação, Caliate decidiu lutar contra a independência, e hoje faz a propaganda pela Renamo. Em troca da deserção, Zeca Caliate recebeu uma casa, oferta do regime colonial em 1974, em Vila Nova de Santa Iria, perto de Lisboa, onde vive até hoje e de onde produz esse blog carregado de ódios antigos e raivas mal resolvidas, assinando tambem textos doutros simpatizantes das intenções da Renamo.
Entretanto, do lado da situação, parece que os G40 foram descartados embora um e outro continue pensando que o Presidente Nyusi aprova as suas intervenções. Mas pior: surgiu nas redes uma figura mais papista que o Papa. Chama-se J.J.Cumbane. Seus textos estão cheios de ódio e recalque. A vitima mais recente foi o Professor Luís de Brito, do IESE, meu docente de antropologia politica nos gloriosos tempos em que a combatida UFICS formava uma verdadeira massa critica.
O Prof. Brito usou uma imagem de retórica para enfatizar uma opinião, e está a ser crucificado. O Prof. Brito combatia o argumento oficial segundo o qual a descentralização não pode ser aprofundada por causa das limitações fiscais ao nível dos distritos. Para ele, esse argumento era falacioso no contexto de um país cujo orçamento depende, em grande medida, dos doadores. Nessa situação, o pais era inviável… O Professor foi ao extremo para mostrar o absurdo do volteface relativamente ao aprofundamento da descentralização. E, chamado a clarificar, ele clarificou por A+B o que queria dizer. Quem esteve no evento ficou satisfeito. Mas o J.J. Cumbane aproveitou a referência a Portugal para lançar a sua intifada que, na verdade, vale o que vale, tal como a verborreia do Caliate contra o Mia vale o que vale.
Zeca Caliate e Mr Cumbane são, hoje, duas personagens dignas de um case study em divã apropriado.
Por Marcelo Mosse, da sua página no Facebook
Moçambique é assim
Se falares dos bons feitos do Governo de Moçambique, és lambebotas; estás à procura de uma posição política avantajada para ganhar a vida; és G40; és cúmplice dos ladrões que delapidam o erário público; enfim, és acólito da corrupção quase generalizada e que constitui o motivo central da bipolarização da nossa sociedade. Tens que que dizer que a Frelimo é um cartel de corrupção que se instalou no poder para viver às custas das contribuições do povo. Até pessoas que nunca pagaram imposto algum, bandidos e assassinos, aplaudem a quem assim se pronunciar sobre Moçambique.
Entretanto, minhas prezadas amigas e caros amigos, há mais coisas boas feitas pelo Governo de Moçambique do que coisas más. Isto é um facto incontestável. Atesta este facto a permanência firme de Moçambique na rota do progresso, apesar das intempéries. Ainda se vai levar algum tempo até que o flagelo da pobreza seja debelado, mas o combate contra este flagelo é visível e já começou a dar frutos. Hoje há mais crianças moçambicanas nas escolas do que em qualquer outro momento da história de Moçambique; há hoje mais postos de saúdes e mais fontes de abastecimento de água potável para a população moçambicana do que em qualquer outro momento da sua história; há hoje mais estradas transitáveis em Moçambique do que no passado; há hoje mais moçambicanos que capazes de construir, com recursos próprios, uma habitação condigna do que em qualquer outro momento da nossa história. Isto tudo é verdade, e boa verdade. Mas é também verdade que a população está a crescer diariamente, e que isto mascara o esforço que vem sendo feito para tirar o país da dependência. O crescimento demográfico é uma condição para viabilizar o desenvolvimento. Sem pessoas na proporção da terra disponível para produzir e render, na proporção dos recursos por explorar e com eles produzir a renda, Moçambique não se pode desenvolver de forma acelerada. Para acelerar o progresso de Moçambique precisam-se políticas adequadas de natalidade e educação, para povoar optimamente o país com pessoas úteis. Tais políticas vêm sendo ensaiadas neste país, mas precisam de ser revistas e optimizadas para que o desenvolvimento seja sentido e apreciado pela maioria da população moçambicana, se não mesmo por todos os cidadãos deste país.
Se apontares os erros da governação de ontem e de hoje, és um ingrato; és acólito da oposição; estás ao serviço de forças inimigas de Moçambique; és antipatriótico; és contra o progresso de Moçambique; és um instrumento da neocolonização; enfim, és inimigo de Moçambique e do seu povo. Tens que dizer que o Governo de Moçambique faz tudo bem. Não é permitido, por exemplo, dizer que no consulado de Joaquim Chissano houve muita coisa que caminhou torto e se deixou que assim fosse, e que isso criou vícios que estão a ser difíceis de combater hoje. A corrupção generalizada data desse tempo; a inoperância das instituições também data desse tempo. Muitas coisas feias e atentatórias à ética e ao decoro na função pública foram permitidas e toleradas no nosso convívio quotidiano naquele consulado. Até um partido político com um braço armado foi permitido no parlamento moçambicano—a Assembleia da República. Se te atreveres e apontar estes erros, serás conotado como estando contra Joaquim Chissano; como sendo guebuziano ou machelista. A figura de Joaquim Chissano é imaculada e é tido como insano quem tentar apontar este arquitecto da paz podre que se vive em Moçambique como sendo o principal responsável pelo advento do espírito do "deixa-andar" na administração pública deste país.
Também não é permitido dizer que as fortes convicções e consequente teimosia do Armando Guebuza ajudaram, sim, a colocar Moçambique na rota do progresso, mas criaram um clima de desconfiança que hoje está minar o progresso continuado deste país. Hoje não há confiança nas instituições do Estado. Tudo o que seja feito pelo Governo é considerado como sendo para enganar o povo. Este clima de desconfiança é consequência da cultura da falta de transparência e de prestação de contas que tem caracterizado os governos dirigidos pela Frelimo desde o consulado de Joaquim Chissano e piorou no consulado de Armando Guebuza. Aliás, no consulado de Armando assistiu-se ao advento da cultura de "deixa falarem e faz o que eu te disser para fazer", que desinstalou o espírito do "deixa-andar". Esta cultura, que brotou das convicções fortes e consequente obstinação de Armando Guebuza, exacerbou o clima de desconfiança até nas hostes da própria Frelimo, força dirigente do Estado moçambicano, que quase resultou na sua cisão. É no consulado de Armando Guebuza que nasce o sentimento errado de que a Frelimo está a gerir Moçambique como se de sua empresa se tratasse, o sentimento de exclusão que motivou a criação do slogan "Moçambique para todos".
Falar destas coisas, que não boas e são consequência de tolerância excessiva aos desmandos, do clientelismo, é considerado pecado ou tabu nas hostes da Frelimo. Não é que exista uma proibição expressa de as pessoas se expressarem livremente, mas existe o pensamento e consequente sentimento de que se alguém se atrever a criticar o que não está bem de forma aberta e directa, então esse alguém condena-se a ser preterido na distribuição de cargos. Sim, há nas hostes da Frelimo e mesmo fora dela a crença de que quem critica é inimigo e não merece confiança. Esta crença está a destruir Moçambique, porque retrai a contribuição dos mais habilitados para desempenhar funções complexas em lugares-chave da vida política, económica e social deste país. Os menos habilitados, os que se calam e se conformam com as coisas erradas—os ditos "mais ponderados"—, os incompetentes, são os que são chamados a exercer tais funções complexas, com as consequências inevitáveis, nefastas, que disso decorrem e sãos toleradas de forma sistemática. Esta prática nociva ao funcionamento do Estado tem vindo a contribuir para a corrosão progressiva da imagem da Frelimo.
E se interpelares os pronunciamentos impregnados de exageros ou com cunho subversivo, emitidos por um moçambicano tido pelos seus acólitos ou admiradores como erudito ou superdotado—sobretudo se esse for não-negro—, és tido como racista ou invejoso. Quer dizer, em Moçambique não é permitido interpelar pessoas com créditos estabelecidos, mesmo que esses créditos tenha sido firmados fraudulentamente. As opiniões dos "eruditos" são tidas como inquestionáveis; são tidas como leis. Só há espaço para ouvir e aplaudir. Em Moçambique considera-se que os "eruditos" não cometem erros, não cagam, não cospem, não são humanos; são santos, são extraterrestres, enfim, estão sempre certos. Quem ousar questionar alguém tido como "erudito" é considerado insano. Não é permitido, por exemplo, questionar algo dito por um Mia Couto, um Rui Baltazar, um Luís de Brito, um Carlos Nuno Castel-Branco & companhia limitada, e talvez também por um Elísio Macamo, um Severino Goenha, um João Joao Tique, entre outros poucos da cor destes. Se és negro e questionas um "erudito" branco, é porque não estás bem da cabeça; se és preto e questionas um "erudito" preto, é porque és invejoso. Mas se és "erudito" branco e questions um "erudito" negro, tens automaticamente razão. O inverso não inverte a razão. A crença é sempre que o homem branco sempre "sabe mais" que o homem negro, até sobre a vida privada deste. E é tabu questionar esta crença; é racismo.
Enfim, em Moçambique é assim que o gozo pleno das liberdades fundamentais só é permitido quando for para dizer BEM dos doutos, do Governo ou da oposição a este. Aliás, o gozo pleno das liberdades fundamentais só é permitido quando é para dizer MAL do Governo ou da oposição a este. Aliás não, nem isto é permitido! O que é permitido mesmo em Moçambique?! Ah! Em Moçambique nada é permitido, excepto dizer BEM de uns e MAL de outros, e vice-versa, ou ser analfabeto político. É assim que muitos acabam preferindo esta última habilitação: ser analfabeto político. Mas um analfabeto político por opção não vive bem; ele apenas finge que nada lhe afecta e se gaba de assim viver; finge abster-se da política, dizendo que esta é para os políticos. Para o analfabeto político, os académicos sem diploma num dos domínios das ciências sociais, os operários, os camponeses, não se devem envolver na política. Ou seja, paras os analfabetos políticos, em Moçambique o exercício das liberdades fundamentais é reservado aos políticos e diplomados em ciências sociais e afins. Indigna que este analfabetismo voluntário seja defendido até por alguns profissionais do Direito.
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