Foto: Vista aérea de um centro de reeducação (semanário TEMPO, Maputo 1979)
6. Depoimentos
Atanásio Afonso Kantelu *
O chamado “Centro de Reeducação” de Ruarua proveio do então célebre campo de massacres situado em Muatide na Província de Cabo Delgado e conhecido pelo nome de "Moçambique D” onde centenas de inocentes moçambicanos perderam a vida. Como o “Moçambique D” estivesse situado muito perto das povoações e, querendo os frelimistas manter secretas as suas acções criminosas, resolveram então no ano de 1976 transferir esse centro para o Sul, na região semi-montanhosa conhecida por Massómue, muito longe das aldeias. Como os criminosos tivessem mudado de lugar, assim também mudaram de nome, passando agora a ser conhecido pelo nome de “Ruaurua”.
O centro de Ruarua encontra-se situado na zona Sul de Mueda, a uma hora de viagem do Rio Messalo. O centro está dividido em três partes, a saber: Ruarua Centro-Geral, Ruarua Velho e Likeni sendo este último um lugar de torturas e execuções.
Sempre que um prisioneiro dava entrada no Centro-Geral, o mesmo era logo acompanhado e levado para o Likeni onde era severamente “chicoteado” por uma secção de polícias-soldados, armados de chicotes e varapaus que caíam por cima do desgraçado. Por regra geral, todos os prisioneiros em Likeni eram severamente castigados em todas as manhãs e tardes por aqueles carrascos da Frelimo. Foi precisamente no Likeni onde dezenas de inocentes compatriotas perderam a vida nas mãos dos “gangsters” da Frelimo. Para não citar todos, mencionarei alguns nomes dos companheiros que perderam a vida na minha presença: Jorge Jovêncio, natural de Maputo, enterrado vivo em 1977; Augusto Matete, Francisco Artur Catine, Suka e Kubangamuali Simwane (os dois irmãos Simwange, naturais de Cabo Delgado, espancados até à morte em 1977); Saidi Mitava, natural de Cabo Delgado, espancado até à morte em 1977; Domingos Raposo, natural da Beira, espancado até à morte em 1977; Luís João, natural de Maputo, fuzilado em 1978; João Manuel e Martino Bilal.
A vida em Ruarua era um verdadeiro inferno. Todos os prisioneiros eram forçados a trabalhar durante quase 9 horas por dia, quer fosse nas machambas, destroncamento de árvores, construção de palhotas dos carrascos soldados-polícias, na cozinha e acarretar água e comida. A refeição tomada uma só vez por dia, era composta de milho cozido sem sal – esta conhecida por “manganhola”, e algumas vezes de farinha de milho (massa) sem caril e insuficiente para cada um.
Em suma, trabalhos forçados, fome, falta de cuidados médicos, punições e execuções são, na visão geral da Frelimo, a maneira de reeducar alguém. Ai do prisioneiro que fosse visto a rezar ou a fazer o sinal da cruz. Esse era severamente punido e no fim era-lhe dito que Deus não existia e se é que ele acreditava na Sua existência então que rogasse a Ele para que o livrasse do castigo.
Encontravam-se em Ruarua mais de 800 prisioneiros vindos das diferentes Províncias de Moçambique e acusados de diferentes delitos: desertores da Frelimo, bêbados, ladrões, ex-soldados portugueses, GE e GEP, tipos opostos à linha ideológica da Frelimo e muitos outros que nem sequer sabiam a razão por que tinham sido presos.
Para finalizar, mencionarei os nomes dos soldados-polícias, mais carrascos e que mais se distinguiram na questão de massacres e que devem ter recebido medalhas de “Bom Serviço” dos dirigentes comunistas moçambicanos: Salésio Teodoro, Agostinho Lagos Henriques Lidimo e José Chulo (os “top” da segurança e responsáveis pela abertura de Moçambique D). Trindade Lidimo, comandante de Ruarua, João Lingongo, comissário político em Ruarua, Mwamba Likangonda, chefe de polícias em Ruarua, Tomé Vandavanda, Zacarias Zacarias (Z2) e outros cujos nomes não me recordo neste preciso momento e que foram algozes no campo. (continua)
* Antigo comandante da Frelimo. Preso na Beira a 16 de Julho de 1975 e mantido sob prisão no antigo quartel dos GE/GEP no Dondo até ser transferido para Ruarua. no Dondo, teve como companheiros de cela, entre outros, Francisco Timóteo Zuca, pai do escritor moçambicano Adelino Timoteo e que é dado como “desaparecido”; Álvares Aníbal, antigo combatente da Frelimo; Abel Gabriel Mabunda ex-estudante do Instituto Moçambicano e hoje membro do MDM; Jacob Carlos Chinhara, antigo membro da Frelimo, que conseguiu fugir para a Rodésia e fundar a estação emissora «Voz da África Livre».
3 comments:
Triste realidade,era assim um país independente?
Era assim Moçambique independente?
Estive neste campo de reeducação e gostaria de entrar em contacto com outros que estiveram lá, desde 1977 até 1981
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